Tainá
Theodora
Graziela
Durante três anos, Tainá, recém-formada em criminologia, vinha tentando o concurso para a polícia legislativa. Ela sempre se saía bem nas provas escritas, mas na prova física perdia o ar antes da hora e acabava reprovada. Agora, aos 35 anos, se sentia quase velha para começar, mas estava decidida a não fracassar desta vez. Pesando 58 quilos e com apenas três meses até o próximo teste, ela estava pronta para o "tudo ou nada". Treinava de segunda a sexta nas academias de rua da prefeitura de São Paulo, determinada a conseguir a vaga, mesmo que sua avó insistisse para que ficasse por perto.
— Grazi, cê tem certeza que esse cara é um bom preparador físico? — perguntou Tainá, olhando para Graziela, que fez uma cara de "nem eu sei". O treinador contratado era um cara que mal devia pesar 50 quilos, tinha um bigodão, cabelo estilo anos 80 e, pra piorar, uma roupa que lembrava o figurino do Agostinho Carrara.
— Putz, meu, o barato saiu caro! — Tainá suspirou, arrependida de ter dado ouvidos à amiga.
— Ai, amiga, relaxa! — Grazi riu alto e estridente, do jeito que sempre contagiava o ambiente, fazendo Tainá rir também.
Depois de meia hora de treino, o baixinho magrelo estava pegando pesado.
— Vamo lá, suas molengas, rápido! — ele gritava autoritário.
— Um minuto aí, seu Ubirajara. Preciso colocar minha playlist — disse Tainá, ajustando os fones de ouvido.
A música dos anos 80 invadiu seus ouvidos, e Grazi olhou curiosa.
— É forró? Um arrocha? O que você tá ouvindo? — perguntou.
— Música dos anos 80... — Tainá não deu muita explicação, apenas voltou para o treino.
Os exercícios eram duros, mas a música ajudava a aliviar o cansaço físico e mental. Quando finalmente fizeram uma pausa, as duas pegaram isotônico para se hidratar.
— Sei não, Tainá. Acho que não vamos passar de novo… — Grazi murmurou, um pouco desanimada.
— Oh, vira essa boca pra lá! Eu tô me apegando que essa vai ser nossa vez! — disse Tainá, determinada.
— Tomara! — Grazi tomou um gole do isotônico.
Nesse momento, uma mulher linda chamou a atenção de Tainá. Ela tentou disfarçar, sem querer que Grazi percebesse seu interesse. Desde sempre, Tainá ficava desconcertada perto de mulheres bonitas, mas insistia para si mesma que era hétero. porém fugia de namoros e encontros, com rapazes enquanto sua avó tentava arranjar candidatos, como o filho de uma amiga da paróquia.
Mas ali, era como se tivesse um imã. A garota era linda, com cabelos castanhos, cacheados, e olhos castanhos brilhantes. Usava um vestido florido que mostrava as coxas, sapatos de salto discreto, e parecia alheia aos olhares de Tainá. Até que, de repente, a garota se virou, e Tainá ficou tão sem graça que acabou se engasgando com o isotônico.
— Amiga, respira! — Grazi dizia, enquanto Tainá tentava se recuperar do engasgo. Ubirajara veio ajudá-la, batendo de leve nas costas dela.
Passado o susto, quando finalmente se recuperou, Tainá viu Grazi conversando com a garota misteriosa. "Putz, agora ela deve achar que eu sou uma retardada...", pensou.
— Tainá, tá melhor? Você se lembra da minha irmã mais nova, Theodora… Ela só tinha 10 anos quando você a conheceu. — Quando Grazi disse isso, Tainá quase desmaiou. Ela só torcia pra garota não ter percebido os olhares.
Uma semana se passou desde aquele encontro estranho. Tainá estava trabalhoando como back office de uma empresa de telemarketing. Antes, atendia ligações de clientes, mas depois foi transferida para a área de resolução, onde lidava com e-mails e chamadas ocasionais. Era um serviço que ela achava chato, mas bem menos corrido do que ficar atendendo ligações sem parar.
Enquanto tentava se concentrar no serviço, os pensamentos se dispersavam. Tainá não era do tipo que olhava para mulheres com frequência. Na verdade, era algo raro, fácil de ignorar, e ela sempre acreditou que essas sensações eram eventos isolados, mesmo que ocorressem desde a infância.
Mas, ultimamente, ela percebia seu olhar atraído por mulheres, mesmo tentando disfarçar. A sorte era que as pessoas que notavam isso estavam fora do trabalho e do seu círculo de amizades. A questão era: por quanto tempo?
— Tainá, vou tomar um café, quer vir? — perguntou Sheila.
— Se nós duas sairmos ao mesmo tempo, pode dar problema aqui — respondeu Tainá, preocupada.
— Mas é uma fofoca das boas! — insistiu Sheila, sorrindo.
— Tá, vamos lá! — respondeu Tainá, já animada com a perspectiva.
— A supervisora foi pega no escritório do gerente — sussurrou Sheila. Tainá, que nunca teve muita simpatia pela supervisora, levantou a sobrancelha. — E agora tem uma vaga para supervisão. Por que você não se candidata?
A ideia era tentadora, mas ela sabia que isso exigiria dedicação aos treinamentos internos, o que poderia interferir nos treinos para o concurso de policial legislativa. Mesmo assim, passou o resto do dia refletindo. Já tinha anos naquela empresa, e um salário maior poderia ser uma boa.
No fim da tarde, depois do expediente, Tainá foi para a praça onde havia equipamentos de ginástica. Começou a se aquecer, quando viu Graziela chegando com a irmã, que olhava fundo em seus olhos.
— Você lembra da minha irmã que te apresentei no outro dia, né? — perguntou Graziela.
"Como esquecer o dia do mico?", pensou Tainá.
— Você saiu tão rápido… Achei que era por minha causa — disse Theodora, com um sorriso no rosto.
— Vou apresentar de novo, tá? — Graziela riu, notando o desconforto de Tainá. — Essa é minha irmã, Theodora. Tem só 20 aninhos. E essa é minha amiga, Tainá.
— Prazer, Tainá. — Theodora estendeu a mão, e Tainá, tentando disfarçar o nervosismo, apertou a mão dela.
— Minha irmã vai treinar com a gente hoje — comentou Graziela, deixando Theodora visivelmente sem graça.
O treino ocorreu normalmente, mas, enquanto tomavam água, Tainá notou que Theodora estava sentada em um banquinho ao lado, olhando fixamente para ela. Ela desviou o olhar várias vezes, mas sempre acabava trocando olhares com Theodora.
"Será que ela desconfia de algo e está tentando descobrir?", pensou, inquieta.
Tainá já estava nervosa com tudo o que vinha acontecendo. Em alguns momentos, chegava a pensar que era coisa da sua cabeça.
— Bom, hoje a gente deu duro, bora parar por aqui — disse Tainá, tentando soar natural.
— vamos mesmo, tô com as pernas e os braços pesando uma tonelada — respondeu Graziela, rindo do próprio cansaço.
Tainá riu junto, mas ao olhar para Theodora, notou que ela a encarava fixamente, sem piscar.
"Por que ela tá me olhando assim?", pensou Tainá, inquieta.
Grazi se despediu com um tchau animado, e Theodora acenou também, mas Tainá foi para casa com a mente confusa, tentando entender o que estava acontecendo.
No dia seguinte, lá estavam Graziela e sua irmã, novamente. Elas chegaram cedo e já estavam se aquecendo quando Tainá as viu. Ela revirou os olhos, pensando consigo mesma: "Eu mereço isso".
E, como se Theodora soubesse exatamente o que se passava na cabeça de Tainá, seus olhos encontraram os dela. As duas ficaram presas nesse olhar por alguns segundos, uma espécie de silêncio intenso no ar, até que Tainá, constrangida, tentou desviar.
As semanas estavam seguindo no mesmo ritmo, e Tainá continuava desconcertada pelos olhares intensos e enigmáticos de Theodora.
— Bom, vamos parar por hoje... bati meu recorde! — disse Tainá, suada e satisfeita com seu desempenho, orgulhosa de sua determinação.
— Você foi muito bem, Tata — comentou Theodora, com um sorriso que parecia despretensioso, mas carregava algo a mais.
"Que intimidade é essa? Eu mereço... Essa menina só veio pra complicar minha cabeça!" pensou Tainá, irritada. A última coisa que ela queria era se imaginar com uma mulher, ainda mais uma tão mais nova. Para ela, quem tinha menos de 25 era tudo cabeça de vento, Maria-vai-com-as-outras.
Tentando disfarçar o desconforto, Tainá sorriu rapidamente para Theodora em agradecimento.
— Amiga, eu e minha irmã estávamos pensando em ir ao sítio com você… lembra que sua avó convidou a gente pro sítio do seu tio? — Graziela comentou animada, enquanto Theodora, ao lado, soltava um sorriso de canto, cheio de segundas intenções, que não passou despercebido por Tainá.
No dia da viagem, Tainá, que não sabia dirigir, e muito menos Theodora, sua avó confiou a direção a Graziela, que era uma motorista exemplar. Para evitar qualquer constrangimento, Tainá fez questão de ir no banco de trás com sua avó. Mas, para sua surpresa, a avó insistiu em ir na frente, pois adorava "ajudar os motoristas", o que significava tagarelar e dar palpites o caminho todo.
A diversão estava só começando.
"Ok, o que eu faço? Já sei, vou fingir que tô dormindo... mas a viagem inteira? Vou colocar os fones e ouvir música, é isso... Será que ela vai me achar mal-educada? Ah, tomara que essa viagem acabe logo!" — pensava Tainá, tentando encontrar uma forma de disfarçar seu desconforto.
De relance, ela via Theodora no banco ao lado, distante, mexendo distraidamente no celular.
"Será que tô surtando? Acho que eu inventei tudo isso na minha cabeça. Ela nem deve ter notado nada…" Tentando se convencer, Tainá passou o restante da viagem com os fones, achando que havia escapado de um sufoco.
Mais tarde, com os quartos definidos, ela teve um alívio: ficaria no quarto com sua tia Mabel, Márcia e sua avó, que roncava alto e peidava a noite toda. "Ou isso ou dividir o quarto com a irmã mais nova da minha melhor amiga…" pensou, aliviada.
— Que pena que não vamos ficar no mesmo quarto — disse Graziela, desapontada.
— Pois é, eu tentei… — respondeu Tainá, mentindo descaradamente. Mas ao falar isso, percebeu que Theodora a olhava com um sorriso de quem parecia pensar “sei”. O olhar fez Tainá ficar constrangida na hora.
Depois de algumas horas, com o sol forte castigando, todos decidiram pular na piscina. Tainá, sempre discreta, estava de camiseta e um short jeans curto, pois achava que o biquíni ficaria vulgar nela. Porém, para seu espanto, Theodora surgiu usando um biquíni, exibindo um corpo de dar inveja. Todos os rapazes olharam, e Tainá, sem querer, também. Sentindo o rosto esquentar, ela fechou os olhos por um momento, tentando se recompor.
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