..."Para todos os desesperados como eu, que aguardam um milagre na vida."...
...Capítulo Um...
...***...
O mar agitado sacudia a grande galé real que cortava as ondas rumo às costas de Relish. Após dias de viagem, Louis enfim avistou terra ao longe. Ele se agarrou com força à amurada do convés, contemplando com expectativa a paisagem que surgia no horizonte. De repente, a porta do camarote se abriu e seu pai, Jacques, apareceu, trajando suas vestes formais de corte.
"Estamos quase lá, filho. Espero que sua doença não tenha estragado a viagem."
Louis tentou assentir com firmeza, apesar de sua visão ainda embaçada pelos resquícios da enfermidade que o fizera passar os últimos dias dobrado sobre a borda. Era a primeira vez que se aventurava tão longe de casa, rumo a terras estrangeiras apenas pelo convite azul do oceano. E, por mais que se agarrasse à nobre missão diplomática, seu estômago ainda revolvia-se em protesto.
Louis fechou os olhos, cansado, apoiando-se na porta de seu camarote enquanto segurava os preciosos fios das lembranças de sua mãe. Havia anos desde que a implacável febre a levara dele, deixando um vazio em seu coração na forma de um lago congelado no inverno.
Mas em sua mente, a voz bondosa de sua mãe ainda ecoava, narrando histórias das distantes terras de Relish antes de ele adormecer. Suas palavras o transportaram de volta àquela noite, aninhado em seu colo enquanto se deitavam juntos na poltrona perto da janela do castelo, observando o sol se pôr atrás das árvores.
Os raios dourados iluminavam seus cachos castanhos e olhos cor de avelã que sorriam com gentileza, enquanto ela descrevia cada detalhe do reino com a graça de um pássaro cantando sua canção. Louis podia quase cheirar o aroma das florezinhas silvestres que nasciam pelas colinas, quase ouvir o zumbido da vila abaixo enquanto as estrelas despontavam.
Sua melodiosa voz criava imagens tão vívidas na mente de Louis que, para ele, cada pedaço daquela terra estrangeira já era familiar, mesmo nunca tendo posto os pés lá. Às vezes, tinha medo de que, ao desembarcar, nada seria como esperava. Aqueles momentos preciosos passados com sua mãe eram quase o único laço que o prendia ainda àquele desconhecido reino lá ao longe, que ganhava forma.
Quando o navio real finalmente atracou no porto de Relish, Louis sentiu um misto de alívio e ansiedade. Após dias de mar agitado, estava ali, diante da terra tantas vezes sonhada. Ao descerem pela pesada rampa, um vento salgado acariciou seu rosto, trazendo o aroma da terra nova.
Cavaleiros montados em corcéis vermelhos como sangue aguardavam para recebê-los. Suas cota-de-malhas reluziam à luz fraca do sol, e elmos dourados exibiam plumas carmesins. Com passos decididos, guiaram os visitantes ilustres até a carruagem que os levaria ao castelo.
O trajeto passou num piscar de olhos para Louis, que quase pulava em seu assento, ávido por detalhes. Logo avistou as torres do castelo se erguendo majestosas sobre o vale. Ao adentrarem a cidade, Louis se maravilhava com as casinhas de pedra clara, que exibiam telhados em mosaicos coloridos, contrastando com o céu azul. As ruas estreitas fervilhavam de vida, dos vendedores ambulantes que gritavam suas mercadorias aos meninos que corriam rindo. O ar estava impregnado de aromas de pães frescos, especiarias e flores exóticas, despertando os sentidos de Louis.
Ao passarem pelos enormes portões de carvalho, finamente esculpidos com desenhos de cavaleiros e dragões, uma multidão se aglomerava, ansiosa para ver os visitantes do outro país. A carruagem finalmente parou em frente aos degraus de mármore do alto palácio. De dentro das portas de carvalho emergiu Rei Isaac, com passos lentos, mas seu olhar era afiado como uma lança.
"Sejam bem-vindos, meus nobres amigos. Espero que tenham realizado boa viagem até nossa corte," saudou com uma voz profunda e imponente.
Louis prestou atenção nos comentários corteses trocados entre os monarcas, enquanto analisava discretamente o caráter do anfitrião. Havia algo em Isaac que o deixava reservado, como se escondesse mistérios sob aquela fachada protocolar.
Ao seu lado surgiram seus dois filhos. O mais velho possuía cabelos encaracolados e olhos perspicazes, mas foi a bela visão ao seu lado que roubou a atenção de Louis. Uma garota igualmente nobre exibia longos fios dourados, tão macios que ele se perguntou se seu toque seria como raios mornos de sol. Por detrás de uma mecha dourada que escapara da trança, revelou-se um conjunto de sardas claras sobre o nariz arrebitado. Pareciam pequenas estrelas caindo do céu, traçando um mapa de constelações sobre sua pele de porcelana. Louis desejou contar cada sardinha, uma a uma, com todo o cuidado, como se descobrisse os mistérios do universo sob a luz da lua.
"Minha filha, Aveline," apresentou o rei.
A princesa curvou-se com graça, revelando um sorriso doce como cristal.
Quando seus olhares se cruzaram, foi como se Louis tivesse sido atingido por um feitiço. Sentiu o rosto queimar e o coração disparar dentro do peito. Por um instante, tudo ao redor desapareceu e ele esqueceu-se de onde estava, hipnotizado pelo encanto da graciosa figura. Cada movimento seu tinha a leveza de um pensamento.
Perdido naquela visão mágica, mal percebeu quando o rei ofereceu conduzi-los ao castelo. Precisou de um cutucão do pai para voltar à realidade. Louis percebeu que, a partir dali, nada seria igual, como se uma nova aventura tivesse começado dentro de seu coração. E de fato, havia.
...Capítulo Dois...
...***...
Louis adentrou o grande salão como se estivesse em território desconhecido. As paredes de mármore pareciam se fechar a cada passo, cintilando sob o luar que filtrava pelos enormes vitrais, que guardavam o sorriso congelado das eras passadas. Ele se sentou à ponta da longa mesa, tentando amenizar o turbilhão que seu peito se tornara. Os talheres de prata faiscavam à luz de mil velas, aguardando sua sentença nas inexperientes mãos.
Como saborear a fartura de pratos sob seu temeroso olhar? Cada cor e aroma pareciam línguas estrangeiras prontas a traí-lo. Foi então que suas íris captaram, além da quilométrica madeira lustrada, um oásis em meio ao deserto de rostos sem nome.
Lá estava Aveline, rindo como o canto matutino de pássaros. Seu gracejo desprendia-se leve, enquanto o irmão Arthur parecia pendurá-la em cada sílaba, orgulhoso da graça que a natureza lhes dotara. Louis sentiu o gosto amargo da inveja correr-lhe a garganta, preso àquela mesa de condenados.
Então, focou-se no grupo real, onde os monarcas discutiam assuntos de estado. As mãos se animavam, denotando delicadas disputas políticas. Curioso, buscava desvendar os segredos daquela dinastia com quem trataria acordos.
Por vezes, o olhar de Aveline cruzava com o seu, puxando-o de volta como imãs. Embora cauteloso com o protocolo, sua graça o acalmava. Contudo, breves momentos depois, ela retornava à turma real, deixando-o novamente consciente de seu papel de forasteiro.
A noite seguia animada nos salões reais, mas para Louis, as horas pareciam congeladas. Preso à contemplação de Aveline do outro lado da mesa, mal provara bocado daquela fartura. Até que, subitamente, Aveline se levantou, pedindo licença de forma gentil, e Louis, impulsionado pela curiosidade, decidiu segui-la. Com o coração acelerado, ele se levantou discretamente, mirando a porta pela qual ela havia saído.
Ao atravessar o corredor iluminado, Louis perdeu-se em pensamentos sobre o que poderia dizer a Aveline. No entanto, assim que a visualizou à distância, percebeu que ela parecia estar se afastando rapidamente, até que, de repente, ela desapareceu.
Louis caminhou mais rápido, mas logo se viu parado, confuso, ao perceber que havia perdido completamente seu rastro. Foi então que, para seu espanto, sentiu um leve toque em seu ombro. Ele se virou para ver que Aveline estava atrás dele, sorrindo.
“Por que você está me seguindo?” ela perguntou.
Louis ficou paralisado, suas palavras se perderam em sua garganta. O que ele poderia dizer?
“Eu… eu só estava passeando por aí, sabe?”
Aveline riu, mas então o riso se transformou em um olhar de atenção.
“Escute!” sussurrou ela, erguendo a cabeça. Louis também ouviu – passos se aproximando do corredor.
Sem pensar duas vezes, eles se esquivaram rapidamente para detrás de uma tapeçaria pendurada na parede. O coração de Louis batia acelerado, e ele podia sentir a proximidade de Aveline ao seu lado. Estavam tão próximos que ele sentiu o cheiro leve de flores de seu cabelo.
Os passos dos guardas que faziam a ronda se afastaram, e o silêncio tomou conta do corredor. Aveline, sentindo a tensão diminuir, girou-se para Louis com um sorriso travesso no rosto. Sem pensar duas vezes, ela agarrou a mão dele, fazendo com que Louis corasse instantaneamente.
“Vamos!” disse, puxando-o para fora de detrás da tapeçaria.
Ao saírem do pátio principal, Aveline conduziu Louis até um jardim oculto, longe dos olhos curiosos dos adultos. Quando chegaram, Louis ficou sem palavras. Era um lugar mágico, repleto de flores de todas as cores e formas: rosas vermelhas brilhantes, girassóis radiantes e flores azuis que pareciam brilhar com a luz da lua.
“É lindo, não é?” Aveline perguntou, soltando a mão de Louis e girando em um pequeno espaço aberto no jardim, como se estivesse dançando com a natureza.
Louis assentiu, maravilhado.
Ao atravessarem o jardim, Louis avistou uma grande estátua de pedra no centro da clareira circular. Era um dragão esculpido com detalhes impressionantes, igual àqueles nas armas que vira no portão principal.
O menino parou fascinado, observando cada curva e escama da criatura mítica. Aveline deteve-se ao seu lado, sorrindo ao notar seu olhar deslumbrado.
"Admirado pela estátua?" perguntou.
"Sim, é incrível," Louis respondeu, os olhos brilhando. "Gostaria muito de ver um dragão de verdade."
Aveline riu suavemente.
"Também gostaria. Infelizmente, só restam lendas, não existem mais dragões."
"Como assim?" Louis franziu o cenho, confuso. "Minha mãe contava histórias sobre eles que habitavam estas terras."
"São apenas lendas do passado," Aveline explicou, acariciando a pedra fria. "O último foi morto há séculos pela Casa Asthon, que o adotou como símbolo. Assim como nosso reino usa esta imagem."
Louis pareceu desapontado. Seu sonho desde pequeno se esvaía. Mas logo seu olhar se animou novamente.
"Um dia eu mesmo matarei um dragão!" exclamou decidido.
"Que ousadia a sua, rapaz!" disse uma voz risonha atrás deles. "Porém, quem sabe não resta algum ainda por aí, escondido nas fendas das montanhas..."
Era Arthur, que se aproximou entre as flores, seus olhos passaram primeiro por Aveline e, depois, reparando em Louis.
“Você não deveria estar longe do jantar, irmã. Papai está perguntando por você,” disse ele com um tom de reprovação, mas um leve sorriso brincava em seus lábios.
“Só estávamos explorando um pouco...” Aveline tentou justificar, mas Louis percebeu que o momento mágico tinha chegado ao fim, pelo menos por enquanto.
Arthur encarou Louis com olhos curiosos, percebendo o rubor que tomou as faces do jovem estrangeiro.
"Minha irmã não costuma trazer ninguém até aqui. Este é o seu refúgio secreto entre as flores."
Aveline desviou o olhar, mordendo o lábio em tímida vergonha. Seu gesto discreto não passou despercebido ao irmão mais velho, que segurou a mão dela de modo protetor.
"O jantar se encerra. Devo levar Aveline de volta antes que nosso pai venha buscá-la. Você nos acompanha, ou pode se perder por estes corredores."
Sem esperar resposta, Arthur iniciou a marcha de volta ao castelo, puxando a irmã consigo. Louis emendou o passo atrás deles, sentindo o calor subir em seu rosto ao pensar no significado daquele convite secreto.
Meneou a cabeça para afastar tais devaneios, concentrando-se nos passos apressados que os guiavam de volta à proteção dos corredores iluminados.
...Capítulo Três...
...***...
Enquanto Louis e seu pai, Jacques, caminhavam pelos corredores iluminados do castelo após o jantar, a atmosfera ainda vibrava com o eco das risadas e conversas dos convidados. Louis não conseguia tirar a mente de Aveline, e seu coração ainda pulsava rápido com a aventura no jardim.
Jacques observou o silêncio pensativo do filho e sorriu.
“Notei que você teve um olhar especial para a princesa durante o jantar,” comentou, com um tom brincalhão.
Louis corou instantaneamente, lembrando-se dos olhos de Aveline que iluminavam seu espírito.
“Eu… eu só estava prestando atenção,” respondeu, tentando parecer indiferente.
“Isaac fez a proposta de um acordo de casamento entre vocês,” continuou Jacques, mantendo um tom leve. “O que você acha dessa ideia?”
Louis parou, surpreso, como se tivesse ouvido um absurdo.
“Jamais me casaria assim!” exclamou, indignado. “Quero me casar por amor!”
Jacques olhou para o filho com um misto de surpresa e orgulho.
“É uma posição admirável. Mas não tem medo de perder Aveline? Afinal, ela pode se casar com outro.”
Louis hesitou, a pergunta cortando-o como uma lâmina. Ele mordeu o lábio, perdido em pensamentos, antes de balançar a cabeça.
“Se for assim… tudo bem,” respondeu, a voz mais baixa. “Mas eu não forçaria ninguém a se casar comigo.”
Jacques parou e olhou nos olhos de Louis, captando a seriedade de suas palavras.
“Você tem um bom coração, meu filho. E é importante lutar pelo que se deseja.”
Os dois continuaram a caminhar em silêncio. As palavras do pai ressoavam na mente de Louis, que mal conseguiu fechar os olhos naquele restante de noite. O coração pulsava descompassado, e a ansiedade o mantinha acordado, como se estivesse à beira de algo grandioso e desconhecido. Mas, à medida que os pensamentos se aglomeravam, um novo medo começou a se formar: a possibilidade de perder Aveline. Essa ideia o envolveu como uma sombra, intensificando sua inquietude e fazendo com que o desejo de estar ao seu lado se tornasse ainda mais urgente.
...***...
O sol já banhava as altas torres de pedra do castelo de Relish quando duas figuras se preparavam para seu combate matinal no pátio interno, sob os olhares atentos dos criados e guardas reunidos.
Arthur testou o peso e equilíbrio da espada de madeira em suas mãos, avaliando o companheiro do outro lado do pátio com olhos atentos. Embora três anos mais novo, Louis mostrava habilidade nata com a arma e aprendia rápido. Será um adversário digno, pensou Arthur.
O silêncio se espalhou pela platéia ansiosa quando um dos guardas ergueu os braços, declarando em voz alta o início do combate.
Num átimo, os jovens príncipes mergulharam em uma dança mortal de golpes e contragolpes. Apesar de sua desvantagem de tamanho e experiência, Louis demonstrava surpreendente agilidade e reflexos além de seus onze anos desviando e bloqueando cada investida de Arthur com precisa antecipação.
Por alguns instantes, os espectadores prenderam a respiração diante da incerteza do confronto. Mas aos poucos a destreza do herdeiro mais velho começou a prevalecer sobre a bravura do adversário. Com um golpe fulminante, Arthur desarmou a espada das mãos ágeis de Louis, fazendo-o voar longe pelo pátio. Num único movimento, apontou então sua própria arma de treino no pescoço do jovem príncipe, enquanto aplausos atronadores enchiam o local.
"Até que você não é tão ruim", disse Arthur, oferecendo uma mão para ajudá-lo a se levantar.
"Outra vez será diferente!"
Foi então que, entre a plateia animada, os olhos de Louis encontraram um brilho dourado que conhecia bem. Lá estava Aveline, aplaudindo com um orgulho genuíno ao irmão. Sentiu o rubor subir até suas orelhas ao ser pego de surpresa por sua presença. Será que ela também vira o seu duelo? O pensamento o enchia de timidez.
"Parabéns aos dois!" ela exclamou. "Arthur, o senhor Weber chegou e aguarda em sua sala de estudos."
Arthur apenas acenou em despedida antes de se afastar, deixando Louis subitamente ciente de que estava só com Aveline. Seu corpo parecia não obedecer às ordens do cérebro, paralisado diante da graciosa presença.
Foi quando ela aproximou-se, que Louis encontrou na gentileza de seus olhos coragem para falar. A respiração se perdeu em meio aos encantos dela, que agora pareciam tão próximos quanto o mais doce dos sonhos.
"Lamento que tenha presenciado minha derrota para seu irmão" disse timidamente, encostando com cuidado o cabo da espada no chão, ainda ofegante pela batalha.
"De forma alguma", respondeu Aveline com um sorriso delicado. "É sempre agradável ver meu irmão se divertindo entre seus afazeres. Geralmente, ele se encontra tão focado em suas lições que esquece de viver".
"Seu irmão é um guerreiro formidável", elogiou Louis, secando o suor do rosto com as mãos.
"Você também é", disse Aveline, fitando-o com admiração nos olhos.
Louis sentiu um calor subir pelo pescoço ao sorrir tímido diante do elogio. Um breve silêncio desceu entre eles enquanto os olhares se cruzavam, cúmplices. Seu coração ainda martelava furioso no peito, misturando a adrenalina da luta com a emoção de ter a princesa tão próxima. Havia tantas palavras presas em sua garganta, sonhos e anseios por aqueles encantos que o deixavam sem fôlego. Mas naquele instante, tudo o que conseguiu foi sorrir como um tolo.
O clima ameno que se formava entre eles se desfez de súbito. Por entre os presentes no pátio surgirá o Rei Isaac, que se aproximava a passos duros. Aveline se virou, pronta a cumprimentar afetuosamente o pai como de costume. Mas algo estranho reluzia nos olhos do monarca naquele dia.
Antes que a jovem princesa pudesse dizer alguma palavra, Isaac ergueu a mão e desferiu-lhe um tapa fortíssimo no rosto.
"Inútil!" Gritou ele com fúria. "Só serve para me envergonhar!"
O tapa ecoou estrondoso no pátio, fazendo Aveline cambalear. Ela sentiu o gosto de cobre na boca quando seus joelhos findaram a dura pedra.
Louis prendeu a respiração, paralisado de horror. Jamais vira tal brutalidade, muito menos direcionada à doce princesa. Seus instintos gritavam para correr em seu socorro, mas o medo da fúria real o mantinha estático. Aveline tremia, mãos trêmulas sobre o rosto em chamas.
“Peço perdão por ter que fazê-lo ver isso, jovem príncipe.” sibilou Isaac em tom gélido. “Ela precisa compreender seu devido lugar. Daqui em diante ficará em seus aposentos.”
Sua dama de companhia, Marion, correu em seus amparos, envolvendo carinhosamente o corpo trêmulo da princesa. Louis finalmente reagiu ao presente, virando-se com raiva contida para onde Isaac já não estava. Voltou sua atenção para, que Aveline permanecia abraçada a Marion, o rubor da face contrastando com as lágrimas que escorriam sem fim. Alguns servos observavam com olhares indiscretos, cochichando entre si. Ela se encolheu como se quisesse sumir dali, longe daquela exposição humilhante.
Louis odiou ver que ela precisava suportar as consequências do caráter tirano do próprio pai. Aveline não merecia tal tratamento, especialmente na frente de todos.
"Não se preocupe, princesa.", disse Marion, lançando um olhar que fulminava os curiosos, mandando que desviasse os olhos da cena.
Ajudou então Aveline a se levantar com delicadeza. Antes de partir, a princesa lançou um último olhar triste em direção a Louis.
E foi por aquele olhar, que Louis não conseguiu fechar os olhos naquela segunda noite seguida. Sua mente fervilhava relembrando os acontecimentos daquela manhã. Seu peito doía de uma forma estranha ao imaginar a tristeza de Aveline. Uma angústia incômoda o consumia por dentro, sem que soubesse explicar. Tudo o que queria era vê-la sorrindo novamente.
Virou-se na cama inquieto, tentando afastar as imagens que o atormentavam. Mas quanto mais se esforçava, mais nítidas elas ficavam. Sem se conter, foi em busca de notícias sobre a princesa. Precisava saber dela.
Caminhando silenciosamente pelos corredores, ouviu o som abafado de soluços vindos de trás de uma porta entreaberta. Lá estava ela, encolhida sobre o códice branco que era seu quarto, desfazendo-se em lágrimas contra o ombro da devota Marion.
O coração de Louis se partiu. Mas ele permaneceu escondido atrás da porta, sentindo-se mais impotente do que nunca. Apenas a presença da bondosa Marion lhe trazia algum alívio, enquanto ela acariciava os cabelos de Aveline gentilmente.
“Ele me odeia, senhorita Marion... Por que papai me odeia tanto?” perguntou entre lágrimas, a tristeza de seus olhos dilacerando o príncipe.
A dama afagava os longos cabelos dourados com carinho maternal, sem saber o que responder. Limitou-se a um suspiro pesaroso.
“Não posso falar sobre Sua Majestade, criança. Mas saiba que não tolero vê-la assim” declarou em tom baixo.
“Então por que tenho que sofrer desse jeito?”
Palavras que ecoaram em Louis também. Ele também se perguntava porque ela tinha que sofrer dessa forma, sendo uma alma tão gentil e bondosa.
Jamais conhecera uma pessoa com um coração tão doce quanto o de Aveline. Ela não merecia ser tratada com tanta dureza e indiferença, especialmente pelo próprio pai. Essa crueldade era injusta e desnecessária.
“Ele me odeia porque eu tirei a mamãe dele” continuou Aveline em um fraco sussurro.
Louis encarou o chão, sentindo o aperto da familiar no peito. Ele também conhecia aquela dor, embora em circunstâncias muito mais brandas. Tinha apenas memórias difusas dos oito felizes anos ao lado da mãe. Mas a história de Aveline era muito mais cruel, marcada pelo abandono precoce e toda a carga de culpa que o pai insistia em impingir.
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