...Fernanda Milani...
...Rodrigo Vasconcelos...
...Todo mundo tentou me alertar, eu agradeço...
...Mas eu já não estava aqui...
...Me perdi em nós e gostei mais de você...
...Do que você gostou de mim...
...E tudo certo...
...— idiota (jão)...
Rodrigo:
Um ano e meio antes...
O salão estava lotado, o ambiente cheio de sorrisos calculados, risadas superficiais e conversas que não levavam a lugar nenhum. Festas beneficentes como aquela sempre seguiam o mesmo roteiro. Comparecer, ser simpático com quem importa e garantir que sua presença fosse notada pelas pessoas certas. Nada fora do esperado – ou pelo menos foi o que eu pensei até vê-la.
Era um evento beneficente que reunião médicos, advogados e empresários que arrecadamos dinheiro para crianças e famílias carentes.
Eu estava conversando com alguns colegas do Ministério Público, fazendo o social de sempre, quando ela entrou. Foi como se o ar tivesse mudado no instante em que a vi pela primeira vez. Uma mulher de vestido preto longo, simples, mas elegante, com um corte perfeito que realçava as curvas sem ser vulgar. Os cabelos soltos caíam em ondas sobre os ombros, e seus olhos tinham um brilho que misturava autoconfiança e mistério.
Parei de falar por um instante, intrigado. “Quem é ela?”, pensei. Eu conhecia quase todos os rostos influentes dali, mas não o dela. E isso me deixou curioso. Muito curioso.
— Está admirando alguém, Rodrigo? — a voz zombeteira do meu amigo Thiago me tirou do transe.
— Quem é aquela? — perguntei, indicando-a com um leve aceno de cabeça.
Thiago seguiu meu olhar e sorriu como se soubesse algo que eu não sabia.
— Ah, a Fernanda. Advogada. Recém-promovida no escritório Ramoni & Alves. Cuidado, meu amigo. É linda, mas não se engane. Ela é do tipo que pode acabar com você em uma sala de audiência sem nem piscar.
— Hm... — murmurei, intrigado e, admito, ainda mais interessado.
Thiago não perdeu tempo. Antes que eu pudesse impedi-lo, ele já estava me arrastando na direção dela.
— Fernanda! — ele a chamou com um sorriso fácil. — Preciso apresentar alguém a você.
Ela se virou, e quando nossos olhares se encontraram pela primeira vez, senti como se o resto do salão tivesse desaparecido por um segundo. De perto, ela era ainda mais impressionante. Havia uma tranquilidade fria na expressão dela, como se nada ali pudesse realmente abalar sua compostura. Mas, ao mesmo tempo, eu podia ver algo por trás daquela fachada impecável. Algo feroz.
— Rodrigo Vasconcellos, promotor de justiça. — Pedro fez as apresentações com um tom brincalhão, claramente se divertindo com a situação. — E esta é Fernanda Milani, a melhor advogada que você não vai querer enfrentar.
Ela estendeu a mão, firme e decidida, e um leve sorriso tocou seus lábios – não amigável, mas também não hostil. Era um sorriso educado, daqueles que não revelam nada, e eu me vi querendo saber mais.
— Prazer em conhecê-lo, doutor Vasconcellos. — A voz dela era suave, mas carregava uma segurança inabalável.
— O prazer é todo meu, doutora Milani. — Respondi, sem soltar a mão dela imediatamente, só para ver como ela reagiria.
Ela não recuou. Thiago contrário, manteve o olhar fixo no meu, um desafio silencioso que fez meu peito aquecer com uma mistura de fascínio e diversão.
— Então, você é a famosa Fernanda que todos comentam — provoquei, arqueando uma sobrancelha.
— Espero que sejam bons comentários. — Ela sorriu, mas havia algo no tom dela que me fez entender que eu estava pisando em terreno perigoso.
Naquele momento, tive certeza de duas coisas: ela era tão brilhante quanto bonita, e eu estava perdido. Porque nada naquele baile era mais interessante do que aquela mulher de sorriso contido e olhar afiado.
E foi ali, naquele salão cheio de gente, que começou tudo. Eu só não sabia ainda que aquela advogada impecável iria se tornar a minha maior provocação. E o meu maior vício.
...Às vezes no silêncio da noite...
...Eu fico imaginando nós dois...
...Eu fico ali sonhando acordado...
...Juntando o antes, o agora e o depois...
...Por que você me deixa tão solto?...
...Por que você não cola em mim?...
...— Sozinho ( Caetano Veloso)...
Rodrigo:
Atualmente...
O tribunal estava em completo silêncio, exceto pelo som das teclas do juiz digitando suas anotações e o ocasional farfalhar de papéis. Eu deveria estar 100% focado no que importava: desmontar a defesa do réu, um homem acusado de matar a própria sobrinha, e garantir que ele fosse condenado. Mas, para minha infelicidade – ou sorte, dependendo do ponto de vista – Fernanda Milani estava sentada na bancada da defesa, e isso tornava as coisas... complicadas.
Ela estava linda. Claro que estava. Sempre está. Mas hoje havia algo mais, um tipo de elegância fria e impassível que combinava perfeitamente com o terno azul-marinho que ela vestia, perfeitamente ajustado ao corpo. Os cabelos estavam presos em um coque baixo, deixando à mostra o pescoço delicado. Simples, sofisticada, e letal na mesma medida.
Eu tinha que me concentrar, mas cada vez que ela cruzava as pernas ou deslizava uma caneta entre os dedos, minha mente insistia em desviar para pensamentos que não tinham lugar ali. O jeito que seus lábios se comprimiam levemente enquanto ouvia meu argumento – como se avaliasse cada palavra que eu dizia, procurando uma falha. Ou o brilho em seus olhos castanhos, que eu já conhecia bem demais. Aquela mulher conseguia me tirar do sério mesmo sem dizer uma palavra.
Ela levantou-se da cadeira, com a postura impecável de quem sabe que está no controle, e começou seu discurso de defesa. A voz dela era firme, clara, e cada frase parecia calculada para deixar uma brecha de dúvida na mente do juiz. Não era só um jogo de palavras; era quase uma obra de arte.
E eu, ali na bancada da acusação, deveria estar pensando em como derrubar os pontos dela. Mas tudo que passava pela minha cabeça era o quão magnética ela era. Como diabos alguém conseguia ser tão irritantemente fascinante ao mesmo tempo?
Ela sabia que eu estava olhando. Tenho certeza disso. Em determinado momento, enquanto falava sobre as supostas falhas na investigação, seus olhos encontraram os meus. Foi rápido, um segundo apenas, mas o suficiente para que um sorrisinho quase imperceptível surgisse no canto de sua boca. Aquele sorrisinho irritante, calculado para me tirar do eixo. E, como sempre, funcionou.
"Concentre-se, Rodrigo", eu me repreendi mentalmente. "Você está aqui para garantir uma condenação, não para admirar uma mulher que vai fazer questão de arruinar o seu caso."
Mas era impossível ignorar. Cada palavra dela era uma provocação disfarçada, cada gesto cuidadosamente controlado como se soubesse o quanto me afeta. E, droga, sabia. Fernanda Milani era um problema. Um problema lindo, inteligente e absolutamente perigoso.
Assim que ela se sentou novamente, lancei-lhe um olhar que dizia: "Eu sei o que você está fazendo." Ela apenas ergueu a sobrancelha, como se respondesse: "E o que você vai fazer a respeito?"
A resposta, claro, era nada. Nada por enquanto. No tribunal, eu era profissional, e ela também. O jogo entre nós estava em andamento há meses, e ali, diante do juiz e do júri, nós éramos inimigos declarados. Mas fora dali...
Bom, fora dali, ainda não decidi se quero acabar com ela ou beijá-la até ela perder a pose. E esse, definitivamente, é um problema maior do que qualquer julgamento.
...[...]...
— 30 minutos de intervalo. – o juiz bate o martelo.
As testemunhas começaram a sair e os policiais levaram o réu. Ficou alguns guardas na pirta. Eu peguei minhas coisas e sair depois que ela saiu.
Fernanda caminhou como se fosse a porra de uma deusa, e talvez seja. Acompanhei com meus olhos cada movimento que ela dava. Cada passo e cada sorriso que ela distribuía para os seus conhecidos.
Falou um pouco com o seu cliente e só então voltou e se sentou quatro cadeiras longe de mim.
— Você é muito boa nisso. Quase me convenceu.
— E você é um idiota. — Respondeu sem emoção, arrumando seus papéis sem sequer me olhá-lo.
— Ah, Fernanda, não precisa ser tão fria. Se você sorrisse de vez em quando, talvez eu gostasse mais de perder para você.
— Sorrir é para momentos de vitória, Vasconcellos. E adivinha só? Ainda não perdi para você.
Dou um sorriso lento, como quem aceita o desafio.
— Ainda, doutora. Ainda.
...Não é sua culpa eu estragar tudo...
...Não é sua culpa que eu não sou o que você precisa...
...Amor, anjos como você não podem voar para o inferno comigo...
...Eu sou tudo o que eles disseram que eu seria...
...— Angels Like you( Miley Cyrus)...
Fernanda Milani:
Odeio Rodrigo Vasconcellos. Com todas as forças que possuo. Com a intensidade de quem é obrigada a vê-lo quase diariamente e suportar suas piadinhas arrogantes como se fossem inevitáveis. Ele é o tipo de homem que não só faz questão de ser irritante, mas que se diverte vendo o quanto me tira do sério.
E hoje ele está particularmente insuportável.
Do outro lado da sala, ele se ajeita na cadeira, relaxado, como se estivesse em um happy hour e não no meio de uma audiência por homicídio. O infeliz parece ter nascido sabendo como estar no controle de qualquer situação. E o pior é que sabe que fica bem em qualquer coisa que veste. Aquele terno cinza escuro, por exemplo, só reforça a maldita aura de autoconfiança. O cabelo dele, como sempre, está penteado de um jeito desleixado e perfeitamente calculado, como se dissesse: *Eu nem me esforço e, mesmo assim, sou melhor que você.*
Eu fecho meu fichário com um pouco mais de força do que deveria, tentando controlar a vontade de lançar alguma caneta na direção dele. Ele nota, claro. Rodrigo nota tudo. E como bom canalha que é, lança um sorriso presunçoso para mim.
— Cansada já, doutora Milani? — ele provoca em voz baixa, só para eu ouvir. — Achei que seu tônus de perfeição durasse mais.
— E eu achei que você soubesse quando calar a boca — devolvo sem hesitar, os olhos fixos nos papéis à minha frente. Não vou lhe dar o prazer de encará-lo.
Ele solta uma risada curta, daquele tipo que faz o sangue subir à minha cabeça.
— Calar a boca? Poxa, você é sempre tão doce comigo.
— Acredite, Rodrigo, eu sou um anjo perto do que você merece.
Antes que ele possa responder, o juiz volta à sala e nos silencia com uma batida seca do martelo. Respiro fundo e foco novamente no caso. No que importa.Não vou deixar que aquele sorriso irritante desvie minha atenção.
— A defesa, pode continuar? — o juiz pergunta.
Me levanto com a compostura de sempre e ajeito a jaqueta do terno. Sinto os olhos de Rodrigo em mim – ele sempre faz questão de me observar como se eu fosse alguma espécie de desafio pessoal.
Mantenho a expressão neutra, como se ele não estivesse ali, mas sei que está. Ele sempre está.
— Excelência, como eu dizia... — começo, retomando meu argumento e lançando uma nova série de questionamentos que Rodrigo vai precisar contornar se quiser alguma condenação. Não vou facilitar para ele. Não mesmo.
Durante meu discurso, faço questão de não olhar para ele, mas sinto a presença dele do outro lado da sala, como se cada palavra minha o divertisse de alguma forma. Ele é assim. O tipo de pessoa que acha graça em me testar.
Eu aperto a mandíbula e volto a focar no que importa. A audiência ainda está longe de terminar, mas uma coisa é certa: se eu não acabar com Rodrigo Vasconcellos nessa sala, pelo menos vou garantir que ele nunca esqueça quem é Fernanda Milani.
E, se tiver sorte, um dia desses consigo arrancar aquele maldito sorriso da cara dele. Nem que seja à força.
...[...]...
Assim que fecho a porta do apartamento, solto um suspiro longo, daqueles que parecem carregar o peso de todo o dia. Jogo a bolsa no sofá e chuto os sapatos para longe, sentindo um alívio imediato por estar finalmente em casa. Um dia inteiro encarando Rodrigo Vasconcellos não é para qualquer um. Mas eu sobrevivi. De novo.
Minha melhor amiga e sócia, Camila, surge na sala com uma taça de vinho na mão e um sorriso travesso. Ela é exatamente o oposto de mim: descontraída, espirituosa e sempre pronta para rir da minha desgraça. Está usando uma camiseta da nossa marca, com o bordado "Nem todo caos precisa de solução, às vezes só de vinho." no peito.
Ela ta passando um tempo na minha casa ja que seu apartamento esta em reforma.
— Como foi a guerra? — ela pergunta, estendendo uma taça para mim.
— Exaustiva. E irritante. Como sempre. — Pego a taça e me deixo afundar no sofá, sentindo o corpo relaxar pela primeira vez no dia.
Camila senta ao meu lado, apoiando os pés na mesinha de centro, como se aquela fosse a coisa mais natural do mundo. E, para ser justa, é. Nossa amizade funciona assim: minha rigidez encontra o caos dela e, de alguma forma, a gente se equilibra.
— Deixa eu adivinhar... — Camila dá um gole na bebida e me lança um olhar de espertinha. — Rodrigo?
Reviro os olhos. Só de ouvir o nome dele, meu corpo todo já reage: os músculos da nuca tensionam e a mandíbula volta a apertar.
— Quem mais seria? — respondo, quase exasperada. — Ele é insuportável, Camila. Hoje ele passou a audiência inteira com aquele sorrisinho debochado, como se o mundo fosse uma grande piada e eu, o principal entretenimento.
Camila ri, claro. Porque para ela, Rodrigo é apenas um “desafio divertido”. Ela não precisa aturá-lo todos os dias.
— Admito, ele tem um charme irritante. — Ela ergue a sobrancelha, provocando. — E você sabe que ele adora te provocar, né? Acho que nunca vi ninguém mexer tanto com você.
— Porque ele é um idiota completo. — Dou um longo gole no vinho, tentando afastar a lembrança daquele sorriso insuportável.
Camila me observa por um momento, como se ponderasse alguma coisa.
— E você tem certeza de que é “só” ódio o que você sente? — ela pergunta com uma expressão curiosa.
— Não comece. — Aponto para ela com a taça de vinho. — Não é esse tipo de história.
— Claro que não. — Ela dá de ombros, mas o sorriso travesso não sai do rosto. — Só acho engraçado que toda vez que você fala dele, parece mais viva. Mesmo que seja pra reclamar.
Solto um suspiro frustrado e me recosto no sofá, deixando a cabeça tombar para trás.
— O problema é que ele faz isso de propósito. Rodrigo sabe exatamente como me irritar e se diverte vendo cada segundo disso. É como se eu fosse o brinquedinho favorito dele.
— Talvez ele só esteja esperando você parar de fugir e dar uma chance.
Viro para ela, incrédula.
— Camila, você bebeu demais.
— Só um pouquinho. — Ela ri e termina sua taça. — Mas, fala sério... E se ele não fosse promotor? E se ele não estivesse sempre competindo com você? Você acha que... sei lá, talvez...?
— Não. — Corto rápido. — Mesmo sem as piadas e a rivalidade, ele ainda seria Rodrigo Vasconcellos. E isso já é motivo suficiente pra mantê-lo a quilômetros de distância.
Camila ergue as mãos em rendição, mas ainda há aquele brilho divertido nos olhos dela.
— Tá bom, tá bom. Sem romance com o promotor bonitão. Por enquanto.
Ignoro a provocação e termino minha taça, tentando me convencer de que tudo que sinto por Rodrigo é ódio puro e simples.
Mas lá no fundo, uma pequena e irritante voz me lembra que, se fosse só isso, ele não ocuparia tanto espaço nos meus pensamentos.
E esse, definitivamente, é um problema que eu não quero admitir.
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