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Além do Casamento Arranjado

01) Mira e Dev

Estava acontecendo um grandioso casamento entre famílias da casta brâmane, um evento que reunia a alta sociedade para celebrar. Eu, Mira Rao, estava presente, acompanhada por minha família. Sentia-me sufocada pela extravagância da minha vestimenta de festa, adornada por colares e pulseiras que me enfeitavam por completo. Apesar de estar linda, a aglomeração, a música alta e as pessoas dançando me deixavam inquieta. Não me entenda mal, eu gosto de dançar em festas, mas naquela, em particular, algo parecia estar faltando em mim. Mas o quê? Esse era o mistério que eu desejava desvendar.

— Filha, o que aconteceu? Todos estão celebrando e você está tão triste e sozinha? — Minha mãe se aproximou de mim, dançando enquanto falava, na tentativa de me animar.

— Não estou me sentindo bem, gostaria de ir para casa dessa vez — respondi, tentando usar um tom que ela pudesse ouvir, apesar da música alta ao redor.

— Estamos em uma celebração, um casamento, a união de duas pessoas. Não podemos sair assim como você quer. Fique e dance conosco — O sorriso que ela exibia se desfez, tornando-se mais firme, mas eu não quis ouvir. Me afastei do salão o mais rápido possível, indo em direção ao jardim que não ficava muito longe dali.

Enquanto me desviava das pessoas e pedia licença, acabei tropeçando em um senhor que dançava animadamente, o que me desequilibrou e fez com que eu derrubasse uma bandeja de taças que um garçom carregava.

— Perdão pelo meu desastre! — exclamei, tentando ajudá-lo a recolher as taças do chão. Nesse momento, nossos olhares se cruzaram.

— Eu que peço desculpas, senhorita — respondeu ele, visivelmente tímido, mas sem desviar os olhos de mim. No entanto, o encantamento foi interrompido quando seu superior o repreendeu, e antes que eu pudesse me explicar, eles se afastaram. Não havia mais o que fazer, e eu ainda me sentia sufocada. Queria sair dali, mas algo de interessante finalmente havia acontecido naquela festa. Acho que conheci o amor da minha vida.

Com esforço, consegui me retirar da festa e, finalmente, avistei o jardim. Caminhei até um banco e me sentei, respirando aliviada.

— Finalmente... Por Lord Ganesha, quase não consegui sair dali!

— Eu digo o mesmo, senhorita — disse uma voz familiar. Virei e, para minha surpresa, lá estava ele, me observando com um olhar sereno

— Você... você me seguiu? — perguntei espantada.

— Não, eu não a segui. Foi apenas uma coincidência. Meu superior me despediu após o acidente mais cedo. Acho que me perdi da saída da casa — explicou ele, mantendo a postura formal, as mãos atrás do corpo e o olhar firme.

— Tens razão, é uma grande mansão... — pensei por um momento, até que me dei conta do motivo de sua demissão — Oh, você foi despedido por minha causa!

Ele apenas sorriu, abaixando os olhos.

— Por favor, aceite isto como uma forma de compensação — ofereci, retirando uma quantia considerável de rupias da minha bolsa.

— Guarde seu dinheiro, senhorita. Não se preocupe com isso.

— Mas como posso reparar o meu erro?

— Posso me sentar com você? — ele perguntou, apontando para o espaço no banco ao meu lado.

— Claro, sente-se — consenti, e ele se aproximou. Pude sentir seu perfume com mais clareza. Meu pai, sendo um grande vendedor de perfumes, me ensinou a reconhecer a qualidade, e o perfume dele era simples, de mercadoria barata. Sem julgamentos, claro.

— Gosta de observar as estrelas?

— Eu fui abandonado quando criança. Muitas vezes, meu único consolo era olhar para as estrelas.

— Por que está me contando isso? — perguntei, intrigada. — Sou apenas uma desconhecida.

— Quando a vi, senti como se já a conhecesse de algum lugar — ele desviou o olhar das estrelas e me encarou.

— Acredite, senti a mesma coisa — minha respiração ficou pesada. Sentia que algo inexplicável nos aproximava.

— Meu nome é Dev.

— Mira — respondi num tom baixo, quase sedutor, sem perceber, o que fez com que ele se aproximasse ainda mais.

— Gosta de música, Mira?

— Adoro.

— Se importa de dançar para mim enquanto toco meu sitar?

— Você é músico? — perguntei, enquanto ele se levantava e segurava minha mão, ajudando-me a levantar também.

— Arranho um pouco — disse ele, me guiando até o centro do jardim. Estranhamente, eu confiava nele, sem sentir medo em sua presença. Dev se afastou, pegou o sitar e começou a tocar. Enquanto isso, eu dançava suavemente, deslizando pelo jardim, balançando os quadris. Ele me observava, e às vezes fechava os olhos ao sentir o perfume que eu exalava durante meus movimentos. Quando estava prestes a finalizar minha dança, ele me puxou gentilmente pela cintura, colando nossos corpos. Fechei os olhos, esperando pelo meu primeiro beijo, mas, no último instante, ouvimos passos, e ele recuou.

— Amanhã, me encontre no Bagore Ki Haveli ao cair da tarde— disse ele, se afastando até desaparecer entre as plantas.

— "Tike", com toda a certeza estarei lá.

02) O segundo encontro

Dev

Não consegui dormir ao pensar na linda indiana que vi ontem na festa. Senti uma conexão imediata entre nós, e acredito que encontrei a mulher da minha vida. No entanto, percebi que sua casta é alta, enquanto a minha é baixa. Sou apenas um Dalit, o povo mais inferior de todo o Rajastão. Minha história é um pouco triste: fui abandonado e deixado nas ruas, até que um grande homem me adotou e me tornou seu filho. No entanto, como ele é um brâmane, e eu um Dalit, não tenho o direito legítimo de herdar sua casta. Por isso, desde cedo precisei lutar para ser alguém, para não depender do meu pai adotivo. Trabalho como garçom em festas, às vezes limpando ruas ou banheiros dos ricos, já que eles acreditam que essas tarefas os tornam impuros. De vez em quando, também canto e toco em festas da baixa sociedade, algo que me traz verdadeira alegria. Tenho esperança de me tornar um grande músico. Foi por isso que me inscrevi em um concurso de música que dura seis meses, em Dubai, e até hoje espero ser chamado. Tenho fé em Brahma, o criador, de que esse dia chegará.

O sol estava se pondo, e eu precisava me arrumar adequadamente para me encontrar com Mira. Nunca esquecerei seu nome. Às vezes me pergunto: será que ela realmente virá? Mas, apesar das dúvidas, não posso perder a esperança. Hoje terei a chance de conhecê-la melhor, e talvez ela a mim. Com sorte, até receberei um beijo. Peguei minha sitar, me arrumei e fui para o local do encontro. Aguardei...

Minutos se passaram e nada de Mira. Perdi as esperanças. Talvez ela já saiba que sou um Dalit e seja como os outros ricos, que nos desprezam por sermos Dalits, nos julgando impuros. Sim, tenho certeza de que ela sente repulsa por mim. Com o coração apertado, peguei meu instrumento e comecei a descer as escadas, quando...

— Dev! — alguém me chamou. Aquele perfume, aquela voz... Ao me virar, a vi. Estava tão linda com seus cabelos longos e negros soltos. Vestia algo simples, mas, mesmo assim, estava radiante. — Olá, Dev. Espero não ter demorado muito — ela disse, com o sorriso mais sincero e lindo. Eu não consegui conter o meu e sorri de volta.

— Não demorou nada, na verdade, acabei de chegar — menti, para não parecer um bobo por tê-la esperado tanto tempo.

— Se é assim, tudo bem. Mas, por que me chamou até aqui? — perguntou Mira, se aproximando mais.

— Acredito que os deuses querem dizer algo a nós dois — disse, também me aproximando. — Você acha que pode ser...

— Amor? Eu acredito que possa ser, mas ainda é cedo para afirmar. Acabamos de nos conhecer. Por que você não me conta mais sobre você? — Ela me olhou intensamente por alguns momentos. Só então percebi que estava encarando-a de forma prolongada e estranha. Tentei disfarçar. — Você deve gostar muito deste lugar, não é, Dev?

— Gosto sim, é um dos meus locais favoritos de todo o Rajastão. Sinto uma paz enorme aqui. Gostaria de caminhar comigo?

— Eu adoraria — respondeu Mira, enquanto começávamos a caminhar juntos. O perfume dela ficava no ar conforme avançávamos. Conversamos sobre várias coisas, toquei várias melodias nas quais ela cantou. Ela me contou que trabalha em um call center, provavelmente fluente em várias línguas. Tão inteligente e linda... Também falou sobre seus pais, que são rigorosos e seguem as tradições à risca. Sabia que isso seria um problema para mim, um Dalit. Eles jamais aceitariam nosso casamento, o bom é que ela não sabe sobre a minha inferioridade, e eu a julgando sem saber. Sem opções, decidi dizer que minha casta era brâmane, mesmo sendo filho adotivo.

— Então seu pai é um brâmane? — perguntou ela, com surpresa.

— Sim. Tenho poucas memórias do meu pai biológico, mas sei que ele era um brâmane antes de se separar da minha mãe, que me abandonou — menti, temendo que ela percebesse. No entanto, sua expressão mostrava apenas compaixão.

— E como você foi encontrado? Gostaria muito de saber — disse Mira, com seus olhos grandes e verdes me fitando.

— Eu estava nas ruas quando meu pai adotivo me encontrou e me levou para casa. Aconteceu que ele também era da casta brâmane. Mesmo sendo filho adotivo, sou considerado um brâmane — disse, parcialmente verdade. Realmente fui abandonado quando criança.

— Sua história é comovente. Se você é um brâmane, com certeza meus pais aceitariam nosso relacionamento. É uma das castas mais altas da nossa sociedade — disse ela, com um lindo sorriso. Sabia que eu não era o mais adequado para ela, mas o sentimento que eu tinha me dizia o contrário. Estava disposto a fazer qualquer coisa para tê-la comigo.

— O sol está quase se pondo, preciso voltar para casa — disse Mira, um pouco apreensiva.

— Quando nos veremos de novo? — perguntei.

— Me encontre no mercado, e juntos iremos ao templo no mesmo horário.

— Atchá — concordei, e quando ela começou a se afastar, a puxei pelo braço, colando nossos corpos. Ela se assustou, mas logo seu olhar mudou para algo mais sedutor. Não resisti. Comecei a dar leves beijos em seu rosto, sentindo suas respirações pesadas, assim como as minhas. Quando finalmente alcancei seus lábios, ela...

— Tenho que ir — Mira se afastou bruscamente. Olhou para trás algumas vezes enquanto se distanciava, até sumir da minha vista.

— Ah, Mira... você ainda será minha. Apenas minha.

 

03) O retorno de Mohan

MOHAN

Era estranho ouvir a voz da minha mãe pelo telefone depois de tanto tempo. Cada palavra dela trazia de volta o cheiro das especiarias, o calor do verão indiano, e aquele sentimento de lar que, por tanto tempo, parecia apenas uma memória distante. "Mohan, filho, finalmente voltando para casa, hein?" ela dizia com uma mistura de alívio e expectativa. Eu não sabia o que me esperava, mas sabia que era hora de enfrentar o que deixei para trás.

O voo foi longo, mas meus pensamentos foram mais longos ainda. Cada hora que se passava, me sentia mais perto de mim mesmo, como se minha alma estivesse retornando junto ao meu corpo. O aeroporto em Dubai estava agitado, como sempre, e, ao pisar no chão indiano, senti a familiaridade do ar úmido que me envolvia, algo que nunca esqueci, mesmo nos anos que passei longe.

Peguei o táxi rumo à minha casa, e conforme a paisagem urbana dava lugar às ruas conhecidas do meu bairro, algo dentro de mim começou a se agitar. O que eu encontraria? Minha mãe meu pai, meus irmãos com certeza. Mas e o resto? O passado? As decisões que fiz?

Quando finalmente cheguei à rua da minha infância, vi algo que não esperava. Uma movimentação incomum. Pessoas, muitas delas, indo e vindo de nossa casa. Meus olhos se fixaram na frente de casa decorada com luzes, bandeiras coloridas e flores frescas. Meus vizinhos sorriram para mim quando desci do carro. Havia algo no ar... uma festa.

Entrei pela porta e fui imediatamente envolvido por música e risadas.

—Ele chegou! Mohan chegou! — ouvi minha irmã Ananya gritar, e minha mãe apareceu no meio da multidão, seu rosto iluminado pelo sorriso que eu sempre associei a segurança e acolhimento. Ela correu até mim e me abraçou com força.

— Você voltou, Mohan. Finalmente voltou — Ela sussurrou, com os olhos cheios de lágrimas. Mal sabia eu que eles estavam preparando essa celebração para mim, como se meu retorno fosse algo grande, digno de uma festa. Para eles, talvez fosse.

Enquanto olhava ao redor, via rostos familiares, alguns envelhecidos, outros novos, mas todos sorrindo, felizes por me ver. As vozes, os sons e os cheiros da festa me envolviam como um cobertor de boas-vindas. Era estranho sentir tudo isso de novo, como se nunca tivesse partido, como se o tempo não tivesse passado.

Abracei minha mãe de volta, sentindo o peso dos anos que passei longe se dissipar por um breve momento. Estava em casa. E, pela primeira vez em muito tempo, isso parecia o suficiente.

Depois de um tempo na festa, minha mãe insistiu que eu descansasse. Subi para o meu antigo quarto, onde cada detalhe ainda parecia estar no mesmo lugar. O cheiro de madeira e incenso me trouxe um conforto inesperado. Eu já estava me preparando para deitar quando ouvi uma batida na porta.

— Mohan? — Era a voz grave do meu pai. — Posso entrar?

— Claro, pai — respondi, levantando-me da cama.

Ele entrou devagar, como se estivesse escolhendo bem as palavras que queria usar. Meu pai sempre foi um homem de poucas palavras, mas de muita presença. Sentou-se na poltrona ao lado da janela e me olhou com um sorriso discreto.

— Vamos conversar?

— Sim, pai. — Minha voz soou mais baixa do que eu pretendia.

Ele entrou, fechando a porta atrás de si. O olhar sério que ele sempre carregava estava mais evidente naquela noite. Meu pai nunca foi de rodeios, sempre direto. Me sentei na ponta da cama, tentando parecer calmo, mas o suor frio já escorria nas minhas costas.

— Você sabe que estamos felizes com sua volta — ele começou, sem tirar os olhos de mim. — Sua mãe, principalmente. Esperamos muito por esse momento.

Eu apenas assenti, sentindo uma pressão crescer em meu peito. Sabia que algo vinha depois dessa introdução. Ele se levantou e caminhou até a janela, olhando para fora.

— Agora que você está de volta — ele continuou —, é hora de falarmos sobre o seu futuro. seu irmão mais velho Karan casou-se abrindo espaço para a sua vez, mas você está prendendo seus outros irmãos Rohan e Ananya, para eles casarem, você precisa se casar primeiro, assim como nos costumes.

Meu coração acelerou. Eu já sabia o que ele diria, mas não estava preparado para ouvir.

— Mohan, você já tem uma boa carreira — ele disse, ainda olhando pela janela. — É hora de você pensar em se estabelecer aqui. Sua mãe e eu... temos conversado com algumas famílias. Achamos que seria bom para você... um casamento.

As palavras dele pairaram no ar por alguns segundos, pesando sobre mim. Meu estômago deu um nó, e senti um frio na espinha. Como eu poderia falar o que realmente estava acontecendo na minha vida? Eu não podia. Meu pai jamais entenderia.

Tentei engolir a apreensão que crescia, mas minhas mãos começaram a tremer levemente. Olhei para ele, ainda em pé, como se estivesse esperando que eu confirmasse sua decisão sem hesitar. Mas como eu poderia fazer isso?

— Pai... — comecei, a voz falhando. — Eu... eu não sei se estou pronto para isso ainda.

Ele se virou para me encarar, a testa franzida.

— Não está pronto? Mohan, você já tem idade, já fez seu nome fora daqui. O que mais falta? Uma boa esposa trará estabilidade. Temos famílias de boa reputação interessadas, e isso será ótimo para nossa família.

A cada palavra dele, eu me sentia mais encurralado. Como dizer que havia alguém nos Estados Unidos? Como explicar que meu coração estava dividido? Eu sabia, no fundo, que meu pai jamais aceitaria. A tradição era tudo para ele. E agora, ele estava esperando que eu seguisse o mesmo caminho.

— Eu entendo o que está dizendo, pai... — tentei, buscando palavras que não o irritassem. — Mas é que... eu acabei de voltar. Talvez seja melhor esperar um pouco.

O rosto dele endureceu levemente. Sabia que estava desapontado.

— Esperar? Já esperamos muito tempo, Mohan. Essa é a hora certa. Sua mãe e eu só queremos o melhor para você. Uma vida estável, com alguém que entenda nossa cultura, nossa tradição. Não pode viver eternamente em outro lugar, com outras ideias que não se encaixam no que somos.

Engoli em seco. Sabia que ele se referia a qualquer vida que eu tivesse lá fora, e o medo cresceu. Eu não podia contar sobre minha namorada. Não agora. Talvez nunca.

— Eu sei, pai — murmurei, desviando o olhar. — Só... só preciso de um pouco de tempo para me ajustar.

Meu pai suspirou profundamente. Ele sabia que eu estava hesitante, mas não queria forçar mais naquele momento.

— Muito bem, Mohan — ele disse, finalmente, com a voz mais baixa. — Mas não demore muito. O tempo passa rápido. Pense no que é certo para você... e para nossa família.

Com isso, ele saiu do quarto, deixando um peso ainda maior em meus ombros. O silêncio retornou, mas agora parecia mais sufocante do que antes.

Depois que meu pai saiu do quarto, fiquei sentado, ainda sentindo o peso da conversa. O silêncio se instalou, mas não por muito tempo. Ouvi um leve rangido vindo da porta e, antes que eu pudesse perguntar quem estava ali, Rohan entrou, com um sorriso sem graça.

— Ei, "Bhaya" . Eu... eu estava meio que escutando atrás da porta. Desculpa. — Ele coçou a nuca, sem jeito, mas seu olhar estava cheio de curiosidade.

— Rohan... — Suspirei, sem saber como reagir. Ele sempre foi o curioso da família, mas algo no jeito dele me fez perceber que ele não estava ali apenas para brincar. — Escutou tudo, então?

— Mais ou menos — disse ele, sentando-se na beira da cama, sem me olhar diretamente. — Eu sabia que o Baldi ia começar a pressionar você sobre casamento. Mas... não é isso que está te preocupando, não é?

Olhei para ele, surpreso pela percepção. Rohan era o mais jovem dos homens, mas sempre foi mais atento do que todos imaginavam. Ele me observou por um momento, e eu percebi que não adiantaria esconder.

— Tem alguém, não é? — ele perguntou, sem rodeios, finalmente me encarando.

Fiquei em silêncio por alguns segundos, sem saber como começar. Mas essa era minha chance de desabafar, de finalmente contar a alguém. E Rohan... ele era o único com quem eu podia ser honesto.

— Tem — admiti, com um suspiro. — Nos Estados Unidos. O nome dela é Camila.

Rohan se inclinou, interessado.

— Camila? E como ela é? — Ele perguntou, quase sem fôlego.

Sorri, imaginando o rosto dela. Só de pensar nela, a tensão diminuía um pouco.

— Ela é... incrível, Rohan. Ela é fotógrafa, sabe? Viaja o mundo todo, capturando momentos que a maioria das pessoas nunca veria. Ela tem esse jeito de ver beleza nas coisas mais simples. É apaixonada pelo que faz, e eu nunca conheci alguém com tanta energia para seguir seus sonhos.

Rohan me olhou com admiração, como se estivesse ouvindo a história de um filme.

— E como vocês se conheceram?

— Foi em uma exposição de arte, em Dubai — comecei a lembrar, rindo um pouco. — Eu estava lá por acaso, e vi as fotos dela. Eram impressionantes. Sabe aquele tipo de imagem que te faz sentir algo, mesmo sem entender exatamente o porquê? Foi assim. Depois da exposição, a vi no café ao lado e criei coragem para falar com ela. O resto... aconteceu naturalmente.

Rohan parecia encantado pela história, mas logo ficou sério.

— Então, por que não contou para o papai? Por que não conta para ninguém?

Minha expressão ficou séria novamente.

— Porque eu sei como ele reagiria, Rohan. Você sabe. Papai quer que eu siga o caminho que ele traçou, que eu case com alguém daqui, que respeite as tradições. Ele nunca aceitaria alguém como Camila, uma americana, com uma vida tão diferente da nossa.

Rohan ficou pensativo por um momento.

— Mas... você ama ela, né? — ele perguntou, quase num sussurro.

Senti um aperto no peito, mas respondi com firmeza.

— Sim, eu amo com toda minha vida.

Rohan assentiu lentamente, como se estivesse processando tudo. Depois, ele deu um leve sorriso.

— Eu não sou o baldi, mas... eu acho que você deveria fazer o que te faz feliz, Mohan. Se ela é importante para você, então isso tem valor, não importa o que os outros digam.

Olhei para ele, surpreso pela maturidade nas palavras.

—"chukriá" , Rohan. Isso significa muito pra mim.

Ele sorriu de volta, se levantando da cama.

— Só... não se esconda pra sempre, mano. Isso nunca termina bem.

Com isso, ele saiu do quarto, deixando-me sozinho com meus pensamentos, mas agora com uma sensação leve, como se, pela primeira vez, eu tivesse alguém do meu lado nessa jornada.

No dia seguinte, o sol mal tinha subido quando fui para a loja de tecidos do meu pai. Era um lugar que conhecia desde criança, e cada dobra de tecido, cada cor vibrante e cada cliente fiel fazia parte da minha vida tanto quanto as paredes daquela casa. Meu pai, sempre orgulhoso do que construiu, já estava lá, organizando os rolos de seda e algodão com a precisão que lhe era característica.

A casta do meu pai sempre foi algo de grande importância para ele. Nós pertencíamos à comunidade dos comerciantes, casta "Vaishyas" Uma linhagem respeitada, e ele carregava esse orgulho com a postura de um homem que construiu seu nome e sua reputação com esforço. Não era apenas um comerciante qualquer. As pessoas o conheciam, o respeitavam. Seus negócios iam bem porque ele era confiável, e seu senso de honra era inabalável. Para ele, tudo girava em torno do status, da tradição, da maneira correta de se viver e de se casar.

Enquanto eu o ajudava a desenrolar um tecido azul claro, não conseguia parar de pensar. E se eu decidisse seguir meu coração e me casar com Camila? Eu sabia o que aquilo significaria. Meu pai arrastaria o próprio rosto no chão de vergonha, desonrado pela decisão do filho. Um casamento com uma firanghi, uma estrangeira, seria impensável. O orgulho que ele construiu ao longo de anos desmoronaria em questão de dias. O que a sociedade diria? Ele jamais me perdoaria.

— Mohan, pega aquele rolo de seda vermelha ali — ele pediu, apontando para uma prateleira alta.

Fiz como ele pediu, mas estava perdido em pensamentos. Ao me virar, ouvi um barulho estranho atrás de mim. Olhei rápido e vi meu pai cambaleando, apoiando-se no balcão para não cair.

— Pai! — Corri até ele, segurando-o pelo braço. — Você está bem?

Ele respirou fundo, apertando os olhos por um momento antes de se endireitar.

— Estou bem, Mohan, estou bem — disse ele, ainda um pouco pálido. — Só uma tontura.

Minha preocupação cresceu. Ele nunca demonstrava fraqueza, e aquilo me assustou.

— Pai, talvez você devesse descansar. Posso cuidar da loja hoje.

Ele balançou a cabeça, um pouco irritado, como se a ideia de fraqueza fosse inconcebível.

— Não precisa se preocupar comigo, Mohan. Tenho muito mais para me preocupar do que uma tontura passageira. — Ele respirou fundo e me olhou fixamente. — O que você deveria estar pensando é no seu casamento. Não podemos adiar isso para sempre.

Meu peito se apertou. O assunto voltava à tona como uma correnteza que me arrastava sem controle.

— Pai, não sei se... — As palavras morriam na minha boca. Não podia falar sobre Camila. Não agora.

Ele olhou para mim com o olhar firme de sempre, mas com uma leve sombra de cansaço.

— Mohan, eu te criei para honrar nossa família. Não importa o que você pense, é isso que precisa fazer. Agora, vá pensar. Precisa de clareza. Eu já conversei com algumas famílias... O tempo está se esgotando.

Eu não consegui responder. A pressão estava me esmagando, e eu sabia que, se continuasse naquela loja, não conseguiria respirar. Sai sem dizer uma palavra, o ar do lado de fora era sufocante de tanto calor, mas ainda assim me ajudou a me sentir um pouco mais livre. Eu precisava caminhar, clarear a mente.

Andei pelas ruas do bairro, as lembranças de infância misturadas aos pensamentos caóticos sobre o futuro. O cheiro das especiarias no ar, o barulho dos vendedores e o movimento das pessoas que eu conhecia de vista desde sempre pareciam distantes. Até que, de repente, esbarrei em alguém, sem nem perceber por onde estava andando.

— Desculpa — murmurei, me virando para a pessoa.

Ela também se virou ao mesmo tempo, e nossos olhos se encontraram. Era uma jovem que nunca havia visto antes, e havia algo no olhar dela que me fez hesitar. Ela parecia igualmente surpresa, como se estivesse tão confusa quanto eu com o encontro. Seus olhos eram profundos, como se tentassem entender o que havia acabado de acontecer.

— Desculpa — ela disse, num tom suave, mas decidido.

Por um momento, ficamos ali, parados, apenas trocando olhares curiosos. Algo naquele instante parecia importante, mas eu não sabia o que era. E então, ela deu um leve sorriso, quase imperceptível, e se virou, continuando seu caminho sem olhar para trás.

Eu fiquei ali, observando-a se afastar, sem saber o que pensar. Algo nela me intrigava, mas ao mesmo tempo, eu estava tão preso aos meus próprios conflitos que não consegui decifrar. Continuei andando, com o coração acelerado, mas sem entender por quê.

E assim, o peso das minhas dúvidas continuava, mas agora, com um novo elemento no ar. Quem era ela?

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