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Chamas & Sombras

Capítulo 1

A noite caía sobre a vila de Seradun, tingindo o céu de um roxo profundo enquanto as primeiras estrelas surgiam timidamente. Alana, com o capuz puxado sobre o rosto, observava a movimentação das pessoas enquanto atravessava a praça central. O medo pairava no ar. Rostos pálidos e olhares furtivos denunciavam o clima de terror que assolava o local. Rumores de ataques demoníacos haviam se espalhado rapidamente, e a vila já havia perdido várias vidas. O mais recente incidente fora brutal, uma família inteira massacrada em plena luz do dia.

Alana estava acostumada a esse tipo de cenário. Nos últimos dez anos, desde que seus pais foram mortos por demônios, ela havia se dedicado a caçar essas criaturas. A dor e o desejo de vingança moldaram sua vida, endurecendo seu coração e seus sentidos. Agora, toda vez que ouvia falar de um demônio, seu sangue fervia. Seradun seria apenas mais uma vila a ser purificada de sua praga.

— Você é a caçadora? — perguntou um homem de aparência envelhecida, interrompendo seus pensamentos. Ele estava parado à frente de uma taverna mal iluminada, o rosto marcado por rugas e preocupação.

— Sim, sou Alana. Me disseram que você tem informações sobre o demônio. — Sua voz era firme, mas sem emoção. O homem assentiu e a guiou para dentro.

A taverna estava quase vazia. Algumas poucas figuras sentadas nos cantos sussurravam entre si, lançando olhares rápidos na direção de Alana. O taverneiro, ao vê-los entrar, fez uma saudação breve antes de desaparecer por uma porta nos fundos.

— Ele apareceu pela primeira vez há cerca de três semanas, — começou o homem, sentando-se em uma mesa de madeira gasta. — Ninguém o viu claramente, apenas sombras e destruição deixadas por onde passa. Na última lua cheia, ele matou três pessoas e uma criança. — O homem estremeceu ao relembrar. — As pessoas estão com medo. Dizem que ele espreita nas florestas ao norte, mas ninguém se atreve a chegar perto.

Alana ficou em silêncio por um momento, assimilando as informações. Demônios raramente se escondiam. Eles eram predadores, gostavam de caçar suas presas. Se este demônio estava nas sombras, esperando, isso significava que ele era astuto — e perigoso.

— Eu cuidarei disso, — disse ela, levantando-se de forma abrupta. Não havia tempo a perder.

O homem olhou para ela com um misto de alívio e temor. Para ele, uma caçadora de demônios era tanto uma salvadora quanto um sinal de desgraça iminente. Onde caçadores apareciam, sangue era derramado.

Alana saiu da taverna e seguiu em direção à floresta ao norte da vila. O vento frio balançava as árvores, criando um som agourento que fazia as folhas sussurrarem como vozes invisíveis. A espada banhada em prata que ela carregava na cintura brilhava sob a luz fraca da lua, e a sensação familiar de adrenalina subiu por seu corpo. Cada passo que ela dava a aproximava do perigo, mas também do alívio que sentia ao eliminar cada demônio que cruzava seu caminho.

Ela caminhou pela floresta por horas, a escuridão sendo sua única companhia. Os ramos das árvores criavam sombras que se moviam de maneira traiçoeira, mas ela estava atenta a todos os sinais. Os rastros no solo, as folhas amassadas e as marcas nas pedras indicavam que algo grande havia passado por ali recentemente.

Finalmente, Alana chegou a uma clareira no coração da floresta. O local estava coberto por uma névoa leve, e o silêncio era opressor. Seus instintos a alertavam de que algo estava próximo. A espada foi sacada rapidamente, seus olhos escaneando cada canto da clareira.

De repente, uma figura alta e imponente emergiu das sombras. Alana sentiu um calafrio percorrer sua espinha. O demônio era diferente de qualquer outro que ela já havia enfrentado. Ele tinha uma presença quase nobre, seus chifres se estendiam para cima como uma coroa, e seus olhos brilhavam com uma luz que não era puramente maligna, mas calculista. Seu corpo, coberto por uma armadura natural de escamas escuras, parecia quase humano em sua forma, exceto pelas garras afiadas que pendiam ao lado de seu corpo.

— Você veio me caçar? — sua voz ecoou pela clareira, ressoando como um trovão distante.

Alana ergueu a espada, os músculos tensos e prontos para atacar. Ela não respondeu. Não havia necessidade de palavras.

O demônio deu um passo à frente, mas sua postura não era de quem se preparava para uma batalha. Era quase... calma. Aquilo a desarmou momentaneamente, mas apenas momentaneamente.

— Acha que sou a ameaça que procura, caçadora? — Ele a observava com uma curiosidade inesperada.

— O que mais você seria? — Alana estreitou os olhos, ainda sem baixar a espada.

O demônio soltou um suspiro quase imperceptível e, para sua surpresa, recuou.

— Há mais no mundo do que você imagina, — disse ele, antes de desaparecer nas sombras, deixando-a sozinha na clareira, com mais perguntas do que respostas.

Alana ficou ali, o eco daquelas palavras ressoando em sua mente, enquanto a névoa se fechava ao redor.

Capítulo 2

O amanhecer trouxe consigo um frio cortante. Alana despertou na pequena pousada da vila com os músculos tensos e a mente ocupada pelas palavras enigmáticas do demônio na clareira. Na noite anterior, ela havia retornado confusa e irritada, algo que não era comum para ela após um confronto. Os demônios sempre eram diretos, predadores implacáveis e brutais. Mas aquele demônio... ele era diferente. Ele não lutara, nem tentara se esconder. Suas palavras pareciam cuidadosamente escolhidas, como se soubesse exatamente como desarmá-la sem usar força. Aquilo a incomodava profundamente.

Alana se levantou, seus pensamentos ecoando as palavras dele: **“Há mais no mundo do que você imagina.”** Ela sabia que não poderia deixar que aquilo a distraísse de seu objetivo. Demônios eram seres malignos, e qualquer traço de dúvida poderia ser fatal.

Descendo as escadas da pousada, foi recebida por olhares furtivos dos poucos aldeões presentes. Era sempre assim. Caçadores como ela traziam esperança, mas também lembranças das forças sombrias que os rodeavam. Ignorando os olhares, ela saiu para as ruas desertas da vila. O ar estava pesado, como se a própria natureza estivesse em estado de alerta. A floresta, com suas árvores retorcidas e galhos nus, parecia observar cada movimento dela.

Enquanto caminhava em direção à clareira da noite anterior, Alana notou algo estranho: o silêncio. Os pássaros não cantavam, as folhas não farfalhavam com o vento, e o som dos pequenos animais que normalmente povoavam a floresta havia desaparecido. Tudo parecia morto.

Quando chegou à clareira, seu coração se acelerou. O lugar ainda estava envolto em névoa, como se o próprio ambiente não quisesse revelar seus segredos. Sua mão pousou sobre a espada na cintura, uma sensação de inquietação percorrendo seu corpo. A clareira estava vazia, mas ela sentia que não estava sozinha.

— Você voltou, — disse uma voz familiar, profunda e calma.

Alana se virou rapidamente, e lá estava ele. O mesmo demônio da noite anterior, emergindo das sombras como se fosse parte delas. Seu corpo alto e imponente parecia ainda mais claro à luz do dia. Seus olhos, de um brilho suave e hipnotizante, fixaram-se nela. Ao contrário da expectativa de Alana, ele não parecia ameaçador. Pelo contrário, havia algo na sua postura, quase como se ele estivesse esperando por ela.

— É claro que voltei. Não terminei o que comecei, — respondeu Alana, tentando manter a voz firme, mas notando uma leve hesitação nas palavras. Ela se odiava por isso.

— Não deveria estar aqui, caçadora. — O demônio deu alguns passos para frente, mas manteve uma distância respeitosa. — Há forças nesta floresta que você não entende. Forças que estão além da simples maldade que você foi treinada para caçar.

Alana estreitou os olhos. Ele estava tentando manipulá-la, era óbvio. Demônios eram mestres em jogos mentais, e ela não se deixaria enganar. **Mesmo assim, por que ele ainda não a atacou?** Algo estava errado, mas ela não conseguia identificar o quê.

— Não me venha com enigmas, demônio. Diga o que realmente está acontecendo ou eu mesma corto essa sua cabeça e descubro, — ameaçou, erguendo a espada ligeiramente.

O demônio deu um sorriso pequeno, sem mostrar dentes, e a expressão em seus olhos parecia quase... triste?

— Eu não sou seu inimigo, — disse ele simplesmente, sua voz mais baixa agora. — Se estivesse aqui para matá-la, já teria feito isso na noite passada. Acha que estou me escondendo por medo? Não, caçadora. Há algo muito mais perigoso nesta floresta. Algo que me persegue tanto quanto persegue você.

Alana ficou em silêncio por um momento, analisando suas palavras. Poderia ser verdade? Havia mais de uma força na região? Embora sua mente racional se recusasse a confiar em um demônio, algo na sinceridade de sua voz a fez hesitar.

— Se você não é a ameaça, então o que é? — Alana perguntou, relutante em ceder a uma conversa, mas movida pela necessidade de entender o que estava acontecendo. **Se ele estivesse certo, ela precisava saber.**

O demônio olhou em volta, seus olhos varrendo a clareira com cautela, como se estivesse esperando que algo surgisse das sombras a qualquer momento. Então, ele voltou seu olhar para Alana.

— Há algo antigo, um espírito maligno que despertou nas profundezas desta floresta. Ele se alimenta do medo, da raiva. Está manipulando as pessoas desta vila, mas ninguém pode vê-lo... exceto eu. E agora, você. Por isso, todos acreditam que sou eu quem está causando o caos. Porque ninguém vê o verdadeiro inimigo.

Alana estreitou os olhos, sentindo a raiva brotar. **Manipulações, certamente.** Ele estava tentando jogar com sua confiança, mas ela já havia caçado demônios suficientes para saber que eles sempre torcem a verdade a seu favor.

— E por que eu deveria acreditar em você? — Ela deu um passo à frente, segurando sua espada com mais firmeza.

O demônio a olhou profundamente, seus olhos brilhando com algo que ela não esperava ver: cansaço. Ele parecia exausto, como alguém que havia lutado por muito tempo.

— Eu não espero que acredite em mim, caçadora, — disse ele, sua voz agora baixa e firme. — Mas eu vou te provar. Não sou seu inimigo... mas se você continuar aqui, o verdadeiro inimigo encontrará ambos.

Sem mais uma palavra, ele se virou e começou a desaparecer na neblina novamente, deixando Alana sozinha mais uma vez na clareira. Ela sentiu um turbilhão de emoções dentro de si: raiva, desconfiança, e, de alguma forma, uma estranha sensação de que talvez ele estivesse falando a verdade.

Mas ela era uma caçadora, e demônios eram demônios. Não havia espaço para dúvidas.

Ainda assim, enquanto o vento frio soprava, ela sabia que não poderia ignorar completamente o que ele dissera.

Capítulo 3

O caminho de volta à vila de Seradun parecia mais longo do que na noite anterior. A clareira estava atrás dela, mas as palavras do demônio ecoavam na mente de Alana como um feitiço sussurrado. Um espírito maligno, invisível para os aldeões, mas não para ele. Cada fibra de seu ser queria rejeitar a ideia, e ainda assim, ela não podia ignorar os detalhes estranhos dos ataques. Eles não eram típicos de demônios. Algo estava errado, mas confiar em um demônio era insensato, uma fraqueza que ela não podia se permitir.

Quando a vila surgiu à vista, banhada pela luz dourada do amanhecer, Alana apertou o passo. Precisava de respostas, e só conseguiria obtê-las interrogando mais profundamente os aldeões. Assim que atravessou a praça central, as portas das casas começaram a ranger, e os rostos cautelosos dos moradores surgiram. Ela notou um grupo de mulheres sussurrando, olhando na sua direção, mas logo desviando o olhar quando perceberam que Alana as observava.

A caçadora caminhou até a taverna, onde o homem que a recebera na noite anterior estaria. Entrando no ambiente pouco iluminado, viu que ele estava no mesmo lugar, agora conversando com outros dois aldeões. Seus olhos se ergueram imediatamente ao vê-la entrar.

— Você voltou cedo, — disse ele, tentando esconder o nervosismo na voz.

Alana caminhou até ele, puxando uma cadeira e sentando-se bruscamente, sem responder à saudação.

— Quero saber mais sobre os ataques, — sua voz era baixa, mas carregava uma determinação cortante. — Quem são as testemunhas? Quem viu o demônio com os próprios olhos?

Os dois homens ao lado do taverneiro trocaram olhares, mas o mais velho deles respondeu primeiro.

— Ninguém viu claramente, senhora, — ele começou, a voz trêmula. — Nós ouvimos os gritos à distância... e depois... — Ele engoliu em seco, claramente revivendo o terror. — Quando chegamos, os corpos estavam destruídos. Não sobrou muito para se ver.

Alana se inclinou para frente, sem paciência para rodeios. **Algo não estava certo**. Ela já havia enfrentado demônios suficientes para saber que, embora brutais, eles deixavam rastros claros. Havia sempre sinais de batalha, marcas de luta, o cheiro da carne queimada. Mas algo no relato desses aldeões não se encaixava.

— Mas vocês viram as sombras, não é? — Alana insistiu, tentando entender como um demônio podia ter atacado sem ser visto. — Ninguém viu a criatura de perto?

O taverneiro, que até então permanecera em silêncio, falou com mais convicção.

— Eu vi uma sombra. Era grande, enorme. E se moveu rápido... muito rápido, como um borrão. As árvores balançaram quando passou, como se o próprio vento o empurrasse. Era ele, não tenho dúvidas.

Alana fechou os olhos por um momento, tentando visualizar o que ele descrevia. **Um borrão?** Ela conhecia demônios de grande porte, mas nunca havia visto um que se movesse como uma sombra indistinta. Isso era incomum, até mesmo para as criaturas mais astutas.

— Esse demônio que você descreve, — disse ela lentamente, — ataca à distância? Não se aproxima das vítimas? Ele se esconde nas sombras?

— Sim! — O homem assentiu veementemente, agarrando-se à confirmação de sua descrição. — Nunca vemos a coisa diretamente. Apenas a sombra... e então o sangue.

Alana se levantou lentamente, o peso da espada em sua cintura lhe dando uma sensação de controle, mas sua mente estava em ebulição. **Um demônio que ataca sem ser visto?** Não era impossível, mas muito raro. A ideia de que algo mais estivesse manipulando os aldeões, como Kael dissera, começou a parecer menos absurda. Mas confiar em um demônio? Ela não estava pronta para isso.

Ela se virou, pronta para sair da taverna, quando o taverneiro chamou seu nome com urgência.

— Espere! Há algo mais. — Sua voz estava carregada de preocupação. — Esta noite... ouvimos rumores de outro ataque. Não tivemos a chance de confirmar ainda, mas dizem que foi perto da floresta, na casa da família Redor.

Alana parou, os olhos se estreitando.

— E você só está me dizendo isso agora? — A raiva aflorou, mas ela a conteve. Se houvesse outro ataque, precisava agir rápido.

Sem esperar por mais respostas, ela saiu da taverna, caminhando rapidamente pelas ruas da vila em direção à casa dos Redor, uma família que vivia à beira da floresta. Os sons da natureza retornaram à medida que ela se afastava do centro da vila, mas ainda havia um desconforto no ar. **Algo estava observando.**

Chegando ao local, a cena diante dela a fez parar. A casa dos Redor estava silenciosa, mas os sinais de destruição eram inegáveis. A porta principal havia sido arrancada das dobradiças, e as marcas de garras profundas rasgavam as paredes de madeira como se fossem feitas de papel. Sangue escorria da entrada, ainda fresco. Mas algo a fez hesitar. Havia uma ausência total de cheiro de enxofre — um sinal característico de qualquer ataque demoníaco.

Ela adentrou a casa, com a espada em punho, pronta para qualquer coisa. O interior estava escuro e sombrio, os móveis destruídos e espalhados pelo chão. Quando chegou ao que parecia ser a sala principal, Alana parou abruptamente.

Lá, no meio do caos, uma figura estava de pé, olhando para os destroços. Era Kael, o demônio. Seus olhos brilhavam fracamente na escuridão, e ele não fez qualquer movimento ao notar sua presença.

— Eu avisei que não era eu, — disse ele, sem se virar. — Mas parece que não somos os únicos a investigar.

Alana ergueu a espada, sua mente um turbilhão de emoções conflitantes. Como ele havia chegado ali antes dela? E por que ele estava simplesmente observando o local, em vez de atacar ou fugir?

— O que você está fazendo aqui? — exigiu ela, sua voz cheia de desconfiança.

Kael finalmente se virou para encará-la, seus olhos sombrios mas calmos.

— Eu estou procurando respostas, caçadora. Assim como você.

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