NovelToon NovelToon

O Melhor Amigo do Meu Papá

Começo do começo

Capítulo 1: Começo do começo

O tempo pode ser estranho às vezes. Ele dá um novo significado às coisas, aos lugares, aos sentimentos.

Minha casa estava um caos: roupas e malas empilhadas por todo canto, comida espalhada, garrafas por onde se olhava. Tudo estava fora de lugar — uma bagunça completa. Minha família e eu estávamos nos preparando para as férias na fazenda do melhor amigo do meu pai, que não víamos há anos. Foi ideia dele, e ninguém ousou discordar. Afinal, todos precisávamos de um ar fresco, mesmo que fosse a 100 km da cidade.

— Pegou o protetor solar? — minha mãe perguntou, já parecendo um pouco ansiosa.

— Sim, senhora — respondi, sem tirar os olhos da tela do celular.

— E os óculos de sol, pegou?

— Si, mamma — respondi em italiano, nossa língua nativa.

— E o seu...

— Mãe, não se preocupe. Já peguei tudo o que é necessário, está bem? — disse gentilmente, finalmente tirando os olhos do celular e encarando-a.

Minha mãe sempre foi muito protetora, cuidadosa e amorosa. Nossa família poderia até ser considerada a típica família americana (mesmo não sendo de lá): uma mãe carinhosa, dois filhos e um pai que vivia pegando no pé — mas, felizmente, a mãe estava sempre lá para freá-lo.

— Certo, já que tudo está pronto, vamos partir! Já liguei para o Alex, ele já está a caminho — disse meu pai, ajustando seus óculos escuros estilosos.

— Vamos! — minha mãe respondeu, empolgada.

Particularmente, até gosto de viagens de carro, mas elas sempre me deixam enjoada e tonta.

— Papà, ainda falta muito? — perguntei, cobrindo a boca com as mãos.

— Faltam pelo menos trinta minutos, querida! — ele respondeu, olhando rapidamente para o GPS.

Suspirei fundo e pensei: “Falta pouco. Aguenta. Não vomita no carro do seu pai. Isso não seria legal.”

Nunca fui tão grata por descer de um carro. Na verdade, tive vontade de beijar o chão da fazenda — mas, claro, não faria isso. Agachei, tentando recuperar o fôlego, desejando que o mal-estar passasse logo.

— Você está bem, bambina? — uma voz firme e familiar soou à minha frente. Levantei levemente a cabeça e vi Alexandre parado diante de mim, com uma garrafa de água fria nas mãos. Eu não lembrava que ele era tão bonito. Claro, quando nos vimos pela última vez, eu devia ter uns treze anos. Peguei a garrafa de sua mão, tentando não encarar seus músculos sob a blusa nem os olhos estranhamente atraentes. Eu precisava apagar aquele fogo que se acendeu dentro de mim.

— Obrigada, Alexandre — agradeci, dando um gole na água e sentindo o mal-estar esvair-se. Ainda podia sentir seu olhar sobre mim, queimando meu corpo em silêncio.

Até que meu pai se aproximou.

— Que modos são esses, ragazza? Cumprimente seu tio direito — disse ele, referindo-se ao amigo. Meu pai sempre insistiu para que Rodrigo e eu chamássemos Alexandre de “tio”. Funcionava com Rodrigo, que mal conviveu com ele, mas para mim era estranho.

— Está bem, me desculpe. Vou atrás da mamma — falei, querendo mais do que tudo sair dali. Aquela eletricidade, aquela sensação ardente… O que foi aquilo?

Caminhei lentamente para dentro da casa. Ela era linda, moderna e acolhedora. A fazenda, deslumbrante, muito bem cuidada.

— Mamma, achei você!

— Stacey, querida! Lembra da tia Safira? — minha mãe disse, estendendo a mão para a esposa de Alexandre: uma mulher extremamente arrogante, soberba e desprezível. E olha que eu mal citei metade das suas “qualidades”. Mas sim, fisicamente, ela era bonita.

— Olá, Safira, como vai? — perguntei, tentando manter a educação. Ao contrário dela, que me examinou dos pés à cabeça e levantou o queixo com um ar de superioridade. Eu queria socar aquele rosto insuportável.

— Nossa, o tempo foi muito generoso com o Rodrigo, hein? — ela comentou com tom provocativo, virando o rosto e fingindo dar atenção ao celular. Decidi ignorá-la. Ela ainda vai ver quem é a verdadeira superior.

— Mamma, posso ver o quarto em que vou ficar?

— Claro, querida. Pode subir — minha mãe respondeu.

Antes de subir as escadas, estreitei os olhos e troquei um olhar com a senhora soberba. Encarei-a com a mesma intensidade.

Me chame como quiser

Capítulo 2 me chame como quiser

A intimidade é um labirinto complexo, protegido por um código quase místico, mas que, uma vez desvendado, revela a beleza simples da verdade compartilhada entre dois corações que se encontram no silêncio.

Este quarto é magnífico, como todos os outros cômodos desta casa. A cama é imensa, sem contar a escrivaninha e o closet.

Caminho devagar até a janela e observo a fazenda: as lavouras, os animais, as pessoas trabalhando tranquilamente lá fora... tudo me encanta. Passo alguns minutos fascinada com a vista, a ponto de mal escutar as batidas leves à porta.

— Sim? — digo.

— Posso entrar, querida? — ouço a voz doce da minha mãe, e logo autorizo sua entrada.

— Você está bem?

— Estou, mamma. Por quê?

— Quero te pedir uma coisa, minha ragazza — ela diz, segurando minhas mãos com delicadeza.

— O quê?

— Quero que ignore qualquer provocação da Safira. Seja educada acima de tudo. Como somos em casa, está bem? Quero que este mês aqui seja inesquecível e agradável para todos.

Penso no que ela disse.

— Sim, mamma. Não se preocupe, eu já ia fazer isso mesmo — respondo com sinceridade.

Ela sorri, me dá um beijo carinhoso na testa e, antes de sair, diz:

— Não demore para descer, logo vamos almoçar, ok? — fala com um sotaque americano, o que me faz sorrir. Balanço a cabeça em concordância e a vejo fechar a porta.

Olho meu reflexo no espelho e decido trocar de roupa. Está calor lá fora, e um vestidinho leve é tudo o que me vem à mente.

Assim que termino de me vestir, desço as escadas, sentindo o aroma delicioso da comida italiana pairando no ar. Já faz muitos anos que moramos nos Estados Unidos, mas sempre preferi a culinária do nosso país de origem. A Itália é incrível em todos os sentidos: pense só, pessoas amorosas, educadas e loucas por massa convivendo em sociedade. Meraviglioso, não é?

Caminho alegremente até o lado de fora da casa, onde todos estão reunidos em uma enorme mesa ao ar livre. Junto-me a eles — parece que o almoço será ali hoje.

— Olha quem chegou! Querida, eu estava contando ao seu tio que em breve você começará a faculdade de engenharia! — meu pai diz, todo orgulhoso, me fazendo corar ao perceber que o assunto da mesa era eu.

— Isso é incrível, Stacey! Meus parabéns — diz Alexandre com gentileza, lançando um leve sorriso de canto enquanto me olha. "Para com isso, por favor", penso em desespero.

— Obrigada, Alexandre — respondo.

Meu pai franze a testa e ergue uma sobrancelha.

— Quer dizer... obrigada, tio Alexandre — corrijo-me diante da bronca silenciosa dele.

— Para com isso, Feh. Está assustando a menina. Não tem problema ela me chamar pelo nome. Ela deve ter perdido o costume. Está tudo bem — diz Alexandre, enquanto continua comendo.

Meu pai estava prestes a responder quando foi interrompido por Safira.

— Mas chamar os mais velhos pelo nome não é falta de ética e educação? — diz ela, com tom debochado.

O silêncio paira no ar. Todos parecem constrangidos — menos um.

— Eu não acho isso. Stacey, pode ficar à vontade para me chamar pelo nome — diz Alexandre, lançando um olhar ríspido para Safira, que se cala.

Quando o momento constrangedor passa, observo meu pai e seu amigo conversarem e relembrarem os tempos de adolescência.

— Ah, como era bom jogar futebol no fim da tarde e videogame sem preocupação nenhuma — diz meu pai, rindo.

— Verdade. Lembra de quando você entrou num bueiro para pegar nossa bola? — pergunta Alexandre, arrancando risadas de todos à mesa, menos de Safira, que ainda está emburrada.

— Lembro sim! E você? Lembra daquela vez que subiu no pé de manga para roubar todas as frutas da casa do garoto que a gente odiava? — diz meu pai.

Alexandre solta uma gargalhada sincera ao lembrar do episódio.

— Ô, papà, posso fazer uma pergunta? — diz meu irmão, e meu pai acena positivamente com um sorriso.

— Vocês eram muito amigos mesmo com essa diferença de idade? São quantos anos mesmo? — Rodrigo faz uma careta tentando lembrar, mas não consegue.

— Quatro anos de diferença, filhão! Isso nunca nos impediu de sermos amigos. Sempre vi seu tio como um irmão mais novo.

— E você como um irmão mais velho — completa Alexandre, abraçando meu pai de lado. Dava para ver o quanto os dois se amavam e se respeitavam.

— E você, tia Safira?

— O que tem?

— Como foi sua infância aqui na América? — ele pergunta.

— Bem, não tenho muitas memórias da minha infância, mas lembro que passei boa parte em shoppings, lojas de departamento... Eu amo o luxo desde muito nova — diz a americana.

Minha família, eu e Alexandre somos italianos, nascidos e criados em Trieste. Mas a moça apaixonada por shoppings nasceu e cresceu em Nova York.

Algum tempo depois do almoço, ficamos boas horas conversando à mesa. Então decido que é hora de me retirar — o assunto agora é trabalho.

— Com licença, gostaria de me retirar — digo. Minha mãe assente com a cabeça.

— Posso ir, papà? — ele também concorda.

— Vamos passear, Rô? — convido meu irmão, que logo se levanta e me acompanha.

Fazendeiro chefe

Respirar o ar puro da natureza é como renovar a alma, cada inspiração trazendo consigo a promessa de um novo começo.

Até mesmo o ar por aqui era diferente. Caminhar pela grama bem cuidada era como flutuar.

— Aqui é muito bonito, não é, Rô?

— Verdade, manna! — ele responde, suspirando, parecendo relaxado também.

— Então... está ansioso pelo que está por vir na escola? — pergunto, encostando-me na cerca do campo, onde, do outro lado, alguns cavalos pastavam tranquilamente.

— Ah, não sei. Acho que estou empolgado. Dizem que o ensino médio é a melhor época do colégio.

— E é mesmo, manno! — digo, relembrando minha época de escola, que nem faz tanto tempo assim.

Nos calamos por alguns instantes, mas logo ele quebra o silêncio.

— Quem será que cuida de tudo isso, já que o tio não mora aqui?

No mesmo momento — parecendo bruxaria, ou só uma baita coincidência — um rapaz alto, de porte forte e cabelos escuros aparece do outro lado da cerca.

— Deve ser ele! — digo.

— Será? Mas ele parece tão novo pra comandar tudo isso — Rodrigo tinha razão. Mas, ao julgar pelo chapéu e pela postura firme, eu diria que é ele sim.

— Que tal se perguntarmos? — diz Rodrigo, já se afastando de mim e indo na direção do jovem fazendeiro.

— Rodrigo, não... Rodrigo! — Meus chamados são completamente ignorados, então resolvo segui-lo. Logo ele chama a atenção do rapaz.

— Olá! — meu irmão cumprimenta, ao alcançá-lo.

— Ah, olá! Posso ajudar vocês em algo? — o rapaz responde com simpatia.

— Só queríamos saber quem cuida de tudo isso aqui!

— Bom... está olhando pra ele. Eu sou o fazendeiro-chefe.

— Mas... você...

— Sou jovem demais, não é? — ele completa a frase de Rodrigo, que apenas balança a cabeça, confirmando.

— Bem, quem cuidava de tudo isso era meu pai. Mas desde que ele faleceu, o chapéu veio parar na minha cabeça — diz, tocando de leve o próprio chapéu — e desde então assumi o cargo.

— E como é? É divertido?

— É sim, mas também é cansativo. Mas pra quem ama o que faz, o cansaço é só um detalhe.

Nesse momento, ele direciona os olhos para mim, que já o observava — especialmente naquela regata branca, revelando seus braços fortes e bronzeados.

— Essa é minha irmã. Ela não é muda nem nada, só é tímida demais.

— Rodrigo! — digo, indignada com ele.

O fazendeiro ri.

— Eu apertaria sua mão agora, mas as minhas estão sujas — ele diz, olhando para as próprias mãos.

— Não tem problema — respondo, estendendo a minha para ele.

Seu sorriso se ilumina e ele aperta minha mão com delicadeza, tentando controlar a força do movimento.

— Me chamo Lucas. E você?

— Stacey — respondo, abrindo um sorriso tímido.

Ele demora um pouco para soltar minha mão, só o faz quando ouvimos passos se aproximando.

— Lucas! Como vai? — é a voz de Alexandre.

— Senhor! Está tudo bem por aqui. Que bom revê-lo — Lucas responde, cordial.

— Vejo que já conheceu parte dos meus convidados. São da família Savóia — ele diz com orgulho — Cuide para que tenham ótimas férias.

— Sim, senhor!

Rodrigo e eu nos afastamos dos dois homens, que pareciam figuras saídas de um romance. Caminhamos de volta para o casarão.

Mais tarde, assisti ao pôr do sol da janela do meu quarto temporário. Ler um bom livro parecia uma excelente ideia.

Para mais, baixe o APP de MangaToon!

novel PDF download
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!