Elina
A casa estava fria e silenciosa. O som dos talheres caindo lentamente sobre os pratos era o único ruído que quebrava a quietude da grande mesa de jantar. As paredes, com suas tonalidades neutras e decoração impessoal, refletiam a atmosfera gelada que permeia a minha vida. Sentada diante de um prato de comida fria, sentia-me como uma peça em um cenário meticulosamente planejado, sem propósito.
Heitor entrou na sala com a cabeça baixa, absorto no celular. Vestia um terno escuro, alinhado e impecável. Seu olhar fixo na tela mostrava a indiferença que sentia por mim.
— Como foi seu dia? — ele perguntou, sua voz carregada de desinteresse.
— Como sempre — respondi, tentando manter a calma. — Nada de novo.
Ele ergueu os olhos por um breve momento, sem realmente me olhar. — Eu tenho um encontro agora. A gente se vê mais tarde.
A ausência dele deixava um espaço pesado no ar. Com a mesa agora deserta e o eco das suas últimas palavras ainda ressoando, comecei a limpar os pratos. Cada movimento era um ritual de rotina, um ciclo interminável que não oferecia satisfação. A sensação de estagnação era constante. As manhãs eram repletas de tarefas domésticas e compras, enquanto as tardes se arrastavam, sem eventos significativos. O tempo parecia interminável.
Depois que Heitor saiu, decidi dar um passeio para espairecer. A cidade começava a se iluminar com as luzes da noite, e o frio do ar externo era um contraste bem-vindo com a frieza de casa. Caminhei pelas ruas, observando a agitação ao meu redor, tentando encontrar algum alívio para o vazio que sentia.
O brilho da cidade estava em um ritmo totalmente diferente do meu. As vitrines das lojas, com suas decorações festivas, contrastavam com minha vida insípida. Cada passo que eu dava era um lembrete da diferença entre o mundo ao meu redor e a minha existência.
Entrei em um café local. A atmosfera era acolhedora, com sofás macios e luzes suaves criando uma sensação de conforto. O aroma do café fresco preenchia o ambiente, oferecendo uma pausa do frio da noite. Sentei-me em uma mesa no canto, longe do burburinho, e pedi um cappuccino. A barista, uma jovem com um sorriso simpático, me trouxe a bebida.
Enquanto observava a espuma do cappuccino se formando, me perdi em pensamentos sobre a minha vida. Cada gole tentava encontrar algum conforto na simplicidade do momento. No entanto, a solidão parecia se refletir em cada detalhe ao meu redor. Cada dia era um reflexo do anterior, e o café, por mais reconfortante que fosse, não preenchia a sensação de desolação que eu carregava.
Os clientes ao meu redor conversavam animadamente, enquanto eu permanecia em meu canto, isolada de forma quase intencional. A sensação de não pertencer a lugar algum se intensificava a cada olhar furtivo que dirigia aos outros, que pareciam viver vidas cheias de significado e conexão. A minha vida estava tão distante daquilo quanto possível.
Quando voltei para casa, a atmosfera era ainda mais opressiva. As luzes da sala estavam acesas, mas pareciam não oferecer calor, apenas uma iluminação fria que intensificava o vazio que sentia. Sentei-me na sala de estar e olhei para a TV, que estava desligada. O silêncio ao redor era esmagador, e a sensação de estar completamente sozinha era quase insuportável.
Heitor voltou para casa no meio da noite, como costumava fazer. Às vezes, ele aparecia sem aviso, em horários que não seguiam um padrão claro. Na maioria das vezes, se aproximava de mim com uma frieza calculada, como se sua presença fosse um mero detalhe a ser adicionado ao final do dia. Quando vinha, era para ter relações, muitas vezes sem qualquer tipo de comunicação ou consideração. Para mim, era um gesto vazio, um ritual sem prazer ou satisfação.
Esses momentos eram cada vez mais frequentes, e a sensação de ser usada apenas intensificava o vazio que eu sentia. O que antes era um desconforto sutil tornava-se uma presença esmagadora em minha vida. O ato, sem demonstração de afeto ou desejo, era um formalismo desprovido de qualquer conexão emocional.
A interação com Heitor se limitava a momentos como aqueles, onde ele fazia aparições breves e se afastava rapidamente para seus próprios interesses. A comunicação entre nós era mínima e, quando ocorria, geralmente era breve e superficial. Ele se deitava ao meu lado e se afastava, como se o ato fosse apenas uma formalidade a ser cumprida.
Suas atividades de negócios e encontros com amantes ocupavam a maior parte do seu tempo. As conversas que tínhamos eram repletas de termos de negócios e atualizações sobre sua vida social, enquanto minhas contribuições se limitavam a respostas automáticas e concordâncias. A rotina diária recomeçava no dia seguinte, marcada pela repetição das mesmas tarefas. A sensação de monotonia era uma sombra constante.
A casa, com sua decoração cuidadosamente escolhida e móveis dispostos de maneira impecável, parecia um reflexo de uma vida perfeita, mas na verdade era um cenário que não correspondia à realidade dos meus sentimentos internos. Cada manhã era marcada pela repetição de tarefas e a sensação de estagnação se intensificava.
Era difícil não pensar no que poderia ter sido diferente. Se eu tivesse tomado decisões diferentes no passado ou se as circunstâncias tivessem sido mais favoráveis, talvez eu não estivesse vivendo esse ciclo de monotonia. No entanto, a realidade era intransigente e imutável.
A noite passava lentamente, e eu me encontrava novamente sozinha na sala. O silêncio da casa parecia aumentar conforme a noite avançava, e a sensação de solidão se aprofundava. Olhei ao redor, tentando encontrar algum conforto na familiaridade dos objetos, mas tudo parecia distante e frio, assim como a vida que estava levando.
Deitei-me na cama, com o pensamento de um futuro sem mudanças pairando sobre mim. A sensação de estagnação era esmagadora, e eu me perguntava se haveria alguma maneira de escapar desse ciclo interminável. Cada dia parecia se arrastar sem propósito, e a esperança de encontrar algo que trouxesse significado à minha vida parecia cada vez mais distante.
Elina
A casa estava em constante silêncio, refletindo minha própria sensação de estagnação. O som dos passos ecoava pelos corredores vazios, e eu frequentemente me perdia em pensamentos, buscando algum sentido no vazio ao meu redor.
Meu pai sempre foi um homem de negócios, muito dedicado. Sua presença dominava nossa casa e a empresa que ele havia construído com tanto esforço. A morte dele foi um golpe devastador. A empresa, que deveria ter sido um símbolo de sucesso, estava agora à beira da falência. Ele sempre sonhou em deixá-la em boas mãos, mas o que restou foi um legado sombrio, cercado por dívidas e problemas financeiros que pareciam insuperáveis.
A situação piorou quando Heitor entrou em cena. Ele se apresentou como uma solução para os meus problemas, oferecendo ajuda em um momento de desespero. Mas logo ficou claro que sua proposta não era movida por altruísmo. Ele estava interessado na empresa e em mim, não por quem éramos, mas pelo que podíamos oferecer.
O casamento parecia ser uma maneira de resolver os problemas de ambos. Para ele, era uma forma de garantir uma posição estratégica e se beneficiar da empresa. Para mim, era uma forma de assegurar a sobrevivência da empresa e encontrar algum consolo em meio à dor da perda. A aliança que deveria ter sido um símbolo de esperança tornou-se um peso adicional.
Tentava encontrar algum propósito no dia a dia, mas a sensação de estagnação era esmagadora. A casa, que deveria ser um lar, parecia um espaço frio e impessoal. O ambiente carecia de calor humano, e eu passava os dias em uma rotina sem sentido, preenchendo o tempo com tarefas que não levavam a lugar algum.
Heitor era uma presença constante, mas distante. Ele passava a maior parte do tempo fora, envolvido em seus próprios compromissos e aventuras extraconjugais. Sua ausência frequente intensificava o vazio que eu sentia. Quando estava em casa, sua presença era mais um peso do que um alívio.
Frequentemente me encontrava em uma posição de desconforto e desamparo. Ele parecia não notar, ou talvez não se importasse, com o impacto emocional de suas ações. As interações entre nós eram breves e insatisfatórias, marcadas por um desinteresse que se tornara rotineiro. Cada encontro era um lembrete de quão desconectados estávamos, e cada palavra não dita apenas aprofundava o abismo entre nós.
Nessa rotina monótona, meus pensamentos vagavam para a vida que poderia ter sido. As manhãs começavam com resignação, e eu passava os dias tentando encontrar algum sentido em meio ao caos. Meus esforços para lidar com a empresa e suas dificuldades pareciam em vão, e a perspectiva de mudança se tornava cada vez mais distante.
O ambiente da casa refletia meu estado emocional. A biblioteca, uma vez um lugar de conforto, agora representava minha frustração. Os livros empoeirados nas prateleiras eram um lembrete de um mundo que parecia estar fora do meu alcance. Eu passava horas lá, tentando escapar da realidade, mas a sensação de estar em uma prisão emocional tornava qualquer esforço fútil.
As conversas com Heitor eram superficiais. Ele estava mais interessado em seus próprios desejos do que em qualquer forma de conexão real. Em nossos diálogos, eu sentia a falta de empatia e respeito, e cada palavra era um lembrete de nossa desconexão. Tentava manter uma aparência de normalidade, mas a pressão constante para manter a fachada me desgastava.
Passava as noites em introspecção silenciosa, tentando encontrar respostas para as questões que me atormentavam. A solidão se tornava uma companhia constante, e a sensação de estar presa em uma situação sem saída era esmagadora. O desejo de mudar minha vida era forte, mas a falta de direção e a sensação de impotência tornavam qualquer ação quase impossível.
Em uma manhã particularmente fria, o sol ainda não havia aquecido o ambiente quando eu me encontrava na cozinha, tentando encontrar algum propósito nas tarefas diárias. Preparar o café da manhã parecia um esforço desnecessário, uma rotina que cumpria apenas para manter uma sensação de normalidade. As paredes frias da casa refletiam a minha apatia.
Naquele dia, enquanto caminhava pela casa, refletia sobre as promessas que foram feitas e como se revelaram vazias. O que deveria ter sido uma solução para meus problemas tornava-se um novo conjunto de desafios. A esperança de encontrar conforto em meio à mudança parecia uma miragem, e eu me via lutando para encontrar significado em um cenário desolador. Eu esperei um amor que nunca veio, e a minha paixão, aos poucos, foi se desvanecendo.
A vida continuava, e eu desempenhava meu papel, mesmo que relutantemente. A sensação de estar em um ciclo interminável de desilusão era constante. Tentava manter a esperança de que um dia as circunstâncias mudariam, mas a realidade parecia teimosa e implacável.
Cada dia era uma batalha silenciosa, uma luta para encontrar algum propósito em meio à rotina cansativa. A perspectiva de mudança parecia cada vez mais distante, e o desejo de escapar dessa prisão emocional tornou-se uma necessidade urgente. Mas, por enquanto, eu continuava tentando encontrar sentido nas sombras do passado.
Elina
As semanas se arrastavam como um ciclo interminável, e a sensação de estar presa em uma rotina sufocante crescia a cada dia. A casa, que um dia foi refúgio, agora era apenas um lembrete constante da minha solidão. As conversas com Heitor eram tão frias e superficiais quanto o ambiente em que vivíamos, como se ambos tivéssemos nos tornado meros estranhos dividindo o mesmo teto. Em meio a essa monotonia, era difícil encontrar algo que me desse algum alívio ou esperança.
Foi então que, em um desses dias em que a apatia parecia dominar tudo, recebi uma mensagem inesperada. Laura, minha amiga de longa data, estava organizando uma festa para um pequeno grupo de amigos e queria que eu fosse. Por um instante, hesitei. A ideia de me afastar dessa prisão emocional, mesmo que por algumas horas, parecia surreal. Mas havia algo naquele convite que me instigava a dizer sim – talvez uma tentativa de lembrar quem eu era antes de tudo desmoronar.
Laura sempre foi essa pessoa vibrante que iluminava o ambiente, alguém que conseguia me arrancar sorrisos quando tudo parecia escuro. Aceitar o convite dela parecia uma oportunidade de respirar, de esquecer, nem que fosse por pouco tempo, da vida que eu deixei de reconhecer como minha.
Naquela tarde, quando o silêncio da casa se tornou insuportável, decidi que iria. Vasculhei meu armário e encontrei um vestido que, apesar de um pouco apertado, me lembrava de tempos mais felizes, quando eu me importava com essas ocasiões. Olhei-me no espelho, buscando um traço de entusiasmo no meu rosto. A verdade é que o reflexo que me encarava parecia distante, quase irreconhecível. Mesmo assim, o vestido servia como um pequeno lembrete de que eu ainda queria, de alguma forma, me sentir viva.
Chegando à casa de Laura, fui recebida por um caloroso abraço. A casa estava impecável, acolhedora, com poucos convidados espalhados pelas salas. Não era uma festa grandiosa, mas o suficiente para sentir que eu não estava sozinha no mundo.
— Elina! Que bom que você veio! — Laura exclamou, me abraçando com aquela energia contagiante de sempre. — Você está linda, como sempre. Espero que esta noite seja exatamente o que você precisa.
— Obrigada, Laura. Eu precisava de algo para... mudar o ritmo. — respondi, forçando um sorriso. A verdade era que, por dentro, eu ainda me sentia desconectada, mas não queria estragar a vibe da festa com minhas preocupações.
Laura, como a excelente anfitriã que sempre foi, me levou até o pequeno grupo de convidados. As conversas eram leves, os sorrisos abundantes, mas, mesmo assim, eu ainda me sentia um pouco à margem. Era estranho estar ali, cercada de pessoas, enquanto uma parte de mim ainda estava presa na casa com Heitor, no vazio que eu tentava ignorar.
Laura, sempre perceptiva, notou meu desconforto e, em um gesto de gentileza, me apresentou a um grupo que parecia mais tranquilo. — Elina, quero que conheça alguns amigos. — ela sorriu, enquanto fazia as apresentações.
Entre eles, estava James. Ele parecia diferente dos demais – mais introspectivo, com um olhar atento. Havia algo nele que transmitia calma, como se também não se encaixasse completamente ali.
— E aí, Elina? O que te trouxe até aqui hoje? — ele perguntou, com uma curiosidade genuína. A pergunta era simples, mas carregava algo que me fez querer responder honestamente.
— Preciso de algo... diferente — confessei. — A vida em casa tem sido... complicada.
James assentiu, sem forçar.
— Eu entendo. Às vezes, precisamos de algo assim. Uma pausa da rotina. E parece que esta festa veio na hora certa para você.
Ele estava certo, de certa forma. Não era a festa em si que me atraía, mas a ideia de estar fora de casa, longe dos problemas, mesmo que apenas por algumas horas. Conversar com James era diferente. Ele parecia realmente ouvir, e não estava apressado em preencher o silêncio com palavras desnecessárias.
— E você? O que faz para se distrair? — perguntei, tentando manter o tom leve.
Ele sorriu, pensativo.
— Leio, caminho, faço o que posso. Mas, às vezes, parece que estou só matando o tempo.
Eu ri, pela primeira vez em muito tempo, me permitindo relaxar um pouco.
— Sim, eu sei exatamente como é isso. Às vezes, eu também me sinto assim. Como se estivesse apenas passando pelos dias.
Conforme a noite avançava, nossa conversa continuou fluindo de forma natural. A presença de James me deu uma pausa mental que eu não sabia que precisava. Não era um diálogo profundo ou revelador, mas havia algo de honesto na maneira como ele se expressava, e isso, de alguma forma, me tranquilizou. Pela primeira vez em semanas, eu me sentia ouvida.
Quando a festa começou a se dispersar, James me ofereceu o seu número.
— Se você quiser continuar conversando ou se precisar de alguém para ouvir, me ligue. Às vezes é bom ter alguém que entende.
Aceitei com um sorriso sincero.
— Obrigada, James. Talvez eu faça isso.
Enquanto eu deixava a casa de Laura, a noite parecia um pouco menos sufocante. O convite não havia resolvido meus problemas, mas, de alguma forma, a conversa com James abriu uma pequena janela para algo diferente. Talvez fosse apenas uma noite, ou talvez, quem sabe, fosse o começo de algo que eu ainda não conseguia nomear. O importante é que, por um breve momento, eu me permiti respirar.
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