Tyler
Passo o dedo pelo visor do celular, irritado é claro, já é a sétima mensagem nos últimos quinze minutos. Que parte do NÃO ESTOU A FIM ela não entendeu?
Como se não bastasse, a reunião está um tédio tão profundo que até os executivos mais proeminentes da Medeiros Empreendimentos estão abrindo a boca e bocejando. Mesmo meu pai, na sua postura de dono do mundo, está começando a parecer frustrado.
O homenzinho estranho que conduz a reunião está animado, apontando para os índices na tela projetada, com uma luzinha vermelha que volta e meia escapa e vai parar nos olhos do meu pai.
O velho vai acabar demitindo o sujeito. E eu preciso dar um jeito de me mandar daqui, antes que acabe velho e enrugado como os executivos ao redor da mesa, uvas passas vestidas com ternos.
Com duas palavras pipocando na minha cabeça, ODEIO FINANÇAS, empurro a cadeira e levanto. Meu pai ergue os olhos na minha direção e aperta a linha entre as sobrancelhas.
Um sorrisinho endiabrado brota na minha boca, mas me contenho, mordendo a língua para me impedir de provocá-lo. Meu pai sabe que vou dar o fora.
— Com licença — digo e sem esperar por qualquer resposta, dou as costas para a reunião financeira e saio.
Caminho até o elevador e aperto o botão.
— Aonde pensa que vai, Tyler? — meu pai pergunta, atrás de mim. Viro e encaro o olhar de reprovação que sempre aparece quando diz respeito a algo que eu faça.
— Dar o fora — respondo sem desviar.
— Você não vai a lugar nenhum, volte já pra lá.
— Nem que o mundo estivesse acabando e ouvir aquele cara falar fosse a única salvação — declaro, tirando a
gravata e abrindo um sorriso irônico que sei que vai irritá-lo.
— Nós temos um acordo, mantenho sua mesada se você trabalhar na empresa.
— Nesse caso seria um salário e não mesada.
Ele bufa.
— Um salário teria muito menos zeros — devolve, afiado.
— Touché.
Um nó se forma na minha garganta, faz algumas semanas que meu pai me deu um ultimato, ou trabalho na empresa ou ele para de me bancar de vez, me chuta do testamento e deixa que eu “aprenda a
viver pelas minhas próprias pernas”. Talvez ele esteja certo e estou cansado dessa disputa em que estamos desde que eu me formei na faculdade.
— Não vou voltar pra lá — respondo, sabendo o resto do discurso dele.
— Você deu sua palavra — meu pai, o poderoso empresário Raimundo Medeiros, me lança seu famoso olhar de decepção. — Temos um acordo.
— E eu tenho cumprido minha parte, só que ser o filho atencioso e centrado que um dia vai assumir os negócios do
pai e ficar ouvindo aquele sujeito chato falar sem parar não faz parte do pacote, pai.
— Mas faz parte do fato de ser meu filho e ser o herdeiro dos nossos negócios.
Dou um passo na direção dele e coloco minhas mãos nos seus ombros, suspiro, apelando pelo bom e velho jeitinho de filho.
— Você sabe que eu te amo, não sabe? Pai, você é meu ídolo, meu exemplo...
— Pare com isso, essa conversa pode funcionar com sua mãe, mas não comigo.
— Bom, é a verdade, eu o amo, pai, mas jamais vou ser você.
Entro no elevador e aperto o botão do estacionamento.
— Você não vai... — ele coloca a mão e segura a porta aberta.
— Com todo o respeito que o senhor me ensinou a ter, mas você tem um herdeiro perfeito sentado do seu lado na
reunião. — Tiro a mão dele que mantém a porta aberta.
— Sua irmã é uma...
— Ela é uma mulher, eu sei, mas elas vão dominar o mundo, pai, acostume-se. — A porta se fecha bem diante de um olhar vermelho e uma linha tensa na testa do meu pai.
Ele não é machista de proposito, foi criado assim e não sabe como mudar, mas talvez um dia acabe percebendo que a melhor escolha para sucedê-lo é minha irmã mais nova. Sue é uma cópia do pai, adora números e reuniões chatas e se alguém pode levar as nossas empresas para o futuro é ela.
É uma pena que ele não veja isso.
Penso em todo o esforço que minha irmã tem feito nos últimos cinco anos para conquistar seu espaço e mostrar ao
nosso pai que merece estar ao seu lado, enquanto o elevador desce. Sue é linda, talentosa, inteligente e sabe exatamente como lidar com executivos e suas luzinhas idiotas em reuniões de merda.
Diferente de mim que não suporto nada disso.
Mas e quem é que consegue convencer meu velho?
Termino de tirar a gravata e a enfio no bolso do terno. Não é que eu não goste de trabalhar, só não acho que seja a coisa certa pra mim. Não nasci para demitir, contratar, fechar negócios milionários. Não gosto de ver a dor nos olhos de um empregado no chão de fábrica ao ser demitido, ou na fila de candidatos para uma vaga que vai pagar uma ninharia. Isso não é pra mim.
Já tentei muito me adequar ao que meu pai espera de mim, mas cheguei à conclusão de que sou inadequado e ponto final. Não tem nada que possamos fazer sobre isso, nunca serei o que ele quer e ele nunca me aceitará como eu sou.
Então, o jeito é ir embora, curtir o resto do meu maldito dia, quem sabe dar uma corrida na Beira Mar Norte e acabar a noite enterrado em um rabo empinado e gostoso.
Desço em silêncio até o andar da garagem. Meu celular começa a tocar e um número desconhecido pisca na tela. Desligo sem atender, coloco o aparelho no bolso e saio para o ambiente escurecido do estacionamento.
Caminho por entre os carros e de longe vejo meu Range Rover. Sigo na direção dele, mas uma sensação estranha me faz parar bem no meio do estacionamento e olhar ao redor.
Como não vejo nada, me preparo para escapar da empresa antes que meu pai decida aparecer por aqui e me levar de volta com um puxão de orelha.
Dou mais alguns passos, mas paro quando um barulho alto me chama atenção. Viro na direção do som e vejo um SUV escuro vindo a toda velocidade pra cima de mim.
Só tenho tempo de me jogar para o lado e rolar.
O carro freia com força, cantando pneu.
Ainda em alerta, levanto e volto minha atenção para o carro.
Grito uma porção de palavrões por causa do susto, e vejo uma mão surgir de dentro da janela do motorista.
A unha vermelha ergue o dedo do meio, me mandando para aquele lugar.
— Sua Vaca! — É minha única resposta.
O carro parte em disparada, me deixando com o terno todo empoeirado e um rasgo na calça.
Milen
De vez em quando as coisas podem dar certo, não é?
Bom, pelo menos é isso que eu espero. Estou cansada de ser a fada mais ferrada de todas. Só uma vez, uma
única vezinha, eu gostaria que tudo desse certo de primeira.
A professora Salina é uma fada na casa dos cinquenta e poucos anos, ela é linda e graciosa, assim como todas as
outras, com exceção de mim que de graciosa e delicada não tenho nada. Ela caminha pela sala falando sobre as regras da levitação com ou sem asas, sobre o papel das fadas guardiãs e a necessidade que o mundo humano tem de cuidados.
— É muito importante que vocês se concentrem bem — ela declara num tom sonoro que é como música para os ouvidos, acenando para Una, a fada mais bonita, popular e perfeita da escola inteira. O sorriso de Una é
tão doce que chega a ser enjoativo.
Roxy, a única fada da turma que não me considera uma aberração total, vira-se na minha direção e revira os olhos
quando Una sai da sua cadeira e vai até a nossa professora, parando com graça e recato diante da lousa etérea. Roxy e eu somos amigas desde que antes de entrarmos na Academia de Madrinhas, que agora se chama Academia de Guardiãs, pois a Superiora acha que madrinha é um nome que não nos valoriza.
O reino das fadas é dividido por setores, digamos assim, as madrinhas, ops, as guardiãs já foram a elite,
festejadas e respeitadas por todos. Entrar na escola na época dos meus pais era como achar um raro trevo de quatro folhas. Esplêndido. Imponente. Perfeito.
Meu pai diz que as guardiãs estão em decadência, somos poucas para muitos humanos, num mundo bagunçado e incerto, mas minha mãe, que é diretora da escola e braço direito da Superiora, acha que estamos caminhando para grandes feitos, grandes mudanças.
Para ela, é possível recuperar a glória dos bons tempos, mesmo que o mundo humano seja devasso e cheio de dor.
Volto minha atenção para Salina, que está sorrindo pra Una como se ela fosse o ponto alto do universo feérico. Droga. Depois da aula de hoje, ela vai ficar ainda mais insuportável, não quero nem ver.
Roxy faz outra careta quando Una começa a levitar.
— Alguém me mate, por favor — Roxy murmura com os lábios em forma de coração.
Sorrio e sacudo a cabeça, tentando não pensar no quanto Una e seu grupinho de fadas perfeitas vão encher nosso saco mais tarde.
Eu sei, eu sei, uma fada deve ser sempre graciosa e meiga, cordial e doce, e jamais, jamais mesmo, falar coisas como encher nosso saco. Mas a quem eu quero enganar? Eu não sou nem graciosa, nem doce, nem nada do que se espera.
Sou uma decepção para minha mãe, que achava que eu seria uma grande líder feérica, um exemplo de perfeição e quem sabe até presidente. Se eu chegar ao final da minha capacitação sem acabar encarcerada por explodir coisas já vou ficar muito satisfeita.
— Fadinhas, em formação — Salina dá o comando quando Una volta para o chão com a mesma facilidade e perfeição. Eca. Acho que vou enlouquecer antes do final do dia de hoje.
— É isso, vamos lá mostrar como é que se faz — Roxy sussurra no meu ouvido, me fazendo soltar um grunhido nada gracioso.
— Só espero que dê certo.
— Relaxa, vamos botar pra quebrar.
Minha amiga é muito confiante, mas também pudera, sua família é muito importante no reino das fadas e ninguém mexe com eles, além de muito poderosos no quesito magia. Apesar disso, Roxy não se sente nem um pouco pressionada, ela gosta da escola e se diverte muito quando as coisas saem na contramão do planejado.
Se bem que, quem poderia se sentir pressionada quando se é absolutamente perfeita?
Tudo que minha melhor amiga fada faz dá certo e quanto mais desprendida ela parece, melhor executa as tarefas e encantos.
— Formem duplas — Salina manda e todas as meninas se enfileiram com suas duplas.
Suspiro, parando na frente de Roxy que sorri toda animada.
— Pronta pra botar pra quebrar? — pergunta com a voz baixa.
Sacudo a cabeça negando, morrendo de medo de fazer alguma grande cagada, ops, grande coisa feia, errada e fedorenta. Merda.
Tá vendo, não tem como as coisas darem certo quando a fada não consegue controlar nem os próprios nervos.
— Quando suas asas estão impossibilitadas ou quando você não pode expô-las por qualquer motivo, a levitação sensorial é a melhor maneira de se sair de uma situação difícil. Em algum momento, sua vida pode chegar a depender dessa habilidade, portanto, vocês devem aprender as técnicas de canalizar as energias para a levitação. Algumas fadas jamais chegam a conseguir, outras conseguem percorrer pequenas distâncias e algumas das mais poderosas conseguem trocar mundo humano para o nosso com a força sensorial. O melhor seria se todos conseguissem dividir as energias, chegando a levitar e se defender ou atacar ao mesmo tempo.
Mas não vamos apressar as coisas. Cada uma de vocês deve respeitar seus próprios limites e seu tempo.
O discurso de Salina faz meu coração bater forte e minha respiração sair cortada. A sala de aula parece muito pequena de repente e quase posso ver os olhares de decepção da minha mãe quando eu fizer algo errado.
Já tentei levitar, já tentei voar, fazer magia, tudo. Saber que sou incapaz de conseguir mesmo as coisas mais básicas, mesmo sendo filha de feéricos tão magicamente poderosos, me deixa angustiada.
— Você tá fazendo careta, relaxa — Roxy sussurra e eu ranjo os dentes.
— Não tô conseguindo, acho que hoje é o dia.
— Dia de quê? — minha amiga pergunta.
— O dia que a vergonha toma conta do legado da minha família quando eu for expulsa por ser totalmente
inadequada... inapta.
— Não fala bobagem, vai ser legal.
— Respirem devagar — Salina comanda e nós fazemos isso no mesmo instante. — Agora, primeiro uma das parceiras fechará os olhos, enquanto a outra vai tomar conta dela, apoiar.
— Certo, você quer que eu vá primeiro? — Minha amiga pergunta e eu aceno que sim, postergando o momento da vergonha etérea ao máximo.
Roxy fecha os olhos.
— Mãos para frente, com calma — Salina continua ensinando. — Agora lembrem-se, dentro de cada fada há um
pequeno reservatório de magia, ele é quem nos dá o poder de fazer coisas como levitar e que comanda nosso poder primordial, nosso talento.
Fico em silêncio, absorvendo ao máximo as lições e rezando para todas as entidades do mundo que me ajudem e não me deixem colocar fogo na escola. Imagina só a cara da grande diretora da escola de fadas madrinhas quando sua filha for expulsa por não fazer nem o básico como levitar uns poucos palmos do chão.
— Respirem bem fundo e toquem com sua energia interna, o reservatório de magia.
Nesse mesmo instante, Roxy começa a brilhar e uma aura purpura contorna todo seu corpo, é lindo e ela levita sem qualquer dificuldade.
— Muito bem, Roxy, com calma. As demais, podem começar.
Uma a uma, minhas colegas feéricas começam a subir alguns passos do chão. Claro que, como era de se esperar, Una é a que sobe mais alto e sorri como se acabasse de ganhar um concurso de beleza e perfeição. SACO.
— Tudo bem, voltem para o chão e agora as parceiras vão levitar. Preparem-se — Salina comanda.
Roxy toca o chão e abre os olhos.
— Seu brilho é lindo — digo e ela ergue uma sobrancelha, confusa.
— Brilho?
— É purpura. Lindo e rock in roll.
— Adoro rock, adoro purpura. — Roxy sorri.
— Sua cor é linda...
— Milen, concentre-se — Salina me repreende, fazendo minhas bochechas arderem no mesmo instante.
— Você consegue — Roxy sussurra e eu sorrio, um desses sorrisos amarelos e consternados que a gente dá quando tem certeza de que algo vai dar muito errado.
Uma a uma, as fadas restantes levitam, algumas sobem uns poucos passos, outras vão até quase a altura dos
meus ombros, mas eu, eu continuo com os pés muito fincados no chão, quase como se tivesse raízes.
Salina vem até mim e me lança um olhar paciente.
— Você parece tensa — ela diz.
— Desculpe.
— Estudou o capítulo?
— Sim, senhora — respondo, já ouvindo alguns risinhos abafados na minha direção.
Roxy toca minha mão de leve, tentando me reconfortar. Respiro fundo.
— Tudo bem, então qual é a base do que estamos fazendo? — Salina pergunta com serenidade.
— Primeiro a fada deve se concentrar introspectivamente. Em seguida deve buscar no interior o
reservatório místico, onde se encontra a fonte de magia e a essência de uma fada. É preciso conhecer bem o reservatório para não esgotar a energia e causar danos severos ou irreversíveis...
— Certo, e o que mais, Milen?
— Depois deve-se manipular uma pequena quantidade de energia com a nossa mente e direcioná-la aos nossos
sensores, nossos sentidos. A vontade deve ser determinada e não pode oscilar. A energia precisa ser canalizada para o sentido da levitação. Com treino e prática pode-se desenvolver bem essa habilidade e minimizar os gastos energéticos com a levitação, bem como ser capaz de dividir as demandas energéticas para ataque, defesa e levitação. Não se deve recriminar as fadas que não possuem capacidade sensorial ou reservatório suficientes para a tarefa. Entretanto, as grandes fadas, as mais poderosas de todo o Etéreo, são sempre capazes de realizar ao menos a levitação sensorial e a defesa, por tempo suficiente para se salvar em caso de emergência.
Salina assovia e me lança um sorriso cordial.
— Você parece pronta, só precisa relaxar.
— Viu — Roxy provoca e eu suspiro bem fundo.
— Feche os olhos, Milen, esqueça tudo ao redor.
— Certo — digo, obedecendo.
Salina é uma das poucas fadas desta geração que são capazes não apenas de levitar como também de levitar outra fada consigo e ainda se proteger, dizem que o humano que ela protegia, se tornou um grande presidente e mudou a história do seu povo depois de ter ficado anos e anos numa prisão.
— Concentre-se, Milen.
— Tava demorando pra esquisitona estragar a aula.
— Quieta, Una — Salina a repreende.
— Milen, respire bem devagar e procure sua magia, concentre-se apenas nisso.
Aperto os olhos e respiro bem devagar e... nada.
Nada.
Nada.
E nada.
Já estou pronta para desistir quando escuto a risada das minhas colegas, com certeza se eu não levitar um
centímetro sequer vou ser o alvo das piadas delas até o final da minha vida.
Me concentro e suplico mentalmente para o meu corpo e minha magia me ajudarem. Não quero muito, só o bastante para sentir que pertenço a este lugar.
Só um pouquinho...
Até que finalmente me sinto envolver por uma onda de calor que é maravilhosa e sei, sem qualquer sombra de
dúvidas que mesmo que seja apenas um pequeno reservatório de magia, ele está dentro de mim, em algum lugar, só esperando que o alcance.
Sinto minha magia beirar a superfície, me instigando, chamando.
Aos poucos, reviro minha mente em busca dela. Qualquer fagulha que me faça subir ao menos alguns centímetros já vai me deixar aliviada.
Mas tudo bem se eu não tiver um grande poder, só quero sentir que faço parte de algo, que existe algo em mim
que faça merecer cuidar dos humanos.
Concentrada em achar a magia, me sinto travada e seca. Mas se não penso muito, sinto algo fluir em mim, um
calor, uma aura.
Tão logo começo a relaxar, envolvida pelo calor ao redor de mim, encontro o que só pode ser a fonte da
minha magia. É como uma bola pulsante que emite calor e uma energia toda colorida e bagunçada. É o meu reservatório.
E ele é uma bola.
Sorrio, porque apesar de ser diferente do que imaginei, é uma bola linda e envolvente. Toco com a mente e
sinto que toda a energia me envolve. Frenética, ansiosa, vibrante.
Sinto meus pés saírem do chão, então me concentro na beleza e no amor que minha magia merece ter, deixando que ela me envolva e me faça esquecer de tudo ao redor.
Só existimos nós duas, a magia e eu. A força e eu. A energia e eu.
Eu pertenço a este lugar.
Eu pertenço a minha magia e ela pertence a mim.
Somos uma.
— Acho que tá dando certo — digo, sem conseguir pensar em mais nada.
É a minha magia.
Eu tenho magia.
— Milen... pode parar agora — Salina comanda.
— Pela santa das causas perdidas! — Alguém grita.
— É isso, aí, arrasa amiga — escuto a voz de Roxy seguida de uma risadinha divertida. Eu estou levitando.
Estou sim.
As vozes se agitam, mas não consigo prestar muito a atenção, completamente tomada pela intensa sensação que minha bola de poder emana. É incrível, apaixonante e mesmo que eu não consiga ver, me sinto preenchida e plena.
— Acho que estou conseguindo — sussurro e alguém solta um gritinho de espanto.
— Ai, pelo amor do Todo Poderoso — A voz irritada de Una me faz sentir muito poderosa e quanto mais me sinto
assim, maior minha bola de magia cresce, pulsante, brincalhona, feliz.
Será que fui mais alto do que Una?
Queria poder ver, mas tenho medo de abrir os olhos e acabar estatelada no chão. Então me mantenho ficada em desenrolar a energia com a mente, deixando-a esticar suas garras macias e gostosas sobre mim.
É incrível.
— Milen, por favor, pare — Salina soa alarmada. — Abra os olhos, agora.
Abro os olhos e dou de cara com uma cena e tanto. Estou com a cabeça a um palmo do teto, só que não apenas eu estou levitando, mas todas as minhas colegas fadas também.
E todas estão banhadas pelo brilho prateado da minha magia. É lindo e... inesperado.
Olho ao redor, chocada. Una está de cabeça para baixo, agitando os braços totalmente desgovernada. Flora e Fiuscia, as gêmeas que vivem coladas nela, estão tentando pegar a mão uma da outra, mas se desequilibram e se afastam. Flora fica de cabeça para baixo e... vomita.
— Ah, meu Deus, alguém faça ela parar — uma das minhas outras colegas grita.
— Socorro! — Fiuscia é quem chama, ela está atravessada, sacudindo-se toda. Depois, ela dá um giro completo, sem conseguir se controlar. — Acho que vou vomitar também.
Viro para o lado e Roxy está flutuando com um sorriso enorme no rosto. Ela agita os braços bem devagar, para cima e para baixo, curtindo a coisa toda conforme se move para os lados.
— Você é um arraso — molda as palavras nos lábios, sem emitir qualquer som.
— Eu estou fazendo isso?
— Sim, você — Roxy responde, dando uma cambalhota no ar. — Amei, isso.
Salina, que está do outro lado da sala, tenta se agarrar às cortinas e fechar as janelas, antes de voar para fora
da escola.
— Não fique nervosa, Milen, vai ficar tudo bem.
— O que eu faço? — pergunto, com medo do quanto as coisas ainda podem piorar. Acabo de mandar todas as minhas colegas e minha professora pelos ares, com certeza pode ficar pior.
— Coloque a gente no chão.
— Como?
— Do mesmo jeito que nos colocou no ar — Salina grita. — Rápido, Milen. Pense com calma e se concentre.
— Não consigo.
— Socorro! — Una grita, flutuando na direção da janela.
Pelo Todo Poderoso, preciso fazer alguma coisa.
— Alguém me ajuda — Una continua.
Por pior que ela seja, não posso deixá-la voando por aí. Mesmo que as vezes eu queira muito que ela desapareça, não seria nada legal.
Fecho os olhos e procuro meu reservatório pulsante, que cresceu ainda mais desde que deixei a magia fluir
por mim, irradiando toda sua energia pelo meu corpo e fazendo todo mundo flutuar pela sala. Tudo bem, sei o que
tenho que fazer.
Só não sei como fazer.
Preciso soltá-la.
Deixar a magia ir.
Ao invés de soltar minha magia, ela se agarra a mim com força total, me fazendo sentir praticamente como uma parte indivisível dela. Somos uma coisa só.
É lindo e inebriante.
É como se minha magia sentisse a mesma necessidade que eu sinto, ela precisa de mim tanto quanto eu preciso
dela.
— Calma, Milen, você é poderosa, mas não pode se deixar levar — ouço a voz de Roxy bem longe. — Deixe sua magia descansar, amiga, volta pra nós.
Respiro bem fundo, tentando me apegar à voz da minha amiga fada, mas a magia me quer e eu a quero, é difícil
abrir mão.
— Você consegue, Milen, não deixe a magia consumir você... serena e calma... vamos, Milen, se liberte e volte.
Voltar.
Eu preciso voltar.
— Volta, amiga, volta pro agora... a magia vai estar aí quando você precisar, apenas liberte-se.
Assim que ela termina de falar, tudo fica muito escuro e frio. É rápido, mas faz meu corpo inteiro se arrepiar.
É o momento.
Bem devagar, vou deixando que a magia escorregue para o fundo da minha mente, latente e calma. Ainda sinto a
expectativa dela de se unir a mim, mas ela entende que é agora precisa se tranquilizar e voltar para a paz.
Nós estamos juntas, não importa o que aconteça.
— Isso, garota, você consegue. Calma.
Quando abro meus olhos, estamos todas no chão e em segurança. Com exceção de Una, que Salina puxa para baixo com um solavanco. Ela cai sentada de bunda no chão e solta uma porção de palavrões nada delicados e perfeitos.
— Acho que nem sua magia gosta da fada abelhuda — Roxy sussurra e eu sorrio.
— Milen, você está bem? — Salina vem até mim, pega meu queixo com as mãos finas e me inspeciona. — Tá se
sentindo bem?
— Sim, melhor do que nunca.
— Pelo Todo Poderoso, nunca vi nada assim.
— Me desculpe, professora, não sou boa com essas coisas.
— Boa? Boa? Você é a fada mais radical
de toda Etéreo — Roxy se adianta, rindo e erguendo a mão para um toca aqui. — Você é rock in roll, Milen.
Bato na mão da minha amiga, mas não me sinto assim tão radical ou rock in roll. Na verdade, eu adoraria ter um
buraco para me enfiar dentro e só sair no próximo milênio.
— A diretora e a Superiora precisam saber disso. — Salina me pega pela mão e me guia para a porta.
Da última vez em que fui encaminhada para a direção foi porque não consegui dissecar o sapinho e acabei
colocando fogo nas cortinas do laboratório. Fiquei encrencada por uma semana.
Salina praticamente me empurra para a fora da sala, enquanto minhas colegas me lançam olhares que vão de
aterrorizados a raivosos.
— Vamos, Milen!
Ferrou.
O que você precisa saber...
A profecia
Chegará em um tempo incerto para cumprir o que foi chamada a fazer. Mudar o mundo para uma nova era da magia e das grandes batalhas entre o bem e o mal. Ela será conhecida como a grande Conquistadora
Vermelha e, banhada de sangue, destruirá as linhas entre a vida e a morte. A fada que guia o humano será responsável por ensinar-lhe o bem ou guiar-lhe para o fim dos tempos. O humano que mudará o seu mundo será responsável por dar-lhe valores ou destruir sua alma. Lado a lado, o destino da vida será decidido por
amor ou por ódio.
(Profecia feérica do fim dos tempos gloriosos. - Autoria: desconhecida. Período: Feérico Arcaico.)
Era uma vez....
Era uma vez, em um reino muito, muito distante, uma criaturinha pequena e delicada, de orelhas pontudas e uma alma cheia de luz... SÓ QUE NÃO.
Esta não é uma história de contos de fada, embora nossa protagonista seja mesmo uma fada. Então, deixe-me começar de novo.
No dia que esta história começou, Milen estava sentada na última cadeira da sala de aula, olhando para a garota lá da frente com uma expressão de pânico desenhada no rosto pequeno e frágil. Ela queria fazer parte da turma, mas era sempre relegada para o fundo, como a esquisita que causava confusão. E de fato, era isso que ela estava prestes a fazer.
E ia que as confusões começaram, a mudança também começou...
Atenção, esta é uma comédia romântica para rir até a bochecha doer, mas, para além disso, também é um livro com conteúdo adulto e, portanto, você encontrará cenas explícitas com detalhes e linguagem bem gráfica. Recomendado para maiores de 18 anos.
Esta história pode se enquadrar no gênero monster romance, por conta do caráter sobrenatural e de fantasia, mas a cima de tudo, é um romance com reviravoltas, altos e baixos e acontecimentos que não dizem respeito à crenças ou convicções pessoais.
O livro foi escrito de acordo com o novo acordo ortográfico da língua portuguesa, contudo, usa-se linguagem e recursos de escrita para manter o texto fluido e gostoso de ler, tais como as abreviações “pra”, “Tá” e “Tô”.
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Sinopse
Tyler Medeiros é um playboy.
Rico, mimado e acostumado a ter tudo que quer, não tem ideia de como sua vida vai mudar ao receber a inesperada visita de uma fada.
Milen é a fada mais atrapalhada do universo.
Doce, curiosa e desajeitada, ela nem imagina que está prestes a se tornar a protetora de um humano desafiador que é, ao mesmo tempo, lindo, intenso e uma bagunça caótica capaz de tirá-la dos eixos.
Ela deve torná-lo uma pessoa melhor, mas será que conseguirá ficar imune de se tornar alguém diferente nesse percurso?
Uma paixão improvável e divertida, que vai pegar fogo e mudar os rumos do mundo.
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E eu desistiria da eternidade para tocá-la.
Pois sei que você me sente de alguma forma.
Você é o mais próximo do paraíso que chegarei.
(Iris – Goo Goo Dolls)
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