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Lilith a Herdeira do Morro

Legado Oculto

Narrado por Lilith

Sempre tive uma vida perfeita, ou pelo menos parecia perfeita para mim, graças ao meu avô, Antônio Santorini. Ele nunca deixou me faltar nada e sempre esteve ao meu lado nas horas boas e ruins.

As coisas começaram a mudar há um ano, quando meu avô descobriu um tumor que, a cada dia, se espalhava mais, matando-o aos poucos. Mesmo que eu quisesse ou tentasse, não havia nada que eu pudesse fazer, e isso me deixava frustrada.

Meu avô foi a única família que conheci em toda a minha vida, e saber que poderia perdê-lo me deixava sem chão.

Meu nome é Lilith Santorini, tenho 25 anos. Meus amigos me chamam de Lili, mas no trabalho, sou conhecida como “Advogada do Diabo” ou “A Domadora de Monstros.”

Meu avô sempre me contou histórias sobre minha mãe e como ela era linda. Ele sempre dizia que ela morreu no parto, e a história sempre parava por aí, deixando-me inquieta e cheia de perguntas: Quem era meu pai? Onde ele está? Por que nunca me procurou?

Foram anos me perguntando, remoendo isso dentro de mim até que um dia eu simplesmente parei de me importar. Talvez tenha sido isso que me fechou para o mundo, não deixando ninguém se aproximar muito.

Foi assim que me protegi para que ninguém jamais pudesse me ferir.

Era por volta das 16:30 da tarde quando eu estava saindo do tribunal, quando um número desconhecido do hospital apareceu na tela do meu telefone. Atendi, e uma voz urgente me disse que eu precisava ir ao hospital imediatamente, pois meu avô não sobreviveria.

As palavras me atingiram como um soco no estômago. Caí no chão, incapaz de controlar as lágrimas que escorriam pelos meus olhos. Tapei a boca com a mão, tentando abafar os gritos de dor que ameaçavam escapar. Meu peito parecia estar sendo rasgado enquanto eu lutava para conter a agonia que me consumia.

Gabriela Barbosa, minha amiga e colega advogada, veio correndo até mim. — Lili, você está bem? O que aconteceu?” — perguntou, aflita.

Eu não conseguia responder. Com as mãos trêmulas, entreguei o telefone a ela. Gabriela falou rapidamente com a pessoa do outro lado da linha, prometendo que estávamos a caminho.

Ela me segurou pelo braço e, com cuidado, me levou para fora, em direção ao carro. Colocou-me no banco do passageiro e assumiu o volante, dirigindo rapidamente até o hospital.

Durante a viagem, eu não conseguia pensar em nada além do meu avô. Antônio Santorini foi tudo para mim, e agora eu estava prestes a perdê-lo. As lembranças da minha infância, as histórias sobre minha mãe, todas as conversas e momentos que compartilhamos passavam pela minha mente como um filme.

Chegamos ao hospital, e Gabriela praticamente me arrastou para dentro. Os corredores pareciam intermináveis, mas finalmente chegamos ao quarto onde meu avô estava. A visão dele, frágil e pálido na cama, fez meu coração se apertar ainda mais.

Aproximei-me, segurando sua mão com força. — Vovô, estou aqui. — sussurrei, as lágrimas ainda caindo.

Ele abriu os olhos lentamente e, com um esforço visível, apertou minha mão de volta.

— Lilith — murmurou, sua voz fraca. — Há algo que você precisa saber…

Inclinei-me para mais perto, segurando firmemente sua mão.

— Estou aqui, vovô. O que é?

Ele respirou fundo, sua voz pouco mais que um sussurro.

Eu provavelmente não estava preparada para aquele momento.

— Não precisa me dizer nada. — Tentei falar, evitando saber da verdade que tanto temia.

— Lili, preciso que me ouça e tente entender... Não posso morrer e carregar isso comigo. — Ele disse, segurando minhas mãos com força. — Lili, o nome de seu pai é Jorge Alencar, conhecido como Corvo, líder do PCC e você tem um irmão, Pedro Henrique, conhecido como PH, dono do Complexo do Alemão.

Cada palavra era como um soco no meu estômago.

— Vovô, me fala que isso é uma brincadeira, por favor. — Pedi, sentindo as lágrimas escorrerem pelo meu rosto.

— Espero que um dia possa me perdoar. — Ele murmurou, a voz dele mal passando de um sussurro.

Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, as máquinas ao redor começaram a apitar, e o corpo do meu avô começou a tremer na maca. Fiquei ali, em transe, observando enquanto vários médicos e enfermeiros entravam na sala, tentando desesperadamente salvá-lo.

Senti a mão de um dos enfermeiros me puxando para fora da sala, e ali, no chão frio do hospital, me sentei, em choque.

Alguns minutos depois, o médico saiu e me olhou com um olhar de pesar.

— Me desculpe, senhorita Santorini, mas o seu avô não resistiu. — As palavras amargas saíram da boca dele, atingindo meu estômago como um golpe.

O mundo ao meu redor desmoronou. Senti como se tudo estivesse ruindo, e a dor da perda se misturava com a confusão e a incredulidade da revelação que meu avô acabara de fazer. Tudo o que eu conhecia, tudo o que eu pensava ser a minha vida, havia mudado para sempre.

O luto pela perda de meu avô era esmagador, e a revelação chocante sobre meu pai e meu irmão apenas intensificava o turbilhão emocional. Sentada no chão frio do hospital, o choque e a dor se misturavam em um turbilhão de emoções.

Quando finalmente consegui me levantar, Gabriela estava ao meu lado, oferecendo um abraço silencioso. Sua presença era um conforto, mas eu sabia que precisava lidar com essa nova realidade sozinha.

— Vamos para casa — disse Gabriela, com voz suave. — Você precisa de um tempo para processar tudo isso.

Sem protestar, segui com ela para o carro. A viagem para casa foi silenciosa, marcada pelo som do motor e pela minha mente trabalhando em overdrive. Pensamentos sobre meu pai, meu irmão, e o legado de meu avô se entrelaçavam em uma confusão de emoções.

Ao chegar em casa, entrei em meu apartamento e me deixei cair no sofá. Olhei ao redor, buscando algum tipo de normalidade em meio ao caos que minha vida havia se tornado.

O último adeus

Narrado por Lilith

O choque que eu sentia era tão profundo que não consegui nem dizer a meu avô o quanto o amava e que o perdoava por ter escondido a verdade de mim.

A mente estava cheia de perguntas sem respostas, principalmente sobre por que meu pai e meu irmão nunca haviam me procurado. A incerteza e a dor me consumiam.

Fui para o banho, e ali, sentada no chão do banheiro, permiti que o choro entalado na garganta se libertasse. Passei horas ali, deixando as lágrimas lavarem um pouco da angústia que sentia.

— O que vai ser de mim sem você, vovô? — falei baixinho para mim mesma, sentindo o peso da pergunta ecoar em meu coração.

Quando finalmente saí do banho, envolvida em uma toalha, vesti uma blusa e uma calcinha qualquer antes de me jogar na cama. O cansaço tomou conta de mim, e deixei que o sono me envolvesse, desejando que, ao acordar, tudo fosse apenas um pesadelo.

Na manhã seguinte, fui despertada pelo toque do meu celular. Era o advogado de meu avô.

— Senhorita Santorini, já tomei todas as medidas necessárias para o enterro. Estou apenas aguardando sua presença para discutir os detalhes finais e a questão dos bens deixados por seu avô. — disse ele com um tom profissional, mas havia uma nota de empatia em sua voz.

— Estarei aí o mais rápido possível — respondi, tentando me recompor.

Depois de me arrumar, fui ao escritório do advogado. A conversa sobre o enterro foi dolorosa, mas necessária. Eu precisava organizar as últimas despedidas e, ao mesmo tempo, lidar com o que meu avô havia deixado para mim.

O enterro estava marcado para a Capela Celestial, no Rio de Janeiro. Eu estava sentada ao lado do corpo do meu avô, vestida de preto, o peso da perda se refletindo em cada respiração. As pessoas começaram a chegar—muitos rostos desconhecidos para mim, mas que reconhecia como sócios, amigos, e alguns parentes distantes de meu avô.

Eu me mantinha imóvel, observando tudo ao meu redor, tentando processar a mistura de dor e confusão. À medida que as horas passavam, notei a chegada de alguns homens que imediatamente chamaram minha atenção. Havia algo de estranho neles. Eles se aproximaram do advogado do meu avô, conversando em tom baixo, e, de vez em quando, lançavam olhares na minha direção.

Não deixei de notar a presença deles, e meu instinto de advogada se ativou. Eu sabia exatamente o que eles eram: traficantes. Mas a pergunta que não saía da minha cabeça era o motivo de estarem ali. O que eles tinham a ver com meu avô?

Foi então que me lembrei das últimas palavras que meu avô me disse, sobre meu pai e meu irmão. Será que eles tinham algum envolvimento com aqueles homens? Será que meu avô tinha algo a ver com esse mundo que eu mal conhecia?

Respirei fundo, tentando organizar meus pensamentos. Voltei a olhar para meu avô, deitado pálido naquele caixão, o rosto sereno como se estivesse em paz. Mas eu estava longe de encontrar qualquer paz.

— O que eu tenho que fazer, vovô? — sussurrei, a voz trêmula de incerteza. — Você não me deixou explicação alguma.

Senti um nó na garganta. Tudo o que eu queria era uma direção, uma resposta para as perguntas que me atormentavam. Mas o silêncio que me envolvia era avassalador.

Os homens continuaram conversando com o advogado, e percebi que, para entender o que estava acontecendo, eu precisaria me aproximar daquele mundo desconhecido e perigoso que, de alguma forma, estava ligado à minha família. Mesmo sem ter todas as respostas, uma coisa eu sabia: precisava descobrir a verdade, não importa onde ela me levasse.

Conforme o velório prosseguia, as pessoas ofereciam suas condolências, mas tudo parecia um borrão. A cada aperto de mão e abraço, eu me sentia mais distante, imersa em meus próprios pensamentos. O silêncio entre as palavras de conforto era ensurdecedor, e a presença daqueles homens estranhos pairava como uma sombra, perturbando a solene despedida.

Eles continuavam a falar com o advogado do meu avô, e quanto mais tempo passava, mais ficava claro que aquela não era uma simples conversa. Havia algo importante sendo discutido, algo que provavelmente envolvia a mim ou ao meu avô. Decidi que não podia simplesmente ficar sentada observando de longe; precisava entender o que estava acontecendo.

Levantando-me lentamente, ajeitei o vestido preto e caminhei na direção deles, tentando parecer confiante e controlada, mesmo que por dentro eu estivesse em pedaços.

— Com licença — interrompi a conversa, e todos os olhares se voltaram para mim. Os homens pararam de falar imediatamente, suas expressões inexpressivas enquanto me avaliavam. — Posso saber sobre o que estão conversando?

O advogado hesitou por um momento, como se estivesse decidindo quanto deveria me contar.

— Senhorita Santorini — começou ele, com um tom profissional, mas não conseguiu esconder completamente a preocupação em seus olhos. — Esses cavalheiros são representantes de... negócios nos quais seu avô tinha algum envolvimento. Eles vieram prestar suas homenagens e discutir algumas questões pendentes.

Negócios? A palavra pairou no ar entre nós, carregada de implicações. Eu sabia que meu avô era um homem influente, mas até onde iam esses "negócios"? E qual seria a ligação com o Corvo, meu pai, e com PH, meu irmão?

— Que tipo de questões? — perguntei, mantendo o olhar firme, mesmo com o coração acelerado.

Um dos homens, o mais alto e robusto, deu um passo à frente, o rosto sério.

— Assuntos que talvez seja melhor discutirmos em outro momento, senhorita. Seu avô era um homem respeitado por muitos de nós. Há coisas que ele queria que você soubesse, mas não aqui, não agora.

Eu estreitei os olhos, tentando ler as intenções por trás das palavras daquele homem. Cada vez mais, sentia que estava sendo empurrada para dentro de um mundo do qual mal começava a compreender a extensão.

— Entendo — respondi, tentando manter a calma. — Podemos marcar um encontro para discutir isso depois do funeral.

Eles assentiram, e o advogado rapidamente sugeriu que poderiam nos encontrar em seu escritório no dia seguinte. Concordei, embora a sensação de estar sendo arrastada para algo grande e perigoso permanecesse.

Enquanto voltava para meu lugar ao lado do caixão, senti que cruzava uma linha invisível, entrando em um território onde a verdade era mais complexa e obscura do que jamais imaginei. O luto pela perda do meu avô agora se misturava com uma sensação crescente de que minha vida estava prestes a mudar de maneira irreversível.

Sentada novamente, olhei para o corpo imóvel do homem que me criou e desejei mais do que nunca que ele estivesse ali para me guiar.

— Eu preciso ser forte, vovô, por nós dois — sussurrei, segurando as lágrimas.

Agora, mais do que nunca, eu sabia que precisaria de toda a coragem e inteligência que ele me ensinou para descobrir a verdade e enfrentar os desafios que vinham pela frente.

Revelações amargas

Narrado por Lilith

O corpo do meu avô foi enterrado, e com ele, uma parte do meu coração. O vazio que ele deixou parecia impossível de preencher. Gabriela, minha amiga, tentou me oferecer consolo, mas eu estava tão mergulhada em minha própria dor e confusão que não consegui compartilhar o que realmente estava acontecendo. Talvez fosse melhor assim, pelo menos por enquanto.

Depois do funeral, em vez de ir para casa, fui direto para o escritório do Cléber, o advogado do meu avô. Precisava de respostas, e sabia que ele tinha informações que poderiam me ajudar a entender o que estava acontecendo. Ao chegar, notei imediatamente alguns homens parados do lado de fora, observando o movimento. Era impossível ignorar a presença deles.

Respirei fundo, ergui a cabeça, e entrei no escritório com passos firmes, determinada a não demonstrar nenhuma fraqueza. Todos os olhares se voltaram para mim assim que cruzei a porta, mas mantive meu olhar fixo, ignorando a tensão no ar.

— Senhorita Santorini, que bom que chegou — disse Cléber, levantando-se de sua cadeira com um sorriso que parecia estranho, como se escondesse algo.

— Olha, Cléber, não estou aqui para enrolação — cortei-o, sem paciência para rodeios. — E outra, cara feia para mim é fome — completei, sem desviar o olhar dos homens que estavam no escritório, claramente traficantes. — Iguais a vocês, eu vejo todo dia nos tribunais. Se quiserem conversar, tudo bem, mas se tentarem me passar para trás, vão conhecer uma versão de mim que vocês não vão gostar.

Minha voz estava firme, e minhas palavras carregavam a força e a determinação que eu sempre mostrava no tribunal. Não estava disposta a deixar que aqueles homens pensassem que poderiam me intimidar, mesmo que, por dentro, eu ainda estivesse lidando com a dor da perda.

Cléber pareceu surpreso por um momento, mas logo voltou a se recompor. Ele sabia que eu não era uma mulher fácil de lidar, e talvez por isso tenha decidido ir direto ao ponto.

— Senhorita Santorini, estamos aqui para discutir o legado de seu avô e algumas questões delicadas envolvendo sua família — disse ele, agora mais sério. — Há detalhes que você precisa saber, e eles não são simples.

Eu cruzei os braços, indicando que estava pronta para ouvir, mas sem baixar a guarda.

— Então comece a falar, Cléber. Não tenho tempo a perder — respondi, sentindo a tensão no ar aumentar. Eu sabia que aquela conversa seria um divisor de águas na minha vida, e estava determinada a sair dali com todas as informações que precisava.

Ele assentiu e, com um gesto, indicou que eu me sentasse. A partir daquele momento, estava pronta para ouvir verdades que poderiam mudar tudo o que eu conhecia sobre minha vida e minha família.

As palavras de Cléber bateram em mim como uma avalanche, cada uma carregando um peso que eu nunca imaginei que teria que suportar. Meu avô, Antônio Santorini, o homem que me criou e me protegeu a vida inteira, era um dos líderes do Comando Vermelho, especificamente o dono do Jacarezinho. O choque disso fez meu corpo inteiro ficar tenso, como se uma nova realidade estivesse se desdobrando diante de mim.

— Vou te contar a história completa — continuou Cléber, com uma expressão grave. — Sua mãe se envolveu com Jorge Alencar, o Corvo, líder do PCC, e, para viver um romance com ele, abandonou sua família e nunca mais quis saber de seu avô. Mas tudo mudou no dia em que ela morreu no seu nascimento.

Cléber fez uma pausa, me observando, como se estivesse tentando avaliar o impacto de suas palavras antes de continuar.

— O Corvo, seu pai, te deixou embrulhada em uns cobertores na entrada do morro do seu avô. Ele disse que não pararia a vida dele para cuidar de você. — As palavras saíram da boca de Cléber como lâminas afiadas, cortando qualquer ilusão que eu pudesse ter mantido sobre meu pai.

Meu coração se apertou ao ouvir aquilo. Eu sempre soube que meu pai nunca me procurou, mas ouvir o motivo real—que ele simplesmente me descartou como se eu fosse um fardo—foi como um golpe final. Meu avô, por outro lado, fez o oposto. Ele me pegou, me protegeu, e, mesmo sendo parte daquele mundo criminoso, ele preferiu sair do morro para me dar uma vida digna, ou pelo menos o mais próximo disso que ele poderia.

— Ele ainda fazia parte do movimento, embora de forma discreta, para não atrair olhares para você — continuou Cléber, confirmando que, apesar de tudo, meu avô nunca abandonou completamente aquele mundo perigoso. — Agora, com a morte dele, toda a herança dele é passada para você. E isso inclui o morro. Você é a herdeira legítima.

Senti o ar escapar dos meus pulmões. A herdeira legítima do morro do Jacarezinho. Essas palavras eram absurdas, quase irreais. Eu, uma advogada criminalista, que sempre combateu o crime, agora estava sendo confrontada com a possibilidade de ser dona de um dos territórios mais perigosos do Rio de Janeiro.

Cléber me olhou com seriedade, esperando minha resposta.

— A questão é — ele disse, com cuidado — você aceita ser a dona do morro ou prefere continuar vivendo sua vida fora desse mundo?

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