A lua cheia iluminava a clareira com uma luz fria e fantasmagórica. As árvores ao redor da Árvore da Eternidade balançavam suavemente ao som do vento, como se tivessem consciência do que estava prestes a acontecer. No centro, cercada por uma barreira mágica pulsante, estava Herla, a mais poderosa maga que o Império de Haison já conhecera.
Ela estava de joelhos, seus cabelos brancos espalhados pelo chão da floresta como uma extensão da luz da lua. A magia que fluía em seu corpo lutava para sair, mas as correntes invisíveis que a prendiam drenavam suas forças. Seus olhos dourados, que antes refletiam poder ilimitado, agora estavam tomados por algo mais profundo: uma tristeza amarga, misturada com a dor da traição.
E, de pé diante dela, estava Elyas. Seu amigo de infância. Seu primeiro amor. O homem que agora segurava as rédeas de seu selamento.
"Por quê?" A voz de Herla era apenas um sussurro, mas a clareira silenciosa pareceu amplificá-la. Era uma pergunta carregada de mil emoções não ditas.
Elyas hesitou. Seus olhos, que costumavam brilhar com curiosidade e afeição, agora estavam obscurecidos pelo medo. Ele não a olhou nos olhos, não ousava. Em vez disso, manteve sua atenção nas palavras do feitiço que ele estava entoando, as mesmas palavras que selariam o destino de Herla.
Por um breve instante, ele se lembrou de outro tempo. Um tempo em que a magia entre eles era uma brincadeira, um laço que os unia como irmãos de alma. Na Academia de Magia de Haisora, os dois eram inseparáveis, compartilhando risadas e promessas sobre como moldariam o futuro do império juntos. Herla, com sua magia natural, e Elyas, com sua mente estratégica, se complementavam. Ela era sua luz, e ele a bússola que a guiava. Mas agora, essa luz ameaçava consumir tudo.
“Você tem que se concentrar!” Elyas sorria debaixo das copas das árvores do pátio da academia, segurando uma pequena chama mágica em sua mão. “Veja, é simples, Herla. Você já controla os elementos de forma natural. Tudo que precisa fazer é focar!”
Herla o observava, meio distraída. Não era exatamente a magia que prendia sua atenção naquele momento, mas o entusiasmo que ele sempre demonstrava. Mesmo quando ela falhava, ele nunca hesitava em acreditar em seu potencial.
“Simples para você, que não tem que lidar com uma força tão caótica,” ela respondeu, embora o sorriso em seus lábios desmentisse qualquer frustração real.
Esses dias pareciam agora tão distantes, como um sonho de uma outra vida.
Ao redor da clareira, os magos que o acompanhavam recitavam encantamentos em uníssono. O poder ancestral que envolvia o local era denso como o ar antes de uma tempestade. Cada palavra dita pelos magos apertava a barreira ao redor de Herla, drenando mais e mais de seu poder. Elyas, no entanto, continuava hesitante. Ele pronunciava as palavras do feitiço com perfeição, mas a cada sílaba sua voz tremia, carregando a sombra da dúvida.
Herla tentou se levantar, uma última tentativa de resistir. Uma onda de magia explodiu de seu corpo, sacudindo a clareira e fazendo as árvores ao redor tremerem. Mas a barreira a envolvia como uma prisão, absorvendo sua energia, sufocando qualquer tentativa de luta.
“Elyas…” Ela chamou por ele novamente, desta vez com mais desespero. A voz dela tremia com a memória dos momentos em que ele era o único que conseguia acalmá-la, a pessoa que sempre acreditava em sua humanidade, mesmo quando outros temiam seu poder.
Mais uma lembrança brilhou em sua mente, tão vívida quanto dolorosa. Lembrava-se de uma tarde em que, tomada por uma explosão incontrolável de poder, quase destruiu a sala de treinamento da academia. Os professores a olhavam com temor, alguns até sugerindo que fosse retirada do curso por sua "instabilidade". Mas Elyas foi o único que a defendeu.
**“Ela é mais forte do que todos nós, mas isso não a torna perigosa,”**ele havia argumentado, a voz firme diante dos mestres. ''Ela só precisa de mais controle. Eu a ajudarei.”
Ele a ajudou, de fato. Foi com ele que Herla aprendeu a dominar suas habilidades, a canalizar o vasto poder dentro dela. Ele a fazia se sentir segura.
Mas a única resposta que ela recebeu agora foi o silêncio. Um silêncio mais cruel do que qualquer palavra que ele pudesse dizer.
A dor era quase insuportável. Não física, mas uma dor que vinha da alma. Herla sentia cada gota de poder sendo arrancada de seu corpo, sua magia—sua essência—desaparecendo nas correntes invisíveis que a seguravam. Ela, que havia protegido o império, que havia derramado seu sangue pela paz, agora era tratada como um monstro. Como uma ameaça.
Elyas, por outro lado, tentava não se permitir sentir. As palavras que ele pronunciava em um tom monótono não eram as suas, mas as do rei Alarion. O soberano, paranoico com a força de Herla, havia se convencido de que ninguém, nem mesmo sua maior aliada, deveria possuir tanto poder. Mas Elyas sabia, no fundo, que aquela não era a escolha certa. O feitiço não era uma medida de proteção, mas de controle.
Ele se lembrou de uma conversa com o rei. "Você está hesitante, Elyas. Eu sei ela é sua amiga, mas o poder dela... é imprevisível. Você, mais do que ninguém, entende o que acontece quando alguém tem força demais. O império já quase caiu por causa de magos como ela." Elyas, influenciado pelo medo de Alarion, começou a se distanciar de Herla, vendo nela a ameaça que o rei tanto pregava. Agora, ele se perguntava quando havia parado de acreditar nela e começado a acreditar nas mentiras do império.
Com sua visão começando a escurecer, Herla se entregou ao inevitável. No entanto, ela ainda tinha uma última carta. Concentrando o que restava de suas forças, ela lançou um feitiço sutil, quase imperceptível. Uma pequena porção de sua magia fluiu para a Árvore da Eternidade, escondida dos olhos de seus captores. Se um dia ela acordasse, aquele fragmento seria sua âncora para recuperar o que fora tirado.
Enquanto o feitiço de selamento alcançava seu clímax, Elyas recitou as palavras finais. A barreira ao redor de Herla brilhou intensamente, e em um instante, ela foi tomada pela escuridão. Mas, nos últimos segundos antes de perder a consciência, ela olhou para Elyas uma última vez. E viu em seus olhos algo que ele nunca admitiria: culpa.
Tudo ao redor de Herla começou a desaparecer. O mundo em que ela vivia há tanto tempo, o império que ela havia ajudado a proteger, se desvanecia em sombras enquanto sua mente se afundava em memórias do passado.
Haisora, a capital do Império de Haison, surgia em seus pensamentos. Lembrava-se das altas torres da academia, das risadas que compartilhava com Elyas enquanto treinavam juntos. Naquela época, a magia era uma dádiva, algo que ambos celebravam com orgulho. O mundo parecia simples, as responsabilidades eram distantes, e o poder dela era visto como uma bênção.
Mas, à medida que seu poder crescia, o medo também cresceu. O rei Alarion, que inicialmente a respeitava, começou a vê-la como algo a ser temido. O poder de Herla era diferente de qualquer outro que o império já havia testemunhado, e com essa diferença veio a desconfiança. Ela não sabia exatamente quando começou, mas sentiu o afastamento. Elyas se tornava mais distante a cada dia, até que um abismo se formou entre eles, movido pelo medo que o rei havia plantado em seu coração.
Agora, à beira de ser selada, Herla se perguntava: **Eu sou um monstro?** Ela olhava para si mesma, para o poder que fluía em seu corpo, e se questionava se o que os outros viam nela era apenas medo de algo incompreendido. **Mereço ser amada?** A pergunta ecoou em sua mente, mas antes que encontrasse uma resposta, a escuridão a envolveu por completo.
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O mundo continuou a girar. Décadas se passaram. O nome de Herla lentamente se perdeu nas histórias do império, transformando-se em uma lenda distante, algo contado para assustar as crianças. Elyas Vergaard, por outro lado, deixou um legado duradouro, reestruturando a Academia de Magia, a instituição que agora moldava o futuro do império. O poder que ele temia, ele tentou controlar, e sua visão de um mundo onde a magia era regulada tomou forma.
Mas o selo de Herla não duraria para sempre.
Algo no coração da Floresta de Velorium começou a mudar. As barreiras que a continham, enfraquecidas pelo tempo, começavam a falhar. Um poder antigo, esquecido, estava prestes a despertar. E com ele, um novo capítulo para o mundo que a traiu.
Herla despertaria. E o império de Haison, que tanto lutou para controlá-la, não estava preparado para o que estava por vir.
A escuridão parecia infinita, como um vazio frio e sem fim. Herla flutuava entre memórias e o abismo que a consumia, incapaz de discernir o tempo ou o espaço. Era como se sua própria consciência estivesse se fragmentando, sua essência se diluindo na vastidão. Não havia mais som, nem toque, apenas o eco de uma pergunta que permanecia imortal em sua mente.
Eu sou um monstro? Mereço ser amada?
Então, aos poucos, algo mudou. Um calor, fraco, mas reconfortante, começou a emergir na escuridão. Inicialmente era apenas uma fagulha, mas foi crescendo, se espalhando como uma chama alimentada por uma brisa delicada. Herla se concentrou nesse calor. Ela reconhecia aquilo, era sua própria magia, o resquício que havia deixado para trás antes do selamento. Estava lá, pulsando, esperando por ela.
Em meio à vastidão negra de Herla, a Árvore da Eternidade brilhou como uma sombra distante de luz prateada. Ela ainda podia sentir a conexão frágil que havia criado com a árvore, um fio de esperança em um mundo que tentou apagá-la. Esse feitiço poderia ser a chave para seu retorno, mas isso exigiria paciência. Muito tempo havia passado, mas Herla sabia que, cedo ou tarde, o selo enfraqueceria.
Ela flutuava entre a consciência e a inconsciência, aguardando o momento certo.
Enquanto sua magia se mantinha adormecida, suas memórias voltaram, agora mais vívidas do que nunca. Lembranças de Elyas, não como o homem que a selou, mas como o garoto que segurava sua mão enquanto os dois sonhavam com um futuro diferente.
A primavera em Haisora era sempre especialmente vibrante, as cerejeiras no pátio da Academia florescendo com uma intensidade que fazia o mundo parecer em câmera lenta. Herla e Elyas costumavam sentar-se sob aquelas árvores, trocando ideias sobre os futuros que imaginavam.
“Eu serei conselheiro real, e você… você será a maga suprema do império!” Ely “Juntos, seremos imparáveis.”
Herla riu, balançando a cabeça enquanto uma pétala de cerejeira caía em seu cabelo. “Suprema? Isso soa terrivelmente solitário. Prefiro ser apenas... eu.”
Elyas franziu o cenho, como se o conceito de Herla não ser a maior maga do império fosse impensável. “Mas você é diferente de qualquer outra pessoa, Herla. Você tem o poder para mudar o mundo, para proteger as pessoas. Como alguém tão forte quanto você poderia ser ‘apenas’ Herla?”
Ela olhou para ele com um meio sorriso. “Talvez eu queira ser vista como mais do que apenas poder. Talvez eu queira ser... normal.”
Normal. Uma palavra que parecia cada vez mais distante conforme os anos passavam. O poder de Herla só crescia, e com ele, a admiração se transformava em medo. Elyas não parecia perceber isso no início, mas conforme os desafios aumentavam, ele começou a se distanciar. Primeiro foi sutil, mas Herla sempre sentiu que havia algo entre eles, algo não dito, que crescia como uma sombra silenciosa.
De volta à escuridão do selo, Herla sentia uma tristeza profunda ao revisitar essas memórias. Elyas…, seu nome flutuava em sua mente, cheio de dor e arrependimento. Ela sabia que ele não tinha começado a vê-la como um monstro por conta própria. O império e sua obsessão pelo controle do poder plantaram as sementes da desconfiança. Elyas foi apenas o instrumento da vontade de Alarion.
Mas ainda assim, isso não apagava a traição. Elyas, o garoto que prometeu estar ao seu lado para sempre, agora era o homem que a prendeu, que pronunciou as palavras que a apagaram do mundo. Você me abandonou….
FIM DO CAP 1
O frio úmido do chão parecia penetrar até os ossos de Herla. Cada gota de água na terra saturada se infiltrava em suas roupas e pele, arrastando-a de volta à dolorosa consciência. O vazio dentro de si era o mais avassalador; a sensação da Árvore da Eternidade, que antes pulsava com uma conexão vibrante, estava ausente, como se parte de sua alma tivesse sido arrancada. Um abismo profundo agora preenchia o espaço onde sua magia costumava estar.
Seu corpo inteiro estava exausto. Suas pernas, outrora sustentadas por uma força mágica invisível, agora pareciam pesadas e incapazes de sustentar seu próprio peso. Quando seus olhos se abriram, lentamente, uma visão estranha se revelou. Acima de si, uma copa de árvores gigantes e tortuosas balançava, cercada por uma névoa densa. As folhas, largas e com veios prateados, pareciam pulsar com uma vida que ela não reconhecia. Essas árvores eram mais antigas do que qualquer uma que já vira, carregando uma energia selvagem e incontrolável.
— Ótimo... Nada como acordar no meio do nada, com um penteado horrível e sem magia. Obrigada, mundo— murmurou para si mesma, a ironia cortando o silêncio.
Quando tentou se levantar\, suas pernas fraquejaram. A fraqueza a encheu de fúria. O corpo que já foi indomável agora parecia uma prisão. Ela se apoiou em um tronco próximo\, sentindo a textura rugosa sob os dedos. **Cada toque de fraqueza fazia o vazio dentro dela parecer maior.**
Tentou canalizar a magia ao redor, buscando as correntes de poder que sempre estiveram à sua disposição. Mas havia apenas o silêncio, um vácuo onde a energia mágica costumava responder instantaneamente aos seus comandos. Era como tentar pegar névoa com as mãos.
— A árvore... Onde está a árvore? — murmurou.
A Árvore da Eternidade, a fonte de seu poder, estava presente em sua mente, mas apenas como um eco distante, fraco e irregular. Uma sensação de pânico ameaçava crescer dentro dela.
— Quem ousou mover a minha árvore?! — Sua voz ecoou pela floresta, carregada de raiva contida, mas a floresta apenas devolveu seu grito em um sussurro oco.
2.2 A Busca pela Verdade
Caminhando lentamente pela floresta desconhecida, Herla sentia-se mais desorientada a cada passo. O chão macio, coberto por folhas secas e musgo, rangia sob seus pés descalços. As árvores ao redor pareciam se inclinar sobre ela, como se a própria floresta a observasse com curiosidade, talvez até com desconfiança.
“Essa não é minha terra,” pensou, olhando em volta. A luz do sol, fraca e difusa pela névoa, criava sombras em movimento que brincavam com sua percepção.
Cada passo parecia afastá-la mais de sua conexão com a Árvore da Eternidade, aprofundando a sensação de desespero. O vazio em seu peito era insuportável, um buraco onde antes havia poder infinito.
— Quem poderia ter feito isso? Como eu vim parar aqui? — questionava a si mesma, repetidamente.
A resposta mais provável surgiu em sua mente como uma lâmina fria: Elyas. A raiva misturada com amargura se infiltrava em seus pensamentos ao lembrar daquele que jurara protegê-la. Elyas, o homem que se tornara obcecado por ordem e controle, ignorando a liberdade e a natureza selvagem da magia. Aquele que, no fim, a trancafiara em um selo, separado de sua fonte.
— Elyas, o que você fez? — Sua voz carregava ressentimento.
Ele estava morto. Herla sabia disso agora. Mas a marca de sua traição ainda era profunda. O que ele fez para selá-la e mover sua árvore era mais do que um ato de poder; era uma violação da própria essência dela.
Por outro lado, a perspectiva de uma vida sem a pressão de ser uma maga lendária começava a surgir em seus pensamentos. Tantos séculos de batalhas e manipulações... e se ela simplesmente deixasse tudo isso para trás?
“Eu deveria buscar minha magia de volta agora ou tentar viver uma vida comum?”
Imaginou-se por um momento como uma pessoa normal, misturada entre os mortais, talvez vendendo frutas em uma feira, cuidando de uma pequena casa. A cena era quase cômica — um vislumbre de um futuro impossível.
Ela balançou a cabeça. “Não... Eu preciso da minha magia. Mas por enquanto, talvez seja melhor esperar e entender o que está acontecendo. Posso fingir ser comum, só por um tempo.”
2.3. O Encontro com os Mercadores
Escondida entre as árvores, Herla observava um grupo de mercadores que passava por uma estrada improvisada. Eles caminhavam devagar, seus carrinhos de mercadorias chiando sob o peso. Era uma cena tão mundana, tão desconectada de tudo o que Herla conhecia, que por um momento pareceu irreal. Como o mundo havia mudado enquanto ela estava selada?
Os mercadores não pareciam perceber sua presença, e ela os observava em silêncio. A princípio, suas conversas eram banais — discussões sobre preços de produtos e rotas comerciais —, mas então um dos homens disse algo que a fez parar e ouvir com atenção.
— Você ouviu falar sobre a quebra de um selo? — perguntou um dos mercadores, com um tom de cautela.
— Ouvi sim — respondeu o outro, ajustando a carga. — Dizem que é sobre uma maga antiga. Selada há séculos.
Herla sentiu um arrepio. Estavam falando dela.
— E sobre Elyas? — perguntou um mercador mais jovem, com um ar de curiosidade. — Dizem que foi ele quem a selou. Mas Elyas não morreu há séculos?
O mercador mais velho suspirou, sua voz grave e cansada.
— Sim há séculos atrás. Elyas morreu cerca de 190 anos atrás, apenas dez anos após ter selado a maga. Alguns dizem que ele foi amaldiçoado... pela própria magia que tentou controlar.
Herla sentiu seu corpo tensionar. Elyas, morto... amaldiçoado por seu próprio poder. Não era surpresa, mas ouvir essas palavras era como um corte em uma ferida ainda aberta. O poder que ele tanto buscou controlar finalmente se voltou contra ele, e ele pagou o preço.
Enquanto os mercadores seguiam adiante, suas vozes ficando mais distantes, Herla absorvia as informações. A Academia de Vergaard, fundada por Elyas, ainda estava em pé, mas sem ele. E sem Elyas, a Academia era vulnerável. Talvez o controle sobre a magia estivesse mais frágil do que aparentava.
Ela apertou os punhos. Havia oportunidades nessa fraqueza, e ela saberia como explorá-las.
2.4. A Chegada à Vila
Após dias de caminhada pela floresta sombria, Herla finalmente avistou uma vila ao longe. Pequena, quase insignificante, com casas de madeira desgastadas pelo tempo, parecia uma vila presa em séculos passados. Ainda assim, era tudo o que ela precisava agora: um lugar para se esconder, se reabastecer e, acima de tudo, observar.
A cada passo, sentia a exaustão pesar sobre ela. Sem a magia para sustentá-la, o corpo estava enfraquecido, frágil. Era como se o tempo tivesse levado sua resistência junto com seu poder.
Ao passar por um pequeno riacho antes de entrar na vila, Herla parou por um instante para observar seu reflexo na água. O rosto que encarava de volta parecia mais pálido do que lembrava. Mas o que mais a incomodava era seu cabelo. Os fios que antes eram completamente brancos agora estavam escurecidos, exceto pelas pontas prateadas.
— Isso é o resultado do selamento? — murmurou. Sua magia se foi, e até seu corpo refletia essa perda.
Sem poder\, sem sua verdadeira forma\, Herla não passava de uma sombra do que já fora. **Isso era humilhante.**
Encontrando um pedaço de tecido preso a um galho, Herla o utilizou para cobrir seu cabelo. Agora, com o capuz baixo, sua aparência chamaria menos atenção. Talvez isso fosse uma vantagem.
2.5. O Disfarce Improvisado
Ao entrar na vila\, Herla observou a simplicidade ao seu redor. Homens e mulheres cuidavam de suas atividades diárias. Carroças eram puxadas pelas ruas de terra\, e crianças brincavam perto das barracas do mercado. **O mundo parecia tão distante das grandes questões que dominavam sua vida.**
Uma menina, pequena e curiosa, aproximou-se.
— Senhora, de onde você veio?
— perguntou a criança, olhando fixamente para o capuz de Herla.
Ela forçou um sorriso.
— De longe, criança. Estou apenas de passagem.
A menina sorriu de volta, mas logo foi chamada por outra criança e correu para brincar.
Herla suspirou e continuou seu caminho em direção a uma pequena taverna no fim da rua principal. ''Era um bom lugar para começar a buscar informações.''
2.6. A Taverna
O ambiente abafado da taverna a envolveu no momento em que ela entrou. O cheiro de carne assada e cerveja enchia o ar, e os risos e vozes eram altos, mas não o suficiente para abafarem o murmúrio contínuo de conversas.
Herla escolheu um canto discreto, onde poderia observar sem ser notada. Precisava de informações. O mundo havia mudado enquanto ela estava selada, e antes de tomar qualquer atitude, precisava entender o que estava acontecendo com a magia e com a Academia de Vergaard.
— Ouvi dizer que a Academia está preocupada com a quebra de um selo antigo — disse um dos mercadores em uma mesa próxima. — Estão recrutando novos magos para investigar.
Herla franziu a testa. Recrutando novos magos? Isso significava que a Academia sabia sobre sua libertação, e estavam tomando providências.
— Isso pode ser minha oportunidade — pensou.
Se ela pudesse se infiltrar como uma aprendiz, isso a aproximaria da Árvore da Eternidade e talvez, com sorte, a ajudasse a recuperar sua magia. Porém, a situação estava clara: a Academia ainda mantinha algum controle, e ela precisaria ser cuidadosa em cada passo.
2.7.Preciso descansar
Quando saiu da taverna, o ar fresco da noite a atingiu como uma lufada gélida. Ela ouviu vozes abafadas próximas e percebeu dois homens conversando perto de uma carroça quebrada. Suas palavras logo capturaram sua atenção.
— Ouvi dizer que alguns magos da Academia estarão por aqui nos próximos dias — disse um deles. — Estão investigando a quebra do selo.
''Magos da Academia... aqui?'' Seu coração acelerou. Isso significava que o tempo estava contra ela. Precisava agir rapidamente, mas, ao mesmo tempo, precisava de um plano. Cada movimento teria que ser calculado.
Quando seus olhos pousaram sobre o mercador lutando para consertar a roda de sua carroça, ela percebeu uma oportunidade.
— Por favor! Alguém pode me ajudar? — ele gritava, enquanto os aldeões passavam sem dar atenção.
Herla se aproximou com passos lentos, sua figura escondida sob o capuz.
— Eu posso ajudar — disse calmamente.
O mercador olhou para ela, aliviado.
— Obrigado! Se me ajudar com isso, posso pagar uma moeda de prata. Não é muito, mas é o que tenho.
Uma moeda de prata seria suficiente por enquanto.Juntos, eles trabalharam para consertar a roda. O esforço físico era extenuante sem a ajuda da magia. Cada puxão e empurrão a fazia sentir a fraqueza de seu corpo de forma ainda mais cruel. Mesmo assim, com esforço, conseguiram consertar a carroça.
O mercador sorriu e, fiel à sua palavra, entregou-lhe uma moeda de prata.
— Se precisar de mais ajuda, estou por aqui — disse ele, antes de se afastar com a carroça.
Com a moeda em mãos\, Herla dirigiu-se à pequena estalagem da vila. **Era um começo modesto**\, mas garantia uma cama para descansar e uma noite de planejamento. Ao entrar\, entregou a moeda ao estalajadeiro\, um homem corpulento e de poucas palavras\, que indicou um quarto simples no andar de cima.
— Quarto dois, no final do corredor — murmurou ele.
Enquanto subia as escadas, Herla ouviu fragmentos de outra conversa.
— Os magos da Academia estão vindo. Dizem que o selo foi quebrado...
Herla parou por um momento. Magos da Academia tão perto...Eles realmente sabiam sobre sua libertação. O tempo estava correndo, e ela precisaria agir rápido para não ser capturada antes de se reconectar à sua magia.
Ao entrar no quarto e trancar a porta, Herla se permitiu um breve momento de descanso. O corpo cansado agradecia pela cama simples, mas sua mente estava inquieta. Amanhã, o próximo passo de seu plano precisaria ser cuidadosamente traçado.
Fim do Capítulo 2
A manhã estava fria, e a névoa densa cobria a pequena vila como um manto silencioso. Herla caminhava pelas ruas de terra, seus pensamentos imersos na solidão de sua perda mágica. Desde que despertara, ela se sentia deslocada, incompleta, como se parte de sua essência tivesse sido arrancada.
Foi durante esse devaneio que ela notou um estranho. Uma figura alta, envolta em um manto escuro, caminhava pela trilha da floresta em sua direção. Ele parecia pertencer a outro mundo, alguém diferente dos aldeões que ela havia observado.
Quando se aproximou, o homem parou, seus olhos escuros analisando Herla com curiosidade. Havia algo nele que despertava a desconfiança de Herla, mas, ao mesmo tempo, uma sensação incômoda de familiaridade.
— Faz tempo que não vejo alguém como você por aqui — disse ele, sua voz carregada de mistério.
Herla estreitou os olhos, tentando disfarçar seu desconforto. Sem magia para protegê-la, ela se sentia vulnerável, mas não demonstraria isso.
— Talvez você esteja olhando nos lugares errados — retrucou ela, seu tom frio e calculado.
O homem sorriu de canto, como se sua resposta o tivesse divertido.
— Pode ser. — Ele deu de ombros, e por um momento, seus olhos encontraram os dela. — Meu nome é Kael.
Ela não respondeu imediatamente, apenas observou. Havia uma tensão no ar, algo subjacente à troca de palavras. Eles estavam medindo um ao outro, como duas feras à espera do primeiro movimento.
3.2. A Revelação do Estômago
Mais tarde naquele dia, Herla e Kael acabaram se encontrando na taverna da vila. O lugar estava movimentado, com aldeões ruidosos aproveitando suas refeições simples. Kael, sentado em um canto isolado, parecia um predador à espreita, calmo e observador. Herla, por outro lado, estava focada em manter sua fachada de indiferença intacta.
No entanto, havia um problema. Ela estava faminta. Desde que havia despertado, sobrevivera comendo algumas frutas encontradas na floresta, e seu estômago estava se tornando uma ameaça iminente ao seu disfarce de maga misteriosa e poderosa.
Enquanto ela se sentava, tentando ignorar o cheiro de comida no ar, seu estômago decidiu traí-la. O ronco que ecoou em seu corpo foi tão alto que parecia um rugido de alguma fera mística prestes a emergir.
Kael, que até então observava as pessoas ao redor com indiferença, ergueu uma sobrancelha e olhou diretamente para Herla, lutando visivelmente para conter um sorriso.
— Parece que você não é a única coisa que está acordando por aqui. — Ele inclinou-se um pouco para frente, a expressão no rosto meio divertida.
Herla congelou, o rosto imperturbável, mas o rubor começando a subir em sua pele pálida entregava o constrangimento. Ela odiava a situação, odiava a fome, odiava aquele maldito ronco que parecia mais alto que qualquer feitiço que já conjurara.
— Estou perfeitamente bem — ela murmurou, tentando manter a dignidade. Mas, antes que pudesse recuperar completamente o controle, seu estômago roncou novamente, desta vez com uma intensidade ainda mais dramática.
Kael soltou uma gargalhada baixa, e apesar de seu humor contido, Herla podia sentir que ele estava se divertindo muito à sua custa.
— Bem, perfeitamente bem não soa como uma descrição precisa agora. — Ele fez um gesto casual para o taverneiro. — Vou pedir algo. Quem sabe queira comer alguma coisa de verdade, por conta da casa.
Herla o encarou, irritada com o tom casual e debochado, mas a realidade era que ela estava realmente faminta. E, para piorar, o cheiro da comida que circulava pelo salão a fazia salivar. Relutante, ela finalmente cedeu.
— Se está insistindo — disse, tentando manter o tom arrogante, mas o efeito foi arruinado por mais um ronco de seu estômago.
Kael balançou a cabeça, ainda rindo baixinho, e chamou o taverneiro, pedindo duas porções da refeição local. Quando a comida finalmente chegou, Herla, apesar de seu desejo de parecer contida, começou a comer com pressa, o que não passou despercebido por Kael.
— Você realmente estava com fome, hein? — Ele comentou, com um sorriso satisfeito.
Herla ergueu o olhar, ainda segurando uma colher, e lançou um olhar afiado para ele.
— Não faça perguntas. Apenas coma.
Kael riu mais uma vez, mas respeitou o pedido. Por um breve momento, o clima pesado que pairava sobre os dois parecia ter se dissipado, e o riso de Kael ofereceu uma estranha sensação de alívio para Herla.
Mas mesmo nesse breve alívio cômico, ela não podia esquecer que Kael era um mistério. E mistérios, na experiência dela, quase sempre significavam problemas.
3.3. A Chegada dos Magos
O sol estava começando a se pôr quando Herla sentiu uma mudança no ar. Havia uma pressão mágica leve, mas familiar, algo que não sentia desde que havia despertado de seu selamento. Ela ergueu os olhos, seus sentidos alertas. Não estava sozinha.
Ao longe, perto do centro da vila, figuras em mantos longos começavam a se reunir. Magos da Academia. A visão dos emblemas prateados bordados nas vestes deles fez seu coração disparar. Eles haviam a encontrado.
“Droga, não posso enfrentar magos sem minha magia,” pensou, o pânico crescendo dentro dela. Se a capturassem agora, selariam sua essência de vez. Precisava sair dali. E rápido.
Ela deu um passo para trás, seus olhos analisando as ruas em busca de uma rota de fuga. Os magos começavam a conversar com os aldeões, e as descrições que faziam claramente correspondiam à sua aparência. Não havia como se esconder por muito tempo.
— Não há tempo — murmurou para si mesma.
3.4. A Fuga Constrangedora
Enquanto caminhava pela lateral de uma das casas, tentando se manter nas sombras, Herla escutou o som de cascos batendo no chão. Kael apareceu à sua vista segurando as rédeas de um cavalo marrom, calmo, como se estivesse aproveitando o fim de um longo dia de viagem.
Sem pensar duas vezes, ela marchou até ele, decidida a sair dali o mais rápido possível.
— Preciso de um cavalo. Agora! — disse ela, em um tom urgente, sem sequer cumprimentá-lo.
Kael ergueu uma sobrancelha, claramente se divertindo com o desespero dela.
— Uau, sem nem um "por favor"? — ele brincou, com o sorriso ladino de sempre.
Herla bufou, sem tempo para lidar com a provocação.
— Não estou pedindo por gentileza. Eu estou mandando. Temos magos atrás de nós! — Ela apontou com a cabeça na direção dos magos, que agora conversavam com alguns aldeões mais distantes.
Kael lançou um olhar casual em direção aos magos, mas seu rosto não mostrou nenhum sinal de preocupação.
— Entendo... — ele murmurou, ainda segurando as rédeas. — Mas como você pretende fugir assim, se você nem sabe montar?
Herla congelou por um instante, o orgulho ferido. Ele estava certo. Ela não sabia montar um cavalo, ao menos, não da forma que seria necessária para uma fuga rápida. Sua experiência sempre envolvia magia para ajudar nesses momentos. Sem ela, estaria perdida.
— Eu... — Herla tentou manter a pose, mas logo soltou um suspiro irritado. — Preciso da sua ajuda.
Kael riu baixinho, claramente satisfeito em vê-la ceder.
— Muito bem, senhorita mandona. Vamos fugir juntos, mas com uma condição — disse ele, já subindo no cavalo com facilidade.
Herla franziu o cenho.
— Que condição?
Ele estendeu a mão para ela, um sorriso malicioso nos lábios.
— Você vai ter que confiar em mim. Vai precisar segurar firme. — Ele bateu com a mão na cintura, indicando o local onde ela deveria se apoiar.
Herla olhou para ele, incrédula. Ela, uma poderosa maga, agora se via obrigada a se agarrar a alguém como Kael. O constrangimento tomava conta dela, mas a urgência da situação a obrigava a agir rapidamente.
— Está brincando comigo? — perguntou
ela, sua voz carregada de indignação.
— Estou salvando sua pele, isso sim. — Kael deu de ombros. — Ou prefere ficar aqui e explicar aos magos quem você é?
Ela bufou mais uma vez\, mas sabia que não tinha escolha. **Com uma expressão tensa e relutante**\, Herla subiu no cavalo atrás de Kael\, sem jeito. Ele deu um sorriso de canto quando sentiu seu toque leve na cintura.
— Eu disse para segurar firme, Herla. Ou quer cair logo nos primeiros metros?
Herla rangeu os dentes, o rosto esquentando de frustração, e segurou a cintura dele com mais firmeza. O toque a deixou desconfortável, como se cada fibra de seu ser gritasse contra a vulnerabilidade daquele momento.
— Isso vai passar — murmurou para si mesma, tentando se convencer de que era apenas uma questão de sobrevivência.
Com um leve puxão nas rédeas, Kael fez o cavalo disparar pela estrada de terra, deixando a vila para trás em um galope rápido. O som dos cascos do cavalo ecoava pela floresta, abafando os gritos distantes que ela sabia que vinham dos magos.
3.5. Fuga em Meio ao Constrangimento
A fuga foi rápida, mas para Herla, pareceu uma eternidade. Estar fisicamente tão próxima de Kael, sendo obrigada a segurar-se nele para não cair, era uma experiência que ela não estava preparada para enfrentar. Pior ainda era o fato de que ele estava claramente gostando da situação.
— Está confortável aí atrás? — perguntou ele, em tom de provocação, sem virar o rosto.
Herla revirou os olhos, irritada com a situação.
— Apenas continue cavalgando, Kael — disse ela, tentando soar autoritária, mas o desconforto era evidente.
Kael riu, satisfeito.
— Como quiser, chefe.
O cavalo seguiu em alta velocidade pela estrada de terra e depois pelas trilhas sinuosas da floresta, até que, após algumas horas de cavalgada intensa, Kael finalmente diminuiu o ritmo.
O sol já havia sumido no horizonte, e a escuridão da noite começava a cobrir a paisagem. Herla soltou Kael assim que o cavalo começou a andar devagar, afastando-se dele com uma expressão de alívio visível. Sentia-se desconcertada por toda a situação, principalmente por precisar dele para escapar.
— Agora que estamos longe, vai me dizer o que exatamente estamos fugindo? — Kael perguntou, finalmente, enquanto observava o caminho à frente com um olhar mais sério.
Herla não respondeu de imediato. Ela ainda não confiava completamente nele, e não sabia até onde podia revelar seus segredos. Mas sabia que, pelo menos por enquanto, precisaria dele.
— Vamos apenas dizer que tenho... negócios inacabados com a Academia. E eles não querem que eu resolva isso — disse ela, mantendo os detalhes vagos.
Kael assentiu, como se já esperasse essa resposta. Ele não pressionou por mais informações, o que, de certa forma, a deixou aliviada.
— Muito bem. Vou te ajudar, mas vou cobrar um favor depois. — O sorriso de Kael estava de volta, embora seu tom fosse leve.
— E se eu disser que não aceito seus favores? — respondeu Herla, já cansada das provocações.
— Bem, você já está aceitando um agora, não está? — Ele piscou para ela, claramente se divertindo.
Herla bufou, mas não respondeu. Ele estava certo, e isso só a deixava mais irritada. Mas, por enquanto, seguir viagem juntos era a melhor opção.
Ela precisava recuperar sua magia, e com os magos da Academia em seu encalço, ter alguém que conhecia bem os caminhos e não fazia perguntas poderia ser útil.
Com a noite caindo, Kael finalmente parou o cavalo em uma clareira pequena e tranquila. Eles desceram, e Kael soltou o animal para que descansasse enquanto preparavam um acampamento improvisado.
Herla suspirou profundamente, finalmente sentindo o alívio de estar longe da vila e dos magos.
— Isso vai ser... interessante — murmurou ela para si mesma, enquanto observava Kael acender uma pequena fogueira. Ela ainda não sabia o que o futuro traria, mas uma coisa era certa: viajar com Kael seria tudo, menos entediante.
Fim do Capítulo 3
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