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Entre a Luz e a Escuridão

Capítulo 1

Alex

Eu não sinto dor. Também não sinto prazer. O que sinto é... nada. Nada além do peso esmagador da impotência. Um silêncio quase absoluto me envolve, quebrado apenas pelo som distante de passos e vozes que flutuam ao redor do meu corpo. Eles falam de mim como se eu já tivesse partido. Talvez, de certa forma, eu tenha.

O que eles não sabem — o que ninguém sabe — é que eu estou aqui. Preso. Vivo. Ouvindo tudo, sentindo tudo, sem poder fazer nada. Meus olhos estão fechados, mas consigo ouvir a voz dela. Laura. Ela vem todos os dias. Se senta ao meu lado, segura minha mão e às vezes me diz que sente saudade. Outras vezes, simplesmente fica em silêncio. Eu gostaria de responder, mas a única coisa que posso fazer é gritar dentro de mim mesmo. E esse grito não vai a lugar algum.

É irônico. Eu sempre fui tão no controle, tão certo de que o mundo girava em torno de mim, de que eu poderia fazer o que quisesse, quando quisesse. E agora? Agora sou apenas um prisioneiro no meu próprio corpo. Como fui parar aqui? Ah, sim... o acidente.

A memória volta em fragmentos. O som dos pneus gritando no asfalto. A batida. A dor inicial que, estranhamente, foi embora rápido demais. E então o vazio. Acordei nessa escuridão, e aqui estou, preso no limbo entre a vida e a morte, sem poder fazer nada além de pensar.

Penso em Laura. Nosso casamento foi um acordo entre famílias, algo conveniente, sem amor real de minha parte. Sempre tratei isso como um negócio. Ela era um meio para um fim. No começo, ela sorria, tentava me agradar. Achava que, com o tempo, as coisas melhorariam. Coitada. Eu nunca dei a ela o que ela merecia. E mesmo assim, aqui está ela, ao meu lado, todos os dias.

Ouço sua voz de novo, mais baixa agora. Parece cansada. Está sussurrando, talvez pensando que eu não posso ouvir.

"Eu não sei mais o que fazer, por quanto tempo posso continuar assim…?"

Uma dor me atravessa, não física, mas algo que eu nunca havia sentido antes. Remorso? Não... não é isso. Eu não sou desse tipo. Ou sou? Eu não sei mais.

Ela fica em silêncio por alguns minutos, e então, sinto o leve toque dos seus dedos nos meus. Eu queria poder apertar sua mão, dizer que estou aqui, mas meus dedos não se movem, não importa o quanto eu tente. Tudo o que consigo é continuar gritando no vazio da minha mente.

O que me incomoda mais, além da impotência, são os flashbacks que surgem sem aviso. Pequenos momentos de nós dois juntos. Alguns bons, a maioria ruins. Como aquela vez, semanas antes do acidente, quando ela tentou falar comigo sobre algo importante, e eu a ignorei, preso nos meus próprios assuntos. Eu sempre estive focado em mim, no que eu queria, no que eu precisava. E agora... agora estou sozinho com isso.

O som dos passos volta. Alguém entrou no quarto. Um médico, talvez. Ouço vozes baixas trocando palavras. Um deles é o médico que sempre está aqui, ele fala com Laura com uma gentileza que eu nunca tive. Isso me irrita, mas eu não posso fazer nada. Tento me concentrar, mas minha mente se perde novamente nas sombras do que eu fui e do que poderia ter sido.

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Capítulo 2

Às vezes, me pergunto se esse é o meu castigo. Castigo por ser o homem que fui, por não dar valor às coisas que realmente importavam. Eu sempre achei que tinha tempo. Tempo para mudar, tempo para melhorar. Sempre achei que Laura estaria lá, que o casamento seria apenas mais uma de minhas conquistas. Mas agora, preso nesse corpo inerte, percebo que o tempo é algo que nunca tivemos realmente.

Ela está lá fora, vivendo, respirando, e eu... sou só uma sombra. Ela fala sobre continuar, sobre como não sabe por quanto tempo pode seguir assim. Eu sinto sua frustração. Às vezes, eu quase desejo que ela vá embora, que encontre alguém que realmente a mereça, porque eu sei que não fui esse homem. Não até agora, pelo menos.

Mas uma parte de mim, uma parte egoísta que eu não consigo controlar, quer que ela fique. Eu não quero perdê-la. Eu nunca a quis de verdade, mas agora que estou à beira de perder tudo, percebo o quanto ela significa para mim. Ela era a única coisa boa que eu tinha, e eu destruí isso com a minha arrogância.

Flashbacks de nós dois continuam me assombrando. Pedaços de lembranças quebradas, momentos que poderiam ter sido diferentes se eu tivesse feito escolhas diferentes. Lembro-me de uma noite, alguns meses antes do acidente. Laura estava linda, vestida para sair. Havia um evento de caridade, algo importante para ela. Ela pediu que eu fosse com ela, disse que minha presença significava muito. Eu recusei. Fiquei no escritório até tarde, preso em contratos e negociações que hoje parecem tão insignificantes. Quando cheguei em casa, ela já estava dormindo, e eu não pensei duas vezes antes de ir para a cama sem dizer uma palavra.

Esses momentos continuam voltando, cada um deles uma pequena facada em minha consciência. Eu nunca percebi como pequenas decisões acumulam até se tornarem montanhas intransponíveis. Nunca dei a Laura a chance de ser vista, ouvida. E agora, é tarde demais.

Ou talvez não seja. Talvez eu ainda possa mudar isso.

Eu me agarro a essa esperança. Toda vez que ouço sua voz, cada vez que ela segura minha mão, é como um lembrete de que ainda existe uma chance, por menor que seja. Se ao menos eu pudesse me mover. Se ao menos eu pudesse falar, fazer qualquer coisa para mostrar que ainda estou aqui.

Há dias em que Laura não fala nada. Ela apenas fica ali, no quarto, ao meu lado, sua presença um conforto silencioso. E nesses dias, eu me sinto ainda mais inútil, porque sei que ela está sofrendo. Ela está perdendo a esperança. E quem poderia culpá-la? Já faz seis meses desde o acidente, seis meses que estou preso nesse estado, incapaz de oferecer qualquer tipo de consolo.

Eu escuto tudo. Cada palavra que ela troca com o médico, cada vez que ela fala sobre o futuro, sobre as opções. Às vezes, eu ouço seu choro quando pensa que ninguém está por perto. Essas são as piores partes. Saber que estou causando essa dor e não poder fazer nada a respeito.

O médico. Ele fala com Laura de um jeito que me irrita. Não sei se é ciúmes, ou apenas meu orgulho ferido, mas cada vez que ele conversa com ela, sinto uma pontada de raiva. É um absurdo, eu sei. O cara está fazendo o trabalho dele, tentando ajudar. Mas é o jeito como ele a olha, como se fosse o único capaz de lhe dar o que eu nunca dei. Como se ele fosse a solução para todos os problemas que eu criei.

Talvez ele seja.

Não. Não vou pensar assim. Eu não posso me permitir desistir. Eu preciso sair daqui. Preciso voltar. Preciso... mudar.

Mas como? Como alguém como eu pode mudar? Eu fui criado para ser o que sou. Forte, impassível, ambicioso. Essas são as qualidades que me trouxeram até aqui, que me tornaram quem eu sou. Mas também são essas qualidades que me deixaram sozinho, mesmo antes do acidente.

O silêncio no quarto volta. Laura se foi, provavelmente para casa. Ela sempre volta no dia seguinte, mas sei que, a cada dia, ela está mais distante, mais cansada. O médico provavelmente vai visitá-la em breve. O pensamento me enoja, mas, ao mesmo tempo, sei que a culpa é minha. Eu a empurrei para longe, e ele está apenas pegando os pedaços que eu deixei.

O som de passos ecoa novamente, mas dessa vez são mais suaves. Uma nova presença. Talvez a enfermeira. Ela sempre parece diferente dos outros. Fala comigo como se eu pudesse ouvi-la, mesmo sabendo que, tecnicamente, não posso. Eu ouço suas perguntas, seus sussurros de esperança. "Será que você ainda está aí?" ela pergunta às vezes. E eu quero gritar que sim, que estou aqui, que estou lutando para sair desse inferno. Mas não posso.

Ela passa mais tempo do que os outros no quarto. Faz perguntas, toca minha mão, como se pudesse sentir algo que ninguém mais sente. Eu não sei se é esperança dela ou apenas uma tentativa de se consolar, mas cada vez que ela faz isso, sinto uma pequena fagulha de vida dentro de mim. Talvez, de alguma forma, ela perceba o que os outros não conseguem ver.

Não sei quanto tempo mais posso suportar isso. Mas se há uma chance, uma pequena chance de voltar, eu vou lutar por ela. Eu não posso deixar Laura. Eu não posso perder tudo. Não assim.

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Capítulo 3

Laura

Eu não aguento mais.

Às vezes, sinto que estou à beira de desmoronar. Sentada aqui, nesse quarto frio de hospital, o som constante das máquinas e o cheiro de desinfetante são minha única companhia. A cada dia que passa, fico me perguntando por quanto tempo mais posso continuar. Por quanto tempo vou suportar esse ciclo interminável de esperar algo que talvez nunca aconteça?

Seis meses. Seis meses desde o acidente, desde que ele entrou em coma. Seis meses desde que eu perdi qualquer esperança de ter meu marido de volta.

A verdade é que ele nunca foi realmente meu. Sempre foi distante, fechado, preso em sua própria ambição e arrogância. Não éramos casados por amor, mas porque nossas famílias decidiram que era o melhor para os negócios. Para ele, foi sempre uma aliança conveniente, um contrato como qualquer outro. Mas eu... eu amava ele. Acho que ainda amo. Mesmo agora, vendo-o deitado ali, imóvel, sem nenhuma garantia de que um dia vai acordar, há algo dentro de mim que ainda o quer de volta. Só que, ao mesmo tempo, estou cansada. Cansada de lutar sozinha, cansada de viver em suspenso, esperando por alguém que talvez já tenha partido.

Lembro de quando nos casamos. Eu estava tão esperançosa, tão ingênua. Achei que, com o tempo, ele poderia me amar. Eu acreditava que, se eu fosse paciente o suficiente, ele veria algo em mim que ele não via em mais ninguém. Nos primeiros meses, tentei de tudo. Tentava conversar, criar momentos que nos aproximassem. Mas ele sempre estava ocupado, sempre com algo mais importante para fazer. No fundo, eu sabia que ele não me amava, mas continuei tentando. Porque, por algum motivo, eu via algo nele que nem mesmo ele enxergava.

E agora ele está ali, parado, inconsciente. E eu estou aqui, todos os dias, esperando por um milagre que talvez nunca venha. Tem dias em que eu nem sei mais por que continuo vindo. Talvez seja apenas a culpa. Talvez seja o amor. Ou talvez eu esteja tão acostumada com essa rotina que não consigo mais imaginar minha vida de outra forma.

O médico entra no quarto, como sempre faz, com sua expressão calma e controlada. Ele pergunta como estou, como me sinto, mas nunca tenho a resposta certa. Não sei mais como me sinto. É como se eu estivesse dormente, vivendo no automático. Converso com ele porque parece ser a única pessoa que entende o que estou passando. Ele é gentil, atencioso. Coisas que eu nunca tive com meu marido.

Já pensei nisso. Pensei em como seria fácil deixar esse quarto e seguir em frente. Seguir com minha vida, talvez até com alguém como o médico, alguém que parece genuinamente se importar comigo. Mas aí algo me impede. Um sentimento de lealdade, ou talvez esperança. Algo me prende aqui, nesse quarto, ao lado de um homem que, mesmo antes do coma, nunca realmente esteve presente na minha vida.

Eu sei que as pessoas me olham com pena. A família dele, os amigos, até mesmo a equipe do hospital. Eles me veem como a esposa dedicada que não desiste. Mas o que eles não sabem é que, por dentro, eu já desisti. Ou, pelo menos, estou perto de desistir. Há dias em que desejo que ele não acorde. Porque, se ele acordar, eu não sei o que fazer. Não sei se sou forte o suficiente para lidar com o que virá depois. Será que ele vai mudar? Será que vai ser o mesmo homem arrogante e frio que sempre foi? Ou será que, de alguma forma, esse acidente o transformou?

Eu olho para ele agora, tão quieto, tão vulnerável. Parece estranho vê-lo assim, tão diferente do homem que conheci. Ele sempre foi forte, cheio de confiança, quase inquebrável. Mas agora, ele está à mercê de máquinas, de médicos. À mercê de mim.

Minha mão, quase por reflexo, encontra a dele. Ele não aperta de volta, claro. Não há sinal de vida, nenhum movimento que me dê esperança. Mas ainda assim, eu seguro sua mão, como se fosse a última coisa que nos conecta. Uma parte de mim quer sentir algo, qualquer coisa, mas não sinto. Tudo o que sinto é cansaço.

“Eu não sei mais o que fazer,” sussurro, mais para mim mesma do que para ele. Minha voz soa fraca, quase distante. "Por quanto tempo eu posso continuar assim?"

O silêncio responde. O mesmo silêncio que me acompanha todos os dias. Tento me lembrar de quando as coisas começaram a dar errado, mas, se sou honesta comigo mesma, sei que nunca foram certas. Nunca houve um começo real para nós. Nosso casamento foi uma transação, um acordo que ele aceitou com a mesma frieza com que tratava seus negócios. Eu queria mais. Sempre quis mais. Mas ele nunca esteve disposto a dar.

Sinto uma lágrima ameaçar cair, mas engulo o choro. Não vou chorar de novo. Já chorei demais por ele, por nós. E agora, estou no limite. Seis meses. Seis meses de vazio, de espera. Eu não sei quanto mais eu posso aguentar.

Eu olho para ele uma última vez antes de me levantar. O médico está esperando do lado de fora, e sei que ele vai perguntar, de novo, como estou. E eu vou sorrir, de novo, e dizer que estou bem. Porque é isso que faço. É isso que sempre fiz.

Mas, por dentro, eu sei que não estou bem. Não estou nem perto disso.

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