Eu a encontrei num pequeno vilarejo que parecia parado no tempo, um lugar onde o vento carregava o cheiro das flores silvestres e as ruas de pedra ecoavam os passos de poucos habitantes. Mas ali, em meio à aparente simplicidade, vivia uma criança capaz de alterar o curso de sua própria existência.
O nome dela era Nora.
Nora tinha apenas oito anos quando descobriu seu dom. Não foi por acaso, nem por um capricho dos deuses. Foi numa tarde comum, como qualquer outra, quando ela estava sentada à beira do lago, observando as folhas caírem das árvores. Aquele era o lugar onde ela encontrava paz, longe do barulho do mundo, onde seus pensamentos corriam livres. Aconteceu depois de um tropeço. Ao correr pela margem do lago, Nora caiu e sentiu uma dor aguda no joelho, o sangue escorrendo e as lágrimas quentes em seu rosto. Ela desejou, com toda a força de seu pequeno coração, que aquilo não tivesse acontecido.
E então... não aconteceu.
Num piscar de olhos, ela estava de volta, antes da queda, com os pés firmes no chão e o vento ainda acariciando seu rosto. O joelho estava intacto, e o sangue que escorrera minutos antes nunca existira. Nora piscou, confusa, como se tivesse sonhado. Tentou repetir o mesmo gesto: correr, cair, se machucar. Mas desta vez, quando desejou não cair, o tempo simplesmente voltou. Tudo ao seu redor se reordenou, como páginas de um livro sendo folheadas de volta ao início de um capítulo.
No começo, Nora não compreendia o que estava acontecendo. Ela pensou que talvez fosse um truque de sua imaginação, algo mágico que todas as crianças experimentavam. Mas, com o tempo, ela percebeu que seu poder era único. Cada vez que algo ruim acontecia — uma discussão, uma nota baixa na escola, uma palavra cruel dita por acidente — ela desejava poder mudar, e o tempo a obedecia, como um servo fiel, dobrando-se à sua vontade.
Nora descobriu seu dom em pequenos momentos do cotidiano. Um dia, ao derrubar o prato de sopa no chão da cozinha, ela fez o tempo voltar para segurar o prato antes que ele caísse. Em outro, ao perder sua boneca favorita no campo, voltou no tempo para vê-la novamente em suas mãos. Mas foi numa noite de tempestade que ela entendeu o verdadeiro alcance de seu poder.
Naquela noite, Nora estava na cama, o som da chuva forte batendo contra a janela. Seus pais haviam discutido mais cedo, uma briga feia, com palavras duras que ecoavam pelos cômodos da casa. Nora se encolheu, desejando com todas as forças que aquela briga nunca tivesse acontecido. E então, num instante, o silêncio se instalou. A tempestade parecia ter cessado por um momento, e Nora se viu de volta à mesa do jantar, antes de qualquer discussão começar. Ela olhou para seus pais, que agora sorriam, sem saber do que havia sido apagado. Nora entendeu, então, que podia não apenas mudar pequenos acidentes ou falhas, mas eventos inteiros, tecendo novamente o fio da sua história e das histórias à sua volta.
Eu, o Caçador de Ecos, testemunhei o brilho em seus olhos quando ela me contou sua descoberta. "Eu posso mudar tudo", ela disse, com a leveza de uma criança que ainda não conhece o peso das escolhas. E, de fato, Nora podia. Mas o que ela ainda não sabia era que, ao mudar o passado, criava novas linhas no tecido do tempo, linhas que, embora invisíveis para ela, poderiam tecer consequências inimagináveis.
Naquele dia, Nora não viajou no tempo. Ela viveu seu dia como qualquer outra criança, pulando em poças d’água e brincando com seus amigos. Mas a semente do poder já estava ali, crescendo em sua mente. Eu a observei de longe, imaginando até onde ela iria com esse dom. Quantas vezes ela voltaria para mudar um detalhe, uma palavra, um gesto? E, mais importante, até que ponto ela controlaria o tempo antes que ele a controlasse?
Nora ainda não sabia, mas cada viagem no tempo trazia consigo um eco, uma pequena ondulação na vastidão da realidade. E eu, o Caçador de Ecos, estava ali para ouvir esses sussurros, para capturar as histórias que se entrelaçavam com o tempo. Porque, no final, nem mesmo Nora poderia escapar dos ecos do que ela mesma criou.
Conheci Big Joy em um bar sujo, numa esquina esquecida de uma cidade barulhenta. Seu nome, tão cheio de promessa, não combinava com a tristeza que ele carregava nos olhos. Ele estava ali, com a cabeça baixa, as mãos calejadas segurando um copo de uísque barato. Todos o conheciam como o homem de voz poderosa, o cantor cuja música tocava os corações de qualquer um que o ouvisse. Mas poucos sabiam do seu segredo, um segredo que o perseguia como uma sombra: Big Joy podia ler mentes.
A primeira vez que ele percebeu seu dom foi ainda na infância, em uma tarde quente de verão. Ele tinha apenas doze anos, sentado no colo da mãe enquanto ela penteava seus cabelos crespos. Foi num desses momentos de silêncio, em que as palavras não são necessárias, que ele ouviu. Não a voz dela, mas o pensamento. Um sussurro, algo profundo e íntimo. Ela pensava em como seria a vida sem ele. Não era falta de amor, mas cansaço. A exaustão de ser mãe solo, de lutar contra o mundo e tentar dar a ele uma vida melhor. O pensamento dela não chegou como uma frase articulada, mas como um turbilhão de emoções que invadiu sua mente. Ele afastou-se dela bruscamente, confuso e assustado, mas não contou nada.
Conforme crescia, Big Joy percebeu que não era apenas a mãe cujos pensamentos ele conseguia ouvir. Era todo mundo. Nos corredores da escola, nas ruas, nas multidões. Cada pessoa que cruzava seu caminho trazia consigo uma cacofonia de pensamentos, desejos, medos e segredos. Eles ecoavam em sua cabeça, como uma música que ele não podia desligar. E quanto mais ele ouvia, mais ele se afastava do mundo.
Big Joy começou a cantar cedo, talvez porque a música fosse o único lugar onde ele conseguia alguma paz. Quando cantava, as vozes diminuíam, e por um breve momento, o mundo parecia mais silencioso. Ele se tornou famoso, não apenas pela sua voz, mas porque conseguia, de alguma forma, tocar as pessoas de uma maneira que ninguém mais conseguia. Ele sabia exatamente o que elas queriam ouvir, porque ouvia seus pensamentos antes de elas sequer formularem as palavras. Era como se ele cantasse diretamente para a alma de cada pessoa, e seu sucesso cresceu rapidamente.
Mas o dom que lhe deu fama era também sua maldição.
Big Joy se sentia preso, sufocado. A cada show, a cada multidão, ele ouvia mais e mais vozes. Elas não cessavam nem quando ele estava sozinho. As pessoas pensavam coisas horríveis, coisas que não ousavam dizer em voz alta. Comentários sobre sua aparência, suas falhas, suas inseguranças. Ele sabia o que os fãs queriam dele, e isso o consumia. Ele tentava agradar a todos, moldando suas canções para satisfazer desejos que ele nem sempre compreendia. Cada aplauso que ele recebia era como um lembrete de que ele não era livre. Ele não cantava porque queria; cantava porque sentia que precisava calar as vozes.
Um dia, num ato de desespero, ele tomou uma decisão drástica. Se o problema estava em ouvir, ele cortaria essa capacidade. Big Joy foi até um médico e pediu o impensável: ele queria ficar surdo. O médico relutou, mas ele insistiu. Para ele, era a única maneira de encontrar paz. E assim, após o procedimento, Big Joy perdeu sua audição.
Mas o silêncio que ele tanto ansiava não veio.
Mesmo sem ouvir os sons ao redor, Big Joy continuava escutando os pensamentos das pessoas. As vozes em sua mente permaneceram, tão altas quanto antes. O que ele havia sacrificado em troca do silêncio não lhe trouxe a paz que esperava. Pelo contrário, agora ele estava isolado no silêncio do mundo exterior, mas ainda atormentado pelos ruídos invisíveis da mente alheia.
Big Joy, o cantor que podia ler mentes, descobriu que não havia fuga. Ele tentou se esconder no álcool, na solidão, mas os pensamentos o acompanhavam aonde quer que fosse. Ele me contou, naquela noite no bar, que cada vez que subia ao palco, era como se ele cantasse para fantasmas. Ele sabia o que cada pessoa queria ouvir, mas nunca soube o que ele próprio desejava.
"Eu sou uma marionete, Caçador," ele disse, com a voz rouca de tantas canções e de tantas noites sem dormir. "Eu canto o que eles querem, vivo o que eles pensam. Mas quem sou eu? Eu nem sei mais."
Eu, o Caçador de Ecos, escutei suas palavras, mas também os ecos profundos de sua alma. Big Joy não queria mais ouvir. Não queria mais agradar. Ele desejava, acima de tudo, o silêncio. Mas o que ele não compreendia é que o silêncio não vem do mundo externo, nem da ausência de som. O silêncio que ele procurava estava dentro de si, mas ele ainda não sabia como encontrá-lo.
E assim, Big Joy continuou sua vida, um cantor surdo, mas ainda capaz de ouvir cada pensamento. Uma alma perdida em um mar de vozes, buscando um sossego que talvez nunca encontrasse.
Há lugares que a história esqueceu, lugares onde os dias se repetem eternamente, como um eco preso em uma caverna sem saída. Uma dessas histórias é sobre uma cidade que nunca conheceu o amanhã. Eu a chamo de "A Cidade Perdida no Tempo".
Ela existia em um vale remoto, cercado por montanhas imponentes, uma cidade próspera e cheia de vida. No entanto, seu destino mudou em um piscar de olhos, ou, melhor dizendo, num único segundo congelado no tempo. Hoje, quem tentar encontrá-la verá apenas uma paisagem vazia, desabitada, como se jamais tivesse existido. Mas eu, o Caçador de Ecos, consegui chegar lá, e o que encontrei foi além da compreensão.
Tudo começou numa manhã como outra qualquer. As pessoas acordaram, abriram as janelas para deixar o sol entrar, caminharam pelas ruas, foram para o trabalho, almoçaram com seus familiares. Nada parecia fora do comum. Exceto por uma coisa: naquela noite, um meteoro, um corpo celeste de proporções inimagináveis, desceria dos céus e destruiria tudo. Eles não sabiam disso. E, para eles, não fazia diferença.
O meteoro veio, rompendo o céu com um brilho ardente, devastando tudo ao seu redor em um único instante. As casas foram transformadas em escombros, as árvores queimadas até as raízes, e a vida que ali existia foi apagada como se nunca tivesse sido. Mas, em vez do silêncio da destruição, algo inexplicável aconteceu.
O relógio da cidade, o imponente mostrador no centro da praça, quebrou o ciclo natural do tempo. Ninguém sabe ao certo como ou por quê, mas o tempo, de alguma forma, se rebelou. Ao invés de seguir em frente, ele recuou. O ponteiro que deveria continuar sua marcha incessante simplesmente girou para trás. E quando atingiu o início daquele mesmo dia, tudo começou de novo.
A cidade, devastada apenas momentos antes, se reconstruiu diante dos olhos de seus habitantes, como se a catástrofe jamais tivesse acontecido. As casas voltaram a se erguer, as ruas se limparam, e as pessoas... bem, as pessoas voltaram a viver o mesmo dia, sem memória do que estava por vir.
Eles acordaram no mesmo dia, abriram as mesmas janelas, caminharam pelas mesmas ruas. Viviam suas vidas exatamente como antes, até que a noite caísse e o meteoro, como uma sentença inevitável, descesse novamente dos céus, trazendo consigo a destruição total. E assim, o ciclo se repetia.
Mas o mais cruel dessa história é que, para as pessoas da cidade, o tempo não parecia anormal. Elas não sabiam que estavam presas. A cada dia, acordavam acreditando que aquele era um novo começo. Suas rotinas continuavam, seus risos e conversas seguiam como se o tempo fosse um rio fluindo naturalmente. Mas para mim, o Caçador de Ecos, que vê além dos véus do tempo, a tragédia estava clara.
A cada ciclo, o meteoro caía. E a cada queda, o tempo se recusava a seguir em frente, girando para trás e reiniciando tudo. O dia se repetia, como uma peça de teatro sem fim, onde os atores estavam condenados a interpretar os mesmos papéis sem jamais perceberem o enredo.
Algumas pessoas, no entanto, começaram a sentir algo diferente, mesmo sem compreender. Elas experimentavam pequenos flashes, sensações de déjà vu, como se soubessem, em algum nível profundo, que algo estava errado. Um homem, um ferreiro da cidade, por exemplo, toda vez que ouvia o som de marteladas em sua oficina, sentia uma pontada de desconforto, como se aquela ação já tivesse sido realizada inúmeras vezes antes. Uma jovem, ao ver a lua subir no horizonte, tinha a impressão de já ter contemplado aquele céu com o mesmo terror velado. Mas esses fragmentos de memória se dissipavam tão rápido quanto surgiam, e logo todos voltavam ao fluxo de suas vidas normais.
O meteoro, aquele pedaço de rocha colossal, era mais do que apenas um destruidor de cidades. Ele trouxe consigo uma maldição, um rasgo na própria teia do tempo. A cidade, uma vez próspera e cheia de sonhos, agora estava aprisionada em um looping interminável. Nenhum deles podia escapar, nenhum deles podia avançar para o amanhã. Eles estavam presos na prisão mais cruel de todas: o mesmo dia, repetido até a eternidade.
Tentei entender o porquê, tentei rastrear os ecos daquela tragédia, mas até eu, o Caçador de Ecos, não conseguia desvendar completamente os mistérios desse lugar. O tempo ali não fluía como em qualquer outro lugar que eu já visitara. Era como se a cidade estivesse fora da realidade, presa num limiar entre o que era e o que nunca seria.
A verdade, caro leitor, é que a cidade perdida nunca deixou de existir. Ela está lá, em algum lugar, vivendo o mesmo dia, vez após vez. Talvez, se você ouvir com atenção em noites silenciosas, consiga captar os ecos dessa cidade esquecida. O som de risos, conversas, o badalar de um relógio que nunca avança. Mas lembre-se: mesmo que tente encontrá-la, você jamais escapará de seu ciclo.
Porque ali, o amanhã nunca chega.
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