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Meu Aprendiz Rebelde

1

Perfeita parvoíce! - gritei á saída do escritório de Yuri, o meu supervisor. - Agora tenho de andar com um aprendiz atrás! Mas eu tenho cara de ama?

- Não, tens cara de mau! - gozou Yuri gritando de dentro do escritório rindo às gargalhadas.

Continuei a resmungar ao passar pela entrada do departamento dos ceifeiros e fui buscar o meu bloco de notas e a minha caneta favorita,melhor dizendo, a única que eu tinha. Era a caneta que eu usava para riscar os nomes das almas que eu recolhia diariamente, e isso dava-me um certo pensamento de dever cumprido.

- Acho ridículo agora termos de deixar as nossas coisas nestes containers...- comentei com o segurança enquanto guardava as coisas nos bolsos da minha gabardine preta.

- Medidas de segurança apertadas.- explicou o demónio que estava a guardar a porta do Edifício das Almas. - Desde que houve na semana passada aquele incidente com aquele novato, que todo o cuidado é pouco...Não queremos aqui gente doida, já nos basta aturar as carninhas frescas que veem aqui perdidas. -  disse ele lambendo os lábios gretados.

- Nojoooo... - disse eu enquanto avistava um dos meus colegas de trabalho. - Kira espera aí que quero falar contigo! - o meu colega viu-me e parou à minha espera.

Alcancei-o rapidamente.

- Que foi? Parece que viste bicho! - Kira olhou para mim e franziu o semblante.

- E vi: a ti...

- Mau...que foi agora?

- Ainda não sabes das novidades? - perguntou-me Kira surpreendido. Abanei a cabeça e Kira por momentos foi-se abaixo das pernas.

- Senta-te que é melhor, não queria ser eu a dar esta notícia, mas lá terá de ser...Se fosse comigo também não queria nada ser o último a saber Khao....

Sentei-me em cima de uma rocha e Kira trepou a uma árvore jovem que estava completamente despida de folhas e tirou do bolso da gabardine um panfleto para me dar.

- Lê. - ordenou.

- " A todos os ceifeiros disponíveis na zona leste do hemisfério sul, pedimos que se candidatem para receber um novato que é descendência direta do nosso amado ex-líder. Aquele que o receber receberá pontos extra quando for altura de reencarnar." Okay - disse eu devolvendo o papel a Kira - e que tem agora?

- Ninguém se candidatou. Por isso quem tinha a pontuação mais baixa é que ficou com o novato...

Na minha cabeça as peças começaram finalmente a encaixar-se:

- Então, tu estás a dizer-me que o novato que vem comigo para o meio dos "carninhas" é esta criatura de quem falam no panfleto?

- O Yuri não te disse nada?

- Ele só falou que eu ia ter companhia, mais nada, que era um novato. Acabei de vir de lá do gabinete dele...Eu não acredito nisto....Só me faltava esta agora.

- Então e vais buscar ele quando? - perguntou Kira.

- Não tenho maneira de escapar a isto?! - quase gritei frustrado.

 -Não, se ele já te foi atríbuido só tens de cumprir as ordens...Mas conhecendo-te como conheço, ele não vai durar dois dias nas tuas mãos...

- Sim... - concordei esboçando um leve sorriso de pura malvadez.- Vamos ver quanto tempo o menino aguenta comigo. Amanhã vou buscar ele, para já vou ao departamento dos recrutas buscar as coisas dele para lhe entregar amanhã quando ele chegar.

- Boa sorte...- disse Kira saltando da árvora sacudindo o pó da terra batida da gabardine.

- Não preciso, é melhor contar comigo mesmo que assim sei que não falho. - respondi voltando costas a Kira e seguindo até ao departamento do sub-mundo onde estava a documentação do novo recruta.

- Isto vai correr tão mal... -murmurou Kira enquanto me via distanciar.- Aposto que ele ainda nem sabe de quem estão a falar,porque quando souber vai ser um caos total...

2

Quase a arrastar os pés, dirigi-me para o departamento dos Recursos Demoníacos e Afins. Mal lá cheguei fui recebido por uma funcionária anã de óculos na ponta do nariz, muito gordinha e de cabelo preto espetado.

- Olá Bella, como vais? - perguntei olhando para ela e esboçando o sorriso mais amável que consegui.

- Dói-te alguma coisa?- perguntou ela desconfiada enquanto mexia em papeladas distraída.

- Não, porquê?

- Estás a fazer essa coisa com a boca, pensei que estavas com cólicas ou algo do género.

Resmunguei.

- Estava a tentar ser simpático para ti, porque tu és sempre o demónio que toma conta de todos nós...

- Ah, mas não...treina melhor isso que não surtiu efeito nenhum e juro que pensei que era outra coisa...Que queres afinal?

Desisti de ser amável e voltei ao meu estado habitual.

- Vim buscar a documentação de um novo recruta. Foi-me designado aquele que tem descendência lá com o nosso ex-líder.

Bella largou tudo o que estava a fazer e ajustou os óculos, olhou para mim e depois desapareceu atrás do balcão, voltando poucos minutos depois com um envelope grande creme ainda selado.

- Podes levar. - disse ela atirando o envelope para cima do balcão. - Vais abrir aqui?

Peguei no envelope e meti-o debaixo do braço.

- Não, tenho tempo de ver isto em casa. Mais logo vejo quando acabar o meu turno. Agora ainda tenho duas almas para recolher.

- Não te dispensaram do resto do dia?

- Não sei. Era suposto?

- Sim. Espera, deixa-me falar com o Yuri. - Bella pegou num telefone muito antigo e discou um numero, ficando depois à espera de ser atendida.

- Yuri, o Khao não foi dispensado do serviço hoje porquê?

Do outro lado Yuri explicava algo a Bella e ela franzia o sobrolho.

- Não, ele ia agora recolher duas almas, por isso achei estranho. Não é esse o procedimento.

- Deixa estar isso, não o estejas a meter mais rabugento do que ele já é. - sussurrei-lhe, recebendo de seguida um olhar feroz da parte dela.

- Okay, então ele hoje está dispensado. Obrigado Yuri.

Bella desligou a chamada e olhou para mim novamente com os óculos na ponta do nariz.

- Vocês devem amar trabalhar! Não sabes que o procedimento é tu seres dispensado quando vais receber um novo recruta?

Encolhi os ombros.

- É o primeiro que me foi designado. Com a pontuação que eu tenho normalmente ninguém se lembra sequer da minha existência. Por isso achei estranho eu ficar com este recruta.

De um pulo, Bella arrancou-lhe o envelope debaixo do braço e meteu-o em cima do balcão.

- Abre isso. Já não estás a trabalhar.

- Credo, mas estás com tanta pressa para quê?

- Sabes que a primeira a ver quem era o recruta fui eu, por isso se te estou a dizer para veres, é mesmo para veres. Abre isso duma vez!

Finalmente peguei no envelope e a resmungar abri-o tirando o crachá de dentro, mas deixei-o cair mal vi a foto.

- Não...- murmurei vendo o crachá no chão que tinha ficado com a foto virada para cima. - Não vou ficar com ele... Bella, não posso!- olhou para Bella que tinha agora tirado os óculos e tinha a cabeça baixa.

- Ele já te foi designado. Além disso ele não se lembra de ti. Vai ver-te apenas como o supervisor dele.

- Mas EU lembro-me dele! Faço o quê com as minhas lembranças?!

- Não sei. Sugiro que te despaches na formação dele, para ele ser designado a outra região do mundo e tu ficares mais aliviado.

- O Kira sabia...- murmurei ainda incrédulo, enquanto apanhava o crachá do chão e fixava o olhar na foto.- Ele devia saber,por isso é que me deu a notícia sobre o tal novato...Bella, eu tenho mesmo de aceitar ele?

- Podes meter um recurso, explicas os teus motivos, mas isso pode demorar semanas. Além disso ninguém quer ficar com ele. Todos teem medo que algo corra mal e serem penalizados na altura da reencarnação...

- Compreendo. - respondi enquanto guardava no envelope o crachá e tirei uma folha com os dados do novo recruta. - Diz aqui que ele suicidou-se... Quem é que o foi buscar?

- Foram os de elite. Sabes que ele é quase realeza aqui. Por isso o querem contigo, porque sabem que tu só vais buscar os casos mais leves, e não complicas nada. Por isso ficaste com ele.

Voltei a guardar a folha no envelope e meti-o debaixo do braço.

- Tens a certeza que ele não se lembra de mim, certo?

- Sim. Assim que os vão buscar as memórias são apagadas, para não haver o perigo de andarem a vaguear pelo mundo dos vivos...

- Okay. - suspirei aliviado- Eu vou para casa. Obrigado Bella.

- Boa sorte e não te esqueças de trabalhar nesse sorriso!

Saí do departamento completamente em choque, a minha cabeça estava às voltas e tive mesmo de me sentar nas escadas da entrada do edifício. Abri de novo o envelope e tirei o crachá lá de dentro: pus-me a olhar para a foto e passei o meu polegar pela foto:

- O que foste fazer Kayo...

3

No dia seguinte á noite, acordei e preparei-me para sair de casa. Normalmente eu ficava sempre no turno da noite e trabalhava apenas em hospitais. Era mais fácil para mim, porque não tinha de fazer grandes esforços para recolher almas, elas praticamente vinham ter comigp. Obviamente que havia casos que ao início me deixavam chocado, mas depois de anos como ceifeiro já nada me afetava. Ajeitei a minha gravata preta em frente ao espelho mesmo não tendo reflexo algum (já era força do hábito) e vesti o blazer preto: aquela era a imagem de marca dos ceifeiros e confesso que eu até gostava, pois dava-lme um certo estilo. Depois de ver se já tinha tudo comigo e pegar no envelope malfadado saí de casa, (que não era nada mais do que um condomínio no mundo dos vivos, onde eu tinha as minhas coisas pessoais e ficava quando não queria voltar ao submundo). Ninguém que passasse perto do condomínio ia ver-me, pois só aos ceifeiros é que era permitido verem os apartamentos. Aliás no mundo dos vivos ninguém podia ver os ceifeiros, eles é que escolhiam quem os podia ver e normalmente isso só acontecia quando alguém estava prestes a falecer.

Mal abri a porta de casa vi Kira, que naquela noite também tinha ficado por ali.

- Já sabes? - perguntou mal me viu, ansioso.

- Já. Podias ter-me dito logo mal soubeste.

- Para quê? Ia mudar alguma coisa? Disse apenas meia- informação, o resto coube á Bella dizer-te.

- És um rico amigo...Nem sei como sobrevivo sem ti. - respondi ironicamente enquanto passava á frente de Kira e dirigia-se a uma janela enorme que estava no hall do andar onde viviamos : olhei lá para baixo, a noite estava bastante ventosa e eu subiu no parapeito da janela para sentir o vento no rosto.

- Não vamos usar o elevador hoje… - constatou Kira seguindo o meu exemplo - Chega para lá! - exclamou por eu estar a ocupar o espaço. Ri e logo de seguida saltei da janela de braços abertos aterrando pesadamente no chão na entrada do condomínio. Kira fez o mesmo aterrando segundos depois ao meu lado.

- Caramba, tens algum problema com elevadores?

- Demasiado lentos. - disse-lhe passando a mão pelos cabelos. - A que horas vai abrir o portal?

- Pelas minhas contas deve ser daqui a uns minutos...tens a certeza que estás preparado para isto?

- Só tenho de estar. Como ele não se vai lembrar de mim as coisas vão correr normalmente.

- Imagina só se ele se lembrasse de ti… - riu Kira coçando a cabeça.

- Nem me fales nisso! Então aí é que eu não ia querer saber se ficava impedido de reencarnar, mas não o ia treinar!

Á frente deles de repente uma porta feita de pedra maciça apareceu fazendo-me estremecer. Kira pousou a mão no meu ombro na tentativa vã de me reconfortar. Pedaços da porta de pedra foram desaparecendo aos poucos como se estivessem a ser sugados para outra dimensão e quando desapareceram finalmente apareceu um sujeito atarracado seguido por um rapaz.

- Vamos rápido que não tenho a noite toda, tenho de ir ainda ao Alasca deixar mais um recruta! - ordenava o homenzinho sem grande paciência.

- Tivesse começado a trabalhar mais cedo. - resmungou o rapaz que vinha com ele fazendo-me tapar os olhos com uma das mãos. Kira por sua vez deu-me duas palmadinhas nos ombros.

- Eh rapaz, desejo-te sorte, pode até não se lembrar de ti, mas o feitio está lá todo…!

Suspirei e avancei.

- Horn, deixa comigo. Podes ir. - eu disse ao homenzinho que já respirava pesadamente olhando para o rapaz.

- Este pensa que lá por ser descendência do nosso ex- líder que pode fazer tudo o que quer! Irritante! Deveras irritante!- gritava o homenzinho.- Tens aqui o processo dele. Vê o que consegues fazer. Sinceramente fiquei com pena de ti… - comentou afastando-se de volta para o portal. - Fica aqui que o teu chefe já te vem buscar, e vê se o respeitas!

O rapaz fez uma careta ao homem e olhou finalmente para mim. Cruzei os braços e olhei para ele directamente a aguardar que ele fosse ter comigo.

O portal voltou a fechar rapidamente mal Horn passou por ele e desapareceu completamente, como ele não se mexia decidi que era altura de quebrar o gelo e aproximei-me dele abrindo a pasta onde estava o processo dele.

- Kayo, certo?

O rapaz bateu as palmas.

- Fantástico! Sabes ler!

Atrás de mim ouvi um barulho que me fez voltar para trás, mas não era nada demais, era Kira que tentava a todo o custo sufocar o riso.

- Estás bem? - perguntei-lhe começando a ficar irritado a Kira, que de imediato parou de rir.

- Estou. - disse Kira atrapalhado. - Achei só piada á reacção do Horn. - pigarriei - Vou-me embora que tenho trabalho a fazer.

Voltei-me para Kayo que estava agora encostado á parede de braços cruzados á minha espera.

- Vamos lá, não há-de ser nada... - murmurei abrindo novamente a pasta para ler o processo de Kayo.

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