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Sombras de Um Amor Fatal

Prólogo

Há tempos, as noites de Belo Monte eram marcadas por um silêncio profundo, quebrado apenas pelo canto distante das corujas ou pelo farfalhar das folhas ao vento. A fazenda dos Monteiro, embora modesta, era um refúgio para aqueles que buscavam a simplicidade da vida no campo. Era lá que Suraya, a filha mais velha do casal Gustavo e Bianca, vivia seus dias entre sonhos e tarefas rotineiras. Mas o destino, com sua cruel ironia, tinha planos sombrios para ela, que nem mesmo sua alma inocente poderia imaginar.

Suraya sempre foi vista como a flor mais delicada do jardim da família Monteiro. Com apenas dezessete anos, seus olhos brilhavam com a pureza de quem ainda acreditava no amor verdadeiro, aquele que lhe preenchia o coração desde a infância, na figura de Heitor, filho do capataz da fazenda vizinha. Heitor, com seu sorriso travesso e olhar protetor, era o herói de todas as histórias que Suraya contava a si mesma antes de dormir. Mas sonhos podem se transformar em pesadelos, e o que antes era luz, logo se tornou escuridão.

O pai de Suraya, Gustavo, sempre teve uma fraqueza que a terra fértil de Belo Monte jamais poderia curar: o vício em jogos. E como toda fraqueza, esta acabou corroendo o que restava de sua honra e dignidade. Na tentativa desesperada de salvar a fazenda e sua própria pele, Gustavo fez um acordo que selaria o destino de sua família. Em uma mesa de jogo, suja e cheia de promessas vazias, Gustavo apostou as sua terras, sem ao menos pestanejar.

Fonseca Abreu, o homem com quem Gustavo fez o pacto, era uma figura temida em Belo Monte. Com seus sessenta e oito anos, carregava nos ombros o peso de uma vida marcada pela ganância e pelo poder. Era um homem amargurado, cuja única satisfação vinha do controle que exercia sobre os outros. Fonseca enxergou em Suraya mais do que uma esposa jovem e bela; ele viu nela a última peça de um tabuleiro que sempre lhe garantiu a vitória.

Suraya foi arrancada de seu paraíso rural e entregue àquele homem asqueroso, como uma mercadoria a ser negociada. E, com isso, seus sonhos foram esmagados sob o peso de uma realidade cruel. O casamento com Fonseca foi como uma sentença de morte para a jovem, que viu seu mundo se transformar em uma prisão dourada. Longe de sua família, proibida de qualquer contato com aqueles que amava, Suraya se viu aprisionada em um ciclo de luxuoso, controle e solidão.

Porém, o destino, que outrora a havia traído, ainda reservava surpresas para Suraya. Enquanto ela suportava em silêncio o inferno em que sua vida havia se transformado, ela descobre o homem que vive dentro do homem com quem se casou.

A história de Suraya não é apenas sobre dor e sacrifício, mas sobre a luta de uma mulher que, apesar de todas as adversidades, nunca deixou de buscar a luz no fim do túnel. Quando Fonseca foi encontrado morto, envenenado, todos os olhos se voltaram para Suraya, a esposa jovem que, aos olhos dos outros, poderia ter se rebelado contra seu carcereiro. Mas a verdade, como sempre, é mais complexa do que parece. E é nesse momento que o destino de Suraya toma um rumo inesperado.

Este livro é um convite para adentrar no mundo de Suraya, uma mulher cuja força e resiliência foram forjadas nas chamas do sofrimento. Uma história que revela os segredos mais profundos de uma alma ferida, mas que, ainda assim, encontra forças para recomeçar. A jornada de Suraya é uma prova de que, mesmo nas circunstâncias mais sombrias, o amor verdadeiro pode florescer e trazer consigo uma nova esperança.

...Galeria, algumas fotos postadas por Suraya. ...

Capítulo 1: Vida em Belo Monte

Belo Monte. Só de pronunciar o nome já sinto o cheiro do campo, o aroma de terra molhada depois da chuva, e ouço o canto dos pássaros que habitam a fazenda onde cresci. Meu nome é Suraya Lemos Monteiro, e esta é a minha história.

Desde pequena, minha vida foi moldada por essas paisagens rurais que cercam a nossa fazenda. Um lugar de beleza singular, onde o sol parece brilhar mais forte, e as estrelas iluminam o céu como se fossem joias preciosas espalhadas por uma tela negra. A vida aqui é simples, mas tem seu próprio encanto, algo que muitos não entenderiam.

A fazenda dos Lemos Monteiro é herança de gerações. Meus avós a construíram do zero, transformando esse pedaço de terra em um lugar próspero, com plantações de café que pareciam não ter fim. Era um lugar onde se respirava trabalho duro, mas também orgulho. Meu pai, Gustavo, herdou essa responsabilidade, mas o peso que ela carrega, com o tempo, tornou-se um fardo que ele não consegue mais sustentar.

Ainda me lembro das manhãs em que acordávamos com o cantar do galo, e minha mãe, Bianca, já estava na cozinha preparando o café da manhã. O cheiro do café fresco misturava-se com o do pão que ela assava, criando uma atmosfera acolhedora, apesar das dificuldades que começavam a se acumular ao nosso redor.

– Suraya, venha ajudar com as galinhas – ela chamava, sua voz sempre calma, mas com uma firmeza que me fazia correr para atendê-la.

Era uma rotina simples: alimentar as galinhas, cuidar do jardim e ajudar na colheita quando era necessário. Minhas irmãs, Anaya e Ayana, também tinham suas tarefas, mas sempre encontrávamos tempo para brincar no campo, correndo atrás umas das outras, rindo como se não houvesse amanhã.

Entretanto, as risadas começaram a desaparecer, substituídas pelas preocupações que, aos poucos, tomaram conta de nossa casa. A colheita não era mais tão abundante, e as dívidas começaram a se acumular como uma sombra crescente que ameaçava engolir tudo que conhecíamos. Meu pai, antes um homem forte e orgulhoso, começou a mudar.

No início, ele ainda sorria, ainda tentava manter o espírito da fazenda vivo. Mas com o tempo, esse sorriso foi desaparecendo, substituído por uma expressão de cansaço e desespero. O trabalho na fazenda tornou-se mais árduo, e a cobrança dos credores mais frequente. Eu era jovem demais para entender plenamente o que estava acontecendo, mas sentia que algo estava errado. Algo estava mudando.

Foi também nessa época que os primeiros sinais do alcoolismo de meu pai começaram a aparecer. Antes, ele costumava tomar um gole ou outro de cachaça nas festas, mas agora, parecia que a bebida era sua única companhia constante. Quando ele estava sóbrio, era um pai amoroso, mas cada vez mais, esses momentos se tornavam raros.

Lembro-me de uma tarde específica, quando o sol começava a se pôr e a luz dourada banhava a fazenda. Meu pai estava sentado na varanda, uma garrafa de cachaça na mão. Seus olhos, antes brilhantes e cheios de vida, agora estavam turvos, como se ele estivesse em algum lugar distante.

– Papai, está tudo bem? – perguntei, me aproximando devagar, com medo de sua reação.

Ele demorou a responder, parecia não ter me ouvido. Quando finalmente falou, sua voz era rouca e pesada.

– Está tudo bem, Suraya. Só estou... cansado.

Mas eu sabia que não era só cansaço. Havia algo mais, algo que ele não queria ou não podia me contar. E naquela noite, ouvi pela primeira vez uma discussão entre meus pais. Era um som estranho, algo que nunca tinha acontecido antes.

– Gustavo, você precisa parar com isso! Está nos destruindo! – a voz de minha mãe era firme, mas cheia de dor.

– Bianca, não é tão simples. Eu... eu não sei o que fazer. A fazenda está afundando e eu... – ele não conseguiu terminar a frase, sua voz quebrada pela tristeza e pelo álcool.

Essas discussões tornaram-se cada vez mais frequentes, como uma tempestade que se aproxima lenta, mas inexoravelmente. Minha mãe tentava de tudo para manter a família unida, mas a cada dia parecia que algo dentro de meu pai estava morrendo. E, sem saber como lidar com isso, ele se afundava ainda mais na bebida.

Enquanto isso, nós, as crianças, tentávamos seguir com nossas vidas o melhor que podíamos. Anaya e Ayana, minhas irmãs, ainda brincavam comigo nos campos, mas havia uma tristeza nos olhos delas que não existia antes. Nós éramos jovens demais para entender a profundidade dos problemas que nossa família enfrentava, mas sentíamos o peso deles em nossos corações.

A rotina simples e bucólica que antes definia nossas vidas estava se desintegrando, e eu não sabia como consertá-la. Só sabia que algo precioso estava escapando por entre os dedos, e eu não conseguia segurá-lo.

Naquela época, eu não tinha como prever o quanto nossas vidas mudariam, o quanto sofreríamos e o quanto lutaríamos para sobreviver. Mas, de alguma forma, sabia que nada mais seria como antes. E, talvez, essa fosse a verdade mais dolorosa de todas.

Enquanto a noite caía sobre Belo Monte, eu me perguntava se algum dia voltaríamos a sorrir como antes. Mas uma parte de mim já sabia que aquela inocência havia sido perdida para sempre. E o que viria a seguir, só o tempo poderia revelar.

Capítulo 2: A Casa em Desarmonia

As manhãs em Belo Monte sempre começaram cedo. Os primeiros raios de sol mal tocavam o horizonte e já se ouvia o som do galo anunciando um novo dia. Naquele ambiente rural, a vida seguia um ritmo próprio, ditado pela natureza e pela necessidade de cuidar da fazenda. Era uma rotina que, em teoria, deveria trazer paz, mas dentro das paredes da nossa casa, a atmosfera estava longe de ser tranquila.

Eu costumava acordar antes de minhas irmãs. Anaya, a mais velha depois de mim, tinha um jeito preguiçoso de lidar com a manhã. Já Ayana, a caçula, sempre precisava ser sacudida para sair da cama. Enquanto vestia minhas roupas simples, ouvia minha mãe, Bianca, já ocupada na cozinha. O cheiro de café fresco misturava-se ao som da panela de ferro chiando sobre o fogão a lenha.

Porém, antes que o aroma do café pudesse nos acolher como um abraço caloroso, outro som invadia a casa. O som do vidro da garrafa de cachaça batendo na mesa de madeira da sala. Meu pai, Gustavo, já começava o dia com um trago, mesmo antes de comer. Aquilo se tornara tão habitual que quase passava despercebido, mas não para minha mãe.

– Gustavo, pelo amor de Deus, tome um café primeiro – a voz dela era uma mistura de súplica e frustração.

– O café não resolve meus problemas, Bianca – ele respondia, a voz arrastada, enquanto servia mais um pouco da bebida na caneca.

Essa era a nossa dinâmica familiar nos últimos tempos. O homem que antes liderava a fazenda com mão firme agora parecia um fantasma do que um dia fora. O alcoolismo o consumia, tirando-lhe o vigor e a vontade de lutar pelos nossos sonhos. Enquanto isso, minha mãe tentava, com todas as forças, manter as aparências e, mais importante, nossa família unida.

Eu e minhas irmãs fazíamos o possível para ajudar, mas éramos apenas adolescentes tentando entender um mundo que se tornava cada vez mais sombrio.

– Suraya, ajude Anaya a acordar – minha mãe ordenava, com uma tentativa de normalidade, mesmo quando sua voz ainda tremia de raiva.

Eu entrava no quarto das minhas irmãs e sacudia Anaya com delicadeza. Ela se virava na cama, tentando prolongar a última porção de sono que lhe restava.

– Vamos, Anaya, já está na hora. Você sabe que mamãe não gosta de atraso – eu insistia, minha voz suave, mas firme.

Finalmente, ela abria os olhos, resmungando algo sobre odiar acordar cedo. Ayana, por sua vez, estava encolhida embaixo das cobertas, fingindo que ainda dormia. Aquele era seu truque para evitar as tarefas matinais.

– Ayana, sei que está acordada. Levanta – eu dizia, puxando as cobertas.

Ela soltava um suspiro profundo e, a contragosto, saía da cama, ainda esfregando os olhos. Em instantes, todas estávamos prontas para o café da manhã, um ritual que, mesmo em meio ao caos, minha mãe fazia questão de manter.

Sentadas à mesa, observávamos papai bebendo em silêncio, os olhos fixos na mesa, enquanto mamãe servia a refeição. Ela tentava conversar, trazer algum tipo de normalidade para aquela manhã, mas a tensão no ar era palpável. A qualquer momento, algo poderia disparar outra discussão.

– Você tem que ir ao campo hoje, Gustavo. Os trabalhadores precisam de orientação – ela dizia, tentando um tom neutro, mas eu podia ouvir o desespero nas entrelinhas.

– Eles sabem o que fazer. Eu não preciso ficar lá o tempo todo – ele respondia, com desdém.

– Não é só sobre estar lá. É sobre mostrar que você ainda se importa – ela retrucava, a voz começando a falhar.

Essa era a faísca que faltava. O olhar do papai endureceu, e ele jogou a caneca sobre a mesa com tanta força que a bebida respingou, manchando a toalha branca que minha mãe sempre mantinha impecável.

– Eu me importo? Não me venha com sermões, mulher! Você acha que não sei o que está acontecendo? Acha que não sinto o peso dessa maldita fazenda sobre mim todos os dias? – ele gritou, a voz rouca e carregada de amargura.

Mamãe tentou manter a compostura, mas as lágrimas começaram a se formar em seus olhos. Eu sabia que ela queria responder, queria gritar de volta, mas em vez disso, ela se calou. O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor.

Eu olhava para Anaya e Ayana, e via o medo em seus olhos. Aquela não era a primeira vez que presenciávamos uma cena como essa, mas cada vez parecia doer mais. Anaya, sempre a mais prática, pegou sua xícara e a levou para a pia, tentando escapar daquele ambiente tenso. Ayana, no entanto, ficou congelada, sem saber como reagir.

– Por que você tem que fazer isso, papai? – a voz dela saiu quase como um sussurro, mas foi o suficiente para desarmar meu pai.

Papai olhou para a Ayana, e por um breve momento, o homem que ele costumava ser voltou à superfície. Ele respirou fundo, fechou os olhos e abaixou a cabeça, como se a vergonha e o arrependimento estivessem prestes a afogá-lo.

– Me desculpe, Ayana – ele murmurou, sua voz agora mais suave, quase quebrada.

Mas desculpas não apagavam as mágoas, e eu sabia que aquele ciclo de brigas e reconciliações temporárias estava longe de terminar. A casa, que deveria ser um refúgio, parecia cada vez mais um campo de batalha. Eu sentia uma dor profunda ao ver meus pais, que um dia se amaram tanto, agora perdidos em um abismo que parecia intransponível.

Depois do café da manhã, era hora de seguir com as tarefas. Minha mãe e minhas irmãs iam para a escola, e eu ficava na fazenda ajudando com o que podia, não havia dinheiro para manter as três na escola. Mas a imagem da discussão daquela manhã permanecia na minha mente. Era difícil focar no trabalho quando a tensão familiar pesava tanto sobre meus ombros.

O dia passava em um ritmo lento e arrastado, como se o sol estivesse hesitante em atravessar o céu. O trabalho no campo era árduo, mas sempre gostei de estar entre as plantações, sentindo a terra sob meus pés. Era o único momento em que eu podia desligar minha mente das preocupações e simplesmente existir.

Porém, não importava o quanto eu tentasse me concentrar no trabalho, a voz de minha mãe ecoava em minha cabeça, cada palavra carregada de dor e frustração. Eu sabia que ela estava sofrendo, e isso me enchia de uma raiva impotente. Queria ajudá-la, queria encontrar uma solução para todos os nossos problemas, mas eu era apenas uma adolescente em uma fazenda que parecia estar desmoronando a cada dia.

Ao meio-dia, as irmãs voltavam da escola. Seus rostos estavam cansados, não apenas pelo estudo, mas pelo ambiente que as esperava em casa. Eu tentava sorrir, tentava trazer um pouco de alegria para elas, mas era difícil quando eu mesma me sentia tão perdida.

– Como foi a escola? – perguntei, tentando parecer animada.

– Normal – Anaya respondeu, com um desinteresse que já se tornara habitual. – Temos mais deveres para fazer, mas quem se importa?

Ayana, sempre mais sensível, olhou para mim com olhos que pareciam entender mais do que deveriam para sua idade.

– Você acha que papai vai melhorar? – ela perguntou, sua voz cheia de esperança, mas também de medo.

Eu queria dizer que sim, queria poder assegurar que tudo ficaria bem, mas as palavras ficaram presas na minha garganta. Em vez disso, apenas a abracei, segurando-a firme, como se isso pudesse afastar o medo que sentíamos.

Os dias continuaram assim, entre a rotina do campo e as brigas em casa. Eu sabia que, a cada discussão, a distância entre meus pais aumentava, e com ela, nossa chance de ter uma vida normal. A bebida, que meu pai usava como escape, estava nos destruindo pouco a pouco, e minha mãe, por mais forte que fosse, estava começando a ceder sob a pressão.

Ao final do dia, quando as estrelas começavam a aparecer no céu, eu me perguntava o que o futuro nos reservava. Belo Monte, que um dia fora um paraíso de paz e prosperidade, agora parecia um lugar de dor e incerteza. E, no fundo, eu temia que, se continuássemos nesse caminho, logo não restaria nada além de ruínas de uma família que um dia foi feliz.

Enquanto a noite envolvia a fazenda em um manto de escuridão, eu não conseguia afastar o pensamento de que, se algo não mudasse logo, aquela seria a última vez que veríamos as estrelas brilhar sobre Belo Monte com esperança.

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