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Destino

AVISOS

GATILHOS.

Este livro contém certos conteúdos sombrios e, que de certa forma, podem ser tratados como delicados. Há eventos citados que desencadeiam possíveis gatilhos como: Tráfico de pessoas, violência sexual gráfica, fetiches específicos (sadismo sexual sem consentimento) tráfico de drogas, tráfico de crianças, uso de armas de fogo, cenas explícitas de tortura e narrativa sexual explícita.

Ademais, se está esperando um desenvolvimento rápido no reencontro de personagens, essa história NÃO é para você. Portanto, analise cada aviso e repense se realmente irá ler.

...♟️...

...PLAYLIST...

..."Aqueles olhos" — Dom M...

..."Era uma vez"— Sadstatiom...

..."Crime vai e vem" —Racionais MC's...

..."Eu sou 157" — Racionais MC's...

..."Respeito É Pra Quem Tem" —Sabotage...

..."Diário de um Detento" —Racionais MC's...

...""Voando alto" — Pacificadores, Hungria....

..."Xeque-Mate" — IGOR...

..."Rise up" — Andra Day...

..."The Water Is Fine"— Chloe Ament...

..."Trouble" — Valéria Broussard...

..."Vilã"— Cacife Clandestino, Felp 22...

..."Sagrado Profano" —Luíza Sonza...

..."Earned It" —From The "Fifty shades of Greys...

..."Hotel"— Montell Fisch...

..."Play With Fire" — Sam Tinnesz...

..."Amanhecer" — BK, Nansy Silvvz...

...♟️...

Esta é a segunda e última parte da duologia "Ponto De Partida". Leia o primeiro livro para entender o decorrer da história.

...PERSONAGENS...

ALEMÃO (HENRIQUE)

SAMUEL

GABRIEL

BIANCA

JULIANA

GUSTAVO

BERNARDO

PLAYBOY (FELIPE)

PARTE 1

...KAI ITO...

...Há um antigo provérbio chinês que fala sobre um fio vermelho invisível que une todos aqueles que estão destinados a encontrar-se, independente do tempo, lugar ou circunstância. O fio pode esticar-se, ou emaranhar-se e, segundo a lenda, nada o fará se partir. Exceto, pela morte....

......................

Prólogo

...RIO DE JANEIRO, 2015....

Era início de janeiro e ainda estava frio. Na escola, os professores costumam brincar que, quem nasce carioca, vem com um bônus de “calor” agregado ao corpo.

Eu sou carioca, mas acho que não tenho esse bônus. Porque, nesse exato momento, a temperatura do meu corpo é baixa em conjunto com o dia chuvoso. 

Ou talvez seja essa a consequência de sair de casa às dez da noite, mal agasalhada e correndo igual uma idiota na chuva.

Meu nariz escorre, mas eu limpo ignorando o aviso de um eminente resfriado. Eu não ligo se ficar doente, eu só queria sair daquela casa o mais rápido possível e encontrar minha avó.

Era meu aniversário e meus pais brigaram de novo. Por minha culpa a mamãe chorou, de novo. 

E o papai descontou em mim, de novo.

Mas como eu podia saber que o copo de vidro iria escorregar e estilhaçar no chão? Droga, eu não tenho bola de cristal, espelhos falantes ou qualquer objeto mágico que me ajude a ver o futuro. Eu nem mesmo tenho dinheiro.

As velhas moedas atrofiadas pela ferrugem no fundo do cofre que ganhei no verão passado, foram as únicas coisas que tinha e que pude usar para pagar o ônibus. 

Já faziam mais de vinte minutos que tinha saído da barra. O bom era que eu estava na favela, mesmo os homens armados na entrada estranhando eu ter vindo sozinha, me deixaram passar.

Passei pelo primeiro beco e, quando virei à direita, na rua aberta, bem em frente ao bar da tia Maria, no campinho de futebol, tinha um garoto sentado sozinho na arquibancada velha de cimento.

Mesmo de longe, eu sabia que era Henrique.

Respirei fundo e comecei a correr de novo. As anteninhas da minha tiara, a essa hora, já devem estar quase quebrando de tanto que corri para chegar até aqui. 

Passei pela grade quase despedaçando em ferrugem e que fez um bruto barulho. 

Henrique olhou em minha direção. Parece que cada dia que passava ele perdia mais peso. Para falar a verdade, as crianças daqui não pareciam muito diferentes umas das outras. 

Eu sorri para ele, arfando de tanta pressão que meus pulmões faziam para respirar.

E ele também deu um sorriso com um aceno em minha direção.

— Tá frio aqui fora, por que você não tá em casa?

Mesmo com um vestido jeans rodado, quando me sento ao lado dele sinto o cimento frio embaixo de mim.

Henrique segura na mão um gravetinho, usando-o para desenhar na areia.

— Tá melhor aqui.

Ele responde a minha pergunta. Mas não é essa a resposta que eu quero.

— Qual foi? — Toco nele com o cotovelo, mas ele parece nem se importar. — São teus pais de novo?

Quando ele levantou o rosto, senti que ia reclamar porque ele sempre acha um jeito de implicar comigo, mas o que vi foi um sorriso crescer e se tornar uma gargalhada alta.

— Que isso na tua cabeça, Lilli? Porra, tá parecendo o chapolin colorado.

Ele dá um peteleco na anteninha da minha tiara e eu bato na mão dele.

— Para Henrique! — Passo a mão arrumando de leve a bolinha — Teu olho, que isso aqui é o chapolim. Era uma fantasia de abelha.

— De abelha?! 

As gargalhadas aumentam e eu reviro os olhos.

— É, uma abelha, nunca viu uma abelha? É um… Ah, que saber, deixa pra lá, eu tô indo ver minha avó.

Levanto, balançando a sujeira do vestido, mas ele me segura pelo braço antes que eu me afaste. Meninos são tão sem noção.

— Pera aí, calma aí, tava só brincando.

— Não parece que “tava” só brincando.

Ele se levanta também. Henrique tem quase dezesseis anos, mas a altura é de quem tem quase dezessete. Talvez seja por isso que minha mãe sempre pega um pouco no meu pé quando saio com os meus amigos, são todos mais velhos que eu. Enquanto eles já estão na fase da adolescência, eu ainda estou entrando.

— Mas também, pô, — ele bate nas bolinhas penduradas nas antenas, ajeitando elas de leve.— Tu tá com quase catorze anos e tá com essa coisa na tua cabeça.

Aquele embrulho no fundo do meu estômago voltou. A sensação estranha que sinto todas às vezes em que converso com ele.

— Quase não. Eu já tenho catorze anos, fiz hoje.

Juntei os dedos das mãos, formando o 1 e o 4. 

— Hoje?

— Sim, hoje. Agora, na verdade. 

— E o que tu tá fazendo aqui, branquinha?

— Minha mãe queria que eu usasse uma fantasia de abelha e eu não quis, aí eu quebrei um copo sem querer, meu pai brigou com ela e… —Paro de falar quando vejo ele me encarar de um jeito estranho— Que foi?

[...]

— Vai, pega logo antes que eu derrube.

Ele estende novamente o bolo em minha direção.

— Não precisava comprar bolo, você podia usar esse dinheiro pra pagar o teu material da escola.

Reluto. Isso não é justo, o dinheiro era dele. 

— É meu presente pra tu. Vem, vamo comer lá no bar da tia.

Ele comprou um bolo, mesmo sem necessidade. Henrique sempre dá um jeito de fazer algo por mim sem que eu peça.

Quando ele se vira, eu pego a borda da camisa que ele tá usando.

— Vamos pro campinho, lá é melhor.

— Lá tá frio, Lilli.

— Mas o Samuel deve tá lá na tia, você sabe que ele é um poço sem fundo, vai querer comer meu bolo.

Henrique sorri e me entrega a sacola.

— Tá suvinando comida agora, é, riquinha?

— Não é isso. — Começo a andar na direção do campinho— Já que é um presente pra mim, então eu divido com quem eu quero.

Não demorou muito para que Henrique estivesse abrindo caminho no portão do campinho e demorou muito menos para que estivéssemos sentados sobre a fria arquibancada, devorando o bolo de chocolate. 

— Ela deve tá te procurando.

— Talvez, mas eu não quero vê-la agora e nem falar dela.

Olho para a vista da quadra e tenho certeza de que ele está olhando pra mim. Ele sempre faz isso.

— Tu quer se formar em quê?

A pergunta me fez olhar para ele. 

— Assim, do nada?

Ele dá de ombros como quem não quer nada e eu volto a olhar para o campinho. A brisa gélida permite que esse seja um daqueles momentos de conversa em que não existe preocupação.

— Só pra jogar conversa fora. Tu disse que não queria falar da tua mãe.

—Hum... — Coloco um pedaço de bolo no prato de plástico e como — Acho que… Não sei. Eu gosto de ver as tias que dão aula aqui na favela, mas gosto de fotografia também. 

— Quer ser professora?

Não foi bem uma pergunta. A voz dele saiu mais como uma acusação.

— Talvez. E vê se para de fazer essa cara de quem tá me julgando.

— Não tô te julgando, só acho que é um negócio que não dá grana.

Apoio meus braços para trás, ficando em uma posição na qual tenho a visão das costas dele.

— Eu disse que não sei ainda, Henrique. — Ele não se vira, continua na mesma posição parado. Esse assunto não foi do nada. — Mas… E você? O que quer fazer?

Ouço uma risada anasalada e ele nega com a cabeça.

— Pior que eu nem sei. Só sei que eu tenho que dar um jeito de sair daqui com a minha irmã. Mais… Sei lá. — A cabeça dele vira em minha direção e, por alguns segundos, vejo de relance a sua pupila dilatar, mudando um pouco o semblante do rosto. — Tu pensa em casar?

Amplio o meu olhar sobre ele. Um olhar repleto de confusão. 

— Casar?! —Prendo uma risada com as mãos e Henrique não responde à minha pergunta. — Esperar, você tá falando sério?

Ele sibila e gesticula com as mãos impacientes.

— Quer que eu desenhe o que é um casamento?

Ironiza e eu paro de rir para revirar os olhos.

— Deixa de ser besta, menino! — empurro o ombro dele.— E eu sei o que é um casamento, só é estranho você me perguntar isso. Tá pensando muito no futuro.

— Eu escutei uma história lá do tio do beco hoje cedo.

— História? Que história?

Em um movimento único, endireito o quadril e fico na mesma posição que antes, ao lado dele.

— Não lembro direito, mas é uma história de três fases, alguma coisa assim... — Ele parece não lembrar direito da história, mas continua.— Eles dizem que tem gente que nasce, é… Tem uma palavra que se diz pra isso…

— Predestinado? — Opino

— Isso. Tem gente que nasce predestinada a encontrar essas besteiras de almas gêmeas e tal… Aí ele disse que às vezes os dois se encontram três vezes na vida. A primeira é acidente, tipo quando é criança ainda. A segunda vez é uma coincidência, já é uma coisa mais séria, ele disse que é um ponto de partida. E a terceira… Parece que é destino.

Fico em silêncio esperando pelo final da história, mas ele não continua.

— Só isso? — Questiono 

—Hum?

— A história. É só isso? 

— É. Eu não gosto muito do final, eles acabam morrendo.

Ele diz como quem não quer nada e eu pisco aturdida. 

— Santo Deus, você não sabe contar uma história direito…

— Eu não! É aquele velho que não sabe. — Henrique levanta e estende a mão pra mim em seguida. — É só fingir que já tem final.

— Não é assim que funciona. — Aceito sua mão e ponho-me de pé.

— É, sim, é só ignorar.

Ele pega os restos plásticos da sacola e do pacote de onde veio o bolo. 

— Tava bom o bolo?

— Tava sim. — Deixo um sorrisinho escapar— No meu próximo aniversário, quero um de novo.

Henrique sorri e mais uma vez estende a mão para me ajudar a descer da arquibancada e caminhamos rumo à saída do campinho.

— Foi… — começo com a voz fraca.— Foi por causa da história que você me perguntou sobre casamento, não foi? 

— Na…

— ... E você, pensa em casamento? — Não deixo ele terminar a frase e emendo outra. Henrique abre a portaria velha do campinho e sai com cuidado por entre os arames. Ele passa logo em seguida.

— Sei lá… Casamento é uma parada mó difícil. — Ele então vira a cabeça para mim, me encarando. — Mas talvez um dia.

O olhar dele ficou tão tenso que precisei desviar para outra direção. E apenas acenei, concordando com a resposta. Ainda não sei que tipos de planos ele tem pra fazer no futuro, mas espero que dê tudo certo.

Eu, por outro lado, mesmo não confessando, tinha medo dessa palavra. “Futuro”. Viver sem certeza do que vai acontecer amanhã é torturante demais 

Mamãe disse que isso era normal quando atinge certa idade, eu só não posso deixar que essa preocupação desnecessária fique por muito tempo. Caso contrário, vai se tornar uma bola de neve.

Mas será mesmo que eu não preciso me preocupar? Talvez, daqui a uns anos, eu esteja morta e pode ser qualquer um desses dias, ou dessas horas. 

E quando esse dia chegar, eu espero ter partido por uma boa causa.

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