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Páginas da Nossa História

Eu coloquei um ponto final na nossa história de amor

Eu não consigo entender, como deixei nosso casamento acabar. Me revolto comigo, pois fui meu único inimigo, eu me destruí. É exatamente assim que me sinto sem a Allya. Meu coração está destruído e meu cérebro aos pedaços. Hoje é 26 de setembro de 2022, tem 1 ano e 18 dias que infelizmente assinei aqueles papéis que diziam que ela não era mais minha por sobrenome. Ela seria novamente Allya de Carvalho Malva.

      Ao acordar simplesmente pensei em escrever, após a rotina matinal que não tem a mesma graça sem ela... Já não quero beber, me faz mal. É um alívio passageiro e quando já estou alto, tudo que sei fazer é ligar para a Allya, mesmo sabendo que ela não vai atender. Deixar inúmeras mensagens, sabendo que ela jamais irá ler, afinal estou bloqueado.

      Já não consigo pensar e raciocinar fora do trabalho, ao menos focar no trabalho me distrai. Consigo me distrair pois, me lembro que tudo que conquistei foi por causa da Allya e de sua ajuda. Por isso faço horas extras e somente vou para casa, depois que já não tem mais nada para fazer no escritório. 

      A minha casa, que ainda é nossa, pois a vejo em cada metro quadrado dela. Eu fui injusto com ela e pouco homem. Não fui capaz de honrar nosso casamento e a honrar como mulher. Eu acabei com tudo. Eu coloquei um ponto final na nossa história de amor.

     Agora sinto que reescrever a nossa história não resolverá nada. A Allya só me odiará mais pelo que fiz a ela, por tudo que prometi e não cumpri, por todos os votos que quebrei. Eu preciso escrever nossa história e ponderar o quanto eu errei e mostrar como eu me arrependo por tudo que fiz. Tentarei ser breve, afinal nunca fui bom em gramática, sempre amei números. Agora aos 40 anos duvido que algo tenha mudado quanto as ciências humanas na minha vida, mas vou escrever, pois preciso desabafar. Ela precisa saber que me arrependo de tudo que fiz a ela.

    A Allya sempre foi muito boa em humanas, por isso ela é maravilhosa e meiga. Já eu, era frio e calculista como uma calculadora científica, milimétricamente programada. Era assim até o dia que conheci a Allya. Já tentei desabafar sobre meu casamento com eu melhor amigo Rômulo, mas há detalhes que não posso contar, sobre nossa intimidade como casal.

    É engraçado, pois antes da Allya eu costumava me gabar. Não contava em detalhes minhas noites de prazer com as mulheres com que saia. Mas quando algum amigo perguntava se fulana era gostosa, eu respondia que sim, inclusive costumava dar uma pontuação para cada mulher na cama. Eu sei, eu era mesmo um babaca.

     Eu tinha dificuldades de dizer eu te amo, acho que por isso meus dois namoros antes da Allya duraram somente uns três meses. Talvez eu realmente não amava aquelas mulheres como amo a Allya, mas sei que tinha sentimentos por elas. A realidade é que a Allya é única neste mundo, esse foi o fato que me fez a querer tanto.

      Ela simplesmente me colocava no bolso sem esforço algum. Eu já era doutor em contabilidade, mas parecia leigo perto dela. Era incrível como uma mulher de 23 anos, recém formada em Letras conversava e entendia de quase tudo.

      Decidi escrever tudo que passamos e fazer uma resenha com a minha maturidade de hoje. Encontrei um caderno, na verdade é um diário de memórias. Tem umas três páginas cada capítulo, com lacunas em branco do dia, mês e ano. São páginas para dias de memórias, que devem ser preenchidas e relatadas, com precisão.

      Vou reviver novamente cada memória importante, assim talvez nossas famílias saibam quem realmente acabou com tudo. Quem foi o covarde que deixou a mulher a quem prometeu amor, felicidade e proteção aos pedaços. Por conta de um desejo passageiro.

 

 Allya Malva

                         

 Fonte: Foto retirada do aplicativo Pencil Sketch. Sem menção a diretos autorais.

Um anjo em versão feminina

Era dezembro de 2011, eu já tinha 29 anos e já era doutor em Contabilidade. Estava na casa dos meus pais, de férias na minha cidade Natal, a pequena Perdões. Uma cidade próxima à Capital de São Paulo.

    Meus pais eram religiosos e sempre iam à igreja. Fui educado dessa forma, porém na faculdade eu decidi que não tinha tanto tempo para as missas. Como eu fingia muito bem, que continuava um devoto fiel, naquela noite tive que os acompanhar no primeiro dia da semana de missas do Natal.

    Eu estava incomodado, pois nem lembrava as orações, mas foquei na decoração da igreja, para ser exato, no lindo presépio de Natal, no qual faltava o Menino Jesus. Que por hábito só é colocado na manjedoura no dia 25 de dezembro à meia noite. Logo vi um lindo coral cantando, parecia mais um coral de anjos. Mas ao olhar para a orquestra, meus olhos simplesmente travaram nela... A moça mais parecia um anjo em versão feminina.

       A moça era perfeita, cabelos castanhos compridos acobreados, pele dourada, lábios medianos, nariz fino e olhos pequenos... Aquele corpo voluptuoso se encaixava perfeitamente no longo vestido branco que ela usava. Eu fiquei vidrado no rosto dela, tentava distinguir a cor daqueles belos olhos e as formas dos dentes naquela boca linda rosada. Foi quando senti tudo parar ao ver ela levar a flauta  transversal à boca.

       Uma sensação diferente me dominou, eu só conseguia a olhar e imaginar que eu a queria. Claro que como homem, senti meu sangue ferver nas veias e observei cada curva do corpo dela. Mas era diferente, eu a queria para mim... Para sempre... Ninguém percebeu que eu somente olhava aquela linda musicista. Voltei a mim e finalmente cutuquei meu pai perguntando:

      -Pai, quem é a moça tocando flauta?

      -Conrado!!! Preste atenção na missa!!!- disse meu pai em tom sussurrante, mas firme.

    -Pai quem é a musicista com a flauta? - questionei impaciente.

    -É a Allya, filha caçula do Sandro e Carmen Malva. Você estudou com a Tânia, a filha mais velha. Quieto – respondeu ele bravo.

     Assenti com a cabeça e não podia acreditar que ela era irmã daquela megera indomável da Tânia. Só não entendia como nunca havia visto aquela pessoa antes, a cidade era muito pequena. Pelo que eu sabia a família dela havia se mudado de São Paulo para Perdões nos anos 2000.

      Ao fim da missa, houve uma confraternização no salão de festas da igreja, cada família havia levado um prato de doce ou salgado. Eu que detestava a curiosidade dos moradores sobre minha vida pessoal... Incrivelmente decidi ficar e fazer questão de falar o quão bem sucedido eu era, um doutor.

      As pessoas da cidade eram simples, acolhedoras e educadas, eu simplesmente colhi sorrisos e percebi o orgulho que tinham de mim. Naquele momento imaginei que logo a Allya estaria sabendo e dificilmente me rejeitaria.

        Nos minutos seguintes somente a olhei e percebi que ela me olhou e não focou em mim, para ela eu era alguém que sequer havia despertado a curiosidade por estar ali. Em seguida chegou meu amigo Régis, estudamos juntos desde o colegial ele também foi para a faculdade federal em Campinas, mas não acompanhou o ritmo e abandonou. Após um longo abraço, criei coragem e perguntei:

       -Regis, man... Quem é aquela gata ali, ajudando no balcão das bebidas?

       -Gata? Só gata? A Allya! Ela é muito gostosa, isso sim! – respondeu Regis a olhando por inteiro.

      Senti um ódio tremendo ao ver ele falando assim de Aylla. Senti vontade de socar a cara dele por vê-lo a olhando com cobiça. Mas voltei a mim e algo passou pela minha cabeça, eu questionei:

      -Você já teve algo com ela Regis?

      -Claro que sim, já a peguei de todos os jeitos... -respondeu ele suspirando.

     Deu um nó na minha cabeça e tudo que eu pude sentir foi um ódio mortal de Allya. Como um ser tão lindo que parecia uma fada, um anjo... Poderia ser tão... Promíscua? Todos sabiam que o Regis era um filhinho de papai que só queria diversão com as mulheres. Naquele momento eu decidi que a queria, nem que fosse por apenas poucas horas. Mas, eu teria oque o Regis teve.

       O padre era bem rígido e não permitiu bebidas alcóolicas, então após alguns sucos de uva decidi criar coragem e chegar perto dela. Aproveitei a oportunidade de Regis ao lado dela e disse:

      -Boa noite Allya. Já que meu amigo não nos apresentou... Sou Conrado Abrantes.

      - Boa noite Conrado. Estou feliz em o conhecer. Pelo sobrenome... deve ser parente de Simão e Marcia e João Abrantes? –disse ela suave e docemente.

      Meu coração quase parou, a voz dela era música para meus ouvidos. Eu nem era romântico e imaginei ela cantando. Mas logo meu coração se encheu de soberba e raiva e a imaginei sussurrando aos meus ouvidos. Regis interrompeu meus pensamentos falando:

      -Sim Allya, ele é filho do Simão e da Marcia. Sim é o irmão caçula do João.

       -Prazer e bem vindo! Nos vemos amanhã? Imagino que venha até o dia da missa de Natal? – disse ou questionou Allya, nem me lembro bem.

       -Talvez sim, farei o possível. –respondi educadamente, quando a vi sendo puxada para longe, a megera indomável da Tânia a afastou.

      Ao ver a cara de descontentamento do Régis o questionei:

      -Tem problema se eu a chamar para sair? Afinal, para ti ela foi apenas uma aventura, de acordo como falou dela.

     -Tenta a sorte! – Régis riu ironicamente.

     -Ela vai me amar. Tenho certeza. Ela é linda. -respondi, vendo o olhar intrigado do meu amigo sobre mim.

      Aquela semana se passou e fui todos os dias às missas, conversei com o padre Benedito, até me confessei, relatei pecados que eu nem tinha. Mas não falei sobre o que eu sentia por Allya.

       Eu só decidi agir e percebi que eu teria que ser como ela, agir como ela. Ela era a promíscua em manto sagrado, eu seria o lobo em pele de cordeiro.

       

Fonte: Figura do banco de dados Pinterest, sem menção a direitos autorais.

     

 

 

   

 

A única razão para eu ir é a Allya

Eu e meu irmão João éramos como água e óleo. João era comerciante e 11 anos mais velho. Nós tínhamos muitas diferenças, ele sempre dizia que eu era mimado e egoísta. Ele tinha outra religião e não ia às missas. Ele preferia ficar em casa com sua esposa Samara e seus dois filhos Amanda e Sander. 

        João era muito dedicado e pelo menos duas vezes na semana visitava nossos pais. Já eu... Os via somente nas festas e férias de fim de ano. Após a Missa de Ano Novo finalmente tive sucesso com a Allya. Enquanto todos confraternizavam, a vi subir até a torre do sino da Igreja. Eu subi lentamente as escadas e a encontrei, vestindo a roupa a orquestra. Ela estava apoiada no parapeito e tinha os olhos fechados.

       Fiquei a olhando por uns 5 minutos, até que ela disse:

       -Gratidão!

      - Grata por ter me conhecido? – questionei em tom de brincadeira.

      Ela se assustou e se virou me encarando. Então gentilmente sorriu.

       -Se for tão bom quanto sua família, sim... Estou grata por te conhecer.  – Allya respondeu, me indicando a decida.

      Eu apenas sorri e a acompanhei. No fim da confraternização, a convidei para sair, tomar um sorvete. E a resposta dela simplesmente foi: “ não posso”. Me senti rejeitado e não entendia como ela havia aceitado Regis e me esnobado.

    Eu simplesmente estava obcecado pela Allya, eu não gostava de perder e não desistia sem tentar até o último segundo. Então fui a todos os lugares que sabia que a encontraria. Muitas vezes a seguia e a encontrava lendo, na praça ou na varanda de sua casa.

     Ela sempre lia impressos encadernados, eu pensava que ela estudava para uma pós- graduação ou algo assim. Eu tentava uma aproximação e ela sempre fugia. Certa noite minha mãe disse que iriam a um bingo beneficente na casa dos Malvas. Meu coração se encheu de esperança e eu disse que os acompanharia. Minha mãe disse:

     -Vai ser bom sair um pouco e gastar.

     -Sim Marcia, vai ser bom para ele. Desde de que fique longe da Allya -disse meu pai em tom autoritário.

    -Pai, sabe muito bem que a única razão para eu ir é a Allya. – Respondi obstinado.

    -Não se esqueça que você vai voltar para São Paulo em menos de dez dias. Não brinque com esta moça! –disse meu pai me encarando.

     -Seu pai tem razão Conrado. O Sandro a Carmen são nossos amigos, após sua ida para a faculdade nossas famílias se tonaram amigas. –pontuou minha mãe preocupada.

     -Mãe, pai... Eu não sou este tipo de homem. Eu realmente acho ela bem interessante e linda. Estamos muito perto, são apenas 73 km – respondi sentindo o que eu realmente pensava.

    -Certo, sempre te dei exemplo de como se comportar com uma mulher. Te criei para ser um homem de honra- disse meu pai me analisando.

    -Sim filho e a Allya é uma boa moça. Se comporte e seja respeitoso – aconselhou minha mãe me abraçando.

     Eu somente assenti e contei cada minuto. Tomei um banho e me arrumei rápido. Fiz questão de ir no meu carro, uma Duster preta do ano. No caminho paramos em uma padaria e minha mãe comprou uma torta de chocolate. Eu vi um senhor em uma Kombi vendendo flores. Não perdi tempo e comprei um lindo buquê de rosas brancas. Minha mãe se pronunciou:

       -Bela escolha meu filho.

       -Obrigada papai.

       Meu pai somente riu levemente, parecia que já sabia o futuro e o destino das rosas.  Poucos minutos depois estávamos na frente da casa da família Malva. Uma casa com o muro baixíssimo, um belo jardim. A casa era grande e tinha telhas de barro que ressaltavam as paredes brancas. As lindas e grandes janelas vitorianas só acrescentavam mais beleza àquela construção. Era uma linda casa antiga.

      Tinha umas vinte pessoas na varanda. Observei o olhar da Allya me vendo descer do carro. Meu pai abriu a porta para minha mãe e a ajudou com as prendas. Logo Carmen e Allya estavam na calçada e nos recebia com cumprimentos de boa noite.

       Minha mãe entregou a torta para Carmen e eu entreguei o buquê para Allya. Ela sentiu o perfume das flores e disse:

       -Que linda prenda! Você tem bom gosto.

       -Ah, penda... Sim- respondi querendo dizer outra coisa.

       Eu simplesmente queria dizer que as flores eram para ela, mas não tive coragem. Então sorri sem graça, vendo o sorriso provocativo do meu pai. Eu a segui, acabei a ajudando com as cartelas e canetas. Depois a ajudei com o chá e os biscoitos para os convidados. Na verdade eu nem sabia fazer um chá. A ajudei com as xícaras e organizar os biscoitos nos pratos.

      Enquanto os convidados se serviam reencontrei Brenda uma colega do ensino médio. Ela também morava em São Paulo e era uma executiva na área de marketing. Ela também visitava a família e ficou feliz em me ver, em saber que eu também era solteiro. Trocamos telefones e conversamos bastante. Eu percebi que Allya nem se importou.

      Ao final, quando já nos preparávamos para voltar para casa, fui até a Allya cheio de coragem e disse:

     -Allya, daqui a alguns dias eu volto para minha vida em São Paulo. Vou embora triste, pois você não me deu a chance de te conhecer ou ser seu amigo.

     Ela ficou me olhando e não disse nada. Eu continuei lá parado esperando uma resposta, afinal eu era um homem de quase 30 anos e não tinha mais tempo para bobagens sentimentais e jogos de amor. Eu era prático e eficaz. Finalmente ouvi:

      -Conrado, eu estou muito ocupada. Trabalho em casa, via internet editando e revisando livros de sites e blogs online. Mas se for somente amizade... Podemos sair e conversar um pouco.

     -Está bem, me passa seu contato. Eu vou pensar em algo para o fim de uma tarde e te aviso. – respondi confiante.

     Trocamos contato e me despedi dela com um beijo no rosto. Chegando na casa dos meus pais, fui direto para o quarto e comecei a pensar no que agradaria a Allya. Depois pensei que ela já era uma mulher e se havia aceitado meu convite ela aceitaria bem qualquer lugar que eu a levasse.

Conrado Abrantes

 

Fonte: Foto do ator Ilhan Sen, modificada via editor de imagem de celular.

 

 

 

 

                         

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