NovelToon NovelToon

Ema: Filha Da Terra

(1) "A Jornada"

Ema

Enquanto corro na margem desse rio, meus pés descalços afundam na grama úmida, e a brisa fresca sopra meus cabelos, trazendo um sorriso involuntário ao meu rosto.

Quanto mais corro, mais quero correr, sentindo a liberdade em cada passo. A luz fraca do sol surge por entre as nuvens, enquanto uma garoa fina cai suavemente sobre mim, como um abraço da natureza.

Olho para o outro lado do rio e vejo a floresta. A brisa faz as folhas das árvores balançarem, criando uma dança silenciosa. Então eu a avisto novamente: a garotinha com seu cocar de penas coloridas. Ouço o apito, o som dos pássaros, como um chamado antigo.

Meu coração palpita no peito como um tambor, em sintonia com o ritmo da minha corrida. A garotinha também neste instante, começa a correr. Seu rosto pintado e seus cabelos pretos ao vento contrastam com a vegetação ao redor. Acima dela, uma ave de grande porte voa em círculos, observando nossos movimentos.

— Quem é você? — minhas palavras saem sussurradas, levadas ao vento em sua direção.

Ela parece sorrir para mim, enquanto corremos em lados opostos do rio. Seu sorriso é enigmático, quase como se guardasse um segredo antigo. Sinto uma conexão inexplicável, como se já a conhecesse de algum lugar ou tempo distante.

A cada passo, a floresta parece ficar mais densa e viva, as cores mais vibrantes e os sons mais nítidos. A garotinha, com seu correr leve e decidido, parece me guiar por um caminho invisível, um caminho que só eu posso seguir.

De repente, a ave de grande porte dá um rasante, cruzando o rio e pousando no galho de uma árvore próxima. Seu olhar penetrante parece atravessar minha alma, e então percebo que não estou apenas correndo por prazer. Estou em uma busca, uma jornada para descobrir algo maior do que eu mesma.

Enquanto continuo a correr, percebo que as paisagens ao meu redor começam a mudar. O rio, antes calmo e sereno, começa a ganhar força e velocidade.

As árvores se tornam mais altas e densas, e a garoa fina se transforma em uma chuva intensa. Mas, em meio à tempestade, a figura da garotinha permanece clara e constante, como um farol me guiando na escuridão.

— Espere! — grito, tentando alcançá-la.

Mas ela apenas sorri novamente e desaparece entre as árvores. O som dos tambores em meu peito agora é acompanhado pelo canto dos pássaros, criando uma sinfonia que ecoa pela floresta.

E assim vejo Lucas, vindo a galope com seu cavalo, trazendo outro puxado pela rédea. Ao chegar até mim, ele diz, ofegante:

— Ema, ele está aqui. Dessa vez não é nenhum empregado dele, o próprio veio até você.

Eu assinto, meu coração ainda acelerado, e me dirijo ao cavalo que Lucas trouxe. Montando com rapidez, lanço um último olhar em direção ao outro lado do rio, mas a garotinha já não está mais lá.

Respiro fundo e digo:

— Vamos, Lucas. Irei acabar com essa palhaçada. Ele não se cansa de ouvir um não?

Saímos a galope, o som dos cascos ecoando pelo gramado. Enquanto cavalgamos de volta ao rancho, minha mente se enche de lembranças. Esse rancho é a herança dos meus falecidos pais, que partiram já faz três anos.

Larguei meus estudos na cidade grande e me dediquei incansavelmente a cuidar de tudo aqui. Essa é minha terra, o lugar de onde nunca deveria ter saído, e não é um empresário arrogante que vai tirar isso de mim.

Mark Oliver, com suas propostas insanas, vem incansavelmente me perturbando, querendo minha propriedade. Mas isso ele jamais terá.

Esta terra é minha, da minha família, onde cresci e que guardo com todo meu ser. Sou Ema Martins, filha dessas terras, e ele jamais a tirará de mim.

(2) "O Desafio"

Mark

E aqui estou eu, nesse fim de mundo, por conta dessa insolente que se chama Ema. Seja lá quem essa mulher seja, este lugar será meu. Ela pode dar o preço que quiser, que eu cobrirei.

Enquanto meus seguranças seguram o guarda-chuva sobre mim, a chuva forte que começou a cair parece se intensificar. Logo vejo aquele garoto que foi chamá-la retornar com uma garota? Não, ela não pode ser a proprietária.

Observo-a parar seu cavalo a centímetros de mim. Neste instante, um trovão rasga o céu. Ela desce do cavalo, completamente molhada pela chuva. Seus cabelos lisos grudam em seu rosto, enquanto meu olhar se volta para sua roupa: uma calça jeans surrada e uma camiseta preta simples.

Meus olhos se dirigem para seus pés descalços. Ela entrega o cavalo ao garoto e caminha em minha direção. Seus olhos verdes fixam-se nos meus enquanto ela diz:

— O que deseja?

Pego o guarda-chuva das mãos dos seguranças e me encaminho mais próximo a ela, minha altura a fazendo parecer ainda mais pequena em minha frente.

— Chame Ema Martins — digo firmemente, minha voz cortando o ar gélido provocado pela chuva.

Ela me olha ainda mais profundamente e responde:

— Você está falando com ela. Sou Ema, a proprietária deste rancho. E sei bem quem você é, e minha resposta é não, como sempre.

Minha surpresa é evidente, mas não deixo transparecer. Respiro fundo, tentando manter a compostura diante desta garota que, apesar da aparência simples, tem uma determinação que não posso ignorar.

Olho ao redor, observando o rancho. Mesmo sob a chuva, é evidente que este lugar é bem cuidado, com cada detalhe revelando o carinho e o esforço investidos aqui.

— Srta. Martins, — começo, tentando adotar um tom mais conciliador. — Entenda, não estou aqui para causar problemas. Minha oferta é mais do que justa. Este rancho pode se tornar algo muito maior, algo que beneficiaria a todos. Pense nos empregos, no desenvolvimento...

— Beneficiar a quem? — Ela me interrompe, sua voz carregada de incredulidade. — A você? Ao seu bolso? Esta terra tem história, é parte de quem eu sou. Não está à venda, não importa o quanto você ofereça.

A intensidade de suas palavras me atinge mais do que qualquer argumento racional poderia. Sinto uma frustração crescente, mas também uma estranha admiração por essa insolente que se recusa a ser comprada.

— Ema, — digo, tentando uma abordagem diferente. — Pense no futuro. O mundo está mudando, e segurar-se ao passado não trará nada de bom. Posso ajudar a transformar este lugar em algo grandioso.

Ela balança a cabeça lentamente, um sorriso triste e resoluto se formando em seus lábios.

— O futuro que você imagina não é o que eu quero. O valor deste rancho não está no dinheiro, mas nas memórias, nas raízes que ele representa. Perdi meus pais há três anos, e foi aqui que eles me ensinaram tudo o que sei. Não vou abrir mão disso por nada.

Sinto um nó na garganta ao ouvir suas palavras, e percebo que meu plano, jamais conseguirá surtir efeito. Olho ao redor mais uma vez, sentindo a chuva fria escorrer pelo meu guarda-chuva, e finalmente entendo que algumas coisas são inegociáveis.

— Entendi, — digo finalmente, minha voz mais suave. — Eu comprei todas essas fazendas ao redor do seu rancho. E acredite, comprar ele é fundamental, pois irei interligar essas terras e abrir aqui um grande shopping.

Ela respira fundo, e o garoto se aproxima dela dizendo:

— Quer que eu coloque ele para fora, Ema?

Olho com o cenho franzido para esse moleque. Quem esse roceiro pensa que é? Mas então a voz dela surge, firme:

— Não será preciso, Lucas. Ele já está de saída — diz ela, me olhando profundamente.

Eu me encaminho mais, parando a centímetros dela. A borda do guarda-chuva a cobre parcialmente, e então digo:

— Você se arrependerá se ficar no meu caminho, Ema.

Ela me encara desafiadoramente no exato momento que um relâmpago surge nos céus e diz:

— Isso é o que veremos. Tente a sorte.

A intensidade do confronto é quase palpável, cada palavra carregada de determinação e desafio. Fico aqui por um momento, encarando esses olhos verdes que me desafiam sem medo.

Nunca me senti tão impotente diante de uma negociação. Sinto a raiva fervendo dentro de mim, mas também uma estranha admiração pela força e pela coragem dessa menina.

— Muito bem, Ema Martins — digo, dando um passo atrás. — Mas saiba que não recuarei facilmente. O jogo está apenas começando.

Ela mantém o olhar fixo em mim, inabalável. Sem mais uma palavra, viro-me e caminho de volta para meu carro, os seguranças apressando-se para me acompanhar.

Ao entrar no carro, uma última olhada pelo espelho retrovisor mostra Ema de pé, firme, encarando meu carro. A chuva continua a cair, mas a chama em seus olhos não se apaga.

Enquanto o carro se afasta, percebo que esta batalha será diferente de todas as que já enfrentei. Ema não é apenas uma proprietária de terras; ela parece uma guardiã de um legado. Para conquistar o que desejo, terei que enfrentar mais do que sua simples resistência.

(3) "Raízes de Resistência"

Ema

Assim que o carro dele desaparece de vista, solto o ar que nem percebi estar segurando. Pensei que esse tal Mark fosse mais velho; sua aparência física é realmente chamativa, mas sua audácia dispensa cerimônia.

Mas não me interessa, eu não irei ceder; jamais venderei esse rancho.

— Ele trará problemas, Ema — diz Lucas ao meu lado.

Olho para ele, o garoto que cresceu comigo nessas terras. Lucas é como um irmão para mim. Seu pai, o senhor Joaquim, está com minha família há anos, o que contribuiu para nossa amizade.

Quando meus pais sofreram aquele acidente de carro, não fui somente eu quem os perdeu. Lucas também perdeu sua mãe, que estava com meus pais no carro. Os três morreram instantaneamente.

De uma forma ou de outra, isso parece ter nos ligado ainda mais. Compartilhamos da mesma dor e enfrentamos juntos o luto.

— Ema? Está me ouvindo? Vamos entrar ou pegaremos um resfriado — sua voz me traz de volta dos meus pensamentos.

Assinto, sorrindo para ele. Após deixarmos os cavalos no estábulo, nos encaminhamos para dentro de casa. Ao entrarmos, somos recebidos pelo cheiro característico do almoço sendo preparado por Tereza, a quem considero como uma segunda mãe.

Ela está conosco desde que eu era apenas uma garotinha. Sempre foi sozinha neste mundo e, quando se juntou a nós, a abraçamos como parte desta grande família.

É assim que vejo todos que trabalham aqui: uma família. Aquele babaca metido a granfino jamais destruirá isso aqui. Somos uma grande família, e eu protegerei todos, ou não me chamo Ema.

— Misericórdia! Estavam correndo na chuva, é? — a voz única e enérgica de Tereza me tira dos pensamentos.

Sorrindo, vou até ela e a abraço forte, beijando seu rosto.

— Não briga conosco, estávamos apenas resolvendo assuntos chatos — digo.

Ela me bate gentilmente com o pano de prato que estava em seu ombro e diz:

— Vai tomar um banho e se trocar, mocinha.

— Tenho vinte e um anos, e você ainda me chama assim — retruco, sorrindo.

Ela cruza os braços. Seus cabelos grisalhos presos em um coque e sua saia até os joelhos lhe dão um ar acolhedor.

— Você ainda é uma mocinha, menina. Agora vai se lavar e descer para almoçar.

Virando-se para Lucas, ela diz:

— E você? Vai ficar aí nos olhando feito um bicho acuado? Vai se lavar também, menino.

Lucas, sorrindo, passa perto dela, dá-lhe um beijo na bochecha e sai correndo, enquanto grita:

— Eu te amo, tia Tereza!

Ela chacoalha a cabeça, rindo, e diz:

— Vocês dois são como crianças.

Dou de ombros, sorrindo.

— Mas tenho que concordar com ele. Também te amo, Tere — digo, chamando-a pelo apelido carinhoso.

Ela sorri e diz:

— Está bem, eu também os amo. Agora, senhorita, vai tomar seu banho. Você está molhando toda a casa.

Olho para o chão e vejo as poças de água. Corro pelos corredores característicos desta imensa casa, gritando:

— Já estou indo!

Enquanto corro, sinto uma paz interior. A presença de Mark e suas ameaças não conseguem apagar o amor e a união que temos aqui. Este rancho é mais do que uma simples propriedade; é um legado, um refúgio, um lar.

Depois de um banho quente e revigorante, desço para a cozinha, onde Tereza e Lucas já estão à mesa. O cheiro do almoço é reconfortante, e sinto meu estômago roncar de fome.

Tereza serve a comida com aquele carinho que só ela tem, e, por um momento, esqueço todos os problemas.

— Então, o que faremos agora? — pergunta Lucas, enquanto começa a comer.

Neste instante, o senhor Joaquim, com seu típico bigode bem aparado e cabelos grisalhos, entra na cozinha com um ar de preocupação velada. Seus olhos, sempre atentos e gentis, alternam entre Lucas e mim enquanto ele faz sua pergunta:

— Fazer o que? — diz ele, sua voz carregada de uma mistura de resignação e curiosidade genuína.

Eu dou um sorriso gentil ao pegar uma concha do feijão perfumado que Tereza preparou com tanto carinho.

— Nada não, tio. É apenas aquele empresário interessado no rancho, lembra? O insistente veio pessoalmente desta vez, mas eu já deixei claro que não vou vender — digo, mantendo um tom decidido.

Ele suspira profundamente e lança um olhar significativo para Tereza, indicando sua preocupação.

— Você não precisa resolver tudo sozinha, filha. Estamos aqui por você. A consideração que temos por você e sua família é imensa. É uma honra continuar aqui contigo. Seus pais foram seres humanos incríveis, e você é como eles. Conte conosco. E se quiser vender o rancho, iremos entender — diz ele com sinceridade, sua voz carregada de apoio e afeto.

Tereza assente em concordância, complementando suas palavras:

— É verdade, minha menina. Embora estejamos aqui com você, respeitamos sua decisão. Este lugar é sua casa, e nós estaremos ao seu lado, seja qual for o caminho que você escolher.

Eu olho para eles com gratidão, sentindo-me abençoada por ter essas pessoas incríveis ao meu redor. A casa se envolve com o calor do fogão a lenha crepitando e o som de suas vozes familiares, criando um santuário de paz em meio às incertezas.

— Eu amo tudo isso aqui. Vocês sabem que nunca quis fazer aqueles estudos fora. Foi mais por meus pais do que qualquer outra coisa. Eu jamais me desfaria desta terra — afirmo com firmeza, olhando ao redor desta cozinha que testemunhou tantas histórias de amor e perda.

Tereza se senta ao meu lado, passando gentilmente as mãos nas minhas costas, um gesto que sempre me traz conforto e segurança.

— Por ironia ou não do destino, ele te trouxe de volta para casa, minha menina. Sabemos que não era assim que queríamos, com a morte do senhor Alberto e dona Joana. Eles te amavam muito, e isso nunca mudará — diz ela com uma voz suave, tingida de nostalgia e carinho.

Assinto lentamente, sentindo um nó se formar na minha garganta ao pensar em meus pais. Suas vozes ecoam em minhas memórias, lembrando-me dos valores que me ensinaram e do amor que sempre nutriram por este lugar.

— Sim, nenhum ressentimento ficou entre nós. Eles apenas não queriam me privar do mundo lá fora, mas no meu íntimo eu sentia que era justamente aqui que tinha que fincar meus pés — confesso, deixando transparecer a profundidade do meu vínculo com esta terra.

O senhor Joaquim assente com um pequeno sorriso, seus olhos expressando a compreensão silenciosa que sempre teve em relação aos meus sentimentos mais íntimos.

Lucas, olhando para mim com um olhar sincero e preocupado, decide compartilhar uma informação que eu preferia manter oculta.

— Mas aquele engomadinho lá, pai, não vai desistir tão fácil. Ele até ameaçou a Ema — revela Lucas, com uma preocupação genuína em sua voz.

— Não foi nada disso, Lucas. Ele apenas disse que eu iria me arrepender se ficasse no caminho dele — corrijo rapidamente, tentando minimizar a gravidade da situação.

Tereza, sempre sensível às energias e intuições, reage com uma expressão que expressa preocupação. Com um leve franzir de sobrancelhas, ela comenta:

— E isso não é uma ameaça? Esse homem parece ser o presságio de algo ruim.

Respiro fundo, sentindo a tensão se acumular na atmosfera da cozinha acolhedora. Eu sei que Mark não é alguém para subestimar, mas não quero admitir a realidade sombria que suas palavras carregavam.

— Calma, pessoal. Aquele babaca não me assusta. Está tudo bem. Não se preocupem — digo com firmeza, tentando transmitir confiança apesar das minhas próprias dúvidas.

Tereza e o senhor Joaquim trocam olhares preocupados, mas decidem confiar em minha palavra. Enquanto terminamos o almoço em um silêncio tenso, o som da chuva lá fora parece ecoar o turbilhão de emoções que estão dentro de mim.

A tarde se desenrola lentamente, mas a sombra de Mark permanece pairando sobre nós, lembrando-me da batalha que ainda está por vir.

Para mais, baixe o APP de MangaToon!

novel PDF download
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!