...EMMA...
A última coisa da qual me lembro são das risadas ameaçadoras ecoando por toda parte, quando os rostos embaçados perdiam suas formas. Meus joelhos, já trêmulos, bateram contra a grama molhada, enquanto eu tentava compreender o que estavam fazendo comigo.
Me vi jogada ao chão num baque forte, com o que parecia ser uma tonelada de tijolos batendo sobre mim, colidindo com o meu rosto. Em nenhum momento eu tentei me levantar, apenas fiquei lá enquanto as gotas de chuva substituíram minhas lágrimas.
- Shhh, eu acho que alguém está vindo. Vamos sair daqui.
Permanecendo deitada em rendição, percebi que os passos e as gargalhadas à minha volta desapareceram. Meus olhos permaneceram fechados enquanto soltava soluços baixinho apenas para mim mesma.
Tentei me mexer depois de um bom tempo, estremecendo de dor, que irradiava do meu corpo inteiro. Não vou negar que uma parte de mim desejou morrer ali mesmo no campo da escola. Mas o destino tinha algo “maior” reservado para mim: só de pensar em ir para casa gerou um arrepio por toda a minha espinha.
Muitos veem sua casa como seu porto seguro, um lugar tal como um santuário silencioso, um lugar que nos oferece proteção. Mas não a minha. “Inferno” era como eu gostava de chamá-la, ficava apenas a algumas quadras de distância da escola onde eu estudava.
Preferia enfrentar o abuso que sofria na escola todos os dias do que enfrentar o que geralmente me esperava em casa. Ao chegar em frente aos altos portões pretos, eu congelei, me desafiando a virar e fugir.
Respirando fundo, tentando encontrar um jeito de prosseguir, cheguei às portas grandes de madeira, pensando em qual seria o meu castigo por ter chegado mais tarde, principalmente, no estado em que estava.
Entrei o mais silenciosamente possível, mas meu coração parou quando duas mãos agarraram os meus ombros.
Puta que o pariu...
Para meu alivio, quem estava diante de mim era nossa criada, Henriqueta. Ela era a coisa mais próxima que eu tinha da figura materna. Ela foi a única que teve pena de mim, que cuidava quando era espancada e trazia comida quando me deixavam de castigo e com fome.
Não sei muito o que é o amor, afinal, nunca o experimentei, mas sabia que a amava e tinha muita gratidão por tudo o que ela fazia por mim.
- Misericórdia, menina. O que houve com você?
Henriqueta gritou num sussurro para que apenas eu conseguisse escutar, arregalando os seus olhos e examinando meu rosto todo machucado.
Antes de tomar minhas mãos na dela, olhou em volta para ver se estávamos sozinhas, e me arrastou para a cozinha. O calor do seu toque acalmou meu tremor e eu estremeci quando ela pressionou gelo frio nos hematomas do meu olho.
- Foram aquelas meninas da escola de novo? - ela perguntou, enquanto balançava a cabeça numa tremenda descrença. - Quantas vezes tenho que te dizer para não cruzar o caminho delas ou de simplesmente fugir quando as avistar?
Dando a Henriqueta um sorriso que não chegou nem um pouco aos meus olhos, pensei sobre sua pergunta e respondi:
- Fugir de quem: daquelas meninas ou da minha família?
Seus olhos se arregalaram com a minha resposta e ela colocou suas mãos gentis em minhas bochechas enquanto falava:
- Emma, sabemos que sua vida é injusta, mas essas são as cartas que você recebeu. Aceite-as e mude seu próprio destino. Eu vejo em você a força da sua mãe.
De repente os olhos de Henriqueta se voltaram para a porta da cozinha e nossa conversa foi interrompida quando os passos se aproximavam, sinalizando que não estávamos mais sozinhas.
- Onde você esteve, Emma? - minha madrasta riu com desdém. Sofia, tinha um nariz pontudo e seu cabelo loiro sempre estava preso num coque elegante. -Você perdeu o jantar. Não pense que a empregada vai te dar algo.
Seus olhos azuis se voltaram para Henriqueta, enviando-lhe um aviso silencioso, porém mortal. Minha madrasta nem se preocupou em questionar meu estado ou perguntar se eu estava bem. Isso não mais me surpreendia.
Fui mandada para o meu quarto, o que me deixava feliz. Pela forma que Sofia estava vestida, indicava que havia recebido convidados em casa, o que me salvou de ser punida naquela noite.
Fui direto para o banheiro me lavar. Meu corpo ainda doía da surra que recebi. Enquanto permanecia embaixo da água morna que aquecia meu corpo frio, pensei no início daquele dia e por que tudo terminou de forma tão dura.
Eu nem lembro direito do que aconteceu, devo ter entrado num devaneio enquanto estava na biblioteca e acabei encarando o Christopher, o que deixou sua namorada bastante incomodada.
Eu geralmente ficava sozinha na escola. Evitava contato visual com qualquer pessoa. Enquanto minha meia-irmã, Paola, era a garota mais popular da escola e falava mal de mim para todos os seus amigos que, então, tomaram para si a tarefa de tornar minha vida um inferno.
Assim que saí do banho e deitei na cama, ouvi uma batida rápida à porta e recuei com o barulho repentino, que me tirou dos meus devaneios. Henriqueta entrou rapidamente, segurando um pequeno prato.
Meus lábios se levantaram num sorriso, quando ela colocou o prato sobre a minha cama, revelando algumas sobras do jantar. Ela me observou comer a refeição deliciosa com seus olhos tentando esconder a sua pena.
Henriqueta tinha como costume deitar comigo, me abraçar e contar histórias da minha mãe até que eu conseguisse adormecer.
Muitas vezes me pergunto se meu pai apenas se casou com minha mãe pelo fato de ela vir de uma família muito rica. Meu avô era um empresário muito bem sucedido e uma imagem do rosto ganancioso do meu pai, passou pela minha mente.
Pelas histórias que Henriqueta me conta, minha mãe era gentil e linda; que ela comprava vestidinhos e os guardava logo depois de se casar com o meu pai. Era seu sonho ter uma menina. Mal sabia ela que não viveria para ver ou realizar o seu sonho.
Jamais ela poderia sonhar que morreria nas mãos de seu sonho: eu matei a minha mãe. E, nem mesmo após três semanas da morte da minha mãe, meu pai se casou novamente com sua prima distante que era viúva, minha tia e, agora, minha madrasta: Sofia.
Ela tinha um filho de seu casamento anterior. Meu primo, Gabriel. E, um ano depois de se casar com meu pai, deu à luz uma menina, Paola. Henriqueta me disse que tudo mudou para pior depois da morte da minha mãe.
Estava tão cansada que nem me lembro de ter adormecido. Apesar da presença de Henriqueta, eu sabia que meu sono tranquilo não duraria por muito tempo. Os pesadelos sempre me encontravam, de um jeito ou de outro.
Estava fugindo da escuridão à minha volta em direção ao rosto da minha mãe, o qual estava envolto de uma névoa negra, transformando-a em algo sinistro.
Meus olhos se abriram para a escuridão do meu quarto, porém eu não conseguia me mexer ou falar. Grande parte das surras que eu recebia do meu pai, acordavam todo mundo no meio da noite com meus gritos estridentes.
Garota idiota. Você deveria ter morrido junto da sua mãe.
Era que ele falava enquanto me batia, seus olhos cheios de fúria. Eu estava acostumada com isso. Essa era a minha vida.
...****
...
Num belo final de tarde, eu estava vagando pela cozinha. Peguei uma garrafa de água e meu coração parou quando fechei a porta da geladeira. Parado na minha frente estava meu primo, Gabriel, em sua vestimenta preta, com olhos curiosos examinando meu rosto.
Ele estava parado perto de mim. Muito perto.
- Gabriel, você me assustou. – soltei, com a voz meio trêmula e insegura. Alguma coisa nele sempre me incomodava. Deve ser porque eu frequentemente o pegava olhando para meus peitos ou para minha bunda.
Ele tinha começado a ficar um pouco musculoso e seu cabelo loiro ela longo e frequentemente penteado para trás no melhor estilo Clark Kent. Seus olhos azuis sempre eram misteriosos demais pra mim, a ponto de eu nunca conseguir decifrar o que se passava em sua mente.
- Sou só eu, Emma.
Tentei responder casualmente, mas ele deu um passo se aproximando e pegando uma mecha do meu cabelo e levando-a até seu nariz. Minha respiração parou com o seu gesto e meus olhos se arregalaram.
- Que merda é essa...?
Meu grito saiu abafado quando sua mão tapou a minha boca.
- Shhh. Não faça isso. Não aja como se você não me quisesse. Eu sei como você olha pra mim, Emma. Você quer que eu te toque.
Meus olhos arregalados absorviam e premeditavam o que ele estava prestes a fazer comigo. Isso só poderia ser uma brincadeira doentia. Ele lambeu os lábios, observando o medo crescer ainda mais em mim.
Observei enquanto ele retirava a garrafa de água da minha mão e a esfregou no meu peito, observando com seus olhos assustadores como meus seios reagiriam à sensação. Fechei meus olhos e minhas lágrimas derramaram sobre sua mão, que ainda me mantinha calada.
Gabriel pressionou meu corpo junto ao dele, para que eu pudesse sentir sua ereção crescente. Fechei meus olhos e congelei, assim como um cervo diante dos faróis de um carro.
Depois daquele dia, Gabriel também passou a visitar meus pesadelos. Eu sabia que em algum momento ele viria atrás de mim e nada mais seria o mesmo depois disso.
...EMMA...
ALGUNS ANOS DEPOIS
Assim que a luz do sol atingiu meu rosto, meus olhos se abriram. Estava agradecida por meus pesadelos não terem acordado ninguém durante a noite passada.
Tomei um banho, escovei meus cabelos castanhos chocolate e desci os degraus em espiral. Não demorou muito pra que eu ouvisse meu pai conversando com minha madrasta, de forma bastante acalorada.
- Considere isso, Sofia. Os Carrero são poderosos. E, com a ajuda deles, poderemos ser tão poderosos quanto.
Os Carrero? Já tinha ouvido falar nesse nome antes, tenho certeza, eles eram os mais falados no país por causa do seu poder e status.
- Eu preferia que a Paola se casasse com alguém daquela família, do que com alguém de sua prole horrorosa. - choramingou Sofia.
- Eles pediram por ela, Sofia! Você não consegue entender? O próprio Richard Carrero me viu em um dos eventos de caridade. Ele mesmo me chamou. - meu pai ficava a cada palavra mais desesperado, mas seu tom ainda era severo.
- Ela não é boa o suficiente para se casar com o filho deles, Charles. Ela vai nos envergonhar, zombar o nosso nome.
Eu podia ouvir os saltos de Sofia cravando nas tábuas do chão enquanto ela andava pra lá e pra cá.
- Sofia, pense em nosso status. Com os Carrero como aliados, seremos uma das famílias mais respeitadas do país. As pessoas cairão aos nossos pés, meu amor.
- O que você está fazendo aí parada? - eu dei um sobressalto com a voz estridente de Paola enquanto ela cutucava minhas costas. Seu cabelo loiro estava preso num rabo de cavalo frouxo, fazendo com que suas maçãs do rosto ficassem ainda mais esticadas. - Estava bisbilhotando, né? - ela cruzou os braços sobre o peito e olhou pra mim, fazendo com que eu baixasse meu olhar para o chão.
- Parece que papai vai casar você. Boa viagem! - uma de suas sobrancelhas se ergueu ligeiramente quando ela me deu um sorriso cruel.
- Há-há-há! Ninguém em sã consciência ficaria feliz em se casar com você. Na verdade, eu sinto muito pelo cara, ele provavelmente deve ser um velho sem dentes e com a cara toda enrugada. Na verdade, eu espero mesmo é que ele bata em você, - sua risada, no final, foi maldosa.
Fiquei incrédula em ver como alguém poderia ser tão cruel. Só queria entender a razão de eles me odiarem tanto. Henriqueta me dizia que Paola tinha inveja de mim, mas eu jamais pude acreditar nisso. Paola era muito atraente: era loira e tinha olhos azuis. Todos que eu conhecia, a admirava, e cada cara queria estar com ela. Embora fossemos meias-irmãs, não nos parecíamos em nada.
Ela me empurrou para o lado enquanto se juntava aos seus pais na sala. Me juntei à Henriqueta na cozinha, ajudando-a a preparar o café da manhã. Qualquer pensamento sobre ser forçada a me casar, há muito tempo havia deixado minha mente enquanto conversávamos e ríamos entre nós.
Henriqueta sempre me fez sentir como se pertencesse a este lugar. Eu era apegada a ela e não acho que poderia ter sobrevivido nem mesmo um dia nesta casa sem ela por perto.
- EMMA! – meu pai invadiu a cozinha, fazendo com que eu derrubasse um prato que estava na minha mão. – Sua mãe e eu precisamos falar com você.
Quase engasguei com o fato de ele ter chamado Sofia de minha mãe.
Ele virou de costas e saiu, murmurando algo baixinho, que eu não consegui compreender muito bem. Eu dei um encolher de ombros nervoso para Henriqueta antes de sair atrás dele.
Quatro pares de olhos estavam fixos em cada movimento que eu fazia, enquanto me sentava no sofá da sala: meu pai ficou com a mão encostada na lareira; Sofia sentou-se no sofá à minha frente; Gabriel ficou parado na porta com um olhar frio e Paola sorriu afetadamente no canto da janela.
- Você vai se casar em seis semanas, - meu pai declarou inexpressivamente.
O quê? Que diabos? Meus olhos se arregalaram enquanto minha boca se abriu em choque. Em nenhum momento ele cogitou saber se era isso que eu queria para a minha vida?
- Mas pai, eu só tenho vinte e um anos. Esta dificilmente é a idade...
- Você vai se casar, Emma, e ponto final. – Interrompeu ele.
Eu sabia que, se ele falou de novo, era porque iria acabar comigo sendo punida. Franzi minha testa enquanto minha madrasta se levantou e apontou o dedo na minha direção.
- Você não será nada além de uma geradora de filhos pra eles, - disse ela, com seus olhos olhando para cima e para baixo no meu corpo, como se eu fosse uma imundície.
Como ela pode me odiar tanto? Posso não ser sua filha de sangue, mas ainda era sua sobrinha.
Quem teria concordado em se casar comigo, sem nem mesmo me conhecer? Eu ouvi claramente meu pai afirmar que Richard Carrero tinha me pedido, mas por que ele não deixaria essa decisão para seu filho?
- Olhem, ela está sonhando acordada de novo, há-há-há, - a voz estridente de Paola gargalhou no canto.
- Chega, - avisou meu pai, enxugando o sorriso presunçoso no rosto da minha meia-irmã. Ele se virou pra mim com um olhar gelado. – Você vai manter o nome “Wilson” lá em cima, Emma. Você só vai falar coisa boa de nós. Não pense que ainda não seremos capazes de puni-la se você nos envergonhar de alguma forma. Seis semanas, Emma, e você vai se casar com Roman Carrero.
Paola ficou boquiaberta quando meu pai mencionou o nome do meu futuro marido. Era como se ela quisesse dizer algo, mas estivesse se segurando. Ela apenas olhou para sua mãe com os olhos suplicantes antes de correr para fora da sala, num acesso de raiva.
Voltei para a cozinha, sentindo minhas pernas tremendo a cada passo. Vou me casar! E com um cara que eu nunca vi na minha vida. Enxuguei as lágrimas e tentei acalmar meus soluços.
...****...
Com o passar dos dias, notei que as surras haviam parado. Só poderia presumir que o motivo seria por eu estar sendo inserida na sociedade e as pessoas falariam se eu aparecesse coberta de hematomas.
O fato de eu ter parado de apanhar, fizeram com que as agressões verbais ficassem ainda mais cruéis com os insultos que eu recebia diariamente. Muitas vezes me peguei pensando em como meu marido seria. Os pesadelos me encontrariam?
Eu estava correndo da escuridão em um vestido de noiva e mãos desconhecidas levantariam meu véu apenas para ver o sorriso ameaçador de Gabriel.
Eu acordava em uma piscina de suor, clamando a qualquer entidade superior que viesse me salvar. Henriqueta me distraía às vezes. Passeávamos pelos jardins e conversávamos sobre muitas coisas.
- Você é linda e gentil como sua mãe. Você tem que acreditar em si mesma, Emma, - ela me encorajava, levantava meu ânimo e beijava a minha testa.
Seu amor maternal era o meu combustível para continuar e foi isso que me manteve tão forte quanto eu poderia ser.
...EMMA...
Ao longo dos anos, meu corpo mudou. Eu notava mais pessoas me olhando boquiabertas em eventos sociais. Eu tinha me tornado curvilínea em todos os lugares certos. Mesmo ao final da faculdade, alguns caras me convidaram para sair, mas eu sempre fui muito tímida para responder.
Minhas mechas onduladas cor de chocolate cresceram, quase alcançando minha cintura e eu era muito grata por ter puxado minha mãe nessa área.
Com o passar das semanas, lentamente comecei a aceitar meu destino. Afinal, eu nunca fui capaz de fazer uma escolha por mim mesma ao longo de todos os anos da minha vida até aqui, então porque eu esperaria que fosse diferente com meu casamento?
Eu só podia presumir que era assim que funcionava para as famílias de classe alta: cheios de ganância, assim como o meu pai. Dinheiro, status e poder eram tudo o que importava e nada mais.
Eu só estava grata por meu pai ter parado de me bater. Tive uma pequena sensação de liberdade naqueles poucos dias antes da noite terrível que me mudou para sempre.
...****...
No fim de semana eu tinha a casa só pra mim. Todo mundo estava fora e eu adorei. Sofia e meu pai estavam visitando a família e Paola estava numa viagem de garotas.
Felizmente, Gabriel trabalhava no exterior durante a maior parte do ano, mas sempre que ele estava em casa eu o evitada a todo custo, trancando a porta do meu quarto, especialmente à noite.
Nem me lembrava do quanto era bom relaxar no sofá, curtindo a paz que enchia a casa com a ausência de todos. Henriqueta ficou comigo durante a maior parte da noite. Conversamos e assistimos alguns filmes.
Eu estava exausta, mas satisfeita com o quão lindo havia sido meu dia. Era maravilhoso não precisar estar alerta o tempo todo.
Deitei na cama, olhando em silêncio para o teto escuro. Meus pensamentos antes de cair no sono sempre me levavam a uma pessoa: Roman Carrero. Pelos poucos boatos que escutei, percebi que ele era meio playboy, mas não poderia julgá-lo antes de conhece-lo.
Como ele seria?
- Roman, - sussurrei suavemente seu nome na escuridão do meu quarto. Parecia tão estranho pra mim. Este homem seria meu marido em menos de duas semanas e eu nem o tinha conhecido ainda. Não saberia nem distingui-lo nas ruas, se o visse.
...****...
- Emma? – um arrepio gelado percorrei meus ossos ao som do meu nome. Meus olhos se abriram e, para meu horror, Gabriel estava ao lado da minha cama, pairando sobre mim. O fedor de álcool impregnou o ar antes mesmo de eu ver a garrafa de uísque em sua mão.
- Gabriel, o que você..., - minha respiração cessou quando Gabriel pressionou a garrafa contra minha boca e seus lábios se curvaram em um sorriso malicioso.
- Por favor, - eu implorei com soluços incontroláveis e, então, perdi a consciência.
Algum tempo depois, ouvi a voz de outro homem, antes que ele colocasse a cabeça pela porta entreaberta.
- Gabriel, onde você está?
Eu o reconheci como amigo do Gabriel, Troy, antes que a névoa me envolvesse novamente. Eu não tinha certeza de quanto tempo havia passado até que ouvi outra voz familiar uivando em pânico.
- Meu Deus! Afaste-se dela! - Foi só quando Henriqueta jogou seu corpo sobre o meu que consegui sair da minha paralisia. – Deixe-a em paz de uma vez, - ela gritou freneticamente. Eu nunca soube que sua voz poderia soar do jeito que soou naquela noite.
- Sai daqui sua bruxa, - Troy cuspiu, empurrando-a para longe. Henriqueta tentou empurrá-lo e chegar até mim, com seus gritos perturbados perfurando minha alma.
Os olhos de Gabriel estavam cheios de fúria.
- Livre-se dela antes que os outros ouçam.
Observei Troy arrastando o corpo frágil de Henriqueta para fora da sala pelos cabelos. Gabriel o seguiu, batendo a porta do meu quarto. Os gritos e choros de Henriqueta pararam quando ouvi seu corpo frágil bater no chão do lado de fora da minha porta.
Eu empurrei, chutei e arranhei a porta trancada, tentando chegar até ela, não reconhecendo minha própria voz enquanto ela rugia de dor.
HENRIQUETA!
...****...
Meu corpo derrotado estava em posição fetal no chão e minhas lágrimas secaram em meu rosto inchado e cheio de sujeira. O sol brilhou por uma fresta na cortina, fazendo meus olhos doerem. Senti todo meu corpo estremecer quando a porta se abriu e meu pai entrou.
- O que... O que diabos está acontecendo? – seus olhos turvos sem emoção encontraram os meus.
- Henri... Cadê a Henriqueta? – eu resmunguei, estremecendo de dor enquanto tentava levantar minha cabeça. Meu pai franziu a testa enquanto olhava para a carnificina que era meu quarto, uma bagunça trágica espalhada ao nosso redor.
- Ela se foi. Saiu esta manhã, - ele não olhou para mim ao dizer isso.
- Não. Não. Gabriel a machucou, ele atacou...
- Chega, Emma! – ele passou a mão pelo cabelo grisalho. – Esses seus pesadelos estúpidos só estão piorando. Você precisa sair dessa e crescer. – Ele balançou a cabeça em descrença, com decepção enchendo seu olhar.
- Pai..., - eu sussurrei, tentando implorar ao seu coração, se ele tivesse um.
Ele me olhou e, por um mísero momento, seus olhos se suavizaram antes de ficarem frios novamente ao som da voz da minha madrasta.
- Charles, se apresse, eles estarão aqui a qualquer momen..., - ela congelou ao ver meu quarto e então lançou um olhar na minha direção. Minha madrasta deu um passo atrás e beliscou a ponta do nariz. – É ela quem você quer se casar com os Carrero, Charles?
- Pai, Gabriel me atacou ontem à noite, - as palavras saíram da minha boca. Os olhos de minha madrasta escureceram de raiva enquanto ela bloqueava minha visão do meu pai.
- Gabriel só chegou em casa dez minutos atrás, sua vadia mentirosa. Como ousa acusar meu filho de te atacar? – Ela soltou um suspiro afiado. – Não se iluda, Emma, meu filho não tocaria em um fio de cabelo seu. Dê a ela uma lição por mentir, Charles. Eu não me importo mais com o que as pessoas pensam, - seus olhos injetados de sangue me perfuraram enquanto ela andava pela sala.
A confusão começou quando meu pai saiu sem colocar a mão em mim. Duas criadas entraram correndo e ajudaram-me a levantar, uma ligou o chuveiro enquanto a outra me ajudou a tirar a roupa. As criadas nunca haviam me ajudado antes, era apenas a Henriqueta.
- Henriqueta está bem, - a empregada mais jovem sussurrou primeiro e meus olhos dispararam para estudar seu rosto enquanto suas palavras traziam lágrimas aos meus olhos. – Ela se foi, partiu esta manhã sem uma palavra.
Minhas lágrimas caíram incontrolavelmente quando imaginei minha linda Henriqueta saindo das paredes altas e escuras desta casa. Não fazia nenhum sentido o que estavam me dizendo. Meu estômago torceu em nós com o pensamento.
- Ela vai ficar bem, Emma, - a empregada mais velha sussurrou enquanto gesticulava para que eu entrasse no chuveiro.
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