A noite avança, já são quase meia-noite e meu sono foge de mim. Meu quarto está totalmente no escuro, assim como meus próprios pensamentos.
O volume máximo dos fones de ouvido estoura meus tímpanos, numa tentativa desesperada de abafar os ruídos que ecoam do quarto ao lado.
A escolha da música foi um terrível equívoco, apenas acentuando meu sofrimento. Pulo para a próxima faixa, que é ainda mais deprimente. Que belo feito, montei uma playlist para trilhar os caminhos da minha angústia. Realmente, devo ser uma grande idiota.
Removo os fones e atiro o celular em um canto da cama, caminhando apressadamente até a sacada do meu quarto. Fecho a porta e permito-me respirar a brisa noturna. A cidade se ilumina com as luzes dos postes, e ao longe, latidos de cachorro alcançam meus ouvidos.
Meus olhos se voltam para o céu, onde a lua cheia captura minha atenção. Ela está belíssima, maravilhosa e perfeita. Oferece a todos um espetáculo encantador.
As estrelas, a lua, o céu me acalmam, mesmo com todo o caos, todas as dúvidas, medos, receios e arrependimentos. Ainda assim, consigo ter um breve momento de paz.
Sorrio diante dessa imagem radiante. Funciona como válvula de escape, é como se desse para escapar, pelo menos por um momento, da minha tosca realidade.
Levo as mãos ao rosto, meus dedos escorregam pela testa, pressionando as têmporas, tentando conter uma dor crescente.
Meus olhos cansados e ardendo se fecharam sob a pressão das minhas palmas. Um suspiro profundo escapou dos meus lábios, carregado de uma mistura de exaustão e frustração. Enquanto me sinto vazia e perdida.
Volto para o quarto e agradeço aos céus pelo silêncio que enfim se instala. Ninguém merece ouvir o irmão mais velho em seus momentos íntimos.
Deito na cama com uma esperança tênue de que finalmente vou conseguir dormir, mas, quando fecho os olhos, meu estômago ronca em protesto.
Deixando claro que eu não deveria ter recusado o jantar. Afinal, que mal teria em jantar com eles?
Claro, jantar com meu irmão, enquanto ele e sua namorada trocam beijos furtivos como um casal apaixonado, compartilhando confidências e carícias. Certamente, isso não seria uma boa ideia.
Primeiro, provavelmente teria uma indigestão. E, em segundo lugar, seria uma tortura. Sim, eu sei, nunca é uma boa ideia se apaixonar por alguém que já tem alguém.
E é uma ideia ainda pior se apaixonar pela namorada do seu irmão mais velho.
Falando assim, posso parecer uma pessoa terrível, sem escrúpulos, uma canalha. Afinal, quem em sã consciência nutriria sentimentos por alguém que jamais corresponderá a eles?
Em minha defesa, me apaixonei por Júlia antes mesmo de ela conhecer Ricardo. Na verdade, Ricardo só a conheceu porque essa idiota aqui os apresentou.
Sou apaixonada por Júlia desde o 9º ano. Ela era nova na escola, tinha acabado de se mudar. Nos esbarramos no corredor. Eu, como sempre, estava atrasada, pois minha relação com o despertador não é das melhores. Enfim, eu estava correndo pelo corredor, mesmo sabendo que não deveria. Acabei colidindo com uma garota ruiva, de olhos verdes e algumas sardas no rosto. O impacto foi suficiente para nos derrubar no chão.
A garota me xingou muito, mas a única coisa que prestei atenção foi que, mesmo após a queda, seus cachos ruivos se mantiveram perfeitamente moldados. E, mais do que isso, seus lábios pareciam incrivelmente convidativos.
Enquanto ela me xingava, tudo o que eu pensava era em como seria bom beijá-los. Quando ela finalmente parou de me xingar, me ofereci para ajudá-la a encontrar sua sala.
Curiosamente, era a mesma que a minha. Para evitar uma bronca da professora, inventei que estava mostrando o colégio para a novata, a pedido da coordenadora. A garota me lançou um olhar furioso e, durante o intervalo, apareceu na minha frente e me fez passar todo o recreio mostrando o colégio para ela. Naquela época, ainda não sabia como lidar com meus sentimentos, estava na fase de autodescoberta.
Pensei que aquele friozinho na barriga fosse apenas nervosismo, mas, quanto mais o tempo passava, mais esse sentimento me apavorava. No segundo ano, planejei minha incrível festa de aniversário, que seria o momento perfeito para me declarar para Júlia.
Porém, durante a festa, ela desapareceu e, como a idiota que sou, decidi procurá-la. A encontrei no corredor, bem em frente ao meu quarto, aos beijos com meu irmão. Foi a primeira vez que chorei por causa deles, mas definitivamente não seria a última.
Balanço a cabeça, afastando essas dolorosas lembranças, e desço até a cozinha. Já estava de madrugada e a cozinha estava imersa em uma quietude quase reconfortante. Acendo apenas a lâmpada da cozinha, abro a geladeira em busca de algo rápido para preparar. Por sorte, encontrei diversos ingredientes que posso usar no meu sanduíche. Pego tudo o que preciso, além de uma latinha de cerveja.
Aquele silêncio reconfortante foi quebrado apenas pelo som suave da cerveja sendo aberta e o sutil farfalhar dos ingredientes enquanto eu preparava meu sanduíche.
Meus movimentos eram quase mecânicos, numa tentativa de acalmar aquela inquietação que habitava meu peito. Cada passo e cada gesto tinham um propósito, uma rotina que ajudava a manter os pensamentos sombrios à distância.
Enquanto estava finalizando meu sanduíche, a luz do corredor se acende e ouço passos e risadas se aproximando. Meu coração dispara instantaneamente. Os sons ficam cada vez mais próximos, reconheço instantaneamente a voz do meu irmão, e a voz melodiosa da namorada dele, Júlia.
Minhas mãos, antes firmes, agora tremem levemente, e uma leve sensação de desconforto em meu estômago me deixa em alerta. Reviro os olhos e tomo um gole generoso da cerveja, que desce queimando minha garganta. Uma sensação de calor sobe pelo meu pescoço até as bochechas, misturando-se ao frio do medo que aperta meu estômago.
Respiro fundo, tentando manter a calma, mas é impossível ignorar a mistura de nervosismo e receio que se instala em mim. Olho para a porta da cozinha, meu corpo tenso, esperando que eles passem direto. Mas os passos diminuem o ritmo e a sombra das figuras se aproxima cada vez mais.
Minha mente se divide entre o desejo secreto e a culpa esmagadora. Sei que meu irmão é apaixonado por Júlia, e o pensamento de nutrir sentimentos por ela me faz me sentir pior.
Quando eles finalmente entram na cozinha, seguro a respiração e, por um momento, tudo parece parar. Júlia sorri ao me ver, aquele sorriso que sempre derretia minhas defesas e me deixava desconcertada.
Meu irmão está abraçado ao corpo da Júlia com as mãos em volta da cintura dela de forma possessiva. Meu irmão está vestindo apenas uma calça de moletom, sem camisa, exibindo seu corpo atlético. A blusa que, imagino, compor seu conjunto está no corpo da ruiva, que o abraça. A blusa parece um vestido, de tão comprida que está em seu corpo. Tenho certeza de que uma das minhas blusas se encaixaria bem melhor no corpo dela. Engulo em seco e balanço a cabeça levemente, tentando afastar aqueles malditos pensamentos.
Tento focar no sanduíche, mas meus dedos ficam desajeitados, deixando cair uma fatia de queijo no chão.
Graças ao meu descuido, tenho dois pares de olhos me encarando de forma curiosa, o que faz minhas bochechas esquentarem imediatamente. Abaixo a cabeça e seguro a latinha de cerveja.
Dou mais um gole na cerveja e tento encontrar um ponto de equilíbrio.
— Você não deveria beber tanto assim. Nesse ritmo você vai acabar se tornando uma alcoólatra — Ricardo falou, e eu respiro profundamente.
Que bom , assim terei uma desculpa para as minhas decisões ruins.
Pensei, mas não tive coragem de expressar os meus pensamentos em voz alta.
— Ric, tem mais cerveja na geladeira. Se você quiser, é só pedir — falei, mordendo meu sanduíche.
— Eu dispenso a cerveja, mas, se você puder fazer um sanduíche pra mim e outro pra Júlia, agradeço. Estou cheio de fome — Ricardo falou, sorrindo de forma cúmplice para a ruiva, que abaixou a cabeça e mordeu os lábios inferiores. Não sei dizer se ela estava envergonhada ou se estava se lembrando do que aconteceu naquele maldito quarto.
— Não se preocupe, Bianca. Eu faço o nosso sanduíche — Júlia falou, se afastando do meu irmão e se aproximando da bancada onde eu estava.
Enquanto ela se aproximava de mim para pegar os ingredientes, pude sentir o cheiro do aroma pós-banho e me segurei o máximo possível para não olhar pra ela. Foquei o olhar no meu irmão, enquanto ele mexia distraidamente no celular.
— Vou ver se tá passando algo de bom na TV. Quando o sanduíche estiver pronto, me chama, por favor — Ricardo disse, e Júlia concordou, meneando a cabeça.
Ricardo deu a volta na bancada e se aproximou de Júlia com aquele sorriso de sempre. Meus olhos, quase contra a minha vontade, se voltaram para eles, acompanhando cada movimento.
Ele envolveu Júlia em um abraço que parecia tão natural e aconchegante. Meu coração apertou, e uma sensação de vazio tomou conta do meu peito. Antes que pudesse desviar o olhar, vi Ricardo se inclinar para frente e, em um gesto que parecia ensaiado e perfeito, beijar Júlia.
O beijo foi lento e cheio de ternura. Meus dedos, apertando a borda da bancada, ficaram brancos de tanto esforço. Era como se todo o ar tivesse sido sugado da sala.
A cena era uma tortura, um lembrete cruel do que eu jamais poderia ter. Cada segundo daquele beijo parecia um golpe direto e certeiro ao meu coração.
Aquela cena me fazia sentir invisível, uma mera espectadora de um mundo, de uma felicidade que nunca seria minha.
A culpa se misturava à frustração, criando um nó de emoções indigestas. Sabia que não deveria sentir isso, mas o ciúme queimava como ácido.
Queria sair correndo dali, mas meus pés estavam plantados no chão. Tudo o que consegui fazer foi respirar profundamente, tentando manter a fachada intacta enquanto meu mundo desmoronava.
Quando eles se separaram, Júlia lançou um olhar carinhoso para Ricardo e, depois, casualmente, para mim.
Meu sorriso forçado doía mais do que qualquer outra coisa.
Agradeci internamente quando meu irmão finalmente se afastou de Júlia e, quando ele passou por mim, deixou um leve aperto em meu ombro e um sorriso gentil. Isso foi o suficiente para me deixar péssima.
A que ponto eu cheguei!
Ele saiu da cozinha, e meu olhar acompanhou cada movimento dele até ele sumir pelo corredor.
— Tá tudo bem? — Júlia questionou, colocando a mão esquerda levemente sobre meu braço. A mão dela estava gelada, e isso fez com que eu sentisse um arrepio suave.
Abaixei meu olhar, olhando para onde a mão dela estava, e ela também acompanhou meu movimento. Quando percebeu para onde eu olhava, rapidamente tirou a mão do meu braço de um jeito apressado. Ela levou as mãos ao cabelo, ajeitando algumas mechas. Ela parecia envergonhada.
— Tá tudo ótimo — respondi sem muito bom humor e ergui a latinha de cerveja na intenção de beber mais um pouco, mas Júlia tomou a cerveja da minha mão e, por um breve momento, nossos dedos se tocaram. Eu permiti que ela pegasse minha cerveja.
— Ah, Júlia... — protestei, mas me calei quando ela levou a latinha até os lábios entreabertos e bebeu um pouco da cerveja.
— Obrigada — disse, devolvendo a latinha, que, a essas alturas, estava praticamente vazia. — Eu estava com sede — acrescentou e piscou para mim, me oferecendo um breve sorriso.
Bebi o resto da cerveja, joguei a latinha no lixo, peguei meu sanduíche e subi de volta para o meu quarto, me sentindo ainda mais idiota por coisas tão bobas quanto essas me desestabilizarem.
Acordo com o barulho insano do meu celular despertando, passo a mão pela cama tentando encontrar o maldito aparelho, abro os olhos com um pouco de dificuldade, eles estão sensíveis à claridade.
— Bianca, anda logo! Você vai se atrasar de novo. — Ricardo grita, batendo na porta.
Levanto apressada da cama, meus pés acabam enrolando nos lençóis e eu tropeço.
— Odeio as segundas-feiras — murmuro, indo em direção ao banheiro.
Tomo banho, visto uma calça jeans e a blusa de uniforme, faço uma leve maquiagem e penteio o cabelo, deixando a franja perfeitamente arrumada.
Depois de estar apresentável, pego a mochila que está jogada na cadeira ao lado da escrivaninha e desço as escadas em passos lentos.
Chego à cozinha e me deparo com uma cena típica de comercial de margarina.
Júlia está colocando um pedaço de bolo na boca de Ricardo. Depois dele comer um pedaço, ela coloca o restante na própria boca.
— Bom dia, irmãzinha — Ricardo diz, rompendo a bolha de cafonice deles.
— Fiz bolo — Júlia diz, se afastando do meu irmão. — Você quer um pedaço? — ela pergunta, oferecendo um breve sorriso.
Aproveito o momento para observá-la um pouco. Seus cabelos estão amarrados, ela veste uma calça jeans escura e a blusa branca de uniforme lhe cai muito bem.
— Não, obrigada. Vou beber só um copo de café. — falo, indo em direção à cafeteira, mas ela toma a minha frente e me serve.
Quando ela me entrega a xícara de café, nossos dedos se esbarram por um breve momento. Pego o meu café e me sento na cadeira ao lado do meu irmão, que está mexendo no celular.
— A mãe mandou mensagem. Ela disse que a vó já está melhor e, se tudo der certo, ela e o pai voltam neste fim de semana — Ricardo fala.
Meus pais precisaram ir ao hospital com a vó Lena, mãe da minha mãe. Ela escorregou, quebrou a perna e teve que ir para o hospital. Como nenhum dos meus tios que moram lá podia ficar com ela, minha mãe obviamente foi, afinal é a mãe dela, e meu pai foi junto para auxiliá-la no que fosse necessário. Ele acabou me deixando sob a responsabilidade do Ricardo.
Não que uma garota de dezessete anos precise de uma babá, e certamente Ricardo não seria a pessoa mais responsável do mundo para essa função. Penso enquanto tomo um pouco do café, que está quente e tão amargo quanto a minha vida.
— Vou levar a Júlia ao colégio e depois vou para a faculdade. Vai querer carona? — ele questiona, e enquanto tomo mais um pouco do café, pondero.
Qual é a pior escolha: ir a pé, chegar atrasada e cansada e levar outra bronca, ou suportar trinta minutos em um carro com meu irmão e a namorada dele?
— Vou com vocês — digo, levantando-me e correndo até o meu quarto para pegar o celular e o fone.
Desço já escutando a buzina do carro. Paciência nunca foi o ponto forte do Ricardo.
— Dá para andar um pouquinho mais rápido? — ele pergunta, colocando a cabeça para fora da janela do carro.
— Dá sim — respondo e continuo andando na mesma velocidade enquanto desembaraço o fone de ouvido.
Quando entro no carro, meu irmão suspira de forma frustrada e Júlia ri baixinho.
Coloco o fone de ouvido, e coloco as músicas da minha banda favorita pra tocar e fecho os olhos.
Assim que o carro para na porta do colégio, despeço-me do meu irmão e sou a primeira a descer. Passo pelo portão e caminho despreocupadamente pelos corredores, vez ou outra cumprimentando algum conhecido ou professor.
— Por que você não esperou? — Júlia me questiona.
— O quê? — pergunto, tirando os fones dos ouvidos e guardando-os na mochila.
— Eu perguntei por que você não me esperou — ela questiona, arqueando a sobrancelha e cruzando os braços.
— Você não pediu — falo, e ela revirou os olhos.
— Você já está indo para a sala? — ela questiona, e eu confirmo.
— Então eu te acompanho — ela diz caminhando, e eu sigo seus passos.
— Pensei que você tinha trocado de sala — comento.
— Eu não troquei, eles me trocaram. A partir de hoje, você não terá mais a honra de estudar na mesma sala que eu — Júlia fala fazendo charme, e eu apenas balanço a cabeça negativamente.
Se ela soubesse que eu fico aliviada por isso.
Quanto mais longe ela estiver, melhor será para minha concentração nas aulas. Vai ser bom, porque o que os olhos não veem, o coração não sente. Quem sabe assim isso que eu sinto por ela não acabe, ou ao menos diminua.
Júlia se despede de mim e vai para a sala no final do corredor. Eu entro na minha sala e me sento na quarta cadeira do canto.
Aos poucos, as carteiras vazias vão sendo ocupadas, e não demora muito para Verônica, a professora de Português, entrar na sala. É impressionante: só ela entrar e os barulhinhos cessam. Ela deve ser uma das professoras mais intimidadoras da escola.
Enquanto organiza os materiais em cima da mesa, o silêncio da sala é interrompido por batidas suaves na porta. A porta se abre lentamente, revelando uma garota tímida que adentra a sala com passos hesitantes. Seus olhos castanhos brilham de nervosismo, enquanto suas mãos movem-se de maneira inquieta, brincando com a alça da bolsa que carrega consigo.
Seu cabelo castanho está perfeitamente amarrado em um rabo de cavalo, revelando um rosto delicado e angelical, seus olhos parecendo repletos de mistérios e segredos.
— Com licença, professora — a voz suave e bonita chama a atenção, e eu ergo o meu olhar para encarar a dona da voz.
— Oi, Alice, pode entrar e se sentar em uma das carteiras vazias — a professora diz sorrindo para a garota.
Há duas coisas que me chamam a atenção: a primeira é que Verônica sorriu para a garota e, desde que eu estudo com ela, ela nunca sorriu. Ela ri de você, mas jamais sorri para você, então isso é tipo um milagre.
E a segunda coisa que me chama a atenção é que a garota está caminhando em direção à cadeira vazia na minha frente.
Vestida com uma blusa de frio preta, um pouco maior que seu tamanho, ela parece tentar se esconder dentro da peça de roupa, como se desejasse passar despercebida. A calça jeans justa que veste é coberta pela blusa, revelando apenas um vislumbre de suas curvas delicadas.
Meus olhos são irresistivelmente atraídos para garota, fascinada pela sua aura de fragilidade e mistério que a garota exala.
Enquanto a garota tímida se acomoda na cadeira à minha frente, a sala é tomada novamente por cochichos e, de repente, todos os olhares estão voltados para ela, que se encolhe na cadeira, provavelmente muito intimidada com toda essa atenção.
Ela parece estar super desconfortável, então em um momento de devaneio, acabo esticando a minha mão e tocando o ombro da garota.
Imediatamente, o corpo dela fica ainda mais tenso e rígido, ela se vira olhando para mim, e eu me sinto intimidada com a intensidade daquele olhar. Tiro a minha mão do seu ombro e murmuro um pedido de desculpas.
Sinto um alívio esmagador quando a professora exige silêncio e chama a atenção de todos, começando a explicar a matéria.
Quando a garota se vira totalmente para frente novamente. A tensão que enchia o ar começou a se dissipar. Minha respiração, antes antes presa e irregular, encontrou seu ritmo natural, permitindo- me finalmente sentir o alívio que espalhava pelo meu corpo.
Sinto os meus ombros relaxarem um pouco, solto a respiração que nem ao menos percebi que segurava.
As aulas correram normais, óbvio que o assunto mais comentado durante as aulas era essa troca de alunos. A maioria tem medo de passar para outra sala, não é que eles sejam ruins ou algo do tipo, mas é que nossa turma já está junta há muito tempo e este é o último ano, então ninguém quer ter o trabalho de se enturmar, de se acostumar com outros colegas.
Durante o intervalo, eu queria conversar com a novata, mas parece que todo mundo queria a mesma coisa, então eu apenas desisti.
Sem a presença da Júlia na sala, eu até passei a prestar mais atenção nas aulas, embora vez ou outra ela surgisse em meus pensamentos. De qualquer forma, ainda não era algo tão persistente quanto quando ela estava na mesma sala, e inevitavelmente meus olhos sempre encontravam um jeito de estarem atentos a ela.
Observando cada um de seus movimentos, às vezes ela me pegava olhando, e todas as vezes que isso acontecia, eu sentia meu coração acelerar e minhas mãos se fecharem em punho. Eu me esforçava para não parecer patética e fingir que não estava babando por ela. Ela, alheia a toda a confusão que embrulhava o meu estômago, me oferecia um breve sorriso, que, embora sem jeito, eu retribuía da melhor forma possível, ainda que às vezes parecesse forçado e desajeitado.
Já perdi as contas de quantas vezes disse a mim mesma que deveria abandonar esse sentimento, que isso não era justo nem com a Júlia, nem com o Ricardo, e principalmente comigo.
Mas nem sempre o coração escuta a lógica. Apesar do óbvio ainda estar lá, é como se existisse um pequeno grão de esperança minúsculo que se apega a cada mínimo gesto de gentileza, de cuidado e preocupação, fazendo com que acreditemos que talvez haja uma possibilidade. Ainda que ela seja mínima, tão pequena quanto um grãozinho de mostarda.
Enquanto o professor de física anda de um lado para o outro na frente do quadro, explicando de forma empolgada e gesticulando animadamente, falando com tanta convicção, eu quase me sinto mal por não estar prestando atenção na aula.
O professor então conclui a sua fala, caminha lentamente até sua mesa, deixa o pincel sobre a mesa e pega sua garrafinha d'água, bebendo um pouco.
Abaixo meu olhar para o meu caderno e encaro as folhas em branco. Então, ergo o olhar para o quadro à minha frente e é impressionante a quantidade de palavras e desenhos horrorosos que tem naquele quadro. Aprecio muito a disposição do professor Fernando em suas explicações, mas definitivamente ele não manda bem nos desenhos.
Pego minha caneta vermelha, pronta para copiar o título da matéria: "Termodinâmica e a Segunda Lei da Termodinâmica". Enquanto escrevo, o professor começa a caminhar entre as mesas, observando e comentando algo. Começo a copiar o mais rápido que consigo, mas não foi rápido o suficiente.
O professor se coloca ao lado da minha mesa, olha diretamente para o meu caderno e faz um pequeno murmúrio em sinal de desgosto.
Ergo meu olhar e ele está me encarando com uma sobrancelha arqueada e os seus olhos, por trás das lentes daquele óculos de grau, me encaram de forma inquisidora.
Ele se afasta da minha mesa, passa pela mesa da aluna nova e sorri de forma satisfeita. Depois que ele termina a sua pequena ronda, caminha até sua mesa, se escorando nela e cruza os braços. Por um momento, sinto seus olhos firmes em mim.
— Faltam alguns minutos para a aula acabar, então quero aproveitar esse momento para ver o que vocês assimilaram do conteúdo — o professor Fernando disse e sorriu. — Vou fazer as perguntas e quem souber as respostas pode levantar as mãos — ele fala e todos assentem.
— Vamos começar com uma pergunta fácil: o que é a Segunda Lei da Termodinâmica? — o professor questiona e, por um momento, sinto que ele está olhando para mim.
A sala fica em silêncio, e ao que parece ninguém quer responder. Por um momento, sinto-me aliviada por saber que não sou a única que não estava prestando atenção em nada.
Mas não demora muito para a garota à minha frente erguer a mão e todos os olhares da sala se voltarem para ela. Vejo um sorriso sincero surgir nos lábios do professor, quase como se ele estivesse agradecido.
— Pode falar, Alice — o professor se aproxima da mesa da garota e, consequentemente, também da minha.
— Bem... A Segunda Lei da Termodinâmica é um princípio fundamental da física que afirma que a entropia de um sistema isolado sempre tende a aumentar com o tempo. Ela pode ser expressa de diferentes formas, mas basicamente significa que os processos naturais tendem a levar a um aumento da desordem ou aleatoriedade do sistema — Alice fala, e como estou bem atrás dela, não consigo ver seu rosto, mas ela responde com confiança e em um tom de voz que dá para todos na sala ouvirem.
— Muito bem, Alice — o professor assente satisfeito e dá mais um passo, ficando bem ao meu lado. — Bianca, você poderia nos dar um exemplo da Segunda Lei da Termodinâmica? — ele pergunta olhando diretamente para mim.
E em um segundo, todos os olhares dos meus queridos colegas de classe estão sobre mim. Meu olhar vai de encontro ao do Cristian, meu melhor amigo, e eu praticamente imploro por ajuda, e ele simplesmente dá de ombros, mostrando que sabe tanto quanto eu.
Olho novamente para o quadro e tento me lembrar do que a tal Alice acabou de falar.
Entropia? O que raios significa isso? Me questiono enquanto olho para o quadro e, no canto superior à esquerda, está a minha resposta.
Entropia: medida da quantidade de desordem que há em um sistema.
— Acho que a minha vida seria um ótimo exemplo, professor.
— Que interessante, explique melhor — o professor pede, e a garota à minha frente se vira para mim, parecendo realmente interessada na resposta.
— Pelo que eu entendi, em qualquer processo natural, a entropia do universo ou de um sistema isolado aumenta. Isso significa que as coisas tendem a mover de um estado de ordem para um total estado de desordem, e isso se encaixa perfeitamente na minha vida.
— Acho que entendi o que você quer dizer, Bianca. Sua vida é uma bagunça completa, é isso? — o professor disse com um sorriso no rosto, provocando risadas na sala.
— Exatamente. Minha vida é como um caos em constante crescimento, sem nenhum tipo de organização. Assim como a entropia do universo aumenta, a desordem na minha vida também segue essa mesma tendência — respondi, tentando manter um tom de bom humor mesmo diante da situação constrangedora.
— E como você pretende resolver essa 'entropia' na sua vida, Bianca? — o professor Fernando questionou, parecendo genuinamente interessado na minha resposta.
— Ah, professor, acho que a melhor forma de lidar com a desordem na minha vida é simplesmente aceitá-la e tentar encontrar beleza na bagunça. Afinal, como disse Albert Einstein, "a vida é como andar de bicicleta, para manter o equilíbrio é preciso se mover". Então, enquanto eu continuar seguindo em frente, a entropia na minha vida não será um problema — respondi, tentando soar filosófica e inteligente.
A sala ficou em silêncio por alguns segundos, e então o professor Fernando sorriu e assentiu, parecendo satisfeito com a minha resposta.
— Muito bem, Bianca. Acho que podemos considerar essa uma excelente aplicação da Segunda Lei da Termodinâmica na vida real — o professor elogiou, fazendo com que um pequeno sorriso de orgulho se formasse em meu rosto.
Enquanto a aula continuava, eu me peguei pensando na ironia da situação. Quem diria que minha bagunçada vida pessoal poderia ser comparada à entropia do universo? Mas, de certa forma, isso me fez perceber que a desordem e o caos também têm sua beleza e seu propósito. Afinal, como dizem, a bagunça é só um jeito diferente de arrumar as coisas.
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