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Envolvente

Prologo

Meu olhar se detém no garoto de cabelo castanho claro e olhos

negros.

Alto, todo de preto e uma cara de quem não presta e tem orgulho

disso, além de parecer um bad-boy marrento. Ele é coberto de tatuagens

pelos braços.

Imagino que tenha mais algumas pelo corpo, mas detenho meus

pensamentos.

Meu olhar fica parado nele por tempo demais e eu sou pega no

flagra.

Heitor me mede e eu semicerro os olhos quando seu olhar encontra

o meu, e ele imita meu gesto.

— Tem cara de metida sua amiga, Jessica — comenta, o tom de voz

ISABELLA

Florianópolis, Santa Catarina.

Janeiro de 2019.

Depois de 2 anos intensamente (loucos é a palavra correta?) corridos

e exaustivos, (com certeza loucos é a palavra correta) eu estou exatamente

onde devia, queria e, acima de tudo, planejei estar: com um bom dinheiro

guardado, um carro incrível, passei no vestibular e consegui um dormitório

ótimo com a minha melhor amiga.

E me mudo amanhã para São Paulo.

Não consigo me arrepender da decisão de sair de casa e mudar de

estado. Eu vou sentir saudades de Floripa, do frio, do meu padrasto que é

como um pai pra mim, e do cabeça oca do Pedro, além da doida da Lari e

da minha tia maravilhosa. Mas eu preciso fazer isso. Preciso ir embora

daqui pra conseguir viver.

Há cinco anos, quando minha mãe se casou com meu padrasto e eu

descobri que amava escrever, achei que podia mudar tudo. Então dois anos

atrás, tomei uma decisão que iria mudar radicalmente minha vida. Planejei

com calma e consegui alcançar os meus objetivos.

Claro que eu não sou nenhuma escritora foda, tipo Stephenie Meyer

ou Becca Fitzpatrick, afinal, tem só dois anos que eu descobri essa vontade

e comecei a colocar meus pensamentos no papel. Mas, escrever não é

apenas por hobby, é por amor.

Descobri esse amor quando minha mãe se casou com Sérgio e nós

nos mudamos para o apartamento que moramos hoje. Na época, eu tinha

um blog, e publicava textos, inspirados pelos milhares de livros que sempre

li. Pedro, o filho do meu padrasto, me pegou escrevendo certa vez.

debochado. Ergo as sobrancelhas. Garoto abusado.

— Tem cara de babaca seu amigo, Jess — meu tom de voz imita o

seu e ele sorri. Reviro os olhos.

Um encontro e eu já detesto Heitor Maldonado, porque somos

completamente opostos e, ao mesmo tempo, completamente iguais.

“Poxa, Bell, acho que você daria uma escritora foda”, ele disse.

Eu ri, porque nunca me vi como uma escritora, sempre me vi

fazendo faculdade de medicina pediátrica ou jornalismo, e seguindo carreira

em uma das duas áreas. Completamente opostas, mas eu amava crianças e

escrever. Então, seria uma das duas.

Mas, quando percebi que Pedro falava sério, comecei a realmente

considerar aquilo. E foi quando saiu meu primeiro livro: “Com você,

Dominic Hurd”*. É um romance com uma pitada de drama, que eu amo!

Depois de um tempo, de milhares de leituras em um site, fui para

outro, onde pude vendê-lo. E até hoje ele é um dos mais vendidos na

categoria. Além do segundo livro que escrevi: “Escolho você, Kristof

Wood”*. Percebemos que eu amo um “você” e o nome do cara no título,

não é mesmo?!

A venda desses livros fez com que eu me tornasse uma escritora

bastante conhecida nesses sites online e como dizem “best seller”. Hoje em

dia tiro uma boa grana com eles. E foi o que me ajudou a conseguir tudo o

que queria para sair de Floripa.

Nos últimos meses, preparei tudo o que precisava para ir embora.

Comprei um carro incrível, um notebook lindo que eu namorava desde que

comecei a escrever e consegui um ótimo dormitório no campus da

faculdade.

E, para a minha sorte, minha melhor amiga vai comigo. Babi é meu

porto seguro e meu baú de segredos. Nos conhecemos há cerca de 7 anos

em um grupo online de livros e não nos desgrudamos desde então. E ter ela

comigo nesse momento está fazendo toda a diferença do mundo.

Além de Babi, eu tenho Lari, minha cunhada. Porque desde que nos

conhecemos, eu e Pedro nos consideramos como irmãos. Eles começaram a

namorar pouco antes de nossos pais se casarem. E eu não acreditava em

amor à primeira vista até aqueles dois, até eles se esbarrarem no shopping e

nunca mais saírem de perto um do outro.

Lari é a pessoa mais louca da minha vida. Mas eu sei que posso

contar com ela para absolutamente tudo, porque ela sempre esteve e sempre

estará ao meu lado. Lari é minha irmã de alma, minha parabatai.

Mas, mesmo com todo amor que eu dedico aos dois cabeças ocas,

não é o suficiente. Eles insistem que eu tenho que arrumar alguém. Mas só

porque eles se encontraram e deram certo, não quer dizer que o mesmo vai

acontecer comigo.

Eu tive minha cota de namoros que não deram certo e caras

problema, e agora tudo o que penso é no meu futuro. Ainda mais depois do

meu último namoro. Me fechei completamente depois de tudo o que passei

com Igor.

Estar sozinha nos últimos 5 anos é libertador. Eu não preciso ter um

homem ao meu lado só para dizer que sou completa, eu posso ser completa

sozinha. Até encontrar alguém que realmente vale a pena. Mas, depois da

última experiência, eu só quero focar no meu futuro.

Quando escolhi o curso de Letras, Babi gostou. Ela queria fazer

Pedagogia, mas aceitou cursar o mesmo que eu. E eu sou grata demais por

tê-la ao meu lado.

Falando nela...

“Maps” começa a tocar alto e eu me levanto da cama, pausando o

filme na televisão, para pegar meu celular na mesinha que eu costumo

trabalhar. Isso quando não estou na cama.

— Oi, linda. — Me jogo novamente no colchão, ao atender.

— E aí, meu amor. O que tá fazendo? — Babi pergunta.

— Estava assistindo Pretty Little Liars.

— De novo, garota?

Ela está revirando os olhos, certeza.

— De novo, garota — respondo, em tom de deboche, e ela ri. —

Vou contar a eles.

— Agora?

— Vou descer pra almoçar e já conto de uma vez.

— Boa sorte, amiga.

— Vou precisar — Suspiro pesado. — Eu te busco no final da tarde,

depois de me encontrar com a minha tia.

— Estarei te esperando com tudo pronto — Babi garante.

— Tá, te amo.

— Te amo, Bell.

Jogo o celular no colchão e me levanto, indo até o espelho, que é

uma porta e abre para o closet.

Meu quarto não é simples, mas também não é exagerado. As

paredes são em tons claros, a cama fica perto da porta, com uma mesinha de

cabeceira do lado esquerdo. Do lado direito fica minha mesa retangular, de

trabalho. Na frente da cama, um armário pequeno e baixo, para colocar

algumas coisas. A porta divide o quarto e do lado fica uma estante do teto

ao chão, onde estão todos os meus livros. E não são poucos. Uma poltrona

do lado da mesa e a varanda. A porta espelho abre no meio e tem o closet. E

depois do closet, o banheiro. Tudo junto, com portas dentro. Nada demais.

Meu padrasto havia deixado cada um escolher da forma que queria

quando nos mudamos. Aproveitei para ter o quarto que sempre quis. Pena

que só durou 5 anos. Vou sentir falta do meu quarto.

Me observo no espelho, enquanto prendo o cabelo em um coque

baixo. Eu tenho lá meus 1,60cm, pernas grossas e sou branquinha, mas

meio morena de pegar sol em praia. Porque Pedro e Lari amam uma praia, e

me arrastam junto, é claro. Meu cabelo está no meio das costas e é um loiro

quase escuro, e meus olhos são azuis.

Respiro fundo, fechando os olhos por um momento. Sou

perfeitamente capaz de contar que vou me mudar e enfrentar minha mãe.

Tenho 23 anos e ela não me controla mais. Eu nunca tive o mais tranquilo

dos relacionamentos com a minha mãe, por ela ser muito controladora e eu

sempre almejar liberdade. Consegui, de certa forma. Tenho duas tatuagens,

dois balões, um acima do seio esquerdo e outro na parte de trás do braço

esquerdo. São os dois momentos em que “voei” na vida. Quando tive

minha independência como escritora e agora, indo embora.

Claro que os balões não são as minhas únicas tatuagens. Com 19, já

comecei a fazer algumas que sempre quis, mas ela nunca deixou. Só que,

sendo maior de idade, ela já não podia fazer mais nada contra isso. Eu não

sou rebelde ou revoltada, mas sempre fui muito presa. Um dos motivos para

ir embora: o sufoco que sempre senti com ela tentando me controlar. Não dá

mais. Eu preciso ser livre.

Isabella

No meu último aniversário, em Setembro, fiz meus dois balões e ela

perguntou o significado, mas eu não disse. Apenas disse que era porque

gostava. Mas já era um indício de que eu estava voando, partindo.

Saio do quarto descalça mesmo, apenas com a calça legging e a

camiseta. Não está tão frio, já que é verão. Mas não estamos no litoral para

estar quente. Ainda bem. A temperatura mais amena é melhor para minha

imunidade baixa.

— Tá na hora? — Pedro pergunta, quando nos encontramos no

corredor.

Pedro é o cara mais camaleão que conheço, cada hora está com um

cabelo diferente. Agora está platinado, mas eu confesso que prefiro o ruivo

natural. Ele é um cara de sorriso fácil, gente boa, além de ser cheio de

tatuagens. É mesmo um irmão para mim.

— É, tá na hora — Suspiro, me aproximando.

— Então vamos lá.

Nós descemos juntos e encontramos nossos pais arrumando a mesa

para o almoço. Raramente conseguimos encontrar os dois em casa, ainda

mais comer juntos. Mas hoje é domingo, nenhum dos dois está trabalhando.

— Já tá na mesa — Sérgio informa, quando nos vê. Meu padrasto

deve ter menos de 1,70cm, tem cabelos escuros e olhos claros. Pareço mais

filha dele do que do meu próprio pai. Ainda bem.

Eu e Pedro nos sentamos e esperamos minha mãe nos servir, ela

adora fazer isso quando todos almoçamos juntos. Loira, 1,60cm, bronzeada

porque ama uma praia e sorrisos por onde passa. Flávia Fernandes Fonseca,

mais conhecida como minha mãe.

— É macarrão. — Ela avisa. Estou ficando nervosa. Preciso contar

logo, para eles se prepararem. Mas não tenho ideia de como fazer isso. Já

imagino como minha mãe vai reagir e só a ideia disso não me agrada em

nada.

Mas, eu preciso. Eu tenho que fazer isso. Independente se ela vai

reagir bem ou não.

— Eu tenho algo para contar — falo, assim que todos terminam de

comer. Pedro respira fundo.

— Conta, Bell — Sérgio incentiva. Mordo o lábio e olho para

Pedro. Ele balança a cabeça, incentivando-me.

Decidida, solto a bomba de uma vez:

— Eu vou me mudar.

— O quê? — Minha mãe berra. Ela realmente berra.

— Calma, Flávia... — Meu padrasto a segura pela mão quando ela

faz menção de se levantar da mesa.

— Eu vou estudar em uma faculdade fora do estado. — Explico.

Só Pedro, Lari e tia Ale sabiam disso. Além de Babi, é claro.

— Para onde você vai, Bell? — meu padrasto pergunta.

— Eu vou para Campinas, em São Paulo.

— Isso é bem longe...

— Eu preciso disso. Preciso crescer, e longe de vocês. Não posso

ficar dependente. Preciso me virar, sabe? Eu ainda sou muito dependente de

vocês em muitas coisas e preciso deixar de ser assim. Preciso da

responsabilidade de cuidar da minha vida sozinha. Eu tenho 23 anos!

— Como vai pagar por alojamento e a faculdade? — minha mãe

desafia.

Você acha que não posso? Te provo que posso.

Eu detesto que me desafiem. Detesto.

— Estou guardando dinheiro há 2 anos e ganhei uma bolsa de 75%

no vestibular. Então vou pagar pouco na faculdade, além disso o dormitório

é compartilhado. Babi paga uma parte e ainda tem mais uma menina. —

Esclareço. — Eu posso me virar.

Minha mãe fica lívida.

— Planejou nas minhas costas, Isabella?

— Não, mãe. Eu só fiz as coisas do meu jeito uma vez.

— Eu acho que vai ser bom — Pedro opina, tentando dissipar o

clima tenso que se forma.

— Eu me mudo amanhã.

Segunda bomba em menos de dois minutos. Parabéns, Isabella.

— Isabella! — Minha mãe berra.

Não, eu não vou me estressar. De jeito nenhum. Primeiro, porque

não posso. Segundo, porque ela não pode fazer nada. Terceiro, porque eu tô

zen.

— Calma, Flávia. — Meu padrasto intervém. — Podia ter nos dito

antes, Bell, para te aproveitarmos mais em casa.

— Não quis dar tempo para minha mãe inventar algo para não

permitir que eu vá — esclareço. — Me desculpa, Sérgio.

— Aposto que você sabia, não sabia, Pedro? — ela pergunta.

— Eu sabia por que apoio a Isabella, independente da decisão que

ela tome — Pedro responde. Ele não sabe segurar a língua. Pedro é muito

direto, sem falsidade ou grosseria. Só prático.

— Pedro — Sérgio alerta o filho, que balança a cabeça. — Bom,

Bell, só queria estar ciente disto antes. Mas, se isso vai ser bom para o seu

futuro, se você precisa disso, tem meu apoio completo. E no que precisar,

de dinheiro, eu tô aqui. Me deixa pagar seu dormitório, pra você poder

gastar com as outras coisas sem tantas preocupações.

— Sérgio! — minha mãe o repreende.

— Para, Flávia. Isso vai ser bom pra ela e eu quero muito ajudar. Ela

não vai mais ter todo o conforto que tem aqui, quero pelo menos que ela vá

para um dormitório bom.

— O dormitório é ótimo, Sérgio. Eu e Babi vimos fotos pela internet

e tia Ale viu pessoalmente em uma das viagens dela, há alguns meses. Ele é

realmente muito bom para nós. — Conto.

Quando Pedro me olha eu me dou conta do que falei. Merda. Merda.

Merda.

— Ah, a Barbara também sabe? E a sua tia querida também? —

minha mãe debocha. Respiro fundo. Pedro ergue as sobrancelhas e eu reviro

os olhos.

— Babi vai comigo e tia Ale me ajudou com o carro e foi lá ver o

dormitório pra gente. — Esclareço.

— Ótimo, Bell. Eu podia ter ajudado, se soubesse antes, mas me

deixa ajudar agora — Sérgio pede, deixando minha mãe ainda mais transtornada.

— Não precisa, Sérgio, de verdade.

— Eu faço questão — ele soa firme. — Me manda a conta por e￾mail todo mês que eu pago.

— Nem adianta discutir com ele — Pedro me lembra e nós dois

rimos. Lembro-me quando escolhi uma cama simples e Sérgio fez questão

de me comprar uma das melhores da loja.

— Tudo bem — concordo, porque é realmente impossível discutir

com Sérgio Fonseca. Pedro realmente teve à quem puxar na teimosia.

— Eu não acredito nisso — minha mãe resmunga.

— Por favor, Flávia, seja razoável — meu padrasto pede,

encarando-a.

O impossível acontece, ela revira os olhos e desarma.

— Certo. Que seja. Vá para São Paulo e faça sua faculdade.

Olho para Pedro e nós dois rimos, mal acreditando que ela cedeu

com apenas um olhar do meu padrasto. Normalmente são dias para ele

conseguir convencê-la de algo. Sérgio está ficando bom em controlar minha

mãe, a controladora.

Dou risada com esse pensamento no momento em que a campainha

toca.

— Deve ser a Lari — Pedro fala, se levantando.

— Vai levar seu carro, Bell? — meu padrasto pergunta.

— Gostaria, mas não sei como, porque vou de avião.

— Já comprou passagem? — minha mãe questiona.

— Comprei há alguns dias — murmuro.

— A gente dá um jeito de mandar teu carro — Sérgio garante.

— Obrigada — agradeço, com um meio sorriso.

— Oi, Isabella.

E chega Larissa, a doida. 1,65cm, cabelos ruivos, olhos verdes e um

sorriso contagiante. Minha cunhada, a coisa mais linda desse mundo.

— Oi, Larissa — Me levanto para abraçá-la.

Nós nos amamos, muito. Mas falar o nome é uma coisa que ficou.

Acostumamos. Era brincadeira, que se tornou hábito. Além dos “absurdos”

de dona Lari.

— Vamos subir — falo, já puxando-a pela mão.

— Bah! Mas que palhaçada — Pedro reclama, vindo atrás de nós.

— Sai, Pedrinho. Só nós — Lari manda beijo pro namorado e nós

entramos no meu quarto, rindo.

— Doida — Pego meu celular e coloco ao lado do notebook na

mesa.

Ela deixa a bolsa na poltrona e sobe na cama comigo, após tirar os

tênis.

— Então, como foi? — Lari pergunta.

— Na verdade, melhor do que eu esperava.

— Por quê?

— Minha mãe não fez um escândalo muito grande. Me provocou,

mas não foi absolutamente contra,

— Coisa estranha — minha cunhada comenta, intrigada.

— Também achei, mas talvez tenha sido melhor assim,

— Concordo. Até porque ela não ia poder fazer nadinha a respeito

de você se mudar daqui — Lari diz, com um meio sorriso.

— Talvez não.

— Não ia mesmo, Bell. Você tem 23 anos, trabalha, comprou um

carro e pode muito bem se sustentar. Você é perfeitamente capaz de se

cuidar sozinha. Nem encana com isso. Vai dar tudo certo e amanhã você se

muda.

Respiro fundo, absorvendo as palavras.

Eu vou mesmo me mudar.

E a ideia de estar longe daqui, em outro estado, livre, me deixa eufórica.

isabella

Depois que Lari tira umas dez fotos da nossa tatuagem juntas, ela

me deixa levantar da cama e ir me arrumar para sair com a minha tia. Quase

atrasada já, inclusive.

Minha cunhada e eu temos uma tatuagem juntas, a runa parabatai,

da série Shadowhunters, na costela. Fizemos há uns dois ou três anos.

Também fiz uma com a Babi na mesma época, mas foi um coração no braço

direito, atrás. É a minha ligação com elas.

Empurro a porta-espelho e entro no closet, enquanto minha cunhada

liga a televisão. Procuro uma roupa, pensando na temperatura, que está

razoável hoje. Nada de muito frio, nem muito calor. Então troco a calça

legging por uma jeans azul escura e uma camiseta cinza. Coloco um tênis

de couro branco e solto o cabelo, fazendo-o cair em ondas em volta dos

meus ombros.

Em frente ao espelho, passo apenas protetor e um pouco de base,

além do blush e um lip balm de morango. Eu adoro esses produtinhos; lip

balm, lip gloss, hidratante labial, body mist, body splash. Sou viciada.

Pego uma bolsa preta simples e coloco o lip balm e algo para

prender o cabelo dentro enquanto saio do closet fechando a porta-espelho.

Lari está esticada na minha cama, abraçada à uma almofada, e

assistindo Good Girls na Netflix. Somos muito viciadas nessa série. Já

vimos a primeira temporada umas 3 vezes. E eu sou apaixonadinha no Rio,

confesso. Adoro um cara tatuado.

— Lari, tô indo — aviso. — Você vai ficar bem aí?

— Claro — Lari me olha por um momento. — Daqui a pouco vou lá

deitar na cama do Pedro. Você me chama quando chegar pra eu te ajudar

com o restante das malas?

— Chamo, sim. Dorme um pouco, você tá cheia de olheiras.

— Vou tentar — Ela reprime um bocejo. O cursinho acaba com ela e

a doida ainda fica virando a noite.

— Quero ver quando começar a faculdade de enfermagem, vai

aguentar mais nada — comento, rindo, enquanto pego meu celular.

— Ô, Isabella, sai daqui, sai — Larissa ataca uma almofada em mim

e eu corro para fora do quarto. Ela entendeu bem o que eu quis dizer.

— Também te amo, Larissa — grito e ouço-a rir de dentro do

quarto. Desço as escadas balançando a cabeça com um sorriso.

Minha mãe e meu padrasto estão na sala assistindo algum filme de

aventura na televisão. Dona Flávia ama um filme de aventura no estilo

Jumanji e Star Wars.

— Tô saindo — informo. Ela me dá uma olhada de soslaio e volta a

atenção para o filme. Ergo as sobrancelhas.

— Volta que horas, Bell? — meu padrasto pergunta.

— Começo da noite, eu acho. Vou buscar a Babi depois de ir ao

shopping.

Claro que não vou falar que vou encontrar minha tia. A confusão tá

armada se eu fizer isso. Minha mãe e minha tia nunca se deram bem, nem

quando minha mãe era casada com meu pai, o que não durou muito. 3 anos.

Os piores da vida dela, segundo ela mesma.

— Toma cuidado no trânsito — Sérgio alerta.

— Pode deixar. Até mais tarde, — falo, já saindo de casa.

Fora do ambiente tenso eu posso finalmente respirar fundo. A

atmosfera tende a ficar bem pesada quando minha mãe está com raiva ou

contrariada. Ou as duas coisas. Ela fica assim quando as coisas saem do

controle dela.

Quando as portas do elevador abrem, eu saio pegando a chave do

carro dentro da bolsa. Os faróis do Captur preto piscam quando aciono o

botão no controle e eu entro no carro. Deixo minha bolsa no banco carona,

com o celular do lado e ligo o carro.

“Tia, vou atrasar, mas já tô indo” Isabella

Envio a mensagem e saio com o carro da garagem, pegando a

avenida principal em seguida.

Combinei com a minha tia no Iguatemi, que fica perto da casa dela e

meio longe da minha. E eu já tô atrasada. Pontualidade realmente não é o meu forte. Não é porque sou de virgem que sou organizada e controladora.

Deus me livre ser assim.

Por algum milagre, ou pura sorte mesmo, não pego trânsito e chego

no shopping às 14:30hs. Entro no estacionamento e subo, indo para perto de

uma entrada dos andares de cima do shopping, onde fica a praça de

alimentação.

Consigo uma vaga perto de uma das portas de entrada, mesmo

sendo domingo. Pego minha bolsa e o celular antes de sair do carro e travá￾lo. Penduro a bolsa no ombro, depois de guardar a chave, e coloco o celular

no bolso de trás da calça jeans enquanto entro no shopping.

Encontro minha tia esperando por mim perto do McDonald’s.

Esperta. Sabe que eu amo um fast food e já me espera na cara do melhor.

— Oi, tia — cantarolo, ao chegar perto. Minha tia desvia o olhar do

celular e guarda-o na bolsa antes de me abraçar.

Cabelo loiro nos ombros, 1,70cm, um corpo lindo e um sorriso

sensacional. Alessandra Mendes, a tia mais incrível do mundo é minha.

— Oi, Bell. Tá bem?

— Tô — Solto o ar, olhando em volta. — E você?

— Tô cansada, mas vamos comer e você me contar o porquê dessa

cara mais ou menos — Ela me leva até o McDonald’s.

Minha tia me conhece bem demais. Eu converso sobre tudo com ela.

Mesmo sendo minha tia, ela também é minha amiga. Ela não me controla,

não me limita e não me corta. Era como minha mãe deveria ser comigo,

mas infelizmente não é.

— Ai, tia, tô sem fome — Paro de andar, fazendo minha tia parar

junto comigo. — Podemos ir no Starbucks ou só comer uma batata no

cone? Ou pão de queijo?

— Claro, Bell. Por que não falou antes? Vem cá! — Minha tia me

puxa pela mão, levando-me até a Casa do Pão de Queijo. Eu não sou

mineira, mas se tem uma coisa que eu amo é pão de queijo. Além do arroz e

chimarrão, as paixões dos gaúchos.

Fico olhando em volta, com os braços cruzados, enquanto minha tia

faz os pedidos e nós vamos nos sentar em seguida. Bebo um pouco do meu cappuccino, que está incrivelmente delicioso.

— Me conta, por que tá com essa cara? — minha tia indaga.

Levanto o olhar pra ela. Mastigo o pão de queijo lentamente, ganhando

tempo.

— Contei lá em casa que vou embora amanhã — murmuro. Minha

tia ergue as sobrancelhas, entendendo o porquê da minha expressão.

— Como foi com a sua mãe?

— Estressante — Solto o ar. — Ela meio que fez um escândalo.

— A Flávia não tem jeito mesmo — minha tia reclama.

— Meu padrasto controlou bem, mas ela não tá falando comigo.

— Se ela não entende que você precisa crescer na vida, paciência.

Concordo. Minha tia tem razão. Eu preciso. E longe daqui, longe de

todas as amarras que me prendem.

— No final ela acabou aceitando e não tentou fazer nada pra me

impedir.

— Nossa, que evolução — Minha tia ironiza.

— Não sei como, mas meu padrasto fez ela aceitar sem muito

esforço.

— Estranho.

— A Lari disse a mesma coisa, mas o Pedro acha que aos poucos ela

vai entender que não pode me controlar pra sempre — Dou de ombros. —

Afinal, eu tô indo embora, pra outro estado, pra bem longe do controle dela.

— O quanto antes ela entender, melhor. Sofre menos.

Dou risada. Minha tia é muito maravilhosa, ela tem uma sagacidade

única e um timing perfeito para as coisas.

— Que horas você viaja amanhã?

— De manhã, bem cedinho.

— Vou até o aeroporto com você e a Barbara.

— Obrigada, tia — agradeço, fazendo-a sorrir. — Pedro e Lari

também vão. Só não sei o Sérgio e a minha mãe.

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