As quatro garotas foram levadas para o mesmo necrotério naquela noite. Coincidência? Não. Neste novo mundo em que elas renasceram, não existiam coisas como coincidências. Tudo está previamente moldado e assegurado pelas parcas.
As três horas da manhã, as quatros exalaram seu primeiro suspiro de vida, abriram os olhos e se depararam com um lençol branco cobrindo seus rostos. Caso tenha uma pesquisa entre os habitantes da terra, perguntando qual é o maior medo de quando morrer, provavelmente a grande maioria irá dizer que é acordar dentro do caixão.
Melissa sentia frio, um frio tão grande que gelava seus ossos e doía seu corpo, ao abrir seus olhos amendoados notou a completa escuridão. Seus pensamentos estavam confusos, não entendia o porquê de estar com a cabeça coberta. Tirando aquele empecilho, o que viu a deixou nervosa. Tateando as paredes frias do metal entrou em pânico total.
— Socorro! Socorro! — Gritou. Chutava e empurrava na tentativa de sair de onde estava. — Me ajudem tem alguém aí? — Lágrimas começaram a ser formar em seus olhos, sua garganta se fechou, o ar não passava. Mesmo com os ouvidos zumbindo, pôde escutar outros pedidos de socorro.
“Acalme-se” — Disse uma voz.
— Quem está aí? — Perguntou girando a cabeça e tentando ver alguma coisa. — Me ajude por favor.
“Você precisa se acalmar”. — Pediu a voz.
— Como que você quer que me acalme, se estou presa em uma maldita caixa? — Fúria começou a queimar dentro do seu ser. Uma faísca alaranjada soltou de suas mãos. Melissa levou-a próximo ao seu rosto. Podia ver uma espécie de corrente passando por entre os dedos.
“Preste atenção no que eu vou falar”. — A voz a distraiu-a do estranho fenômeno. — “Se você quiser sair de onde está”.
— Certo — derrotada se acalmou. — O que tenho que fazer?
“Feche os olhos e respire fundo. Tente normalizar as batidas do seu coração”. — Melissa atendeu o pedido. Quando seu coração chegou próximo ao normal, a voz continuou. — “Mentalize uma porta se abrindo”.
Ela bufou contrariada e já ia fazer uma observação espertinha, mas decidiu seguir a tal voz. “Estou ficando louca”, pensou ao ver a porta. Concentrou-se nela e deixou de lado os sons de gente chorando e batendo contra o metal. Mentalizou a porta se abrindo, uma, duas, três, perdeu as contas de quantas vezes.
— Essa porra não está dando certo. — Ao terminar de falar raivosa, bateu suas mãos em punho no metal onde estava deitada e um estrondo foi ouvido por todo o lugar. Melissa arregalou os olhos e levantou a cabeça, batendo-a em seguida. — Merda, praguejou.
Como se fosse uma minhoca, se rastejou por entre o espaço apertado até sair do seu confinamento e cair com um joelho no chão e o outro dobrado ao estilo exterminador do futuro, inclusive a nudez dela era igual.
Ergueu-se em suas pernas trêmulas e olhou para baixo, seus cabelos pretos tampando a visão. “Espera eu tenho cabelos?”, pensou espantada ao tocar as madeixas cor de mogno.
“Este corpo foi restaurado para me receber”. — A voz informou.
— Como é que é? — “Só posso estar sonhando”.
— Com quem você está falando? Onde estamos? Quem é você?
Melissa olhou para frente. Uma garota ruiva acaba de sair de uma das gavetas. Olhando para todos os lados viu que, todas as portas dos dois lados do lugar estavam abertas. Em uma delas, era possível ver um pé com uma etiqueta amostra. Olhando para seu próprio pé, viu que tinha uma também.
Pulando em um pé só, conseguiu arrancar o papelzinho e leu seu próprio nome, a data de nascimento e a de... “Óbito?”
— Aparentemente estamos em um necrotério. — Em uma fingida calma mostrou a etiqueta para ela. Olhou de cima a baixo a menina e pensou com ela: “Uau! Essa é ruiva mesmo. Até os pentelhos são vermelhos”. Ao notar isso, lembrou da própria nudez e agarrou o lençol. Desajeitada, fez uma espécie de vestido com o material.
A outra garota seguiu o seu exemplo, seu rosto tingiu de um tom de vermelho-escuro, quase chegando a cor de seus cabelos.
— Alguém? Socorro. — Um choro foi ouvido a esquerda dela. Melissa caminhou até de onde vinha o barulho. Puxando a gaveta, uma loirinha foi revelada.
— Oi! — Melissa ajudou a garota a levantar e amarrar o pano nela. Do outro lado da mesa de autópsia foi a vez de uma japinha sair das gavetas, ela caiu com graciosidade no chão e diferente das outras com o lençol a tapando. — Será que algum outro morto vai se levantar?
***
Um uivo na noite foi ouvido, seguido por roncos de motos. Um bando de motoqueiros mal-encarados corre pelas ruas. Naquela hora não tinha uma viva alma andando, mas isso não queria dizer que as almas mortas não estivessem espreitando.
Adam o líder do bando dos lobisomens da capital, guiava seus guerreiros em busca da prometida. A mulher que levava marcada em si um lobo, capaz de coisas incríveis de controlar a terra, conversar com os animais e ser a diferença na guerra com os mortos-vivos chupadores de sangue.
Como o alfa de sua alcateia, tinha o dever de protegê-los. Em suas veias corria o sangue dos ancestrais dos primeiros lobos, que foram criados pelo espírito da terra para ser guardião da alma do planeta. A alma era um cristal, onde a energia de todo o planeta se concentrava, assim como uma nascente era de lá que surgia o poder da terra. Se algo acontecesse com a esfera, o mundo estava perdido.
— Chefe temos companhia — Pat, seu segundo no comando o avisou pelo comunicador que tinha em seu capacete. Olhando para os prédios acima, era possível ver as silhuetas de corpos voando pelos prédios.
— Os malditos chupas sangues estão atrás de nossa menina. — Rosnou Adam. — Atenção redobrada pessoal. Nossa missão é levar em segurança a portadora do lobo e suas companheiras. Treinamos a vida toda para isso.
A história dos espíritos elementares era passada de pai para filho há séculos. Quatro mulheres em sua morte davam lugar para os espíritos habitarem. Era algo bem específico, no minuto em que seus corações parassem, os elementares teriam que entrar. Não poderia ser nem antes e nem depois. Ninguém nunca soube explicar o motivo.
Adam parou em frente ao IML que se situava nos Jardins, olhou para o céu. Todos os prédios em volta ao lugar, estavam infestados de parasitos. Ele puxou de suas costas as lâminas duplas folheadas de prata com runas élficas escritas dos dois lados.
— Nós sabíamos que seria difícil — fez uma pausa olhando seus homens, estavam em duas dúzias de lobos, seus melhores guerreiros. Mesmo estando armados e a mordida de um lobisomem ser tóxica para os vampiros, eles se encontravam em grande desvantagem numérica, algo em torno de seis para um. — Lembre-se o que está em jogo aqui.
Convocando seu lobo interior, Adam começou a transformação primária. Os lobisomens tinham duas transformações: A primária onde eles retinham a forma humana, porém ganhavam força, agilidade e visão aguçada. Seu tamanho duplicava chegando até quase três metros de altura. Esta forma que deu origem a lenda do lobisomem. A segunda era forma total de animal, um lobo gigante e feral. O animal assumia totalmente as funções do corpo e somente neste estado a mordida era capaz de transformar um humano.
Os lobisomens nascidos lobos eram chamados puros sangues, onde os dois pais são lobos. As mulheres que nasciam com genes de lobos ou as mordidas por um lobisomem não sofriam nenhuma das transformações. Aquelas que eram mordidas não sobreviviam, pois, ao tentar se transformar, seu corpo não suportava e elas morriam. Os lobisomens poderiam ter filhos com humanas, mas estas morriam no parto devida a contaminação dos genes lupinos no nascimento, sendo assim a população masculina de lobos era gigante, sua espécie estava em perigo de extinção. O que só fazia com que eles cuidassem ainda mais de suas fêmeas.
***
— Meu nome é Melissa — ela se apresentou para as outras garotas.
— Sou a Karen — a ruiva deu um passo à frente.
— Clara — a japinha com cara de metida disse.
— Megaliz ou apenas Liz — a loirinha enxugou os olhos. — Alguém sabe o que está acontecendo.
— Acho que somos zumbis — Melissa andou até a porta da sala e espiou o corredor vazio.
— Não seja estúpida — Criticou Clara.
— Então explica aí. Como se acorda em um necrotério sem ser um zumbi — Exclamou Melissa sem tirar os olhos do corredor. “Eu ainda acho que estou louca, vou acordar a qualquer hora dentro do hospital, acho que a quimio está fazendo mal ao meu cérebro”, pensou ao avistar um armário cheio de panos.
“Já disse que seu corpo foi restaurado para me receber”. — A voz disse impaciente.
“Ouvir vozes na cabeça é um claro sintoma de doença mental” — informou sarcástica em pensamento.
— Eu não sei. Mas dizer que somos zumbi é forçar a barra.
Melissa testou a porta e constatou que não estava trancada. Saiu para o corredor mal iluminado.
— Onde você está indo? — A loira perguntou colocando a cabeça para fora da sala. O corredor estava tão frio quanto o interior da sala.
— Vou ver se aquele armário ali — apontou para o meio do corredor — Tem alguma coisa para vestirmos, porque — apontou para o próprio corpo — túnica não faz meu estilo.
As luzes acendiam conforme ela ia andando. Ao chegar em seu destino, vasculhou todas as prateleiras até achar roupas estilos aquelas que os médicos usavam no centro cirúrgico de cor azulada, composta de calça e blusa.
— Bingo! — Mostrou para ela triunfante. — Ajuda aqui. — Quando Liz chegou mais perto entregou quatro conjuntos de roupas. Em uma caixa no alto achou sapatos de TNT, pegou a caixa toda e as duas voltaram para sala com as outras.
— ... só acho que a explicação somos zumbis é totalmente burra. — Concluiu Clara, quando viu Melissa virou a cara.
— Você é antipática assim com todo mundo ou tem problema comigo? — Jogando a caixa que estava em suas mãos na mesa no centro da sala encarou a japinha. — Se eu acho que somos zumbis de verdade? — Ela pegou o conjunto de roupas, soltou o lençol e começou a se vestir. — É óbvio que não, mas até ontem eu estava em um hospital entre a vida e a morte, com uns cinquenta tubos saindo por meu corpo. Meu cabelo — pegou uma mexa depois de vestir a blusa — era inexistente. E aqui estou viva, respirando, com uma voz irritante na minha cabeça e com cabelo.
“Eu não sou irritante” — A voz disse. — “E já te expliquei o que aconteceu”.
“Você não explicou porra nenhuma”, retrucou em pensamento.
— E se é a porra do apocalipse zumbi que está acontecendo ou se é a maldita quimioterapia que está afetando meu juízo, que se foda.
Todas as portas se fecharam ao mesmo tempo, assustando as meninas. Melissa sentiu a mão se aquecer. Trouxe ela para frente e abriu os dedos. Não tinha notado que, cerrou as mãos. Dentro delas uma bola de fogo apareceu.
— Ai meu Deus! Ai meu Deus! Ai meu Deus! — Entrando em pânico começou a sacudir a mão para tentar apagar.
— A pia rápido! — Gritou a ruiva correndo na direção e já abrindo a torneira.
Melissa colocou-a embaixo da água corrente e após uma pequena quantidade de vapor subir, finalmente o fogo sumiu.
— Então. Com que frequência você ouve vozes? — Perguntou Karen sorrindo para ela.
— Todo tempo. — Melissa caiu na gargalhada, seguindo pelas outras. Menos Clara.
— Acho que zumbis não criam combustão espontânea e nem tem vozes falando em suas mentes. — Declarou Liz, segundo o exemplo de Melissa, todas as outras vestiram as roupas.
— E nem tem tatuagem. — Pulando em um pé só mostrou para todas o lobo em seu tornozelo. — Quem foi o mané que tatuou um lobo no meu pé? — questionou Karen.
As outras procuraram em suas próprias pernas.
— Nada aqui. — Falaram em uníssono Clara e Melissa.
— Não tenho um lobo, mas tenho uma águia. — Liz mostrou o pulso. — Isso não estava aqui, quando entrei no hospital para fazer uma cirurgia.
— O que sabemos até agora. — Karen contou nos dedos. — Acordamos em um necrotério, depois de morrermos, alguns de nós, aparentemente pega fogo sem se queimar, temos vozes em nossas cabeça e — olhando para japinha com um sorriso zombeteiro no rosto — não somos zumbis.
Clara bufou e saiu pela porta. Melissa olhou para as outras três e deu de ombros.
— Eu não sei o que está acontecendo, mas vamos atrás de respostas.
As quatro garotas entraram no elevador no final do corredor e seguiram para o andar de cima. O prédio em que estavam só tinha dois andares e o térreo, como demostrava o painel com os números luminosos. Sentindo o sacolejar da caixa, Melissa lembrou do elevador do trem que pegava para ir trabalhar.
— Sabe nós parecemos os smurfs nestas roupas. — Com esta observação espertinha as quatro sorriram.
Tem poucas coisas na vida que assustavam Melissa, como ratos, baratas, aranhas, ciganos, mas uma cabeça decapitada rolando até seus pés, definitivamente entrou para o topo da lista. Com o grito das quatro, todos que estava no lugar pararam para olhá-las.
— Fecha a porta! Fecha a porta! — Gritou Clara.
“Você precisa do fogo agora” — gritou a voz na cabeça dela.
“Como eu faço isso?”
“Garota estúpida”
“Não me chame de estúpida!” —raiva subiu nela.
Um homem de olhos vermelhos e sangue pingando da boca agarrou as portas do elevador, evitando que as mesmas se fechassem.
“Garota estúpida vai morrer se não fizer o que eu estou falando” — A voz soou irritada.
Melissa sentiu suas mãos esquentarem, quanto mais brava ficava com a maldita voz mais a mão esquentava. Ela olhou para a criatura na sua frente, e as outras meninas gritavam em pânico, por um instante tudo ficou no mais absoluto silêncio. Foi como o mundo todo entrasse em câmera lenta de repente, ela abriu a mão e uma bola de fogo se formou. Não sentiu medo desta vez. Afastou seu braço para trás e lançou.
O fogo atingiu o peito da criatura em cheio e se espalhou por todos os lados. A criatura soltou as portas e tentou apagar as chamas. Antes do elevador se fechar, Melissa viu o monstro virar um monte de cinzas.
— Que porra foi aquela? — Liz gritou.
— Você acaba de colocar fogo em uma pessoa. — Clara acusou Melissa — Qual o seu problema?
— Olha aqui, japinha, você está presa em um elevador com uma pessoa que taca fogo pelas mãos, não acho sensato me irritar. — Melissa socou o dedo no número um do painel e o elevador voltou a descer. — E outra. Caso você, não tenha visto. Uma pessoa não vira cinzas em meio segundo.
— Nem cabeças decapitadas. — Karen apontou para o chão onde um monte de cinzas se encontrava. Todas olharam estupefatas.
— A explicação de sermos zumbis não é tão fantasiosa assim agora. — Liz disse olhando para a Clara. Essa, assim que abriu a porta do elevador, saiu.
— O que vamos fazer agora? — Perguntou Karen.
— Primeiro vamos nos certificar que este elevador não suba. — Melissa parou segurando as portas. Clara pegou o carrinho do faxineiro e levou até onde ela estava. Tirou o esfregão do balde e colocou no meio das portas.
— O que vamos fazer agora? — Clara perguntou a contragosto.
“Por que essa garota não gosta de mim?” Melissa olhou indignada para a nuca da outra mulher.
“O elemento dela é contrário ao seu”
“Como assim?”
“Você controla o fogo. Clara a água, a ruiva a terra e a loira o ar, somos espíritos elementares e estamos aqui para ajudar a terra. Seu corpo é um receptáculo. A partir do momento em que você morreu eu assumiria até o momento de cumprir o meu propósito”.
“Por que eu?”
“Você estava à beira da morte, só podemos assumir um corpo recém-morto, nunca em todos estes anos, habitamos um corpo com a alma do hospedeiro junto. Algo está errado e a prova disso são os não mortos no andar de cima”.
“Não mortos? Você diz vampiros?”
“Estive acessando suas memórias, e acredito que este termo é o mais apropriado”.
— Merda! — Falou em voz alta.
— Que foi Melissa? — Perguntou Karen.
— Bem a voz na minha cabeça disse que é um espírito elementar, que eu controlo o fogo, Karen a terra, Liz o ar e a Clara a água — ela tomou fôlego — Aquilo lá em cima era não morto ou vampiros, e antes que a senhorita pé no saco venha “com isso não existe”, isso explica muita coisa.
— Lupus confirma isso. — Karen disse.
— Quem é Lupus? — Perguntou Liz.
— A voz... o elementar na minha cabeça — apontou para própria cabeça.
“Você tem um nome?”
“Pode me chamar de Draco”.
— O meu se chama Draco.
— Lupus diz que viu seus filhos lá em cima. Os homens lobos.
— Aquele que Melissa tacou fogo? — Liz indagou.
— Não. Os homens gigantes, com as espadas.
— São mocinhos ou bandidos? — Perguntou Melissa receosa.
— São os mocinhos, Lupus disse que podemos confiar neles.
— Isso não importa no momento. — Clara cruzou os braços com cara de poucos amigos. — Temos que sair daqui e pelo elevador não é possível ou vamos parar novamente no mar de sangue.
— Podemos sair pela saída de incêndio. — Apontou Liz para a placa luminosa.
— Vamos lá. — Melissa começou a correr para aquela direção. — Vamos torcer para dar do lado de fora.
***
— Adam! — Pat o chamou. — Vá atrás das meninas. Nós cuidamos daqui.
Adam olhou ao redor. A entrada do IML estava uma bagunça total, os corpos decapitados estavam em seu processo de decomposição, o cheiro ruim subia em baforadas. Ele tinha perdido pelo menos dois homens naquela luta, foi um saldo muito bom, devido às circunstâncias.
Usando sua força sobrenatural, abriu as portas do elevador, já que o mesmo não subia. Olhou para o buraco negro abaixo e pulou. A queda não levou mais que segundos. Aterrissou em cima da caixa, com a pouca luz e sua incrível visão, conseguiu achar a alavanca para puxar a portinhola do alto do elevador. O buraco era estreito e com seu tamanho da transição não conseguiria passar. Levou alguns minutos para voltar ao normal.
— Meninas espertas — quando olhou a amarração para manter a máquina no andar, ficou admirado.
Fez uma rápida varredura pelo andar e não as encontrou. O último lugar que as procurou foi a porta de saída de emergência. Xingou mentalmente, se as mesmas não apareceram na entrada, isso só significava que aquelas escadas dariam do lado de fora. Com a horda de vampiros cercando o prédio, estariam caminhando para uma armadilha.
Subiu de dois em dois os degraus, já começando novamente a transformação. Saiu pela porta com supetão e como esperado o lado de fora estava um caos. O cheiro de lixo, agredia seu nariz, se encontrava próximo às caçambas que provavelmente recebiam os detritos dos prédios. As quatro garotas encurraladas em um canto. A morena lançava bolas de fogo em todos que chegasse o mais perto possível.
Ele uivou para chamar a atenção. Tirando suas laminas duplas preparou-se para o ataque, dois deles vieram em sua direção. Com golpes precisos ele os eliminou. O problema que atrás daqueles dois, tinham mais. Estavam em extrema desvantagem.
Foi aí que um vento frio passou pelo local, seguido por uma corneta. Adam já tinha ouvido aquele som, olhou para o céu e viu os guerreiros alados. “Agora a porra ficou séria”, rindo, mergulhou para acertar, mais daqueles não mortos.
***
— Aquilo são pássaros? — Perguntou Liz.
Melissa não tinha tempo e nem energia para olhar, para onde a outra menina apontava. Seu corpo estava ficando fraco, as bolas de fogo diminuíam. Antes acertava de dois a três, mas agora, mal atingia um.
— Não é um avião — riu histérica Karen. — Desculpa, quando fico com medo, começo a fazer piadinhas infames.
— Meninas eu... — Melissa não completou a frase e caiu de joelhos no chão. Completamente exausta, não conseguia lutar.
“Não posso mais” — pensou derrotada.
“Deixe-me assumir” — a voz pediu.
“O que vai acontecer se eu deixar Draco?”
“Irei queimar todos os não mortos”.
“E as meninas? Vão se machucar?”
“Não. Os elementares não podem afetar uns aos outros”.
Enquanto Melissa conversava com Draco, os silfos desceram do céu e se juntaram a batalha. Seis guerreiros dourados, munidos de espadas douradas, atacavam, qualquer não morto que chegava perto.
Silfos tinham a forma de homens, corpulentos, com asas brancas e violetas. O humano que alguma vez teve sorte de ver um deles, os confundiam com anjos, são dotados de grande beleza e vivem por mil anos sem nunca envelhecerem.
Liz tentou levantar Melissa, mas teve que retirar suas mãos quando o corpo da outra, começou a emitir calor, todo o ar ao redor pareceu convergir para o corpo dela, ele começou a brilhar.
Melissa levantou do chão e abriu os olhos, olhos de cor vermelho vivo. Seu corpo começou a levitar do chão. De seu braço uma lingueta de fogo nasceu, como se fosse um chicote. Todos no lugar pararam e a observaram. Quando estava no alto, parou para observar o cenário.
— IGNIS DRACONEM — pronunciou em latim.
O chicote tomou o formato de um dragão de fogo. Circundou seu corpo e desceu a Terra, acertando todos os não mortos. Um a um os vampiros foram carbonizados só restando cinzas. Depois do último queimar, o dragão voltou para ela e se fundiu ao seu corpo. Melissa fechou os olhos e seu corpo caiu, teria atingindo o chão se não fosse um vulto preto a pegá-la.
***
Nicolas chegou a tempo de ver o espetáculo que a nova recipiente do elemento fogo mostrava. No ponto de vista dele, era sempre um espetáculo Ignis Draconem. Fazia um milênio que não via aquele golpe.
Segurou mais forte o corpo da jovem em seus braços e observou o campo de batalha. Dois dos vampiros que tinha mandado viraram cinzas, os silfos e os lobos estavam reunidos, não era o momento de capturar as outras meninas. Por hora, o prêmio que tinha seria o suficiente.
Murmurou um feitiço que o possibilitava ficar invisível a todos, pulando de prédio em prédio se afastou do local. Há alguns quilômetros dali, seu carro com chofer o estava aguardando. Abriu a porta e depositou seu fardo com cuidado. Deu a ordem para partir de volta a sua casa.
Sabia que não seria fácil recuperar as meninas, que seus guardiões não iriam permitir os elementais surgir sem proteção. Por isso, mandou seus peões. Vampiros eram uma criação sua. Esta versão pelo menos. Antigamente essas criaturas não passavam de resquícios da podridão do ser humano.
Quando um humano comete um crime ou age de forma errada para com outro ser humano, sua alma vai apodrecendo aos poucos. E quando morre fica em extrema agonia para toda a eternidade, vão se fragmentando e os pedaços vagando pelo espaço, nunca sendo capaz de se completar novamente. A quem diga que este é o próprio purgatório.
Nicolas, depois de muitos estudos nas artes das trevas, conseguiu canalizar esses fragmentos e transferir de volta para o corpo humano. Assim nasceu o primeiro vampiro. Claro que o nome vampiro foi dado pela população, já que sua criação assim como os monstros da lenda bebia sangue humano, pois seu corpo não era capaz de filtrar ou renovar essa parte vital de seus sistemas, e não podia sair a luz do dia devido às trevas que habitavam dentro deles.
Afastando os cabelos da jovem em seu colo para ver seu rosto, arregalou os olhos surpresos.
— Minha Alicia — sussurrou maravilhado.
Nicolas levou Melissa para o seu apartamento, que se situava no edifício chamado Banespa, não era de conhecimento público que o 33º andar do prédio pertencia ao um investidor recluso. Para o mundo, o prédio tinha sido comprado por uma instituição financeira de alto nome, o que ninguém sabia era que por trás disso, ele tinha o adquirido por sua localização. Tendo uma visão privilegiada de 360º de toda capital.
Assim transformou aquele andar em seu lar. Usando de determinadas magias ele conseguiu criar uma ilusão onde um dos quatorze elevadores sempre estava quebrado, para os olhos humanos era aleatória, porém o primeiro da esquerda era de seu uso exclusivo.
Levando nos braços sua preciosa carga, Nicolas não parava de olhar para a jovem. Extremamente parecida com sua amada Alicia e, ao mesmo tempo, diferente. Ao sair do elevador encontrou André sangrando em seu hall, olhou com repugnância.
— Senhor... — ofegou André.
— Sai daqui criatura patética — disse ríspido — você me decepcionou muito.
— Os cães eram muitos, senhor. Tenho certeza que se eu tivesse...
— Poupe de suas desculpas esfarrapadas — Olhou para toda sujeira, vampiros sangravam negro, seu corpo de não morto não conseguia deixar vivo o sangue deles. — Sua sorte que, consegui parte do que queria. Caso contrário você já não estaria respirando. Agora saia.
Ele não esperou para ver se sua ordem foi acatada, caminhou para o seu quarto. As luzes se acenderam quando chegou. Com um movimento de mão usando seu próprio poder, afastou os lençóis pretos da cama e depositou o corpo da jovem. Afastou os cabelos do rosto e contemplou a beleza etérea. Não pôde deixar de compará-la com sua Alicia.
Alicia tinha a pele alva, quase translúcida, vivia rindo dela como ficava vermelha por qualquer coisa. Os cabelos eram loiríssimos, quase brancos, tinha os olhos azuis iguais a um céu de verão.
Já a garota em sua frente era o completo oposto, cabelos negros como a noite meio ondulados, a pele de um tom de chocolate derretido cremoso, que fazia com que ele desejasse lambê-la, já que tinha um pequeno fraco por aquela iguaria. Pequenas ruguinhas nos cantos da boca demostravam que sorria com muita facilidade. Outro contraste com Alicia, que não sorria com facilidade. Tirando estes pequenos detalhes era como se tivesse a versão negra de Alicia em sua frente. Iguais, mas totalmente diferentes, a jovem controlava o fogo já a outra a água. O perfeito yin-yang.
Suspirando, caminhou até o banheiro de sua suíte e acendeu as luzes, preparou a banheira com água temperada com sais de banho com cheiro de flores que sempre deixava preparado para aquele dia, o dia que Alicia voltaria para ele.
Voltou para o corpo e despiu a jovem das roupas horríveis. Pegou-a nos braços, levando-a e a depositando dentro da banheira. Sem pressa, lavou desde os cabelos até os dedos dos pés. Sempre cuidadoso e carinhoso. Quando se deu por satisfeito, alcançou as toalhas e a secou. Voltou para o quarto a deixando na cama. Caminhou para o grande guarda-roupas em um canto do quarto, como tudo o móvel era de um tom escuro. Abrindo uma das gavetas escolheu uma camisola vermelho sangue. Colocou nela, dando por satisfeito com seu trabalho, dirigiu-se para o banheiro, tomou uma ducha, colocou a calça preta de seda do seu pijama e deitou-se ao lado da moça.
— Dorme, minha garota de fogo. — Alcançando um colar com um pingente de coração de um cristal, colocou em volta de seu pescoço. A gema passou transparente para um vermelho pulsante.
Com a mente se certificou que estavam sozinhos no andar, acionou as proteções mágicas e finalmente descansou com sua amada nos braços.
***
— Ai meu Deus! — Gritou Liz quando seis homens pararam na frente dela e se ajoelharam. As asas recolhidas nas costas e as espadas douradas com a ponta cravadas no concreto. Tinha dois loiros, um ruivo e dois morenos e um negro. Todos vestidos com túnicas e malha de aço, pareciam cavaleiros templários.
— E as fadinhas chegaram. — Colocando as espadas gêmeas no coldre das costas. Adam caminhou ao encontro das três meninas, a cada passo voltava mais ao normal. — Não espere que eu ajoelhe aos seus pés. — Piscou para a ruiva.
— Você deveria ser mais respeitoso com a sua senhora. — Disse o loiro e maior deles.
— Senhora. — Fez uma reverência exagerada. — Permita-me a não ajoelhar aos seus lindos pezinhos e assim ter mais mobilidade para salvar seu bonito traseiro. — Terminou a frase piscando para ela.
Karen soltou uma sonora gargalhada. — Certo estranho homem sanfona. — Com a cara de interrogação dele ela explicou. — Você era gigante, agora é pequeno. — Gaguejou. — Quer dizer, não tão pequeno, já que é mais alto que é... — Olhando para ele, engoliu em seco. — Manterei minha boca fechada.
— Para onde levaram Melissa? — Perguntou Clara. — Quem são ou o que são vocês? Que porra está acontecendo aqui? — Ela mostrou sinais de histeria.
Adam estava confuso. — Somos seus guardiões, viemos buscá-las e levá-las para os reinos, até a hora certa.
— Cara, até algumas horas atrás eu estava me afogando no meu próprio sangue por ter sido atingida por uma bala, acordei dentro de um necrotério, fui atacada por vampiros, a menina que estava comigo e que solta fogo pelas mãos foi levada e a voz na minha cabeça está me deixando doida. — Sorveu ar. — Então quando minha colega diz, que porra está acontecendo aqui, é porque não estamos entendo nada.
— Vocês, por favor, poderiam se levantar. — Liz sussurrou para os silfos. O que foi prontamente atendida. Os seis levantaram como se fosse uma unidade e se postaram lado a lado em uma atitude protetora.
— Acho que aqui não é o melhor lugar para termos este tipo de conversa, minha senhora. — Diz o alto loiro.
— Eu acho um bom lugar. — Clara cruzou os braços e encarou de cara feia todos.
Adam rosnou para ela, mas vendo que as outras seguiam o exemplo, suspirou. — Vamos para a versão resumida, vocês são os elementais, terra, água, fogo e ar...
— Tá. Pula essa parte. — Disse Clara impaciente.
— Então, cada um de nós. — Continuou como se não tivesse sido interrompido. — Temos o dever de proteger uma de vocês. Meu bando. — Apontou para os homens parados no beco os olhando. — Estão aqui para proteger a ruivinha, ela tem o chamado da terra mais presente, pelo que posso sentir. — Apontando para os alados. — As fadinhas aí devem estar protegendo a loirinha. Como a garota que controla o fogo, foi levada por alguém que eu desconheço, já que os magos de fogo há muitos anos não existem. Acredito que você seja da água. — Fez uma careta. — Então tenho que te proteger também, já que tenho uma dívida de honra com os guardiões das águas e eles não conseguem chegar até aqui.
— Por quê? — Clara questionou.
— Os rios da cidade estão muito poluídos. Eles não conseguem viajar por eles. — Disse com pena.
— Não é verdade, que os magos do fogo não existem. — Disse o loiro. — Eles estão escondidos. De todos nós, eles são os que menos têm.
— Tá de brincadeira. — Gritou Adam. — Onde estão estes putos que não vieram nos ajudar.
— Só conheço um. E ele está no lugar que chamam de ABC.
— Por que no ABC? — Perguntou Liz.
— Por causa, das chamas. Lá tem uma fábrica que as chamas nunca acabam. Se fosse antigamente, eles estariam perto de vulcões.
— Então temos que ir para o polo petroquímico achar o mago do fogo? — Perguntou Karen. — Foi ele que levou a Melissa?
— Não. Eu posso sentir os elementos e os guardiões deles. — Falou Adam. — Eu não sei quem levou a amiga de vocês, mas meu trabalho é manter vocês duas seguras...
— Sem os quatro elementos não podemos restaurar a energia da terra. — Interrompeu o loiro. — Temos que achar o elemento fogo.
— Cara! — A paciência de Adam estava acabando. — Eu ainda não sei como a polícia não chegou até aqui, mas acredito que não tarda...
— Controlamos os humanos, eles estão a dois quilômetros daqui em transe. — Adam olhou para alto loiro e balançou a cabeça.
— Tinha esquecido desta particularidade de você.
— Mas com o nascer do sol, isso irá acabar. — Apontou o céu começando a clarear.
— Temos que ir. — Olhou para as meninas. — Vocês vão precisar de roupas.
— Eu não vou com você. — Clara indagou. — Estou indo para casa. Meus pais devem estar a minha procura... — Ela parou de falar e colocou a mão no pescoço, olhou em direção aos silfos. E só não caiu no chão porque Adam a segurou.
— Eu não sei qual o problema com vocês. — O silfo loiro falou. — Os elementais estão diferentes, mas não podemos deixar os humanos verem vocês.
— Lupus disse que não sabe o que aconteceu. — Karen colocou uma mecha acobreada atrás da orelha. — Que desta vez é diferente, que a alma da hospedeira — apontou para si mesma — misturou-se com a alma do elemental, agora somos um só.
— Aquila, esse é o nome do meu elementar confirma a informação. — Liz disse, e se aproximou do loiro. — Ele disse que posso confiar em você, e eu realmente não sei o que está acontecendo. Precisamos achar Melissa também.
— Estou a seus serviços senhorita...
— Me chamou Megaliz ou somente Liz. — Ela sorriu para o loiro. — E como vocês se chamam?
— Traduzindo meu nome seria iluminado, mas o nome humano seria Lucas. — Apontando para cada guerreiro foi dizendo os nomes. — Bento, Marcos, Pedro, Nathan, Bruno.
Karen olhou para o moreno, que estava segurando a Clara. — Sou Karen.
— Sou Adam, e apresento a você aos meus homens quando estivemos em segurança.
— Venha senhorita Liz, irei levá-la...
— Sem ofensa, cara. — Adam interrompeu. — Está amanhecendo e vocês terão que voar muito alto para não serem vistos pelos humanos. Devido a esta nova condição dos elementares, pode ser que a menina aí, congele lá em cima. Um dos meus homens irá levá-la e vocês nos seguem. É um lugar seguro aqui na capital.
— Bixiga, o lugar da melhor macarronada de São Paulo. — Adam caminhou pelo beco com a menina no colo.
Os Silfos guardaram suas espadas e levantaram voo. Por entre as nuvens vigiava o grupo de motociclistas cortando a cidade de São Paulo, na garupa deles, as garotas viajam sem saber o que o destino reservava para elas.
***
Na manhã daquele dia, todos os noticiários do estado de São Paulo anunciaram o estranho sumiço de quatro corpos do IML dos Jardins. Todos na rua comentavam o fato. Como o prédio foi brutalmente vandalizado. As autoridades não sabiam o que fazer, pois não tinham nenhuma pista. Nada nas imagens das câmeras e nenhuma testemunha confiável. Um morador de rua jurava que viu monstros de olhos vermelhos, homens gigantes e anjos levando as meninas para longe. O pobre coitado foi admitido na Santa Casa de Misericórdia e se encontra fortemente dopado.
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