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Além Das Sombras

Prólogo

No início dos tempos, quando a sede de poder consumia os corações dos homens, surgiu uma busca incessante pela vitalidade e pela força sem igual. Anos de experimentos e estudos levaram a descoberta de um gene, um fragmento ancestral que os humanos compartilhavam com os lobos. Com essa descoberta, uma nova era se iniciou, uma era em que o destino da humanidade se entrelaçaria com o dos lobos.

Os primeiros experimentos foram marcados por fracassos e desilusões. Tentativas frustradas de unir o homem e o lobo em uma só essência resultaram em tragédias e caos. Contudo, mesmo diante das adversidades, a determinação persistiu. Cientistas incansáveis mergulharam nas profundezas da genética, buscando a chave para desbloquear o potencial oculto dentro de cada ser humano.

E então, um dia, a revelação chegou. Um avanço monumental, conquistado após inúmeras tentativas e sacrifícios. O segredo para unir homem e lobo foi finalmente desvendado.

Surgiu uma nova era de possibilidades, onde os indivíduos poderiam abrigar em seus corpos não apenas uma, mas duas personalidades distintas. O humano e o lobo, cada um compartilhando o mesmo espaço, coexistindo em uma ligação única.

Assim, os portadores desse gene foram agraciados com uma dádiva e uma maldição ao mesmo tempo. Capazes de se transformar em lobos ferozes, enquanto ainda mantinham sua essência humana, criando uma dualidade complexa e fascinante.

Mas claro, a ganância leva os seres humanos a caminhos extremos.

Não satisfeitos em apenas criarem uma raça complexa, eles queriam mais: criar uma raça única e especial que transcendesse as limitações humanas e que fosse a mais poderosa dentre essa raça.

Após anos de pesquisa e experimentação, eles finalmente alcançaram o que parecia ser o ápice de sua ambição: os Supremos.

Os poderes dos Supremos são verdadeiramente fascinantes e únicos. Além de sua força incomparável, eles possuem uma habilidade extraordinária de ocultar suas próprias essências de lobo. Isso significa que eles podem se tornar completamente invisíveis para qualquer lobo, incluindo os poderosos Alfas.

Essa capacidade de se camuflar é uma arma secreta dos Supremos, permitindo que eles se movem livremente e ajam sem serem detectados. Eles se tornam sombras na escuridão, observando e aguardando o momento certo para agir.

No entanto, há uma característica que os identifica: seus olhos vermelhos únicos, quando estão transformados em lobos.

Esses olhos brilham com uma intensidade sobrenatural, revelando a verdadeira natureza dos Supremos. É através desses olhos que eles são reconhecidos, mesmo quando estão escondidos nas sombras.

Os Supremos, reconhecendo a injustiça e a opressão, lideraram os rebeldes em uma luta épica pela liberdade e igualdade

Os cientistas, outrora considerados como visionários e mestres da ciência, tornaram-se alvos de uma ira justificada.

A revolução foi marcada por momentos de heroísmo e sacrifício, com os rebeldes lutando com unhas e dentes contra seus opressores. No final, eles emergiram vitoriosos, proclamando sua independência e estabelecendo uma nova ordem baseada na justiça e na igualdade.

No entanto, a paz conquistada foi frágil e momentânea. Algumas rachaduras começaram a aparecer na comunidade dos rebeldes.

A raridade dos supremos os tornavam ainda mais valiosos e cobiçados. Enquanto alguns os admiravam como seres excepcionais, outros alimentavam uma inveja profunda, desejando desesperadamente o que eles possuíam.

Essa inveja e desejo de poder levaram à revolta.Alguns membros, insatisfeitos com a situação, decidiram seguir seu próprio caminho e formar uma nova aldeia.

Mas não era apenas uma questão de independência - eles tinham um plano ambicioso em mente: capturar os Supremos, para fortalecer sua própria posição e ganhar vantagem sobre os outros. Movidos por suas ambições, eles iniciaram uma busca implacável pelos últimos Supremos.

Diante dessa ameaça iminente, os últimos Supremos perceberam que não tinham escolha a não ser se ocultar nas sombras, desaparecendo do mapa e evitando serem capturados a todo custo. Cada passo era calculado, cada sombra utilizada como abrigo, enquanto eles lutavam para preservar sua liberdade e manter seu poder em segredo.

No entanto, mesmo com os Supremos desaparecidos, a rivalidade entre as duas aldeias persistia, alimentando uma busca incessante pelo poder supremo. Essa competição sem fim lançava uma sombra de incerteza sobre o destino de todos, enquanto o conflito entre o bem e o mal continuava a moldar o mundo ao redor.

Não se sabe se os últimos supremos estão vivos, ou se estes já morreram enquanto se escondiam...

O paradeiro deles permanece um mistério....

Até hoje.

Capítulo 1

Frio.....

Não tinha uma parte do meu corpo que não estava congelando...

Eu tinha que ficar quieta, a espreita, mas era praticamente impossível não me tremer, quando eu estava em um verdadeiro inferno congelado.

A paisagem era branca com marrom...branco da neve e o marrom das árvores com seus galhos secos...

Pra onde eu olhava nessa droga dessa floresta tinha neve...

A minha direita: neve

A minha esquerda : neve

Embaixo: neve

Atrás: neve

Dentro da minha bota : neve...

Eu não teria que estar aqui se eu não tivesse comido minha última reserva de carne.

Agora tô tendo que caçar a droga do jantar.

Por que eu não comprava? Bem, vejamos....

Por que a próxima cidade está a milhas e milhas daqui, e meu quadriciclo não vai conseguir chegar até lá....

Eu morava no meio dessa floresta desde que eu me entendo por gente. Literalmente eu nasci e fui criada aqui, pelo meu pai...

Minha mãe? Minha mãe faleceu após me dar a luz...

Eu queria muito ter conhecido ela, meu pai contava história incríveis sobre ela, sobre como ela era uma mulher incrível e forte, e o quanto ele era apaixonado nela...

Meu pai era uma incrível....

Eu disse era, por que ele também faleceu....

Quando eu tinha 17 anos, ele se feriu enquanto caçavamos e não resistiu...

Desde então estou sozinha...isso já faz uns quatro invernos, pra ser mais exata, cinco contando com esse agora....

Se é entediante morar sozinha no meio do nada?

Completamente

Eu falto ficar louca e converso sozinha ?

Com certeza

Na verdade, acho que o fato de eu falar sozinha não me classifica como louca...acho que é só um complemento da minha insanidade...

Então, enfim, meus ouvidos captam algo...

Fico imóvel, sem nem respirar....

Um cervo aparece...

Ele não me vê camuflada na neve.

Seus olhos negros olham em volta mas nem se quer notam a minha presença

Com calma , quase em câmera lenta, eu mexo a mira do rifle apontando pra ele....

Respiro fundo e prendo a respiração...

O cervo anda um pouco...

Meu dedo roça no gatilho...

E então eu aperto...

O cervo não tem tempo de correr. Ele está caído no chão e eu tenho certeza que o barulho ecoou por toda a floresta...

Por que eu não usei o arco? Por que eu tô com fome, frio, e sem um pingo de paciência...

Coloco a alça do rifle no ombro e vou andando até o cervo.

Pego a corda e amarro em sua perna e arrasto ele até o quadriciclo....

Tiro a capa do quadriciclo e com muito esforço coloco ele na traseira do quadriciclo...

Meu pai tinha adaptado a traseira com um compartimento grande o suficiente pra colocar a caça... Tipo um cesto bem grande....

Eu coloco ele ali, recolho tudo e então começo a dirigir de volta pra casa...

Eu teria carne pra um bom tempo....

Enquanto o vento gelado corta meu rosto penso nas possibilidades do que fazer com aquela carne

Poderia fazer um ensopado...

Ou carne ao molho....

Com pão....hmmm....

Minha boca começa a salivar só de pensar nas possibilidades, mas logo meus pensamentos são interrompidos quando vejo um vulto no canto do olho, logo seguido de um barulho alto de metal, um grito cortante e uivos de dor, me fazendo parar imediatamente...

Desço do quadriciclo e pego o rifle andando em direção ao barulho.... é um som angustiante de pura dor que faz meu coração apertar...

Vou andando até que eu encontro um lobo com a pata preso em uma armadilha presa ao chão...

Ele era enorme.... Acho que um dos maiores lobos que eu já vi.... eu me sentia pequena perto dele....

Com as quatro patas no chão ele era maior que eu....

A armadilha perfurava sua pata causando angústia e dor, mas assim que me vê ele começa a rosnar, seus olhos cheio de dor e desconfiança...

Era um rosnado baixo e gutural que de certa forma me causava arrepios, mas o que me chama a atenção são seus olhos....

Azuis....

Um azul claro intenso e brilhante como o céu em um verão....

Pareciam dois topázios azuis....

Dou mais um passo e seu rosnado fica mais forte, seus caninos ainda mais a mostra, e apesar de sua pata presa, ele estava pronto pra atacar

Foi então que me dou conta de que ele rosnava por conta do rifle.

Com as mãos trêmulas eu me abaixo ainda olhando pra ele, colocando o rifle no chão e me afasto do rifle lentamente

"Está tudo bem", murmuro para o lobo com voz suave, tentando transmitir calma "Não vou te machucar. Só quero ajudar."

O lobo me encara por um momento, seus olhos azuis fixos nos meus, e parecia que ele estava pensando em minhas palavras.

Lentamente, o rosnado diminuiu, substituído por um olhar cauteloso, mas menos hostil.

É um pequeno progresso, mas o suficiente para me dar esperança de que eu poderia ajudar ele a se libertar da armadilha que o prendia.

Com cuidado, dou mais um passo à frente, pronta para começar a minha missão de resgate.

" Eu vou te tirar daí.... só....só não me morde...." Digo

Agora pronto....além de louca, eu estava com síndrome de branca de neve, falando com os animais como se eles fossem entender.

Eu olho para a armadilha....

Era uma armadilha de pressão....tava enfiada na neve, não tinha como ele ver....

Mas essa armadilha não é minha.....

" Espera um minuto" Digo e corro pro quadriciclo

Vasculho minhas ferramentas e a única coisa que acho é uma chave de boca

" Vai ter que servir..." Murmuro voltando pro lobo

Com passos cautelosos eu me aproximo dele....Ele me olha desconfiado e quando vê a ferramenta ele rosna e morde o ar como se dissesse "isso não"

" Mas é pra te soltar..." Eu murmuro e dou mais um passo mas ele faz a mesma coisa

Respiro fundo e jogo a ferramenta pro lado, e automaticamente ele para

" Exigente você hein..."

Um pouco abaixada eu vou me aproximando

" Se você me morder eu te mordo de volta " Digo

Ando mais alguns passos e ele rosna baixinho

Então eu mostro os dentes e faco barulho como se imitasse seu rosnado.

" Eu também sei fazer " Digo sem paciência

Ele me olha como se estivesse confuso e se senta me olhando , e eu diria que lá no fundo tem uma pontada de submissão

Eu olho pra armadilha de novo....Eu vou ter que dar um jeito

Coloco o calcanhar da bota de um lado e seguro no outro e então começo a fazer força....

E força.....

Aos poucos começa a se movimentar...

Vai.....

A armadilha abre mais....

E mais...

Só mais um pouco.....

" Me ajuda...."

Então, em um último puxão , eu consigo abrir o suficiente pra ele tirar a pata

Assim que eu vejo que ele saiu eu solto, caindo sentada no chão, sem força, com a respiração ofegante...

Estava pingando sangue...foi um machucado feio....

Ele precisa de ajuda senão isso vai ficar pior...

Eu tento me aproximar, mas ele dá um passo manco pra trás

" Tá tudo bem...." Murmuro

Antes que eu pudesse dar mais um passo eu escuto uivos, e o lobo começa a rosnar

" Acho que não são seus amigos...." Murmuro

Sei que vai ser loucura e estupidez mas eu não posso deixar ele aqui pra morrer.....

Eu pego meu rifle e assobio pra ele e ele me olha virando a cabeça pro lado como se estivesse confuso

" Vem...eu vou te ajudar...." Digo estalando o dedos o chamando

Sim, por que é bem capaz que um lobo selvagem vai vi- ele veio....

Ele vem mancando e eu vou chamando ele até o quadriciclo

Eu olho pra onde ele poderia sentar mas está com o cervo.....

Eu olho pro lobo e olho pro cervo tentando decidir o que fazer e então escuto o uivo de novo....

Sem pensar duas vezes eu empurro o cervo pra fora do cesto e chamo ele pra sentar ali...

Mancando, ele se acomoda atrás

Rapidamente eu subo no quadriciclo e dou o fora dali...

A medida que vou dirigindo eu vou olhando pra trás...

Sem lobos na nossa cola...

Eles podem ser rápidos,mas não acho que seriam mais do que está geringonça....

Assim que chegamos em casa eu desço e o chamo indo em direção a garagem....

Ele desce com dificuldade e vem mancando em minha direção

Eu abro a porta e ele me segue...

Ele se senta no meio da garagem e me olha...como se pedisse ajuda....

Eu vou vasculhando a garagem em busca de alguma coisa que possa ajudar...

Eu acho iodo e alguns tecidos limpos e algo que eu possa usar de tala...

Eu me aproximo dele um pouco receosa, e me abaixo, batendo no chão e assobiando de leve, como se dissesse pra ele deitar e por incrível que pareça ele o faz....

Ele não deve ser um lobo normal....deve ser algum tipo de cachorro, alguma mistura que resultou em um cachorro assim, talvez um Mastim Tibetano....sei lá

Bem, é hoje que eu vou ficar sem metade do meu rosto...

Eu me aproximo dele e olho sua pata mais de perto....

Eu pego o iodo

" Isso vai arder...." Digo colocando um pouco no machucado dele e ele chora um pouco

Com cuidado eu pego a pata dele e ele chora mais um pouco

" Prometo que vai ser rápido..." Murmuro

Com muito cuidado eu consigo enfaixar a pata dele deixando ela imobilizada

" Pronto..."

O lobo me olhava, como se estivesse agradecido mas ainda sim com dor

" Vai ficar tudo bem, garotão" Digo esticando a mão com cuidado e eu vejo que ele não reage.

Então eu começo a coçar sua cabeça e sua orelha e ele parece gostar, seu rabo abanda de leve...

" Você gosta garotão? Você foi muito forte e foi um bom menino..." Digo fazendo carinho nele " Foi sim, foi um bom menino....Eu vou pegar algo pra você comer....você deve tá faminto..."

Eu me levanto e recolho as coisas guardando elas

" Fica aqui....eu vou trazer comida" Eu digo fazendo sinal pra ele ficar " Fica...eu já volto"

Vasculho a geladeira ou qualquer coisa que possa servir pra ele comer...

Pego uma vasilha grande e coloco as coisas ali e vou em direção a garagem...

Mas assim que eu abro a porta um grito escapa dos meus lábios e a vasilha cai da minha mão.

No lugar do lobo estava um homem com o braço com o mesmo machucado do lobo....

Instintivamente, levo as mãos ao rosto cobrindo meus olhos com força tentando processar o que estava acontecendo.

"Você... você tá pelado!" exclamo

Aí meu deus ..

Tem um cara pelado na minha garagem!

Capítulo 2

" Olha eu posso explicar " O homem diz

" Pelado!" Eu digo, minha voz soando mais aguda do que eu queria

" Você tem alguma roupa , algum pano ?"

" Aí meu deus, você tá sem roupa! " Eu me sinto envergonhada por ter visto algo tão íntimo e invasivo sem aviso prévio. Meus olhos ardiam de constrangimento, mesmo que eu não pudesse vê-lo

Meu coração martelava dentro do peito, e eu queria desesperadamente que tudo fosse apenas um sonho estranho do qual eu pudesse acordar a qualquer momento.

" Eu tô tentando não ficar..." Ele murmura

Eu me viro e fico de costas tirando meu casaco e então estico o braço sem olhar pra ele, e ele pega o casaco

" O que diabos é você e cadê o lobo?" Pergunto

Eu escuto o barulho do tecido sintético da minha jaqueta

"Eu...eu sou o lobo." Ele diz calmamente

Tão calmo que eu me pergunto se eu tinha ouvido corretamente.

Eu me viro pra ele

" Como-Ai meu deus você tá-" Eu cubro o olho novamente....Ele não tava completamente nu agora...a jaqueta cobria sua...partes...

Mas ele ainda tava com o peitoral e o abdômen expostos...

Sem perceber eu abro só um pouco dos dedos e me permito olhar um pouco....

Céus....

O cara era um armário....

Mas o que me chama atenção é seu braço....Tava sangrando...

" Seu braço.... eu vou procurar alguma coisa pra você vestir" Digo um pouco desesperada saindo dali e correndo pra dentro de casa.

Eu pego algumas roupas do meu pai no armário e um par de botas, ele ia precisar delas pra ir pra não sei onde, mas com certeza aqui ele não ia ficar...

Eu vou pra garagem e abro a porta mas não entro

Eu coloco apenas o braço pra dentro com as roupas e o sapatos, e então vejo suas mãos pegando elas

" Quando se vestir, saia e entre na casa, eu vou fazer o curativo do seu braço antes de você ir..." Digo e saio dali, entrando em casa

Pego meu kit de primeiros socorros e coloco em cima da mesa e entao eu espero...

Um tempo depois escuto a porta de abrir e escuto passos hesitantes

" Estou na cozinha " Digo alto o suficiente pra ele ouvir

Pouco tempo depois ele aparece na entrada da cozinha segurando o meu casaco

Eu desvio o olhar claramente constrangida

" Seu...casaco" Ele diz estendendo o casaco

Eu pego o casaco fazendo como uma pinça com os dedos e coloco na cadeira ao lado

" Pode deixar que eu vou queimar ele...." Murmuro

" Eu sei que deve -"

" É melhor eu cuidar do seu braço antes.... O curativo se desfez e você tá sangrando..." Digo " Senta..." Digo e ele o faz " Coloca o braço em cima da toalha.... "

Olhando o machucado assim, na pele humana o corte parecia ainda pior....não estava sangrando tanto ,mas ainda estava feio....

Eu levanto seu braço com cuidado.... Ele franze o rosto em dor

" Não parece fraturado....Deu sorte, por que se fosse a armadilha sem garras seu braço taria em pedaços" Murmuro colocando seu braço de volta na toalha

Eu passo o iodo e logo em seguida estou fazendo os pontos.

Ele chia e geme de dor, mas eu continuo com o procedimento

" Se você ficar quieto vai ser mais fácil pra mim terminar " Digo

" Eu tô tentando..." Ele diz entre os dentes, sua cara se enrugando em dor

Depois de dar os pontos eu limpo seu machucado e enfaixo ele

" Pronto..." Murmuro " Agora....que merda aconteceu na minha garagem? Que história é essa de você ser o lobo? " Pergunto

O homem, ou melhor, o lobo transformado respira fundo antes de falar

"Eu sei que isso é difícil de entender" ele começa sua voz carregada de sinceridade. "Mas sou eu, aquele lobo que você encontrou preso na armadilha....Eu...Desculpa é difícil explicar isso pra uma pessoa normal..."

Ele suspira como se sentisse o peso da minha perplexidade.

"É uma longa história", admitiu ele, parecendo escolher cuidadosamente suas palavras. "Mas o que você precisa saber agora é que eu sou humano, assim como você, mas com a habilidade de me transformar em um lobo quando necessário...minha genética é resultado de um experimento científico que me dá essa possibilidade..."

Eu engulo seco, tentando assimilar essa informação extraordinária....

" O que você estava fazendo lá na floresta?" Pergunto "Tava atrás da chapeuzinho vermelho?"

Ele revira o olho de leve visivelmente cansado

" Eu estava com um grupo...eu vi que o perigo se aproximava e eu corri tentando distrair os outros lobos, dando oportunidade pro grupo fugir em segurança... O resto foi de sua inteira responsabilidade"

" Minha...minha responsabilidade?" Digo sem entender

" Sim....você é uma caçadora....e minha pata ficou presa na sua armadilha" Ele diz

" Aquela não é minha armadilha....Eu não uso aquele tipo de armadilha por que tortura o animal...Você está certo eu caço, mas apenas com arco e rifle...." Eu me levanto respirando fundo " Você mora longe daqui?"

" Um pouco"

" Hmm...bem eu vou fazer algo pra comer ....no caso uma sopa, por que eu deixei o meu estoque de carne pra trás pra te salvar, então sem proteína hoje " Murmuro

Enquanto eu mexo na cozinha eu sinto seu olhar sobre mim

" Você ...parece estar aceitando tudo numa boa..." Ele diz

" Uhum.... é por que você não é real...." Eu me viro pra ele " Em algum momento desse sonho maluco eu vou acordar e vou ver que nada disso aconteceu, e que eu vou estar acordando pra caçar um cervo de 75 kilos"

Então eu me viro e volto a arrumar as coisas pra fazer a sopa.

Eu lavo as verduras e começo a cortar elas.

" Você mora sozinha?"

" Uhum..." Respondo

" Por que ?"

" Por que o que?"

" Por que mora sozinha?"

" Por que minha família está morta.... O que mais quer saber? Minha idade? Signo? Minha cor favorita?" Debocho

" Não...eu só... é estranho uma pessoa normal morando sozinha no meio do nada...eu nunca tinha visto essa casa e muito menos sabia que morava gente pra cá...."

Eu paro de cortar e apoio minhas mãos na bancada

Isso não pode tá acontecendo...

Não pode....

Respiro fundo e volto a preparar as coisas.

Depois de colocar tudo na panela eu vou até a lareira e acendo o fogo....

Esfrego meus braços tentando me esquentar...

Pego um casaco pra mim e pego a jaqueta do meu pai e entrego pra ele

" Veste, senão vai congelar..."

" Obrigada...." Ele murmura

Assim que fica pronto eu faço nossos pratos e coloco na mesa de frente pra ele

Nós comemos em silêncio...pelo menos eu esperava que ele só comesse quieto

" Por que me salvou ?" Ele pergunta

Eu respiro fundo

" Preferia que eu te deixasse lá?" Respondo

" Você é mais educada quando tá falando com um animal do que com um humano...." Ele murmura

Eu como mais um pouco em silêncio

" Eu não sei...só não achei certo deixar o lobo lá sofrendo...eu não acho certo essas armadilhas... E se eu descobrir quem colocou elas lá eu mesma vou fazer questão de prender o braço dela lá " Murmuro voltando a comer

É irônico eu caçar e não gostar disso?

Muito

Só que meu pai sempre me ensinou a nunca deixar os animais sofrerem...então sempre que íamos caçar, fazíamos de uma forma que o animal não agonizasse....um fim rápido.

Tanto que em animais de grande porte eu sempre usava o rifle...

Agora quem está fazendo isso?

Quem tá caçando na minha região?

Nesses cinco anos nunca vi uma alma viva se quer....

" Quer mais ? " Pergunto quando vejo que ele termina

Ele concorda com a cabeça um pouco sem graça

Eu me levanto pegando o prato dele e colocando mais, e entrego pra ele

" Aproveite..." Digo

Enquanto estávamos ali, compartilhando a comida, dou uma boa olhada nele.

Ele tinha uma barba bem aparada e cabelos escuros levemente ondulados. Seus olhos castanhos, tão diferentes da intensidade azul dos olhos do lobo, transmitiam uma mistura de calma e mistério. Seus traços eram bem masculinos e meio rústicos, como alguém acostumado a viver na floresta. E sua pele clara completava o conjunto....

Bem....eu não podia negar o cara era bonito.... E sarado....

Ele olha pra mim, percebe que eu estou olhando e rapidamente eu desvio o olhar pra minha sopa

" Quando for embora, pra terra do meu subconsciente, tenta não se transformar no lobisomen, senão seus pontos vão romper" Digo

" E como eu vou voltar pra casa?"

" Isso já não é problema meu..." Digo dando de ombros, fingindo indiferença.

Há um momento de silêncio tenso entre nós.

Finalmente, ele olha para mim com uma expressão de calma misturada com um pouco de ressentimento.

"Entendo" Ele murmura , sua voz suavizando.

Eu forço um sorriso falso.

"Não precisa agradecer. Apenas... cuide-se." Murmuro

Depois de comer ele se levanta

" Bem...eu preciso ir antes de escurecer....Obrigado por tudo o que você fez por mim. Eu nunca vou esquecer." Ele diz e eu assinto com a cabeça

Ele parece relutar em ir, mas logo se vira e sai da cozinha.

Instantes depois eu escuto a porta se fechar...

Eu afasto o prato e apoio minha cabeça na mesa

" Que merda foi essa?.... " Eu murmuro tentando entender tudo que aconteceu até agora " Isso é um sonho não é?... Não.....não é.... Mas que...."

Eu levanto a cabeça e olho pro prato dele....

" Não....você não vai fazer isso, pode ficar quietinha aqui...." Digo pra mim mesma

Eu me levanto e lavo os pratos.

Depois disso vou até a garagem limpar a bagunça...

Assim que eu abro a porta eu vejo a comida caída no chão com a vasilha e o sangue no meio da garagem...

Eu limpo tudo e então fico olhando pra onde eu acabei de limpar o sangue

" Não.... Você não vai..." Digo firme " Aí como eu te odeio..."

Entro em casa, apago a lareira e pego duas toucas.

Visto uma e ponho a outra no bolso.

Saio de casa e vou pro quadriciclo, ligo e vou andando pela parte baixa....

Eu dirijo por um bom trecho até encontrar ele andando.

Assim que ouve o barulho ele se vira na minha direção.

Eu paro ao lado dele , enfio a mão no bolso e entrego a touca pra ele.

" Sobe....eu vou te deixar em casa....não quero ter responsabilidade se você morrer no meio da floresta..." Digo

Ele me olha com surpresa, seus olhos refletindo a gratidão que ele não conseguia expressar em palavras. Com um aceno silencioso, ele aceita minha oferta e sobe atrás de mim

" Pra que lado fica sua casa?" Pergunto

" É só continuar a sudeste que você vai chegar lá " Ele diz

" Se segura..."

Ele se segura na alça do banco de trás, e então eu arranco.

Vamos dirigindo por um bom trecho em silêncio, até que eu avisto o que parecia ser uma pequena cidade

Minha sobrancelha se franze....

Era uma cidade com muros e tudo....como uma aldeia.

" Pode parar por aqui " Escuto ele falar e eu diminuo a velocidade parando.

Ele desce, tira a toca e estende pra mim

" Fica..." Eu digo.

Relutando um pouco ele abaixa o braço....

" Mais uma vez obrigada. " Ele diz e eu só assinto com a cabeça, acelero um pouco , dando a volta e indo embora

Eu não vou prolongar e muito menos tentar conversar com ele....

Não vou mentir...eu fiquei completamente intrigada com o fato de ter uma aldeia por aqui e eu nunca ter visto.... Ficava a uns 30 minutos da minha casa....

A pé iria demorar muito mais...ele ia congelar no meio do caminho....

Por que eu nunca vim pra cá?

Digamos que eu tenha meus motivos pra não me afastar muito de casa...

Medo....traumas...

A floresta pode ser muito perigosa quando ela quer.

Percebo que o sol já se pôs e eu chego em casa assim que escurece.

Eu guardo o quadriciclo e entro em casa.

Tomo banho, como alguma coisa e subo pro meu quarto.

Eu acendo a lareira e vou deitar....

Minha cama era praticamente do lado da janela então eu conseguia ver o que estava lá fora..

Eu fico olhando as estrela relembrando da cena vez após vez...

O constrangimento é igual quando lembro de mim entrando na garagem e vendo o cara....

Eu esfrego a cara como se isso fosse apagar as memórias da minha mente...

Não que fossem memórias ruins, convenhamos...

Mas foi tão vergonhoso...

Eu não imaginava que a primeira vez que fosse ver um cara assim seria na minha garagem por que ele era um lobo....

Céus o cara era um lobo....

Eu sabia que aquele lobo não tava normal.....

Eu tento todas as posições pra dormir mas parece que nenhuma consegue me fazer pegar no sono....

Os dias se passam e praticamente saio todos os dias pra caçar e volto sem nada pra casa....

Eu deixei a droga da minha caça pra salvar aquele lobisomen e agora não consigo pegar mais nada...

A única coisa que vou pegar vai ser um resfriado...

De noite, depois de apagar as luzes eu vou pra cama....

Minha casa tinha placas de energia solar...

O que me proporcionava o básico, como banhos quentes, geladeira funcionando e luzes na casa sem precisar de uma lamparina...

Eu deito e não demora muito pra pegar no sono...

Mas de noite eu acordo com uma sensação de estar sendo observada....

Eu me sento na cama e olho ao redor...

Nada...

Entao eu olho pra janela....

Aqueles olhos...

Era a única coisa que brilhava na escuridão...

Aqueles mesmos olhos azuis e brilhantes....

Mas que merda ele tá fazendo aqui?

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