Alessandra Lira
O vento bate em meus cabelos enquanto caminho pelo parque, esse tem sido meu refúgio nos últimos meses, todas às tardes eu venho aqui e tento me esquecer de todos os problemas, a vida não foi justa comigo, com certeza eu devo ter feito algo de muito errado em outra vida.
Suspiro e deixo um ar pesado sair pelos meus pulmões, olho pro céu e às cores alaranjadas e azuis estão por toda parte, uma memória me deixa melancólica. Enxugo uma lágrima que teima em cair, por mais que eu não queira, me lembrar de Kimberly sempre me deixa assim, e a fala sério, a quem eu quero enganar? eu bem sei que sempre venho aqui, porque esse lugar me lembra exatamente dela, não importa quanto tempo passe, eu ainda acredito que um dia eu possa vim aqui e encontrar ela brincando com às outras crianças como sempre fazíamos.
E mais uma lágrima cai dos meus olhos, eu sinto tanta saudade da minha Kimberly, minha garotinha que em um ato de crueldade foi tirada de mim, nunca me esquecerei o dia em que levaram a única pessoa que me fazia querer viver, que me fez suporta um casamento arranjando por meu pai com um marido odioso.
Kimberly era fruto do meu casamento com Vitor Hugo, um empresário do ramo automobilístico, o mesmo que a quase um ano atrás, após o sequestro da nossa filha me deu o divórcio alegando que eu era uma imprestável, como se eu pudesse adivinhar que um dia alguém poderia arrancar um pedaço da minha alma ao sequestrar minha filha.
Já me perguntei tantas vezes, porque ela? porque minha pequena Kimberly? Ela só tinha 4 aninhos quando foi sequestrada, nunca vou entender porque isso aconteceu, ninguém pediu resgate, eu tinha tanta esperança de que eles queriam um resgate com seu sequestro, vitor e um milionário afinal, mas os dias se passaram e a minha angústia crescia dentro de mim, ninguém ligou pedindo resgate, até às surras e xingamentos do Vitor não eram maiores do que a dor de terem tirado ela de mim.
(Foto tirada da internet)
Quando 5 meses se passaram e eu me afoguei em uma depressão tão grande que nem conseguia sair do quarto, Vitor ainda me insultava todos os dias, e eu já não queria mais viver, foi aí que ele fez o que fez, me colocou pra fora sem nenhum dinheiro, nada, absolutamente nada, e és que me vi nas ruas, nem meu pai quis me amparar, eu só tinha sido uma moeda de troca entre ele e Vitor, e agora eu não servia pra mais nada, nem filhos eu poderia ter mais devido às complicações no parto da Kimberly, Vitor não me deixou cursar a faculdade depois do casamento e agora me via em um beco sem saída, sem formação, sem dinheiro, sem família e o pior sem minha filha.
vaguei pelas ruas e consegui um bico em uma mercearia, lugar onde trabalhei por uns meses mas faz dois meses que fechou e eu me vejo desempregada e com o aluguel atrasado, hoje tinha mais um alerta de despejo na porta, não sei o que vou fazer da minha vida, aos 29 anos eu não faço ideia de como conseguir um trabalho, eu já tentei em vários lugares mas não consegui nada, daqui a pouco vou me ver morando pelas ruas e pensar que meu ex marido e meu pai estão nadando em dinheiro, mas Vitor nunca gostou de mim, vivi um inferno nos últimos 10 anos da minha vida, só tinha melhorado um pouco depois do nascimento da Kimberly, mas com o sequestro Vitor voltou a ser o pior monstro comigo.
Balanço a cabeça e continuo caminhando, ouço às risadas gostosas das crianças pelo parque, pessoas correndo, brincando se divertindo e eu aqui pensando em todos os problemas da minha vida.
Ouço uma risada tão gostosa, então eu me próximo do grupinho de garotas que devem ter a mesma idade da Kimberly, elas brincam na grama, vejo de perto suas mães as observando, e um pai, ele usa um terno e parece tenso, meus olhos voltam pras crianças brincando no momento que uma garotinha tão branquinha acaba caindo de joelhos, meu coração se aperta, eu podia ver Kimberly quando isso acontecia, ela chorava tanto, a garotinha se levanta rápido, vejo um biquinho se formando em seus lábios, e a vejo olhar ao redor pras outras crianças e mães, algumas crianças estão próximas às suas mamães e eu me pergunto quem é a mãe dessa coisinha linda? quando ela se vira e me ver eu dou um pequeno sorriso, ela começa a chorar e vem na minha direção, meu peito se aperta ao ouvir sua voz.
"Mamãe... mamãe..."
Ela vem com seus braços estendidos pra mim, e eu em um impulso me abaixo e deixo ela me abraçar, carregando ela em meus braços.
"Oh meu amor, tá tudo bem, você vai ficar bem"
Eu enterro meu nariz em seu pescoço sentindo seu cheirinho, ela aperta seus bracinhos ao meu redor com mais força, eu sem querer começo a chorar, uma enxurrada de emoções me invadindo, todas às lembranças em um instante, e eu não sei mas quem deveria está confortando quem, mas essa garotinha está me dando o abraço mais significativo dos últimos meses e eu tenho vontade de eternizar esse momento.
Mais um instante se passa quando enfim eu tomo consciência do que estou fazendo, e eu penso na mãe dela e no que ela vai pensar, sua filha está me chamando de mãe afinal, eu abro meus olhos e me deparo com duas piscinas azuis me observando com curiosidade.
Dou mais uns tapinhas nas costas da garotinha que está começando a parar de chorar. limpo minha bochecha das lágrimas que deixei cair.
"Desculpe, acho que ela me confundiu com sua mãe" Eu digo pro homem diante de mim.
"Tudo bem" Ele diz e toca na menininha em meus braços.
"Vem filha com o papai" ele fala com delicadeza, ela ergue a cabeça pra ele e logo olha em meus olhos.
"Não papai, eu quero ficar com a mamãe".
Ela diz enterrado seu rostinho no meu pescoço.
"o colo da mamãe é tão bom" murmura.
Eu não sei o que está acontecendo, mas essa garotinha está me abraçando tão gostoso.
Seu pai me olha e eu o olho dando de ombros, não sei o que se passa.
"Manu filha" Ele tenta.
"Por favor, papai". Ela fala manhosa em meus braços.
A garotinha se grudou a mim e eu não sei explicar mas tem algo nela que me atrai e me desperta o desejo de querer cuidar e proteger, eu devo está carente e com saudades da Kimberly, esse deve ser o motivo pelo qual me encontro dentro de um carro de luxo com a garotinha em meu colo, ela se negou a me deixar ir, então seu pai me perguntou se eu podia acompanhar eles até em casa, eu não tinha realmente nada pra fazer e seu pai praticamente me suplicou e eu não entendi nada mas ele parece muito preocupado com ela, ele olhou seu machucado que não parecia tão ruim, mais sangrava muito, até colocou seu lenço pra estancar o sangue.
Assim que o carro parou eu não me surpreendi com a mansão a minha frente, eu tinha observado o terno sob medida que o homem usava, e o carro quando chegou, não vou dizer que estou surpresa com nada, eu cresci em um lá rodeado de luxo, mesmo que meu pai tenha feito algumas escolhas erradas, ainda tínhamos uma vida confortável, e meu ex marido também é um homem de negócio importante, eu sei me porta nesses lugares, estou familiarizada, mesmo que nos últimos meses eu tenha vivido tão longe de tudo isso, muito longe na verdade, com um pequeno quarto uma cama minúscula, e pouquíssimos móveis em um quartinho minúsculo.
Eu tenho dúvidas, sou um tanto curiosa mas não queria fazer perguntas sobre a mãe da Manu na frente dela, não sei o que aconteceu, temos um jantar, eu comi porque diante desse jantar meu apetite vai às alturas, tenho me alimentado em grande parte de macarrão instantâneo, eu tiro a barriga da miséria mas com muita classe. Eu vi o homem que nem mesmo sei o nome me observando, e eu nem mesmo pensei bem antes de ceder às vontades da Manu de vim com ela.
Eu observo que ela coça os olhinhos com sono, e eu sei que está na hora de ir embora, mas ela não deixa, me pede pra dar banho nela e colocar ela pra dormir, eu vejo os olhos de súplica do seu pai mais uma vez, e eu sou uma manteiga derretida quando se trata dessa fofura, então faço como ela pediu e começo a cantar a mesma música que cantava pra Kimberly dormi, acabo me emocionando mais uma vez, mas mantenho minha voz firme enquanto canto e acaricio seus cabelos, assim que ela dormiu me levantei e dei um beijo na sua testa a cobrindo com às cobertas.
Dei uma última olhada antes de me virar e dar de cara com seu pai me observando, eu me sinto constrangida, não deveria está mostrando tanto afeto por Manu, mas é mais forte do que eu, ele me dar passagem e me acompanha até a sala onde eu pego minha bolsa e enfim tenho que ser corajosa e me despedi mesmo que me sinta intimidada por essas piscinas azuis.
"Acho que agora que a Manu dormiu eu posso ir, obrigada pelo jantar" Ele me olha.
Com essa eu me viro querendo ir embora, mas minha vontade mesmo era fazer todas às inúmeras perguntas que estão na ponta da minha língua.
Quem são vocês?
cadê a mãe da Manu?
porque ela me chama de mãe?
o que você faz?
porque parece tão preocupado com a Manu?
são alguma das perguntas mas eu empurro todas elas pra longe querendo sair do mesmo ambiente que ele, que por sinal me deixa sufocada, eu não era assim, e eu não deveria me senti assim, mas eu passei 10 anos da minha vida me sentindo sufocada e sem poder questionar muitas coisas, até mesmo sobre Silvia a amante do meu ex marido, e por sinal a dona da casa, Vitor só precisava de um modelo perfeito de esposa pra assumir a empresa da sua família, mas se divertir mesmo ele fazia isso com Silvia e quando me procurava era agressivo, me humilhava e sempre terminava dentro de mim a fim de ter um filho, essa era uma das exigências da sua família, mas quando Kimberly foi sequestrada ele me descartou porque eu não posso mais ter filhos.
minha alternativa número um é fugir, é mais confortável do que encarar esse estranho, na real ele é isso um estranho e pai da garotinha que me deu um animo por algumas horas, eu tento ser rápida mas ele segura meu braço me fazendo parar, eu tenho a pior sensação é como sentir ás mãos de Vitor em mim, como se tivesse se preparado pra mais uma vez me agredir, e ele afastar a mão vendo meu desconforto.
"desculpe, eu só quero agradecer pelo que fez pela Manu hoje, ela está doente por isso insisti que nos acompanhasse, não tenho palavras suficientes pra lhe agradecer"
"Está tudo bem, a Manu é uma garotinha incrível, você tem sorte"
"Eu sei, obrigado por hoje"
ele estende a mão e eu aperto.
"meu motorista vai levar você"
"Não é necessário senhor"
"Meu nome é Mauro"
Eu me dei conta de que nem mesmo tinha perguntado seu nome, estava tão envolvida com a Manu que esqueci o detalhe.
"ah sim, Mauro não há necessidade"
"eu insisto" ele diz e eu percebo que ele não vai ceder fácil então decido aceitar.
"ok então, obrigada" entro no carro e penso um pouco sobre tudo que aconteceu hoje.
Me pergunto se algum dia eu vou deixar de sentir medo ou de me sentir intimidada por qualquer tipo de homem.
Alessandra
Chego em casa e estou de volta a minha realidade, tomo um banho, e deixo a pasta com meus currículos em cima da mesinha, amanhã preciso sair cedo pra entregar mais currículos, me deito e me pego pensando na Manu, faço uma oração breve pedindo a Deus pra que abra uma porta pra mim, eu consigo sei que consigo.
Acordo cedo e saio apressada, não quero cruzar com o Tomás, ele tem cobrado o aluguel que está atrasado, eu não tenho como pagar e estou em desespero precisando de um trabalho com urgência.
A manhã foi exaustiva, e confesso que não tenho ânimo de voltar pra casa, estou morrendo de fome porque nem mesmo tomei café, e vou ter que almoçar mais um macarrão instantâneo, chego na vila onde moro olhando pra todo lado, com medo de cruzar com o Tomás mas uma vez, ele deixou um aviso ontem de manhã que eu seria despejada mas eu sei que ele pode me dar mais uns dias, quando cruzo o corredor apressada e me sentindo aliviada de não ter encontrado com ele eu me deparo com uma mala na frente da minha porta, meu coração se aperta porque não pode ser o que eu estou pensando.
Cruzo o corredor rápido e observo a mala, alguém deve ter deixado aqui, só pode ser isso, tento acalmar a angústia do meu peito, é só isso. Pego minhas chaves e quando coloco na fechadura ela não gira, meu peito se aperta, Tomás não pode ter feito isso, eu não quero acreditar. Olho a mala e me assusto com a voz.
"Você me deve 2 meses de aluguel, eu quero meu dinheiro ou eu não vou devolver suas coisas".
"Você não pode fazer isso, Tomás, me dar mais um tempo eu vou te pagar"
"Eu já te dei 2 meses e ainda não recebi meu pagamento"
"Eu juro que vou pagar, só está difícil conseguir um emprego, mas eu vou me esforçar"
"Eu não posso esperar, tenho que receber pelo quarto e você está me atrapalhando, já poderia ter alugado pra outra pessoa"
"Por favor, Tomás, eu não tenho pra onde ir"
"Você pode pegar suas coisas quando me pagar, elas ficam como garantia".
Ele me deu às costas me deixando no corredor sem um teto, sem almoço, com fome, sem esperança. Às lágrimas de frustração começam a cair, eu às limpo, ou pelo menos tento, meu Deus, o que eu faço agora?
Sai dali e gastei meu último dinheiro com a passagem pra ir pra uma praia, o mar sempre me deixa calma e eu não sei o que fazer agora, nem onde dormir hoje eu tenho.
Em frente ao mar eu me pergunto se eu pedi ao meu pai por ajuda dessa vez ele irá me atender, ele deixou claro que Vitor estava de olho nele e que ele não queria que meu pai me ajudasse, esse desgraçado pensa que é o todo poderoso e quer me ver na lama, eu me sinto péssima por está dando esse gostinho a ele, não sei porque ele me odiava tanto, mas eu me admiro do meu pai não querer me ajudar só porque Vitor disse que iria romper com os negócios entre eles, e meu pai me virou às costas por causa disso, mesmo eu já tendo sacrificado a minha liberdade pra me casar com o Vitor, mas nem isso meu pai vê, não ver os sacrifícios que eu fiz pra ajudar nossa família.
É uma péssima ideia ligar pro meu pai e pedir ajuda, eu sei que vou ver às portas se fechando pra mim novamente. Ponho minhas mãos no rosto, sem saída, estou sem alternativas.
Meu celular toca me tirando do meu momento de solidão, vejo um número desconhecido, penso em recusa achando se tratar de mais umas daquelas ligações chatas pra oferecer plano, fala sério, eu nem tenho o que comer agora vou tá contratando plano da vivo, atendo irritada.
"Que é? eu já disse que não quero nenhum plano".
Aguardo a voz chata da mulher falar comigo e insistir que eu vou economizar usando um plano e minha resposta está na ponta da língua pra mandar ela ir pra caixa prega, mas a voz rouca do outro lado me faz estremecer, e eu sei de quem se trata, meu coração acelera um pouco enquanto eu assimilo às possibilidades de Mauro está me ligando, sendo que eu nem mesmo dei nenhum contato meu pra ele, como ele pode está a me ligar?
Ao mesmo tempo, tenho curiosidade de saber se a Manu está bem.
"Senhorita Lira?"
"Oi"
"Aqui é Mauro" Ele diz, como se eu não tivesse se lembrado.
"Sim Mauro, está tudo bem com a Manu?"
"Sim, Vai ficar. Estou te ligando pra oferecer uma proposta de emprego".
Meu Deus do céu, a palavra emprego faz meu coração saltar como um louco, sou tomada pela ansiedade e mal posso me conter.
"Emprego?" pergunto como se precisasse que ele repetisse pra eu saber que não estou somente criando coisas na minha cabeça.
"Sim, você poderia comparecer às 15:00h no prédio da inspiration art life?"
Eu não estou acreditando.
a inspiration art life é a maior agência de publicidade do Brasil, e já é conhecida mundo afora por algumas de suas propagandas brilhantes, será que ele trabalha lá e não sei quer me ajudar depois de eu ter ajudado com a filha ontem? está tudo tão confuso na minha cabeça que eu não posso mais me torturar.
"Posso sim, eu estarei aí".
Ele despede-se e desliga, eu abro um sorriso, oh!! Deus que der tudo certo.
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