MANFRED COMEMORAVA O sucesso do seu cassino clandestino. A casa lotada, muitas mesas espalhadas e gente jogando — apostando alto, do jeito que ele previa.
MANFRED — Isso aqui tá um máximo!
Ele vestia um terno preto risca de giz e usava uma gravata borboleta. Do seu lado, Fritz — seu sócio — olhava em volta. Deu batidinhas no ombro do amigo.
FRITZ — Você mandou bem, hein. Só tem gente aqui com muito dinheiro vivo na carteira.
Apontou discretamente para uma mesa. Manfred seguiu o olhar dele.
FRITZ — Olha só aquele aqui apostando um bolo de nota de cem…
MANFRED — Ouvi dizer que ele é médico e ganha muito bem. Se duvidar, sei o valor exato.
FRITZ — Quanto?
MANFRED — Quarenta mil paus.
Fritz deu uma risadinha.
FRITZ — Tá brincando…
MANFRED — Eu tenho minhas fontes confiáveis.
Eles foram direto ao open bar, servindo-se de rum. Manfred investiu pesado no cassino de luxo.
FRITZ — Falando sério, agora. Posso te perguntar uma coisa?
MANFRED — Pergunte.
FRITZ — Onde você conseguiu essa gente toda?
Manfred bebeu um gole de rum com pedras de gelo.
MANFRED — Heiko. Ele me deu uma lista seleta de pessoas com muito dinheiro e foi indicando… Aí o resto você sabe.
Fritz olha para os lados. E cochicha:
FRITZ — O agiota que você tá devendo até hoje?
MANFRED — Ele mesmo. Não esquenta com isso, não. Heiko sabe esperar e eu vou pagar ele com juros…
FRITZ — E o que você tá esperando pra pagar esse homem logo? Ele é perigoso.
Manfred deu de ombros.
MANFRED — Que nada… Ele nem sabe a existência desse cassino. Quem mandou o endereço pra cada um aqui fui eu.
FRITZ — Que diferença faz? Ele pode entrar em contato com um desses aqui e pedir o endereço do cassino.
MANFRED — Você acha que ele ia querer vir até aqui e me cobrar?
Fritz bebeu um gole de rum.
FRITZ — Ele é capaz de coisa pior. Só digo isso. Faz um mês que você deve a ele.
MANFRED — A dívida que eu tenho com Heiko não se compara com a do Ivan.
Fritz olhou fixo para o amigo.
FRITZ — Ivan Lafayette?
Manfred apenas assentiu com a cabeça.
FRITZ — Você é doido mesmo, sabia?
Manfred deu palmadinhas no ombro dele.
MANFRED — Calma, meu amigo. Tá tudo sob controle.
...*** ...
DO LADO DE FORA, Heiko andava discretamente na calçada. Ele observou que, para entrar no cassino clandestino, é preciso atravessar um caminho sinuoso de ladrilhos e se identificar para o segurança na porta.
Notou que o enorme casarão é muito discreto e facilmente acima de qualquer suspeita. Nem a polícia, fazendo ronda habitual, desconfiaria. A não ser que…
Ele discou um número no telefone. Esperou meio minuto.
HEIKO — Gostaria de fazer uma denúncia anônima.
Ele seguiu até o próprio carro. Girou a chave na ignição. Desligou o telefone, dando uma última olhada no lugar. Partiu, devagar.
HEIKO — Agora vamos ver quem se fode mais.
Heiko não era o tipo de homem que perdoava. Muito menos uma dívida atrasada, cujo devedor faturava cinco vezes mais e o enrolava de propósito.
...*** ...
O SEGURANÇA COCHICHOU discretamente no ouvido de Manfred. Ele apenas assentiu com a cabeça. Fritz se aproximou.
FRITZ — O que tá pegando?
MANFRED — Parece que ele viu uma movimentação estranha na rua.
FRITZ — Quer que eu vá lá fora pra dar uma olhada?
MANFRED — Pode ir. Só pra ter certeza de que tá tudo sob controle.
Fritz cochichou de novo:
FRITZ — Você tem certeza que não tem perigo algum? Sabe do que tô falando.
Era sobre Heiko e a dívida que só aumentava.
MANFRED — Sei, sei. Amanhã eu resolvo isso logo.
FRITZ — Era pra ter resolvido faz tempo. Enfim.
Fritz saiu.
Manfred bebeu o último gole de rum.
...*** ...
HEIKO SEGUIA PELA AUTOESTRADA. Seu celular tocou.
HEIKO — Fala, Kim. Acabei de ferrar com o canalha que não me pagou o que é meu.
Kim é o seu comparsa. Do outro lado da linha, ele saiu de uma viela. Lá tinha uma boca de fumo bem perigosa.
KIM — E aí, a polícia vem mesmo?
HEIKO — Disseram que sim. Cassino clandestino, né. Nem pode.
KIM — Fez bem.
HEIKO — E ai? O que é que tá pegando?
Kim contou que o “usuário” não tinha dinheiro para pagar naquele momento.
HEIKO — Problema dele. Vou ter que acabar com outro filho da puta?
KIM — Vai ser o jeito.
HEIKO — Me espera aí num bar perto. Já já chego aí.
Heiko desligou. E viu um furgão da polícia passando pela outra via, rumo ao bairro do cassino. E deu um sorriso, satisfeito.
...*** ...
MANFRED OBSERVOU, DE LONGE, que Fritz recebeu mais três homens de terno. Um deles tinha um anel peculiar no dedo mindinho. Parece um anel de quem tinha bastante poder.
Os três homens se acomodaram numa mesa vazia. Começaram a jogar.
Manfred esperou Fritz se aproximar.
MANFRED — Quem são eles?
FRITZ — O cassino tá fazendo sucesso “na praça”. Eles vieram por indicação de clientes.
Manfred deu um sorriso presunçoso.
MANFRED — Ótimo. Quanto mais faturamento, melhor pra nós.
Fritz deu uma risadinha.
FRITZ — Não vi nada de esquisito lá fora.
MANFRED — Alarme falso, então.
...*** ...
SIMON PEDALAVA DEPRESSA. Já era meia-noite. Ele tinha acabado de fazer a última entrega. Queria chegar a tempo no estabelecimento, que fecha daqui a meia hora. Se não chegasse, correria o risco de não receber a diária na hora — só pela manhã, e se o responsável pelo pagamento tivesse.
Estava sem dinheiro e os cento e vinte reais já era garantia de que ele conseguiria colocar o café da manhã, almoço e jantar na mesa.
Pedalava desde às 17h30. Perdeu as contas de quantas vezes cortou entre os carros e até mesmo quase sofreu um acidente por conta da imprudência dos motoristas. Entretanto, Simon estava calejado com essa realidade: durante o dia, trabalhava no drive thru como atendente; durante o final da tarde até a madrugada, trabalhava numa pizzaria como entregador.
Como o trânsito estava mais tranquilo agora, embora perigoso, ele conseguiu chegar na pizzaria a tempo.
Trevor, que era como se fosse o gerente do local, abriu um sorriso cordial. Honestamente, ele gostava de Simon. Entregou-lhe um envelope:
TREVOR — Sua diária.
Simon sorriu de volta.
SIMON — Obrigado. Esse dinheiro vai ser a minha salvação.
TREVOR — Aconteceu alguma coisa?
SIMON — Não, não… Nada demais. Sabe como é final de mês. Fiquei praticamente sem nada.
Trevor assentiu com a cabeça. Ele sabia da realidade de Simon e o quanto o rapaz trabalhava para conseguir sobreviver.
Ele olhou para os lados e não tinha ninguém. Só eles dois. Trevor enfiou a mão no bolso.
TREVOR — Me dê a sua mão.
Trevor pegou a mão de Simon. Após colocar uma célula dobrada, fechou a palma da mão dele.
Simon abriu discretamente e viu uma nota de cem. Sentiu os olhos arderem um pouco.
SIMON — Cara, não sei o que dizer.
TREVOR — Só aceite e não conta pra ninguém. Você merece. Merecia mais, porém só consigo ajudar no que posso.
Simon deu um abraço nele, com tapinha nas costas. Trevor retribuiu.
SIMON — Amanhã eu venho de novo. Mesmo horário.
TREVOR — Beleza, então. Ah… Peraí.
Trevor pegou um pacote. Dentro dele tinha fatias de pizza sobrando. E pegou uma garrafinha pequena de coca-cola.
TREVOR — Leva. Eu não vi você comendo hoje. Deve estar com fome.
SIMON — Valeu mesmo.
Eles trocam mais um aperto de mão. Simon nota que os olhos verdes de Trevor estão mais flamejantes.
TREVOR — Preciso fechar aqui. Vá pra casa.
Simon deu um último aceno e saiu de bicicleta.
...***...
O CASSINO CONTINUA a todo vapor. Manfred e Fritz conversavam com alguns frequentadores que elogiaram o local. O que eles não notaram é que os três homens, que entraram por último, olhavam entre si. Parece que decidiam o momento certo de entrar em ação.
Um deles acenou com a cabeça discretamente. Meio seguindo depois, o cara levantou-se sacando uma arma junto com os outros dois.
HOMEM — Polícia! Parado todo mundo. Parado todo mundo! Mão na cabeça!
De repente, o barulho das viaturas tomou conta. E um exército de policiais entrou no local.
Manfred olhou para o lado e viu que Fritz sumiu.
MANFRED — Filho da mãe!
Um policial acabou rendendo-o.
SIMON CHEGOU EM CASA. Aliás, um casarão meio sucateado que seu pai insiste em não vender. Um casarão suntuoso, clássico, porém precisa de múltiplas reformas.
Ele deixou a bicicleta guardada nos fundos. Certificou-se de que os portões de ferro estavam fechados e entrou, carregando o pacote.
Encontrou sua melhor amiga Margot, assistindo uma programação qualquer na televisão.
MARGOT — Você chegou…
O cansaço recaiu sobre os ombros de Simon. Ele soltou o ar.
SIMON — Tô morto de cansado. Quer?
Ele ergueu o pacote.
MARGOT — Não, não, obrigada. Vou deixar você descansar, amigo.
SIMON — Karl dormiu?
MARGOT — Tá dormindo feito uma pedra. Sua tia Amélie veio até aqui e preparou alguma coisa pra gente jantar. Seu prato tá no microondas.
SIMON — Tô morrendo de fome…
Simon deixou o pacote em cima da mesa de jantar. Uma mesa de madeira maciça enorme com dez cadeiras.
SIMON — Vou acompanhar você em casa.
Margot mora em frente à casa. Simon a acompanhou, esperando-a entrar. Assim que voltou para a casa, decidiu subir para tomar banho. Embora estivesse cansado, não via a hora de comer algo.
De banho tomado, ele desceu até a cozinha. Abriu o pacote, e viu que tinha dois pedaços grandes de pizza. A primeira mordida abriu o apetite. Ele realmente não comia desde o almoço. Devorou tudo.
Foi até o microondas ver o prato que Amélie tinha deixado para ele: macarronada. Decidiu comer. Esvaziou toda a coca-cola.
Quase uma e meia da manhã. Simon calculou que só teria mais seis horas de sono.
...*** ...
HEINRICH OLHAVA, INCRÉDULO, para o chefão da máfia: Ivan Lafayette.
HEINRICH — 10 milhões? É sério?
Ivan deu um trago no charuto cubano. Fez a fumaça densa sair pelo nariz. Balançava-se levemente na suntuosa cadeira de couro, no seu gabinete.
IVAN — Manfred é um pobre coitado que só quer se dar bem na vida.
HEINRICH — Você é muito corajoso.
Ivan deu de ombros.
IVAN — Sou mais esperto do que ele. Não tenha dúvidas disso.
HEINRICH — Não que eu tenha dúvidas. Mas com que garantia ele vai te devolver?
Ivan bebeu um gole de uísque.
IVAN — O casarão dele tá como garantia. Dei uma avaliada. Aquilo cobre grande parte da dívida.
HEINRICH — Aquele casarão sucateado?
IVAN — Nem tanto. Só uma reforma e já dar pra colocar à venda. Manfred nunca quis sair dali. Mal de homem que ficou pobre.
HEINRICH — Se ele nunca quis sair dali… Colocar o próprio imóvel como garantia é sinal de puro desespero.
IVAN — Foi desespero mesmo. Mas eu até que tô vendo resultado nesse cassino de luxo.
HEINRICH — Tá rendendo, então?
IVAN — Pelos falatórios, sim. A dívida está quase paga. Daqui um mês e meio ele consegue saldar, se continuar assim. Caso contrário…
HEINRICH — O casarão é seu.
IVAN — Exato.
Ivan deu mais um trago no charuto.
IVAN — Pelo menos alguém tá sabendo usar o dinheiro que eu emprestei. Devolvendo o que é meu, ele só tem a ganhar comigo.
Heinrich brincou:
HEINRICH — Vai querer colocá-lo na máfia?
Ivan soltou a fumaça, dando uma risadinha.
IVAN — Ele só atrapalharia as coisas. Mas quem sabe… Não estou considerando. Nem quero.
HEINRICH — Melhor não.
Ivan estendeu a caixinha na direção do homem.
IVAN — Pegue um charuto.
...***...
MANFRED ENTROU NA SALA do delegado, acompanhado por dois policiais.
DELEGADO — Sente-se.
MANFRED — Doutor, eu sou inocente.
DELEGADO — É o que todo mundo é. Sente-se.
A voz dura e ríspida do homem fez com que Manfred sentasse de imediato.
DELEGADO — Recebemos uma denúncia anônima de que havia um cassino clandestino em operação no endereço que você estava.
Manfred franziu a testa.
MANFRED — Cassino clandestino? Deve ter sido um engano. Estava acontecendo uma festa entre amigos e toda aquela roda de pôquer era por diversão.
O delegado manteve a postura impassível.
DELEGADO — Quer dizer então que todos aqueles que fugiram de imediato são seus amigos?
Todos fugiram? Até Fritz? O pensamento de Manfred ficou a mil.
POLICIAL — Doutor, só conseguimos capturar este indivíduo aqui. Teve um apagão e todo mundo praticamente sumiu.
Manfred se lembrava de que teve um apagão na hora da voz de prisão. O lugar virou um pandemônio. Certamente todo mundo fugiu pra não ter que prestar esclarecimentos na polícia.
DELEGADO — Pelo visto, sobrou pra você. E você vai passar pelo menos a noite toda por aqui, pra amanhã a gente decidir o teu rumo… Levem ele.
MANFRED — Na-não, doutor. Peraí… Deixa eu explicar melhor…
DELEGADO — Já ouvi o suficiente. Levem-no daqui.
...*** ...
SIMON ACORDOU, GROGUE, com o som do despertador. Por meio minuto, ele pensou duas vezes antes de voltar a dormir. Depois de ter passado meio minuto, sentou-se na cama e esfregou os olhos.
Foi até o banheiro, abriu a torneira e jogou a água gelada no rosto. Olhou-se no espelho. Seu aspecto era de quem foi atropelado, analisou. Tirou a roupa de dormir, largando na pia grande, e foi para debaixo do chuveiro.
Era irônico pensar que um rapaz morava com o irmão mais novo, num casarão que suplicava por reforma, e tentava se manter com dois empregos. Se não fosse Manfred, Simon com certeza venderia o casarão e com o dinheiro moraria com o irmão em uma casa bem menor.
Assim que terminou de lavar o cabelo e o corpo, Simon cobriu-se com uma toalha branca e foi até o quarto. Viu que o seu celular tocava.
Número Desconhecido
Ele ignorou a ligação.
Assim que acabou de se vestir, foi até o quarto de Karl. Ele ainda estava dormindo. E sussurra:
SIMON — Karl… Karl…?
O garoto se move, meio grogue.
KARL — Hum?
SIMON — Eu vou comprar o nosso café da manhã. Aproveita pra tomar banho e se arrumar, que eu te levo na escola.
KARL — Hoje não tem aula.
Simon ficou surpreso.
SIMON — Não?
KARL — É feriado estadual. Não tem aula hoje.
Simon lembrou-se do feriado de hoje. Assentiu com a cabeça.
SIMON — Certo, então pode voltar a dormir. Vou no mercado e já volto.
O garoto simplesmente voltou a dormir.
...*** ...
MANFRED BATEU O TELEFONE no gancho, usava um dos cinco orelhões da prisão onde estava.
MANFRED — Merda!
Simon não atendia ele. O carcereiro se aproximou.
CARCEREIRO — Você só tem mais dois minutos para tentar contato com alguém.
Manfred fez careta.
MANFRED — Dois?
O carcereiro cruzou os braços.
CARCEREIRO — Acho melhor você aproveitar logo. O tempo está correndo.
Manfred soltou o ar. Tirou o telefone do gancho novamente, discando para o número que seria a sua última opção não muito desejada.
IVAN TOMAVA SEU café da manhã sozinho. Naquela hora do dia, ele evitava as companhias ao máximo. O momento precisava ser todo dele, antes de resolver todos os problemas envolvendo a Máfia.
Mas Greta, sua governanta, apareceu.
GRETA — Senhor, perdão pelo incômodo, mas tem alguém querendo muito falar pelo telefone. Pelo tom de voz, julgo ser urgente.
Greta era esperta. Já falou tudo antes que ele pudesse interrompê-la. Ivan ficou em silêncio por alguns segundos.
GRETA — Trouxe o telefone.
IVAN — Me dê aqui.
Greta entregou o telefone sem fio.
GRETA — Com licença.
Ela saiu.
Ivan esperou um pouco, colocando o telefone no ouvido.
IVAN — Quem é?
...*** ...
DO OUTRO LADO da linha, Manfred soltou o ar. Levantou a mão para o carcereiro, como quem impede de fazer algo.
CARCEREIRO — Vou dar só mais um minuto.
Manfred assentiu com a cabeça.
MANFRED — Alô? Ivan? Deu tudo errado, cara… É o Manfred. Eu tô preso aqui…
...*** ...
IVAN OUVIU TUDO QUE MANFRED falou. Respirou fundo, soltando o ar. Assim que ele ficou em silêncio, disse:
IVAN — Então o negócio lucrativo que você montou foi por água abaixo… Perdeu todo o dinheiro que te emprestei… É isso?
O mafioso balançou a cabeça. A ligação ficou com um ruído bem estranho, de repente.
IVAN — Alô? Alô?!
...*** ...
NA PRISÃO, O CARCEREIRO TOMOU O telefone das mãos dele.
CARCEREIRO — Acabou o tempo.
MANFRED — Mas eu ainda não acabei…
O carcereiro apenas colocou o telefone no gancho com força, que fez Manfred dar um sobressalto.
CARCEREIRO — É melhor você me acompanhar.
O tom foi de ameaça.
Chegando na cela, Manfred ainda estava com a cabeça a mil por hora. Não deu tempo de pedir ajuda para Ivan. E não sabia se alguém o ajudaria.
Ele precisava de um plano.
...***...
SIMON E KARL TOMAVAM o café da manhã. Ele aproveitou para fazer as compras do almoço e jantar.
SIMON — Hoje você vai ficar na casa da tia Amélie.
KARL — Margot não vem pra cá?
SIMON — Hoje não. Já separou suas coisas?
KARL — Separei.
SIMON — De lá, eu vou pro trabalho.
Houve um momento de silêncio.
KARL — Vai chegar de madrugada?
SIMON — Acho que sim. Mas amanhã eu chego mais cedo.
Simon não vai trabalhar na pizzaria amanhã. É seu dia de folga.
KARL — Eu vou dormir na casa da minha tia também?
SIMON — Vai sim. Amanhã você volta pra cá.
Houve um momento de silêncio.
KARL — Cadê o papai?
Simon soltou o ar.
SIMON — Sinceramente, não sei onde o nosso pai se meteu.
KARL — Tomara que ele volte logo.
O lado ruim dessa situação é o garoto Karl ter que lidar com a ausência constante do pai, avaliou Simon. Karl ficava triste.
Simon já não se importava mais com a frequência do sumiço de Manfred.
Karl falou baixinho:
KARL — Sinto saudade dele.
Simon pegou na mão dele.
SIMON — Eu sei. Mas pensa bem: qualquer dia desses ele pode aparecer aqui, querendo ver você.
Simon tentou dar um sorriso. Não era muito fácil lidar com sentimentos genuínos de uma criança como o seu irmão caçula, mas se esforçava o bastante para arrancar um sorriso dele.
Karl sorriu.
SIMON — Amanhã a gente vai sair pra comer hambúrguer. Que tal?
KARL — Ebaaa.
SIMON — Então, garoto, termina logo com esse café pra gente ir na sua tia.
Simon bebeu um gole longo de café.
...*** ...
IVAN ANDAVA PARA os lados, dentro do gabinete. Vladimir e Boris, seus dois guarda-costas, estavam presentes ali em pé. Heinrich havia se acomodado na cadeira de visitante, observando o chefão em movimento.
IVAN — Vocês entenderam a missão que precisam fazer, certo?
Vladimir e Boris assentiram com a cabeça.
VLADIMIR — Perfeitamente, chefe.
BORIS — Estaremos a postos.
Ivan parou.
IVAN — Podem sair. Esperem Heinrich lá fora.
Assim que os dois homens saíram, Ivan se dirigiu para o seu braço direito.
IVAN — No fundo, eu sabia que isso ia acontecer.
HEINRICH — Os dez milhões foram para o ralo. O casarão, onde ficava o cassino, está interditado. O homem deve ter apostado todas as fichas naquele lugar, no negócio ilegal, mas não soube ter noção de prejuízo.
Ivan balançou a cabeça para os lados.
IVAN — O cara é o esperto mais burro que já conheci na vida.
HEINRICH — Pois é.
Ivan acendeu o charuto. Sentou-se na cadeira.
IVAN — Agora só esperar.
Heinrich se levantou, pegando o pacote que Ivan deixou em cima da mesa.
HEINRICH — Vou agilizar na missão.
IVAN — Aguardo retorno.
HEINRICH — Combinado.
O homem saiu. Ivan ficou sozinho.
...*** ...
SIMON TRANCOU OS PORTÕES do casarão. Karl aguardava com a mochila nas costas. Antes de voltar para a bicicleta, seu celular tocou de novo. Era Amélie.
SIMON — Oi, tia. Tô a caminho.
AMÉLIE — Oi, querido. Você está perto do seu irmão?
Simon olhou para Karl, e se afastou discretamente. O tom de voz dela foi como um sinal de alerta.
SIMON — Pode falar. O que houve?
AMÉLIE — Acabei de ver no jornal. Seu pai foi preso.
Simon franziu a testa.
SIMON — O quê?
...*** ...
MANFRED REPOUSAVA AS MÃOS nas grades da prisão, ainda pensativo. Ele estava sozinho na cela, mas tinha outros presos em frente. Bateu com a testa duas vezes.
MANFRED — Merda…
Um carcereiro se aproximou, destrancando o cadeado.
MANFRED — O que é isso?
CARCEREIRO — Parece que hoje é o seu dia de sorte… Vem comigo.
Ele chegou na sala do delegado. O homem sisudo fitou com os olhos. Num tom seco, levemente debochado, informou:
DELEGADO — Parece que um anjo da guarda veio até aqui pagar sua fiança.
E indicou para o portão de saída.
DELEGADO — Você pode seguir por ali. Agora.
Surpreso, Manfred seguiu devagar até a saída da delegacia. Assim que deu de cara com a luz do dia, notou que estava sem rumo.
Pegou o celular que um policial havia devolvido. Estava sem bateria.
MANFRED — Era só o que me faltava…
Ele seguiu viagem a pé, durante quinze minutos.
Assim que dobrou numa rua deserta, foi surpreendido por uma Hilux preta. O veículo fechou o seu caminho. Tudo muito rápido.
MANFRED — Mas que porra…
Três homens encapuzados saíram do veículo. Não deu tempo para Manfred processar alguma reação física. Um dos homens veio por trás e apertou o seu nariz com um pano úmido. O cheiro era forte.
Manfred perdeu a consciência.
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