NovelToon NovelToon

Mesa Para Dois

Capítulo 1 - Old Charm

Olá!

Obrigada por estar aqui comigo na minha segunda obra publicada na NovelToon.

Se você não leu a minha primeira obra "Quando o Amor Fala ao Coração", sugiro que comece por lá, pois algumas personagens e parte do enredo farão mais sentido depois de você conhecer a história que deu origem à "Mesa Para Dois".

No mais, espero que aprecie a leitura e, se possível, curta 👍os capítulos e presenteie a obra com flores 💐, isso ajuda muito na divulgação para essa história chegar a mais pessoas.

Fique à vontade para comentar, sugerir e questionar. Adoro a interação dos leitores e leio todos os comentários.

Vamos juntos viajar nas páginas dessa história?

Com carinho,

Lina.

...ΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩ...

O Old Charm é um bistrô tradicional e bem conceituado na área central da capital paulista. Com sua arquitetura vintage e decoração nostálgica, combina o charme do passado com a culinária requintada e contemporânea.

As mesas na rua, cobertas por guarda-sol e separadas por uma grade igualmente vintage, criam um cenário encantador para quem passa nas suas imediações.

- Ficou perfeito. - Isabella falou baixo para si mesma enquanto concluía sua anotação no pequeno caderno. - Um dia ainda vou escrever alguma coisa sobre o Old Charm e o texto irá começar dessa forma! - Concluiu seu pensamento.

Isabella se levantou da mesa de seu escritório já pensando no que comeria. Todas as quintas-feiras ela almoçava no charmoso restaurante Old Charm que ficava apenas a 10 minutos a pé do edifício onde ela mantinha seu escritório de arquitetura.

Ela pegou a bolsa e o casaco, conferiu se a carteira e o celular estavam na bolsa e saiu fechando a porta atrás de si. Ela não tinha secretária nem outros funcionários, trabalhava sozinha desde que se formou. Já havia conquistado um nome na sua área, mas seguida preferindo trabalhar sozinha sempre que possível.

Ao chegar na frente do elevador, já colocou os fones de ouvido e começou a ouvir sua atual música favorita "Sweet but Psicho" de Ava Max. Para sua alegria, o elevador chegou vazio e desceu os 17 andares sem parar, assegurando a solitude que Isabella sempre apreciou.

Aos 25 anos, Isabella era uma mulher solteira que chamava a atenção pode onde passava. Seus fartos, longos e escuros cabelos cacheados coroavam uma beleza sem igual realçada pelo olhar marcante e profundo.

(Isabella Alves)

Ela caminhava pela calçada cantarolando distraída a música que ouvia nos fones, durante o trajeto de toda quinta-feira. Neste dia em específico, Isabella vestia uma calça preta, blusa de alça na cor branca, um casaco de couro bege e calçava tênis animal print de leopardo. Os cabelos estavam soltos e esvoaçantes com o corredor de vento que os inúmeros prédios do centro de São Paulo criavam naquela região.

Ela chegou até a entrada do restaurante na área externa e cumprimentou o recepcionista que já conhecia de longa data.

Recepcionista: Boa tarde, senhorita Isabella.

Isabella: Boa tarde, Leon.

Leon: Mesa para 2? - Perguntou.

Isabella: Com certeza! - Respondeu já procurando onde sentar.

Leon: Me acompanhe, senhorita. Por favor. - Pediu, indicando a mesa onde Isabella seria servida.

Isabella: Obrigada, Leon. Por favor, já me traga uma água com gás, gelo e limão.

Leon: Claro, senhorita. Com licença. - Retirou-se deixando Isabella sozinha.

Isabella retirou da sua bolsa um livro, abriu e começou a ler. Pouco tempo depois o garçom apareceu com a água com gás e anotou o pedido do almoço. Tão distraída como quando caminhava pelas ruas, ela seguia entretida na leitura que não percebeu que estava sendo observada por uma pessoa do outro lado do restaurante.

Lucas Rezende passou ao lado do bistrô por acaso e o estilo vintage chamou sua atenção. Já tinha ouvido falar bem da cozinha do lugar, mas nunca havia se aventurado a entrar e provar nada do cardápio, mas naquela quinta-feira em especial, algo lhe chamou a atenção e ele decidiu almoçar lá.

Escolheu uma mesa na ponta oposta à entrada da área externa, de modo que tivesse uma visão privilegiada das pessoas que entravam no estabelecimento e da cidade como pano de fundo.

Lucas era fotógrafo e gostava de observar as pessoas, além de fazer registros espontâneos da vida corrida do paulistano. Seu trabalho já havia recebido prêmios internacionais e, atualmente, trabalhava para uma revista de arte.

(Lucas Mendes)

A chegada de Isabella não passou despercebida por Lucas que imediatamente pegou sua câmera e começou a fazer registros dela conversando com o recepcionista, em seguida caminhando até a mesa e logo depois pedindo a água ao garçom.

Distraída com sua leitura, Isabella não notou Lucas fotografando-a. A leitura para ela era seu guilt pleasure, pois adorava ler e tinha preferência por romances de sucesso mundial, mas não deixava que os conhecidos soubessem de seus gostos mais íntimos. Ela mantinha uma reserva diante das pessoas, pois sentia que nem todos estavam de fato interessados em seus gostos, mas sim em julgá-la.

Pouco tempo depois seu pedido chegou, ela guardou o livro e começou a comer. Aquele era seu ritual das quintas-feiras, do qual não abria mão. Saboreava sua refeição como se estivesse provando primeira vez, mas o cardápio do Old Charm não era extenso e ela, por ser cliente assídua, já havia experimentado e aprovado todos. Mas para Lucas, o comportamento de Isabella denunciava exatamente o contrário e ele estava se divertindo com os registros que estava fazendo.

Depois de comer a sobremesa, Isabella pediu a conta, pagou e se levantou para sair. Tudo sob o olhar atento de Lucas e sua câmera. Ela ainda parou na entrada para conversar com Leon e logo depois foi embora. Não demorou muito, Lucas também pediu a conta e seguiu pelo lado contrário.

Em seu apartamento, Lucas mantinha um laboratório de revelação de fotografias. Chegando em casa não perdeu tempo, queria ver o resultado do seu trabalho naquela tarde. Ele tomou um banho rápido e foi para o laboratório. Apagou as luzes, colocou as luvas e começou o processo com os produtos de revelação, interrupção, lavagem etc.

Uma hora depois ele estava rindo contemplando as imagens de Isabella. As fotos haviam ficado perfeitas devido à espontaneidade e distração. Quando estava fazendo os registros, não notou o título do livro que ela estava lendo, mas depois de revelar as fotos reconheceu "Lua Nova". Em sua opinião, definitivamente, o livro não combinava com a leitora. Ele decidiu que voltaria ao restaurante para ver novamente a dona daquelas imagens.

No final daquele dia, Isabella desceu com seus fones de ouvido os 17 andares do edifício corporativo. Ela caminhou por alguns minutos até chegar à estação de metrô. Apesar de ter carro, na quinta-feira Isabella tinha seu ritual especial, o que incluía chegar mais tarde ao escritório, por volta de 10h e sair mais tarde também, entre 20h e 21h e fazer esse trajeto de metrô.

Ela chegou à plataforma e logo em seguida o trem da linha amarela chegou. Ela sempre entrava no primeiro vagão, onde podia olhar o caminho à frente. Para ela, ter a oportunidade de ver o caminho à frente não era apenas uma questão de preferência; era uma experiência especial que trazia uma sensação única de controle e antecipação. Sentada no primeiro vagão, podia observar cada curva, ver o trem que vinha na direção contrária, como se estivesse liderando a jornada. Cada detalhe daquele dia fazia parte do seu ritual da quinta-feira.

Cinco estações depois, ela descia e caminhava mais alguns minutos pelas ruas até chegar na frente do edifício onde morava. Ela colocou o rosto diante da câmera de reconhecimento e sua entrada foi autorizada. Cumprimentou o porteiro, verificou se havia correspondências e subiu.

Já em casa, guardou os fones de ouvido, tirou os tênis e se dirigiu ao quarto, não sem antes dar um comando para a assistente de voz colocar sua música para tocar. Ao som de "Sweet but Psicho" ela entrou no chuveiro, com o som da música ecoando por todos os cômodos do apartamento. O banho quente e relaxante indicava o fim do seu dia favorito.

Depois do banho, ela foi para a cozinha, pegou uma marmita congelada, aqueceu e foi para o sofá comer enquanto assistia um episódio da sua série de quinta-feira: "O Homem do Castelo Alto". Se suas leituras tendiam a romances clichês, as séries variavam entre trazer uma realidade alternativa e distópicas, a um belo dorama.

Depois de comer, Isabella lavou e guardou a louça usada. Voltou para a sala, leu mais alguns capítulos do seu livro e foi deitar. Em seu quarto, ligou o ar condicionado na temperatura mínima e se aconchegou debaixo das cobertas que a acolheram gentilmente.

Curiosamente não era verão nem estava quente, o que tornava o ar condicionado totalmente desnecessário, mas nas quintas-feiras, dormir debaixo de cobertas fazia parte do ritual. Em poucos minutos Isabella estava entregue ao descanso. Seu sono era tranquilo e ela só acordaria no dia seguinte

Em outro lugar da cidade, Lucas se deitava em sua cama pensando na bela mulher que fotografou naquele dia. Novamente tornou a rir quando se lembrou do livro que ela lia. Queria conhecê-la mais para descobrir se aquele gosto peculiar era uma regra ou exceção. Sua insônia diária não o incomodou naquele dia e logo ele adormeceu.

Capítulo 2 - Desencontros

Sexta-feira era um dos melhores dias de trabalho de Isabella. Logo depois de montar seu escritório, notou que tinha uma procura maior de clientes novos na sextas-feira, bem como fechamento de negócios nesse dia. Ela já acordava animada no último dia útil da semana.

5h30 em ponto já estava de pé. Fazia seus alongamentos matinais, tomava banho, ia para a cozinha preparar seu café que variava entre uma xícara de café ou cappuccino e uma torrada com geleia ou um ovo mexido. Naquele dia escolheu o cappucino e torrada com geleia.

Depois de se alimentar, escovou os dentes e se vestiu. Ela usava uma camisa de botões na cor marrom, calça jeans de lavagem clara e corte reto. Nos pés calçava sapatilhas bege e levava uma jaqueta de couro preta, caso sentisse frio ao longo do dia. Verificou a bolsa, pegou os óculos escuros e as chaves do carro. Sexta era dia de trabalhar de carro.

No caminho, Isabella colocava sua playlist pouco convencional para tocar. Entre as várias canções, tocou "I just can't get enough" e ela começou a cantar. De carro costumava pegar um certo trânsito no caminho de ida e a música era sua distração.

......................

Em seu quarto, Lucas acordou descansado, o que não era comum, devido à insônia que o atormentava. Ele se levantou sorridente, havia sonhado com a bela mulher que fotografou no dia anterior. Queria encontrá-la novamente.

Naquela manhã, Lucas tinha uma reunião para tratar sobre sua nova exposição. Ele sabia que levaria a manhã quase inteira, pois iria negociar patrocínio e essa tarefa era sempre muito trabalhosa.

Depois de tomar banho e se vestir, ele mandou uma mensagem para seu advogado confirmando a reunião e logo recebeu uma resposta positiva. Ele desceu pelo elevador, passou pelo porteiro cumprimentando-o e seguiu a pé até a estação do metrô.

Já lá dentro, parou na lanchonete pouco antes da plataforma, onde costumava comprar seu café da manhã.

Rapaz: Bom dia, Lucas! O de sempre? - O funcionário perguntou sorridente.

Lucas: Por favor, Fred. Hoje estou apressado, vou comer no caminho. - Respondeu.

Fred: É pra já! - Fred disse já preparando o café de Lucas.

Lucas ficou olhando os transeuntes enquanto esperava e poucos minutos depois ouvir Fred chamando-o.

Fred: Aqui está!

Lucas: Já fiz o pix. Qualquer coisa, se der errado, me manda mensagem. Um ótimo dia para vocês, Fred!

Fred: Já caiu aqui! Pra você também, Lucas!

Lucas correu para conseguir pegar o próximo trem. Apesar de ter carro, tinha preferência pelo transporte coletivo, por causa das inúmeras oportunidades de fotografar as situações cotidianas mais inesperadas enquanto aguardava pelo trem ou caminhando pelas ruas.

Ele entrou no trem que estava excepcionalmente "vazio", lhe dando mobilidade, ainda que em pé, para tomar seu café da manhã: café preto sem açúcar e pão de queijo, seus preferidos.

Chegando ao seu estúdio, ele cumprimentou Sandra, sua secretária, e se encaminhou para sua sala onde leria alguns e-mails e organizaria a agenda semanal antes da reunião que lhe tomaria toda a manhã. Concentrado na tela do computador, não notou quando o celular vibrou. Pouco tempo depois, o telefone de sua sala tocou.

Lucas: Oi, Sandra.

Sandra: Oi, Lucas. Dona Olívia está na linha querendo falar com você. Ela parece impaciente.

Lucas: Ok. Obrigado por avisar, Sandra. - Suspirou e continuou. - Pode passar a ligação.

Sandra: Ok. Boa sorte!

Lucas sabia que quando a mãe telefonava para o escritório ela já começaria chamando a sua atenção.

- Alô.

- Alô? É assim que você fala comigo, menino?

- Oi, mamãezinha linda do meu coração!

- Agora sim! Hum! Meu filho, você por acaso esqueceu que tem pai e mãe?

- Claro que não, mãe!

- Então por que você ignora quando eu te ligo e é preciso que eu telefone para o seu escritório para falar com você?

- Ah, mãe... Você sabe, eu fico entretido com o trabalho aí...

- Aí... aí... não tem desculpa, Lucas! Olha, eu sei que meu filho é ocupado, então não vou tomar tanto o seu tempo. Amanhã é o aniversário de 18 anos da sua prima Suellen e ela escolheu uma festa no Pub Litto II, você já sabe que não adianta dizer não, você vai.

- Tudo bem, mãe. Eu sei. Eu vou.

- Muito bem e, por favor, leve um fotógrafo da sua equipe, porque senão você passa a festa trabalhando e não vai nem se divertir.

- Pode deixar.

- Te amo, filho. Pra sempre!

- Também te amo, mãe. Manda abraço para o pai.

- Ele ouviu aqui.

Lucas desligou o telefone sorrindo. Sua "mãedrasta", como ele explicava para as pessoas que não conheciam sua história, era extremamente preocupada e dedicada. Ele lembra do dia em que se conheceram no estacionamento do laboratório onde fariam o teste de paternidade. Aquela mulher alta, imponente e, até então, indiferente não lhe inspirava confiança, apenas poder e determinação.

De fato ele não estava errado, Olívia era uma mulher poderosa e determinada, mas uma verdadeira manteiga derretida quando o assunto era Lucas. Ela se descobriu mãe do menino e o adotou como se tivesse saído de seu ventre, o que fez Lucas se sentir amado e acolhido no seio daquela família que ele acabara de conhecer.

Anos depois, sentindo que precisava ser honesto com seus sentimentos, perguntou à ela se poderia chamá-la de mãe e ela aceitou com muitas lágrimas e emoção. Desde então, Lucas chamava Olívia de mãe, mas nunca se esqueceu que teve uma mãe biológica, irmã de sua tia Alana e filha da vó Selma.

E era justamente a filha de Alana que faria aniversário no dia seguinte. Sua prima 8 anos mais nova "feita em Paraty" como sua tia gostava de dizer. Ele tinha um carinho especial pela prima que viu nascer e trazer alegria à família. Ela recebeu o nome de sua mãe, foi uma bela homenagem que Alana fez à irmã falecida e uma escolha que foi aprovada por todos.

Su, como ela chamada pelos mais íntimos, era afilhada de Olívia e Celso que babavam a menina tanto quanto o filho. Seu tio Thiago e Celso viviam discutindo sobre o futuro da menina, principalmente quando se tratava de namorados. Thiago era consciente de que não poderia amarrar a filha num quarto dentro de casa, já Celso achava que ela tinha que estudar em um internato para garantir que nenhum marmanjo se engraçasse para o lado dela.

Todo encontro de família tinha essa discussão e se não fosse Olívia para colocar Celso no seu lugar, o fim da diversão estaria decretado.

Lucas riu ao lembrar desses episódios familiares, mas logo voltou à tarefa anterior, pois logo mais teria a reunião sem fim.

Cerca de 1h depois, ele encontrou com seu advogado Juliano Alvim, filho de um renomado advogado que atuava na PGU, Victor Alvim. Os dois se encontraram no prédio onde ficava o escritório do seu futuro patrocinador. Eles trocaram umas ideias rapidamente antes de entrar no edifício e logo estavam na sala de reuniões da "Objetiva Comunicação".

Eles foram recepcionados pela secretária do CEO e levados até à sala de reuniões onde aguardaram pelo anfitrião. Gustavo Sobreira que não demorou a chegar.

Gustavo administrava a empresa da família há cerca de 20 anos. Era casado com Samantha, uma bailarina profissional que era dona do mais renomado estúdio de dança da capital paulista. Ele tinha pouco mais de 40 anos e uma vasta experiência na área de comunicação social. Atualmente procurava um empreendimento para patrocinar e recebeu uma indicação de um parceiro comercial, que o levou ao encontro de Lucas Rezende.

A reunião foi mais tranquila do que Lucas e Juliano esperavam. Eles negociaram os termos principais e fecharam negócios, ficando os respectivos advogados responsáveis por preparar a documentação para ser assinada na próxima semana.

Após se despedir de Juliano, Lucas olhou no relógio e viu que eram 11h50, daria tempo de correr até o Old Charm onde esperava reencontrar aquela mulher que ele havia fotografado no dia anterior. Sem demora, ele se encaminhou para o metrô ansioso para chegar ao seu destino.

Não muito longe dali, Isabella concluía mais uma reunião bem sucedida de uma nova obra que iria comandar: A reforma da ala pediátrica do hospital São Leopoldo. Ela se interessava especialmente por obras que tinham impacto social, embora se envolvesse com vários tipos de obras, mas como o São Leopoldo era misto, atendendo particular, convênios e serviço público, ela se sentia bem em trabalhar para eles.

Depois dessa reunião satisfatória, Isabella olhou na tela do celular uma mensagem de seu pai convidando-a para passar o dia em com os pais no sábado. Ela confirmou presença e se organizou para sair para almoçar. Nas sextas ela não comia no Old Charm, preferia almoçar num restaurante fast-food mais perto para voltar mais cedo e sair mais cedo do trabalho na sexta.

Ela pegou a bolsa e conferiu se a carteira, os óculos e o seu livro estavam lá dentro. Colocou os fone de ouvido e na sua playlist tocava "Perfec Strangers" que ela ouvia como se fosse a primeira vez, de olhos fechando tentando adivinhar os instrumentos e outros recursos utilizados pelos músicos na composição.

Para incômodo de Isabella, o elevador parou em dois andares no trajeto até o térreo. Em cada um entraram duas pessoas o que a deixou bastante incomodada, pois tinha preferência por estar sozinha no elevador. Naquele espaço pequeno, dividir o ar com mais 4 pessoas lhe era sufocante. Ela saiu praticamente correndo do elevador quando este chegou ao térreo. Ela precisava de ar.

Já na calçada, respirou fundo com as mãos apoiadas nos joelhos. Não percebeu que outras pessoas a olhavam preocupadas e outras desviavam.

Senhora: Você está bem? - Disse uma senhora tocando no ombro de Isabella.

Isabella: Não me toque! - Disse sem pensar.

A senhora se assustou e se afastou diante da reação exagerada de Isabella.

Isabella: Me desculpe, eu... - Me desculpe, senhora. Eu estou bem... - Falou desanimada.

Senhora: Tudo bem, menina. Você se assustou. Se você está em então, eu vou embora. Ok.

Isabella: Ok. - Respondeu sem olhar nos olhos da mulher.

"Preciso marcar minha terapia." Isabella pensou. E imediatamente anotou na lista de tarefas do celular que precisava marcar novamente com sua terapeuta para tratar dessas crises que parecem estar voltando, pois na semana anterior aconteceu exatamente a mesma coisa.

No Old Charm, Lucas esperou pacientemente até umas 14h30, mas Isabella não apareceu. Ele sentiu um incômodo no peito devido à frustração de não ter visto aquela bela mulher novamente. Ao mesmo tempo que brigou consigo mesmo mentalmente, pois nada lhe garantiria que ela estaria lá no dia seguinte, sua única pista era a familiaridade com que ela e o recepcionista se trataram quando ela chegou lá no dia anterior.

Ele voltou para o escritório um pouco desanimado, mas se ocupou com as tarefas do dia e saiu um pouco mais cedo dispensando Sandra e todos da equipe no mesmo horário. Ele precisava comprar uma roupa para o aniversário que iria no dia seguinte e um presente para a aniversariante.

Lucas primeiro passou em casa, tomou um banho e pegou o carro para ir ao shopping. Ele escolheu um caminho que não parecia ter muito trânsito, mas se arrependeu pouco tempo depois de sair de casa. Parado num semáforo em que o cruzamento estava fechado por carros que não conseguiram atravessar toda a pista, ele estava ficando impaciente quando olhou para o lado esquerdo e viu nada mais nada menos que a mulher do Old Charm no carro ao lado com o vidro baixo cantando algo que ele não conseguia entender. Ela parecia imersa na música e não viu quando Lucas baixou o vidro.

Ele não sabia bem o que fazer, mas teve então a ideia de segui-la, no entanto, quando finalmente o cruzamento foi aberto, ela entrou na esquerda e ele não podia ir atrás senão causaria um acidente. Frustrado pela segunda vez no dia, Lucas seguiu seu caminho sem conseguir encontrar a mulher que gostava de ler "Lua Nova".

Capítulo 3 - Sábado em família

Sábado de manhã, às 7h em ponto, Isabella se levantou. Fez seus alongamentos matinais, tomou banho e se vestiu para tomar seu café. Naquele dia escolheu café preto e ovo mexido. Depois de comer, lavar a louça e guardar tudo, ligou a TV enquanto calçava os sapatos e viu algumas notícias do país de do mundo.

Pegou a bolsa, conferiu se o fone de ouvido, os óculos escuros, a carteira e o livro estavam lá dentro. Pegou as chaves do carro e desceu de escadas os 5 andares até chegar à garagem. Tomou essa decisão, pois precisava chegar em boas condições à terapia que teria dali 20 minutos. Se chegasse com crise de ansiedade, o tempo todo da sessão seria dedicado à sua recuperação e não ao tratamento da causa.

Na sua playlist tocou "Whuthering Highs" no meio do caminho, mas ela se distraiu com o trânsito e acabou deixando a música passar sem "aproveitar" a canção totalmente, o que a fez voltar a música do início. Quando chegou ao estacionamento da clínica, esperou a música acabar para sair do carro e dar continuidade à programação do sábado.

Ela entrou na clínica e pegou uma ficha para fazer o cadastro no pré-atendimento. Enquanto esperava, pegou o livro e começou a ler, mas não demorou muito seu número foi chamado no painel. Depois de fazer o cadastro, foi direcionada à sala de espera da psicóloga.

Menos de 5 minutos de espera e já estava sentada no sofá de frente para Stella Figueiredo, sua psicóloga há 3 anos. Isabella era diagnosticada desde criança com transtorno do espectro autista suporte 1. Quando foi adotada por Leila e Leonardo eles já sabiam do diagnóstico e ofereceram a Isabella todo o suporte necessário para que desenvolvesse todas as suas potencialidades. Inclusive ela estudou em uma escola referência em educação inclusiva a vida inteira.

Quem não convivia com Isabella, jamais imaginaria que tivesse autismo, pois morava sozinha, trabalhava e era totalmente independente. Tanto ela quanto a família, sabiam que isso só foi possível porque ela teve um acompanhamento de alto nível.

Mas algumas características do autismo ainda perseveravam, como a necessidade de se estabelecer rotinas, a dificuldade de mudar esses padrões e a aversão a toques físicos de pessoas que não fazem parte do seu cotidiano. A ansiedade também se fazia presente em sua vida, em parte devido a essa dificuldade de lidar com alterações na rotina. O episódio no elevador na sexta-feira foi um exemplo disso.

Stella: Então, Isabella. Faz tempo que você não aparece. Algo em especial te traz aqui hoje? - Perguntou olhando para Isabella por cima dos óculos.

Isabella: Ah, Stella... Eu achava que estava tudo bem. Mas as crises voltaram. Ontem eu até fui rude com uma pessoa que tentou me ajudar.

Stella: Hum... me conte o que aconteceu.

Isabella: Eu havia terminado o expediente da manhã e peguei o elevador para descer e ir almoçar, mas haviam apertado o elevador em 2 andares... aí tudo desandou. Entraram 2 pessoas em cada parada e eu comecei a me sentir sufocada, com falta de ar. Eu gosto de descer e subir sozinha no elevador. Quando chegamos ao térreo eu saí empurrando todo mundo e corri para respirar do lado de fora do edifício. Foi quando uma senhora se aproximou e tocou meu ombro perguntando se eu estava bem. Eu gritei com ela, dizendo para não me tocar. Estou me sentindo um derrotada por isso!

Stella: Bom, Isabella. Você sabe que sua condição pode lhe causar certos desconfortos em situações que para outras pessoas pareceria comum. Ontem foi o único episódio?

Isabella: Não, na semana passada eu tive um parecido no banheiro da academia e outro no mês passado no shopping.

Stella: Eu acho que essas crises não estão acontecendo somente por causa de fuga dos padrões da rotina, até porque havíamos melhorado muito em relação a isso. Isabella, você está tomando seu remédio?

Isabella arregalou os olhos, sabia que essa pergunta poderia surgir, mas contava com a sorte para não ter que menção às medicações e acabar admitindo que parou por conta própria o tratamento com os ansiolíticos.

Isabella: Não...

Stella: Há quanto tempo você está sem tomar sua medicação e como foi que você parou? Fez o desmame sob orientação médica ou fez por conta própria?

Isabella: Eu parei por conta própria há pouco mais de um mês. Não fiz o desmame. - Admitiu envergonhada.

Stella: Aí está um bom motivo para as crises terem retornado. Quero que você volte com a Dra. Kátia Fernandes para que ela faça uma nova avaliação. Se ela passar remédios, você terá que tomar.

Isabella: Mas eu sinto que tomar remédios tiram de mim o controle da minha vida! Eu já tomei tantos a vida inteira!

Stella: Você já parou para pensar que é totalmente o contrário? Você quer ter mais controle sobre suas reações e incômodos, por isso decide tomar os remédios.

Isabella: Nunca olhei por este lado.

Stella: Então passe a olhar. Tome, leve este relatório para a Dra. Kátia. Vamos deixar a sessão da semana que vem marcada? Eu quero acompanhar você semanalmente até vermos o efeito dos medicamentos em você.

Isabella: Tudo bem.

Stella: Prontinho, já agendei aqui. Espero você na semana que vem.

Isabella: Combinado.

Isabella saiu de lá e já registrou no celular que segunda-feira precisaria entrar em contato com o hospital São Leopoldo para marcar consulta com a Dra. Kátia. Ela até achou bom, pois poderia dar uma passada na ala pediátrica para fazer umas últimas observações para o projeto da obra que começaria lá.

Ela entrou em seu carro e rumou para a casa dos pais onde passaria o dia. Chegando lá, foi recebida pela mãe que só faltou sufocá-la de tanto abraço e beijo.

Leila: Filha! Faz tanto tempo que você não aparece!

Isabella: Mamãe, nós nos vimos semana passada no aniversário da Giulia.

Leila: Ah, foi... Mas para mim sempre vai ser muito tempo uma semana!

Leonardo: Bom dia, filha. Como está? Parece murchinha.

Isabella: Ah... as crises voltaram. Ontem mesmo eu tive uma. - Disse desanimada se jogando no sofá.

Leila e Leonardo se olharam ao ouvir a revelação da filha. Um dos motivos pelos quais eles sempre foram relutantes dela sair de casa e ir morar sozinha era ter que passar pelas crises sem apoio deles.

Leonardo: Isa, você não quer vir passar um tempo conosco?

Leila: É isso filha, seu quarto continua aqui nós podemos... - foi interrompida.

Isabella: Não! Vocês sabem que morar sozinha é uma conquista muito grande pra mim! Voltar pra cá seria um retrocesso!

Leonardo: Mas não precisa voltar de vez, filha. Estamos sugerindo que você passe uma temporada aqui apenas. Eu e sua mãe podemos te dar suporte igual fazíamos quando você era adolescente.

Leila: Sim, Isa. Você vai continuar com sua liberdade. Nós só estaríamos mais perto para te ajudar quando precisasse.

Isabella ficou olhando para os pais e pensando na proposta. Ela realmente sentia falta de um acolhimento familiar nos momentos de crise, talvez não fosse uma má ideia passar um tempo com os pais.

Isabella: Semana que vem vou agendar uma consulta com a Dra. Kátia, aí dependendo do que ela falar, nós voltamos a conversar sobre isso. Tudo bem?

Leila: Claro, filha! Agora vamos, tem um almoço especial esperando por você!

Leonardo: Isso mesmo! Eu fiz aquela picanha invertida que você adora!

Isabella: Misericórdia! Hoje eu vou me esbaldar! Ai, minha academia. - E saiu em direção à área externa da casa abraçada aos pais.

O almoço foi bem agradável, Leila e Leonardo não voltaram a tocar no assunto de Isabella passar uma temporada com eles. Eles sabiam que pressionar não ajudaria.

Quando já estava chegando perto das 18h, Isabella se despediu. Estava leve por ter passado aquele dia com os pais, pessoas a quem tinha muita gratidão por terem a escolhido no meio de tantas outras crianças daquele abrigo.

Ela se lembrava como se ainda fosse hoje quando eles apareceram lá pela primeira vez e ela os levou para conhecer seu quarto, suas bonecas e a biblioteca. Os pais construíram uma biblioteca para ela na casa depois da adoção e até hoje o cômodo guardava a maior parte do seu acervo particular. Se havia uma coisa que era a paixão de Isabella, eram os livros.

Antes de ir embora, ela passou na biblioteca para dar uma olhadinha. Ficou admirando os exemplares dos livros infantis, os primeiros que ganhou e que deram início à coleção. Tudo perfeitamente organizado por gênero e data de aquisição. Organização fazia parte dos seus comportamentos repetitivos e ela conseguia colocar tudo isso para fora na sua biblioteca pessoal.

Em seu apartamento, tinha um escritório em que duas paredes eram dedicadas aos livros. Uma parte deles eram de arquitetura, que vivia sendo atualizada. O restante tinha livros de antropologia, sociologia, ciência política, história e geografia. Ela também dedicava uma extensa parte para seus romances clichês, dos quais não abria mão.

Depois de matar a saudade dos seus livros, despediu-se dos pais e foi para casa. Sábado era dia de comer pizza e assistir a algum dorama. E era nos doramas e nos romances dos livros que ela se perdia e se realizava pessoalmente. Isabella já havia se apaixonado várias vezes na vida, mas na primeira vez que tomou coragem para contar, foi ridicularizada. Isso a traumatizou e, desde então nunca mais deu espaço para o amor entrar em sua vida.

Para mais, baixe o APP de MangaToon!

novel PDF download
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!