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Ate Que A Morte Nos Separe

Prólogo

                                                                                        Gina

Abro os olhos lentamente. Solto um murmúrio quando minha cabeça

começa a latejar e me sento, absorvendo o cenário. Inspeciono o quarto ao

meu redor que definitivamente não é meu, piscando em choque. As paredes

estão pintadas de branco, o teto exibe um glorioso lustre de cristal soprado e

o carpete de mogno reluz como se tivesse acabado de ser polido.

Me sento na cama, o coração ficando acelerado. Para qualquer lugar

que eu direciono minha atenção, vejo algum item que aparenta ter custado

mais de mil doláres.

Parece errado.

É errado.

Tudo aqui exala luxo e eu sou só uma garçonete. Inclusive, ainda

estou usando o uniforme da cafeteria onde trabalho. Olho para baixo, vendo

uma mancha de ketchup no meu colarinho. Eu não sinto que pertenço a essa

realidade paralela. Por um momento, acho que estou sonhando, mas os

detalhes são muito lúcidos. A possibilidade é descartada.

Engulo em seco e me levanto, andando até uma das três portas que

tem no quarto. Por que um quarto tem três portas? A primeira que abro é de

um closet. Há muitos ternos aqui, ternos da Armani, uma coleção deles,

organizados em uma escala monocromática que varia em tons de cinza até o

mais profundo negro, além de gravatas. Tudo cheira a couro fresco e

dinheiro, se é que dinheiro tem um cheiro específico.

Fecho a porta.

A segunda, é de um banheiro.

Quase me assusto quando passo os olhos pela pia de mármore e a

decoração igualmente fria, como se tivesse saído de alguma revista sobre

impérios antigos. Há uma banheira no meio de duas pilastras brancas, que

descem de uma sanca de gesso redonda no teto, com outro lustre no meio.

Me olho no espelho comprido da bancada que deve ter cerca de dois

metros. Meu cabelo está todo desgrenhado e o rímel borrado ao redor dos

olhos.

Inspiro profundamente e solto o ar, tentando me recordar sobre

qualquer coisa que tenha acontecido na noite anterior, mas tudo o que me

lembro é que depois que o expediente no trabalho acabou, fomos para uma

confraternização com os funcionários, para comemorar o décimo

aniversário da cafeteria.

Estava frustrada por ter sido despachada da editora que iria publicar

meu segundo livro. Eles romperam o contrato repentinamente, esmagando

meu sonho como se eu fosse um inseto inconveniente sob a sola do sapato.

Então descontei toda minha amargura no álcool.

Deixo a cabeça pender para frente e solto o ar devagar, prometendo

que eu jamais beberia novamente, ainda mais se fosse para afogar as

mágoas.

Olho para minhas mãos apoiadas no mármore frio.

Meus olhos se fixam na aliança no meu dedo.

Franzo o cenho.

Ergo a mão contra a luz e o diamante imenso cintila.

O quê?

Talvez a pergunta mais adequada fosse por quê.

Por que é que havia um anel que parecia custar um carro dos sonhos

no meu dedo e por que eu estou num quarto incrivelmente chique? Atônita,

deixo o banheiro, disposta a procurar por meu celular e dar o fora daqui

antes que as coisas fiquem mais complicadas.

No entanto, meus pés fincam no chão no momento em que me viro,

voltando para o quarto. Não sei quando é que ele chegou aqui, ou como

entrou sem fazer barulho, mas seus olhos azuis contém um brilho lúdico

que eu não gosto.

Ele entorna o copo com um líquido âmbar, que presumo ser uísque,

mantendo os olhos em mim.

— Por que você está aqui? — indago, confusa. — Por que eu tô

aqui? — Olho ao redor. — Que lugar é esse?

— Nós nos casamos — diz, simplesmente. Um sorriso torto começa

a tomar conta de seus lábios. — Se esqueceu?

Começo a rir, porque Diamond só pode ter ficado louco.

Ele trabalha na cafeteria, comigo. Na verdade, trabalhava. Ontem foi

o último dia dele no castigo. Ele afundou um dos navios de sua família

super rica no verão passado, então os pais dele o mandaram para o trabalho

árduo, mesmo que o seu salário lá com certeza não pagasse por nada. Era

uma forma de puni-lo por ser inconsequente.

— Nós estamos casados? — desdenho, arrancando o anel do meu

dedo e jogando-o em sua direção. — Não estamos mais.

Diamond não faz questão de segurá-lo. O diamante bate contra seu

abdômen e cai sobre o chão.

Ele continua lá, sentado na cama king size com um maldito dossel e

lençóis de seda.

O cabelo dourado cai desajeitadamente sobre sua testa. Ele usa uma

camiseta social com os primeiros botões abertos, expondo o começo de seu

peitoral e a pele branca bronzeada.

Ele é tão bonito que me irrita.

Me dou conta de algo. Troco o peso de uma perna para a outra e

hesito um pouco.

— A gente não transou, né? — pergunto, num muxoxo, engolindo

em seco.

Diamond rola os olhos.

— Não.

Suspiro em alívio.

— Ótimo, então não quero saber como vim parar aqui. Cadê meu

celular? Preciso ir embora.

— Eu te levo, mas precisamos conversar.

— Sobre o quê? — murmuro, pegando meus sapatos no chão e me

sentando em uma poltrona que há no quarto, começando a calçá-los e

amarrar os cadarços em seguida.

— Nosso casamento.

— Para com isso, a gente não casou porcaria nenhuma — digo,

rispidamente.

O que tem de errado com ele? A gente se detestava. No tempo em

que trabalhamos na cafeteria, tudo o que fizemos foi trocar alfinetadas. Eu

jamais me casaria com Diamond e havia uma série de motivos para isso.

Eu poderia listá-los, mas seria uma lista infinita. Começando pelo fato de

que éramos muito diferentes e jovens. Me casar aos dezoito anos

definitivamente não está nos meus planos.

— Você assinou os papéis — Diamond resmunga, jogando-os em

minha direção.

As folhas voam pelo ar. Começo a juntá-las no carpete e lê-las.

Então, fico horrorizada porque a papelada é autêntica, inclusive a minha

assinatura, mesmo estando um pouco torta.

Tento forçar minha mente a se recordar de algo outra vez, mas

encontro apenas um vazio oco.

— Quero divórcio — digo, me sentindo ridícula.

Seu rosto está muito relaxado, o que me irrita.

— Não. A gente tem um acordo, lembra?

— Que acordo?

Ele franze o cenho.

— Você realmente não se lembra de nada?

— Não!

Diamond rola os olhos, me fitando com um pouco de desdém. Um

sorrisinho presunçoso começa a delinear seus lábios.

— Você concordou em se casar comigo se eu conseguisse publicar

seu livro na maior editora do país. Foi o que pediu em troca de fingir ser

minha esposa para meus pais saírem do meu pé. Eles queriam que eu me

casasse com a filha de um de seus parceiros de negócios, mas falei que já

estava prestes a me casar, então, pediram para conhecer a mulher que

roubou meu coração — diz, irônico. — Esse foi nosso trato. Você fingiria

ser minha esposa de mentirinha e nós dois sairíamos ganhando.

Pisco diversas vezes, processando as informações.

— E por que é que a gente só não podia fingir de verdade? Você

casou comigo!

Começo a hiperventilar. Não acho que Diamond esteja entendendo a

gravidade da situação. Estou casada, com ele. Sinto vontade de vomitar.

— Eu estava tão bêbado quanto você, para falar a verdade —

murmura. — Na hora, fez sentido para nós dois. Além do mais, meus pais

não acreditariam se eu não mostrasse alguma prova a eles. — Sinaliza para

os papéis de nossa “união”.

— Não, tô fora. — Balanço a cabeça. — Sério. Dá um jeito de se

divorciar de mim e arranjar outra esposa falsa — falo, avistando meu

celular perto de um dos travesseiros na cama.

Depois de apanhá-lo, começo a ir em direção à porta certa.

— Até mais, esposa — Diamond diz atrás de mim, o tom de voz

sarcástico.

Enrijeço, a palavra esposa me atinge com força e envia alguns

calafrios por minha espinha. Corro pela escada em formato de espiral, me

deparando com uma sala chique com direito à lareira. Acho o hall de

entrada e vou até a porta, abrindo-a. Começo a andar pelo pátio da mansão

e sinto a brisa gélida me atingir, está frio aqui fora. Cruzo os braços em

frente ao peito.

A sensação de estar sendo observada me faz estremecer.

Olho sobre o ombro e vejo Diamond atrás da janela, me

inspecionando no segundo andar, com um copo de uísque na mão.

Ele o ergue em minha direção, como quem diz saúde.

Quase posso imaginar o sorriso no seu rosto estúpido.

Você parece feliz

                                                                                 Diamond

                                                                                    Antes

É meu primeiro dia de trabalho na cafeteria. Eu não estou aqui por

escolha, então não tenho que fingir que estou contente. Blake, uma das

garçonetes, fica me supervisionando o tempo todo. Quando seu olhar

encontra o meu, é quase difícil evitar a carranca que quer se aprofundar em

minha expressão. Não preciso que ela se meta no que estou fazendo.

Continuo usando a esponja para lavar os pratos, sem muita emoção.

— Você parece feliz — diz, se aproximando.

— Muito — murmuro, irônico.

— Sabe que precisa esfregar com mais vontade, né? Ou os clientes

vão reclamar que servimos eles com louça suja.

— Você é sempre enxerida? — pergunto, começando a me irritar.

Ela ergue os braços em rendição.

— Só queria te ajudar, cara. Para de ficar na defensiva. Eu não sou

sua inimiga, somos colegas de trabalho agora. Você vai me ver todo dia. Se

é esse o clima que você quer estabelecer entre nós, vá em frente. — Ergue

os ombros.

Eu sei que estou sendo um idiota, mas estou num dia ruim. Tenho

vinte anos e meus pais resolveram me castigar pela primeira vez em dez

anos porque afundei um de seus navios.

Em minha defesa, foi um acidente causado por um estranho. É claro

que eu tinha dado uma festa lá dentro, mas festas assim acontecem o tempo

todo. O que tive foi o azar de um dos convidados ter se enfiado na cabine

depois de beber e apertado botões no painel que eu nem sabia para que

serviam.

Por sorte, a embarcação não estava em movimento e todo mundo

conseguiu descer antes que as coisas ficassem realmente feias. Eu tive que

observar, do porto, um dos brinquedos favoritos do meu pai ser afundado

lentamente no mar negro da Califórnia enquanto a luz do luar projetava no

meu rosto.

Estou prestes a me desculpar quando, Gina, a garota do caixa,

aparece no meu campo de visão.

Ela amarra os cabelos cacheados no topo de sua cabeça e lança um

olhar que alterna entre mim e Blake, mas seu cenho só franze quando suas

íris estão em mim. É perceptível que não foi com a minha cara desde que

cheguei. Ela só me disse um breve "oi" mal-humorado.

O que me intrigou bastante.

Não é o tipo de recepção que costumo receber do público feminino.

— Tudo bem? — ela pergunta para Blake, me ignorando.

— Sim, só vim ajudar o Diamond.

Gina bufa.

— Ele se vira sozinho — resmunga. — Meu turno já tá acabando,

vou me trocar lá nos fundos, tá?

Elas trocam mais algumas palavras e Gina some no interior da

cafeteria. Eu continuo em frente a pia da cozinha comercial, lavando os

malditos pratos. Meu pescoço já está doendo pra caralho por ter que ficar

olhando para baixo, já que sou mais alto que a maioria das pessoas.

— Não gosto desse emprego — falo, em voz alta.

Blake ri.

— E quem é que gosta?

Fico em silêncio, me sentindo mais irritado que nunca. A louça acaba

depois de um tempo que parece infinito, então, mais pratos chegam. Fico

aqui até que meu turno de meio período acabe.

Estou prestes a ir embora quando vejo Blake colocando as cadeiras

em cima das mesas. O estabelecimento já está vazio.

— Qual é a da sua amiga? — indago, não conseguindo me conter.

— A Gina? — Blake diz, parecendo surpresa.

— É — respondo com impaciência. — Por que ela parece não ter ido

com a minha cara?

— Deve ser porque ela não foi com sua cara.

Quero rebatê-la, mas sinto que vou perder meu tempo, então só saio

da cafeteria e vou para casa. Não moro mais com meus pais desde que

comecei a faculdade. Harvard é um sonho deles, não meu. Tenho que

continuar no maldito curso de administração, caso queira ter acesso à toda

fortuna, além do fato de que é confortável para mim, por mais que meu

coração pertença a outro lugar.

Nunca disse isso para eles, claro.

Eu consigo imaginar a reação que teriam.

Você, em outra profissão? Minha mãe caçoaria, com uma risada

falsa. Você é um Diamond, meu pai acrescentaria, com o rosto sério.

Eles colocariam um ponto final no assunto e nenhum de nós três

jamais citaria isso de novo.

Afinal sou um Diamond, e um Diamond jamais pode fugir de seu

dever.

Tá tudo bem?

                                                                                          Gina 

Ao longo da semana, algumas lembranças da confraternização

começam a voltar para minha mente aos poucos, e eu contenho um gemido

no fundo da garganta toda vez que lembro que estou casada. Diamond

desapareceu. Eu não o via há cinco dias e estava começando a ficar nervosa

porque eu não queria estar atrelada a ele.

— Tá tudo bem? — Blake, minha amiga, diz, parando de varrer o

chão da cafeteria.

Estamos prestes a fechar, apenas organizando o ambiente. Limpo a

garganta, tentando colocar um sorriso que espero ser brilhante no rosto.

— Sim, só estou meio cansada agora que me mudei. A cafeteria fica

mais longe.

Blake assente, mas fica uma sombra de dúvida em seu rosto. Ela é

alguém que capta tudo no ar, o que torna difícil a missão de enganá-la. Mas

é verdade. Realmente estou cansada pela nova distância de casa até o

trabalho. Eu morava em um complexo de apartamentos universitários com

uma garota, mas o dinheiro do aluguel teve que ser redirecionado para

outras questões, então tive que voltar para a casa do meu pai, que fica a

cerca de quarenta minutos daqui.

Blake sai primeiro, despedindo-se quando seu namorado estaciona a

moto em frente à cafeteria para pegá-la.

Coloco um casaco antes de sair porque é inverno em Boston e neva

bastante às vezes. Assim que coloco os pés na calçada, uma rajada gélida

me atinge, enviando um arrepio por meu tronco. Tranco a porta do

estabelecimento, enfiando a chave no bolso.

Então, viro, me deparando com uma limousine preta.

Me ultrajo quando Diamond desce do carro. Está usando um terno

igualmente preto, o rosto meio corado pelo frio e os olhos muito azuis fixos

em mim. Ah, e claro, há aquele sorriso de idiota no seu rosto que me faz

querer socá-lo só para que desapareça.

— Olá, esposa.

Estremeço.

— Não me chama assim.

Diamond me ignora. Ele está segurando a porta do carro aberta,

como se esperasse que eu entrasse nele.

— Temos assuntos para resolver, Georgina.

Meu olho treme, porque odeio esse nome, por mais que ele seja meu.

Não gosto que me chamem assim.

Ando em sua direção, parando em sua frente. É inevitável não

analisá-lo no terno de grife. Nunca o vi assim antes. É como se tivesse

revelado sua verdadeira identidade apenas agora. Por mais que eu já

soubesse que ele era podre de rico, na cafeteria, agia como nós. Usava

uniforme e não andava por aí com limousines.

— Olha só, nós não temos que resolver nada. Só quero me divorciar

e fingir que isso nunca aconteceu.

Diamond encosta contra o carro, cruzando os braços em frente ao

peitoral largo. Não gosto de como me olha.

— Vou te deixar em casa — ele diz, me ignorando.

— Não quero carona nessa limousine estúpida.

— Ótimo! — O loiro fecha a porta, após dispensar o motorista, que

se distancia imediatamente. — Vamos de ônibus, ou o que quer que você

prefira.

Não posso evitar segurar sua gravata, puxando-a até que seu rosto

fique a apenas alguns centímetros do meu. O encaro seriamente, com raiva.

— Não estou brincando. Quero que você se divorcie de mim. Arranje

um advogado.

O solto.

Diamond bate a mão no próprio ombro, como se estivesse tirando pó

dele. Depois, ajeita a gravata que ficou torta e enfim me encara, com os

olhos cheios de sarcasmo. E lá está. O sorriso torto que faz meu sangue

ferver.

— Arranja um advogado você. Não sou eu que quero me separar.

Estou feliz com nosso casamento.

Sinto um ódio genuíno, porque não tenho dinheiro para um

advogado. Se for me separar do garoto, terei que entrar na enorme fila de

espera para conseguir serviço gratuito.

Controlo minha respiração. Também tenho que controlar a vontade

de enforcá-lo.

— Vou me separar de você — digo, me sentindo ridícula. — Nem

que eu tenha que vender minha alma pra conseguir um advogado.

Diamond rola os olhos.

— Temos que discutir sobre seu temperamento, ele certamente não

irá agradar meus pais.

— Vai se foder — cuspo.

Começo a andar pela rua, olhando sobre o ombro. O babaca fica

parado lá, com as mãos nos bolsos e agradeço mentalmente por ele não me

seguir.

Assim que chego em casa, penduro o casaco no cabide, próximo à

jaqueta de meu pai. O encontro na cozinha, está de costas para mim,

esquentando água na chaleira.

Solto um suspiro.

— O senhor não devia estar em pé aí — murmuro, tentando engolir a

frustração.

Meu pai é teimoso. Ele tem um rompimento no ligamento do seu

tornozelo esquerdo e faz tratamento para isso, que, inclusive, custa caro.

Com o dinheiro de sua aposentadoria, que não é tão alta, mantemos a casa e

as aulas de Tristan, meu irmão mais novo. Sobrava um pouco que ele

acabava me ajudando com a faculdade, mas, com o agravamento de seu

tornozelo, tive que deixar o curso de Literatura e o alojamento universitário

onde eu morava, o que me fez retornar para cá.

Trenton Davis, conhecido por mim como pai, é ex-militar e feriu seu

tornozelo em combate, mas, com a idade, os problemas aumentaram.

— Só estou preparando um pouco de chá — murmura enquanto se

apoia nas muletas.

— Deixa que eu termino.

Ele me analisa com calma.

— Você parece cansada.

— Não estou — minto. — Sério, pai, deixa a chaleira aí. Eu me viro.

Ele resmunga e sai da cozinha, porque sabe que tenho um gênio

difícil de lidar. Não me importo em me sacrificar por quem amo, mesmo

que esteja morrendo de fome, dor nas costas e com vontade de dormir por

duas semanas inteiras.

Termino o chá e começo a fazer alguns sanduíches de pasta de

amendoim. Sei que meu pai adora comer isso, mesmo que eu tente o

convencer de que é nojento.

Tristan chega quando ainda estou na cozinha. Ouço o barulho da

porta se fechando. Ele passa pelo corredor, mas para quando me vê.

— Fez um para mim? — indaga, adentrando no cômodo e fazendo

menção de pegar um dos sanduíches.

Seguro seu pulso.

— Não. Os dois são para nosso pai.

Tristan bufa.

— Você é egoísta. Não pensou no seu irmão mais novo que chegaria

do colégio cansado e com fome?

— Você tem catorze anos. Pode preparar sua comida.

Começamos a retrucar um ao outro. Tristan inicia o próprio jantar e

eu saio da cozinha, levando o chá e os sanduíches para meu pai. Ele está

sentado no sofá, com a perna ruim esticada sobre o estofado, vendo algum

jogo de beisebol na tevê que não faço questão de prestar atenção.

Meu irmão aparece na sala, mostrando para nós as notas do colégio.

Ele estuda numa escola de artes. É muito inteligente e meu pai sempre

brinca que é ele quem vai nos tirar do bairro em que moramos quando

crescer. Eu rio ao escutar isso, mas não deixo de sentir uma pontada no meu

peito, porque eu gostaria de dá-los uma vida melhor.

Subo para meu quarto, pensando nisso e no que meu pai me disse

uma semana atrás. Que provavelmente precisaria fazer uma cirurgia e não

teria como manter Tristan no colégio. Não contamos isso para ele ainda, é

claro, até porque não temos certeza se ele realmente vai precisar operar o

tornozelo, embora seja mais uma fagulha de esperança tola que eu alimente

dentro de mim.

No chuveiro, apoio a cabeça contra os azulejos da parede e fecho os

olhos enquanto a água corre pelo meu corpo.

É o único momento em que eu posso deixar a armadura cair porque

sei que ninguém vai ver.

Então, quando saio do banho, com a toalha enrolada no corpo, faço

algo que prometi a mim mesma que não faria.

Ligo para o Diamond.

Ele atende no terceiro toque.

— Mudou de ideia? — é a primeira coisa que ele diz.

— Por sobrevivência — murmuro, sentindo-me mais derrotada que

nunca.

— Claro.

— Isso deve inflar tanto o seu ego, não é? Que as pessoas precisem

de você, seu dinheiro, sua influência…

Há uma pausa. Não sei se ouço um suspiro do outro lado da linha ou

se estou só imaginando coisas.

— Não. Você entendeu errado. Eu realmente acredito em você. —

Diamond solta um riso seco. — Sei que você preferiria nadar em um tanque

cheio de tubarões do que ter que fingir ser minha esposa.

— Ótimo — sopro, contra o telefone. — O que preciso fazer?

— Primeiro, a gente vai transformar esse seu visual de gata

borralheira.

Franzo o cenho e coloco o celular no viva voz sobre a cômoda

enquanto começo a me vestir.

— Como assim visual de gata borralheira?

Quase posso imaginá-lo rolando os olhos neste momento, com um

sorriso presunçoso.

— Não me leva a mal, Gina. É só um apelido inofensivo. Você já

assistiu Cinderela, né? A minha irmã mais nova me obrigou a assistir esse

desenho umas quinhentas vezes na infância. Eu lembro que a Cinderela

trabalhava muito, assim como você. Quando conversamos me recordo do

filme. — Há uma pausa. — Mas, voltando ao assunto, nós só temos que

adaptá-la ao mundo dos meus pais. Eles são os idiotas, não eu. Pense sobre

isso. Vou te levar até um lugar para escolher um vestido.

Eu bufo.

— Ok — respondo secamente. — Para que ocasião?

— Brunch.

É tudo o que ele diz antes de encerrar a chamada.

Por algum motivo, fico com a sensação de que fechei um acordo com

o diabo.

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