Episódio 1
"Antes de estar aqui, vivia nos EUA morando com Sule!"
Bato os pés no chão enquanto discuto com minha mãe, abordando assuntos que já conversamos milhares de vezes.
"Murat"
Pausou, exalando o ar que saía de suas narinas, preparada para prosseguir com seus sermões.
"Sei o quanto difícil foi para você deixá-la. Mas você precisa se recompor! Quantos anos se fazem? 8?"
Pressiono a mandíbula para tentar esconder o que estou realmente sentindo.
Em vez de expressar tudo que se passa em minha mente, pressiono-a ainda mais contra meus dentes já frágeis; sinto como se fossem quebrar devido à tensão.
"Você realmente não ouviu nada do que eu disse, não é?"
Elevo meu tom, pressionando minhas palmas nas mãos tentando conter o tremor constante.
Minhas mãos tremeram desde meu último e recente episódio de semântico. Em situações estressantes, elas também tremem. Como forma de escapar, assisto às poucas fitas da minha antiga vida que gravei. Algumas com a participação de minha esposa.
Pergunto-me se ela estaria em paz com minhas atitudes recentes, ou se ela apareceria para me dar um sermão. Um riso imediato escapa de mim diante dessa possibilidade impossível.
"Vou para o quarto"
Digo ao passar por ela, apressando meus passos enquanto ouço seus resmungos atrás de mim.
Sei que pareço um pouco egoísta demais; estávamos discutindo o meu passado, e o que eu teria ou não que efetuar não é mais problema meu e nem dela, afinal é passado.
Antes do início do toque de recolher e após nossa discussão, minha mãe insistiu para que eu fosse ao mercado comprar mais sabonetes lacrados.
"Precisamos de mais sabão"
Ela disse na porta, dando uma tragada em seu cigarro.
Reviro os olhos lentamente, soltando o ar que estava aprisionado em meus pulmões seguido de uma risada curta e sarcástica.
Isso a irritou muito, a dirigindo a cometer os mesmos atos que eu havia feito.
"Não precisamos disso"
Digo ríspido, calçando meus sapatos. Ela rapidamente encolhe os ombros, sentando ao meu lado.
"Precisamos de mais sabão!"
De repente ela aumentou o tom da voz, assustando-me um pouco. Nossa relação estremeceu com o passar do tempo, e conviver com ela desse jeito me deixou mais estressado do que nunca.
"Tá bom! Tá bom!"
Levanto-me de meu assento, olhando-a alavancar o cenho, suas sobrancelhas falhas se movimentando condizentes aos seus olhos me encarando raivosamente me fez desistir de reagir.
Vendo minha reação, ela jogou o dinheiro na mesa e virou-se de costas, a fumaça seguindo-a.
Com os fones sobre minha cabeça, eu saio de casa. Observo as horas em meu relógio de pulso marcando exatas 14:30, enquanto divago em minha mente.
Ao passar pelo antigo ponto de ônibus, vejo uma mulher sentada, concentrada em sua leitura. Aperto os olhos, tentando observá-la de longe.
A bela mulher parecia focada no que realizava no momento, rindo para si própria. Movimentava lentamente seus olhos para as palavras postas naquele objeto que segurava.
Murat imaginou-se naquele posto, caminhando até ela, conversando com ela, tocando-a. As fantasias sobre ela, os vários lugares que poderiam imaginar estar juntos, percorreram na cabeça de Murat, crescendo rapidamente as perguntas sobre a mesma. Esse sentimento brotando no fundo do coração, considerado irreconhecível durante anos por Murat, brotara no seu coração novamente?
O mesmo não reconheceu a si próprio, caindo na realidade de que a moça nunca iria olhá-lo. Apesar dessa personalidade carrancuda que ele é, no fundo de sua mente, o sentimento de ser amado e amar permanecia novamente escondido, mas presente em algum canto do seu coração.
A moça percebeu que um homem a olhava intensamente e decidiu retribuir. Seus olhos se encontraram, e um sentimento incomum foi formado naquele olhar fazia-o permanecer parado ali.
A mulher não entendeu o motivo dele estar parado ali e apenas sorriu docemente, mostrando seu sorriso mais genuíno. Um sentimento de curiosidade sobre o homem a corroeu por dentro, querendo saber mais sobre o tal.
"Estou esperando o ônibus"
Fechou o livro, dizendo entre risadas discretas. Murat a viu sorrir, e vê-la sorrir o fez tão bem internamente que quis imitá-la também, sentindo-se pronto o suficiente para falar.
"Este ponto parou de funcionar faz um tempo"
Murat retribuiu o sorriso, respondendo. A mulher arqueou as sobrancelhas, surpresa pela retribuição.
Sempre que tentava conversar com alguém, era evitada. Talvez por parecer estranha.
A mulher de cabelos pretos observava cada movimento dele. Sua pele branca parecia levemente corada pelo sol.
Suas roupas - calça jeans, camisa laranja, casaco por cima do tecido e botas marrons - combinavam com o clima.
Comparando com as roupas que Murat estava usando ela estava incrivelmente bem vestida para o clima.
Antes que pudesse dizer algo, Murat lembrou-se do pedido de sua mãe e acelerou seus passos, deixando a mulher com quem tinha conversado sozinha.
Murat balançou levemente a cabeça, pensando na mulher que acabara de conversar. Ela talvez imaginasse o pior sobre ele deixando-a sozinha. Ele se questionou se teria a chance de vê-la novamente, para talvez explicar seu comportamento inesperado.
Andando apressado em direção ao supermercado, verificou mais uma vez o relógio, que agora marcava 15:00. Murat sentiu os pulmões falharem por um minuto; não estava acostumado a correr. Especialmente por um mísero objeto tão simples.
Olhando para os lados da estrada, a loja apareceu na visão periférica de seus olhos. Suspirou pesadamente soltando todo o ar que ainda tinha dando graças aos céus por finalmente tê-la encontrado.
Cruzando a rua, uma plaquinha de alerta dizia: "fones de ouvido obrigatório."
Tocando a porta de aparência questionável um calafrio percorreu, da cabeça aos pés.
Murat ajeitou seus óculos, adentrando no local. Todas as pessoas ali estavam com os fones sobre os ouvidos. Logo que entrou, uma mulher de aparência bem vívida o encarou por um longo tempo. Suas vestimentas eram simples e perguntou para si próprio se havia algo de estranho nele ou na aparência dele para a mulher olhá-lo daquele jeito.
Olhando as prateleiras, Murat ficou impaciente, pressionando a mandíbula.
Passou pouco tempo e ouviu-se um menino questionar a mãe sobre o por que eles estavam demorando tanto para irem embora.
Enquanto percorria por cada prateleira, ouvia a mãe repreendendo o filho por não estar com os fones.
Uma idosa, com um lenço floral amarrado no cabelo prateado, bloqueia o caminho nas estantes de sabão, falando coisas confusas, suas mãos enrugadas tremendo levemente, como se a idade trouxesse histórias que ela queria compartilhar.
"Ah não..."
Murat pressionou os fones contra seus ouvidos, tentando ao máximo abafar a fala da mulher em seu ouvido. Sentia uma sensação de sua cabeça esquentando e um zumbido ensurdecedor tomava conta de todo seu cérebro.
"Uma disparatada!"
Dizia um homem em alto tom, estremecido entre o carrinho de compras apertando firmemente seus fones.
A mente de Murat percorria todos os devaneios possíveis, pensando se talvez seria descoberto por alguém. Sua condição super especial o tornava cada dia mais infeliz. Desejava não ter isso, desejava viver e disparatar na hora que o destino permitisse.
"Meu filho, ponha isso!"
A mulher de mais cedo falava para o filho, com uma voz trêmula, temendo o pior caso o filho não colocasse os malditos fones.
"Ervilhas têm buracos pequeninos, sabe por quê? Os aviões possuem hélices, com o poder de percorrer milhares de quilômetros. Maçãs são vermelhas e carros são de ferro. Óculos são feitos de ferro, assim como os meus pés de colágeno."
A idosa chegava perto do menino falando coisas opostas umas das outras.
Murat tirou seu fone e encaixou-os nas pequenas orelhas do pequeno garoto. O menino, no mesmo instante, o olhou assustado.
Os sons das catracas se fechando no meio da loja assustaram todos, inclusive o garotinho, encolhido nas próprias pernas, soluçando, chamando o nome da mãe.
O desespero angustiado da mãe, tomada por lágrimas, vendo seu filho naquele jeito, sem poder fazer nada, estava desesperada pedindo por ajuda à mulher da cabine ao lado, que tinha a expressão do rosto caída, observando a mulher chorar de joelhos, implorando pelo seu filho.
A mulher na cabine de cabelos tingidos de ruivo tentava todos os botões da grade, mas nenhum funcionava. O que deixava o rapaz de olhos verdes apreensivo. Seu coração pulsava em compasso com a incerteza da situação.
Não poderia ficar por muito tempo ali, arriscou-se muito por abdicar de seus fones, - dando-os ao garoto, e agora ajudaria o mais rápido possível o menino.
Sua ânsia era sair dali despercebido. A pressão em sua cabeça fez com que ele cambaleasse por um momento, começando a sentir o sangue borbulhar dentro de sua cabeça.
A mãe do menino chamou os outros que estavam do lado oposto para ajudá-la a levantar a cerca protocolar. O esforço era mútuo, mas não foi suficiente para sequer levantá-la.
Murat foi até lá, ajudando as pessoas do outro lado da grade. As pessoas o olhavam com desdém e apreensão, esperando que ele manifestasse seus sintomas.
Na primeira oportunidade, em um pequeno espaço, o menino passou com pouca dificuldade saindo correndo para os braços da mãe chorando.
Por um momento, Murat se sentiu aliviado, logo depois sendo entorpecido pela quentura de sua cabeça. A mulher agradeceu, fazendo um leve aceno cabeça, e abraçou seu filho novamente.
Murat percebeu que a mulher não havia dado os fones ao seu filho. Talvez ela tenha posto pequenas massinhas de pão nos ouvidos do garoto e nem percebeu.
Antes de fabricarem fones, as pessoas tinham o costume de colocar massas de pão sobre o ouvido. Diziam que prevenia contra surdez, gripe e o semântico.
Em alguns casos, este método funcionou, mas em outros o efeito aconteceu ao contrário do previsto, ajudando mais a doença e resultando em mais casos na cidade.
Tudo aconteceu tão rápidamente em sua mente, e a dor de cabeça piorou como lava de um vulcão. Sentia os olhares aterrorizados das pessoas e temia ser denunciado ao ICV. A dor se intensificou e ele teme que alguém perceba.
Com medo de que isso acontecesse, saiu cambaleando em seus próprios passos e logo encontrou o sabão nas prateleiras.
Pegou rapidamente um pacote, sentindo o plástico escorregar. Olhou para a mulher no balcão que estava lendo, que o olhou de volta, havia uma tristeza em seus olhos, parecia que ela já havia passado por uma situação semelhante.
Parecia que seus olhos perguntavam se ele estava bem.
Não podia dizer nada, afinal, o senso comum predominante da cidade afirmava que era melhor evitar o contato visual com alguém por muito tempo.
Dirigiu-se ao caixa e pagou pelo sabão. A atendente nem sequer o olhou, evitando o contato visual. Ela colocou o produto dentro de uma sacola e empurrou na direção dele. Ele rapidamente saiu da loja, pela entrada lateral aliviado por escapar daquele lugar.
Um vento gelado atingiu seu rosto. Trazendo um leve arrepio em seu corpo. Tinha um longo caminho a percorrer até chegar em casa, mas dessa vez estava feliz em ter conseguido o que precisava apesar do turbilhão de sensações que o acompanhou.
Episódio 2
05 de janeiro de 2015
Estávamos em nossa casa, preparando o jantar, e Sule estava radiante. Ela parecia como se tivesse recebido um aumento no trabalho, sua energia contagiante preenchia o ambiente.
"Meu dia foi tão maluco e... peculiar hoje!"
Exclamou, retirando os pratos do armário e colocando-os delicadamente na mesa, demonstrando alegria na tarefa. Observando-a, fiquei admirado com a sinceridade dela.
Ao fundo, a música retrô tocava, criando uma atmosfera leve, o que contrastava com o que ela compartilhava.
Minhas próprias preocupações e estresses do dia desapareceram enquanto eu a ouvia desabafar sobre seu chefe antiquado e sexista no trabalho. Ela relatou situações desconfortáveis que enfrentou, mas sua determinação em confrontar homens que se julgavam superiores às mulheres era inspiradora.
"Por que você não relata essas questões ao RH?"
Perguntei, preocupado, enquanto arrumava os pratos na mesa.
Apesar dessas dificuldades, Sule não se deixava abater por homens preconceituosos. Sua coragem diária a tornava uma heroína em minha mente.
"Você tem razão. Falarei com o pessoal do RH amanhã."
O aroma de comida fresca enchia o ar, e Sule mencionou que estava experimentando um novo prato, o que me surpreendeu, já que havíamos seguido a mesma rotina alimentar por meses.
Sentei-me à mesa, observando-a servir a refeição com carinho.
"Os telejornais estão falando o dia inteiro sobre possíveis casos de um vírus no Estado. Murat, o que você acha?"
Perguntou, a incerteza refletida em seus olhos que vagavam pela casa.
Abri a boca para formular uma resposta. Ela soltou um suspiro e saiu dali, deixando a comida pronta no micro-ondas. Era a nossa comida favorita desde que nos casamos.
Vendo-a cada vez mais distante, levantei-me rapidamente, sentindo um formigamento intenso na perna. Reclamei enquanto apoiava os braços nas cadeiras, determinado a alcançá-la.
"Sule!"
A vejo cruzar no corredor entre a sala e o nosso quarto, então a chamei, avançando o mais rápido que podia, tentando evitar esbarrar em móveis.
"Por que não conversamos um pouco Sule?"
O som da madeira rangendo no decorrer dos passos lentos trazia um certo receio de se aproximar de Sule. Murat se guiava intuitivamente pelos sons, e isso estava o deixando cansado.
"Por favor, Sule vamos conversar!"
Minhas palavras ecoaram no corredor, carregadas de preocupação e desejo de entender o que estava acontecendo.
Sua sombra se movimentava constantemente, como se ela estivesse ansiosa ou realmente chateada com algo que Murat havia falado, ou dito.
Seguiu onde a sombra estava, respirando fundo enquanto passava pelos pisos de madeira gastos.
Com os olhos vermelhos e lábios trêmulos, Sule aparecia lentamente na entrada da academia em choque. Seus olhos, antes cheios de incerteza, agora estavam úmidos de lágrimas.
Murat parou e a olhou através de seus óculos, pensando em como acalmá-la. Sule parecia muito assustada para responder.
"Sule, por favor, me fale o que houve?"
Murat se aproximou dela com os braços abertos, sentindo a tensão no ar e o coração acelerado de Sule.
Sule manteve-se parada por alguns segundos, comprimindo os lábios e abraçando Murat apertadamente, o que o surpreendeu um pouco. Sule não tinha o hábito de agir assim com frequência; seu rosto mostrava surpresa e vulnerabilidade.
"Vamos para a sala conversar?"
Ele disse suavemente enquanto a abraçava, acariciando seus cabelos macios. Sule sentiu sua respiração regular e deixou que ele a conduzisse até um lugar para sentar.
"Me diga o que houve para você estar assim. Fiz alguma coisa que te chateou?"
Ele perguntou, acariciando seus cabelos suavemente. Com o calor reconfortante das mãos de Murat em seu braço e o toque suave em seus cabelos, a luz suave do fim da tarde pintava a sala de tons dourados.
As lágrimas escorriam pelo rosto de Sule, sua voz tremendo enquanto ela se afastava dele com tristeza e confusão. O choro de Sule ecoava no cômodo, preenchendo o espaço com um som angustiante.
"N-não é isso!"
Disse com voz trêmula. O gosto salgado das lágrimas inundou sua boca, tornando-a ainda mais amarga.
Murat abaixou a cabeça, sentindo o peso de sua própria culpa apertando seu peito. Ele podia ouvir o ritmo de seu próprio coração, ecoando em seus ouvidos, enquanto sua respiração se tornava mais superficial. A sensação de sufocamento começou a dominá-lo, como se o ar estivesse rarefeito.
Ele fechou os olhos por um momento, tentando conter as lágrimas que ameaçavam cair, mas a pressão emocional era avassaladora. A sala ao seu redor parecia diminuir, como se o mundo inteiro estivesse se fechando sobre ele.
O cheiro do incenso, queimando suavemente no canto do quarto, estava mais presente do que nunca, enchendo o ar com uma fragrância levemente doce e tranquilizadora. Cada inalação profunda parecia trazer um pouco de calma, mas o remorso ainda o consumia.
Murat sabia que precisava fazer as pazes com Sule e resolver o que quer que estivesse causando essa tensão entre eles. Ele se obrigou a levantar a cabeça e enfrentar a situação, mesmo que isso significasse confrontar seus próprios sentimentos e erros.
"Parece que você nunca ligou para mim realmente!"
Gritou entre choro e soluços de frente para Murat, apontando seu dedo diretamente para ele. Seu olhar irritadiço permaneceu nele antes de voltar a se sentar.
Murat se assustou pela ação repentina de sua esposa. Ela poderia estar sobrecarregada no trabalho, bem como os problemas da nossa vida profissional impacta de um jeito ou de outro na nossa vida pessoal.
Percebendo a súbita mudança no humor de Sule, sentou-se cuidadosamente ao lado dela. A cena diante deles era carregada de emoção, com a luz do sol lançando sombras suaves pela sala, acentuando a expressão de tristeza no rosto de Sule.
Ele se aproximou dela novamente, segurando-a pelos braços, procurando compreender o que estava acontecendo.
"Por que está assim comigo?"
Ele perguntou calmamente, encarando a face raivosa dela. O aroma do incenso queimando no canto da sala se misturava com a tensão no ar.
Sule, ainda confusa, respondeu:
"E-eu não sei Murat! Esse é o problema!"
O sabor amargo do arrependimento pairava em suas palavras, como se fosse tangível.
Enquanto Murat tentava consolá-la, uma voz feminina na TV atraiu sua atenção. A notícia sobre um novo vírus chamado "semântico" preencheu o ambiente.
"Os sintomas são variados, mas os sintomas comuns são dor de cabeça, espasmos nas mãos e, em alguns casos, convulsões e distorções da realidade".
Dizia a reportagem
"Segundo os virologistas e cientistas que estão estudando a doença, o principal meio do vírus se espalhar é pela fala. Quando o infectado entra em contato com os não infectados, frases sem contexto nenhum são ditas e até a vítima infectar-se são questões de segundos. Não se sabe se o vírus se propaga pelo ar ou pela saliva, mas as autoridades maiores estão prestando a maior condolências e pedem para a população ficar em casa se possível."
As imagens na TV eram pertubadoras, cada cena retratando o caos nas ruas e nos hospitais. Pessoas correndo, pulando sobre os carros e hospitais clamando por ajuda. Era uma visão impura e repulsiva, que revirava o estômago de Murat e provocava uma sensação avassaladora de repulsa e revolta.
Ela acrescentou que ainda não há uma vacina para a doença ou qualquer forma de prevenção. Murat estava enjoado com essas últimas notícias no jornal. Precisava de alguns minutos para digerir e se preparar para ir a outro lugar com Sule.
Murat desligou a TV, perplexo com as notícias sobre o vírus. Olhou para Sule, percebendo que ela estava parada de costas para ele, inquieta. Ele permaneceu fora de vista chamando-a baixo.
"Sule?"
Ele pronunciou seu nome num tom duvidoso e trêmulo. Sua garganta estava se fechando. A sensação de sufocamento começava a deixá-lo inquieto.
Ela se aproxima, delicamente colocando as mãos nas bochechas de Murat, um sorriso triste brincando em seus lábios. Uma única lágrima cai de seus olhos e rolam lentamente na sua bochecha. Os olhos de Murat caem nas mãos postas nele, seus ombros caem decepcionado consigo mesmo.
"Eu só pensei em mim nessas últimas semanas"
Ele soltou um pesado suspiro, como se carregasse o peso do arrependimento, verbalizando e demonstrando isso claramente com sua postura. Enquanto isso, ela manteve suas mãos nas bochechas dele, o sorriso desaparecendo gradualmente, substituído por uma expressão de compreensão e empatia.
"Por que é tão egoísta? Você pensa em si!"
Ela sussurrou suavemente, suas palavras fluindo suavemente até meus ouvidos, embora, ao mesmo tempo, me causassem uma sensação desagradável de desolação interna. O contraste entre a gentileza de sua voz e o impacto emocional que suas palavras tinham em mim era avassalador.
As mãos de Sule desceram para as mãos dele, e seu toque gélido provocou uma série de arrepios por todo o corpo. Ela envolveu suas mãos com firmeza, apertando-as de uma maneira que estava longe de ser confortável.
Sule subitamente cambaleou, perdendo o equilíbrio, e caiu no chão. Seu corpo começou a tremer violentamente, convulsões agarrando-a como garras invisíveis. Murat se aproximou às pressas, o pânico apertando seu peito. Ele pôs a palma na parte de trás da cabeça de Sule, inclinando-a um pouco para frente tentando impedir que ela se machucasse.
Respirando freneticamente, Murat se encontra perdido. Estava incrédulo com tudo isso acontecendo. Balançando a cabeça dos dois lados, considerou ir à cozinha pegar o kit de primeiros socorros. No entanto, deixar Sule sozinha neste estado era inimaginável.
Ele pegou o celular do bolso e discou o número da ambulância, com uma mantendo com o rosto de Sule e a outra no telefone.
"Por favor, precisamos de ajuda!"
Murat implorou para o atendente do outro lado da linha
"Minha esposa está tendo convulsões"
Uma voz calma tentou tranquilizá-lo, mas as palavras eram difíceis de ouvir sobre os sons agonizantes de Sule. A voz do atendente informou que todas as estações de atendimento remoto estavam interditadas no momento.
Murat desligou o telefone sentindo-se frustrado e desamparado. Nenhuma ideia passava pela sua cabeça agora.
Como iria saber se Sule estava bem ou permanecia só inconsciente?
Os gritos e os sons lá fora o assustaram. Não tinha certeza se era a decisão sensata a se fazer, então permaneceu no chão ao lado da sua esposa esperando que ela recuperasse a consciência. Verificou seus pulsos e temperatura, procurando qualquer sinal de melhora.
Sule já não convulsava mais. Seu rosto estava pálido como gesso ao sol. Suas mãos frias ainda permaneciam entrelaçadas nas dele. Em uma posição desconfortável, Murat se contorceu nos braços da amada na esperança de acordá-la. Mas nenhum sinal de consciência.
Sua respiração se tornava mais arrastada, e Murat percebeu isso tarde demais. No momento em que Murat percebeu que Sule não respirava, chorou sobre o corpo apático de Sule. Ele se culpou por todas as ações que cometera contra ela algum dia.
"F-foi tudo culpa minha Sule! E-eu fui idiota deixando você lado!"
Ele exclamou, dando tapas e socos na própria cabeça enquanto balançava os cabelos. Ele não queria deixá-la largada assim, desse jeito. Nunca iria se perdoar por isso.
Murat percebendo a falta de resposta de Sule, finalmente entendeu a gravidade da situação. Com lágrimas nos olhos, ele segurou a mão fria de Sule e se inclinou sobre ela.
"Não, Sule, por favor não"
Ele murmurou, beijando sua testa gelada
"Você não pode me deixar. Eu te amo"
No entanto, Sule permaneceu imóvel. Murat correu para o telefone novamente, desesperado, tentando ligar para a ambulância. Mas o telefone ficou em silêncio, sem resposta. Ele sabia que a ambulância estava sobrecarregada com outros pedidos de emergência na cidade.
Murat olhou para Sule, sabendo que não havia mais tempo. Ele a abraçou, lágrimas rolando por seu rosto enquanto sussurrava palavras de amor no ouvido dela. Mas a vida dela escorreu de seus olhos.
Quando finalmente aceitou a verdade, Murat ficou parado, com Sule nos braços, em um silêncio devastador. Ele sentia uma dor intensa e um vazio profundo. O mundo ao seu redor parecia desmoronar.
A cidade continuava em caos, mas nada disso importava para Murat. Ele estava sozinho, perdendo a única pessoa que ele amava verdadeiramente. A tristeza e o desespero o atingiram como uma avalanche.
Ele caiu de joelhos ao lado de Sule, soluçando incontrolavelmente. Sua mente começou a fraquejar, incapaz de compreender a perda. Ele não conseguia acreditar que Sule estava realmente morta.
Murat, agora à beira da insanidade, se levantou e correu para fora de casa, com os olhos vermelhos e desvairados. Ele correu pelas ruas, sem rumo, gritando o nome de Sule como se pudesse trazê-la de volta.
A cidade estava caótica, com pessoas em pânico devido ao vírus semântico. Murat não percebia nada disso. Ele estava em sua própria realidade distorcida, perdido em sua dor.
Finalmente, ele se encontrou no topo de um prédio alto, olhando para o horizonte. Ele balançou à beira da insanidade, à beira do desespero. O vento frio da noite acariciou seu rosto enquanto ele olhava para as estrelas.
Lá, na beira do abismo, Murat à beira da insanidade, perdido em sua dor profunda e incapaz de enfrentar o mundo que desaba ao seu redor. O vírus semântico continuou a se espalhar, mas Murat não se importava mais. Tudo o que ele amava havia desaparecido.
Episódio 3
"Como assim uma pessoa resistiu ao vírus?"
Fazil estava incrédulo enquanto observava atentamente as imagens das câmeras de segurança do supermercado no sistema de vigilância do ICV. A sala onde ele estava era simples e funcional, com paredes brancas e iluminação suave que emitia uma luz discreta sobre seu rosto. As telas de monitoramento alinhavam-se ao longo de uma parede, exibindo imagens em tons suaves e tranquilos. O zumbido suave dos computadores preenchia o ar, criando um ambiente tenso e eletrônico.
Ele fora convocado por um de seus colegas para participar de uma reunião que discutia um grupo de rebeldes que se opunham às ações do Instituto. O chefe, Anton, proprietário da organização, presidia a reunião.
O silêncio na sala era quebrado apenas pelo murmúrio das vozes na tela, discutindo o grupo dissidente. Fazil sentiu um arrepio suave percorrer sua espinha, e seus olhos se fixaram na tela diante dele, com uma expressão de curiosidade e surpresa.
Enquanto se dirigia para o encontro, seu colega de equipe, Gaze, o alertou, descrevendo como um homem havia retirado seus fones de ouvido e os entregando a um garoto, aparentemente alheio ao mundo ao seu redor. O semblante de Fazil se contorceu em confusão ao tentar entender como alguém podia agir daquela maneira em meio à crise.
O homem permanecera exposto por um período considerável à mulher que o acompanhava a todo momento. Observando as imagens de perto, Fazil estudava cada detalhe do homem cambaleante, cujos movimentos eram desajeitados e impacientes. Era como se ele estivesse ansioso com alguma coisa. Fazil franzia a testa e inclinava a cabeça, tentando captar os detalhes da situação.
"Senhor, notamos algo curioso. Quando ativamos a luz infravermelha, a temperatura na região ao redor de sua cabeça aumentou significativamente."
Explicava Gaze, apontando para a tela e lançando olhares frequentes a Fazil. Este respondeu com um aceno de cabeça suave, demonstrando sua sinceridade e preocupação.
"Como é possível que esse sujeito não tenha sofrido um ataque cardíaco com uma pressão arterial de 21?"
"Estamos tentando encontrar em contato com esse homem. Ele deve estar em outro lugar agora."
Gaze posicionou-se ao lado de Fazil, encarando-o seriamente, aguardando uma resposta de seu superior.
"Continue tentando contatá-lo, eu vou à reunião relatar isso ao Anton"
Gaze assentiu em um sinal de concordância, coçando o queixo e inclinando-se em direção à tela que transmitia as imagens. O rosto do capitão se contraiu ligeiramente ao ver os gráficos mostrando repetidamente a pressão arterial do indivíduo subir.
"Vou nessa. Se ele não responder a nenhuma de nossas chamadas, iremos à casa dele, está entendido?"
Fazil se afastou de seu colega com o relatório em mãos, abraçando o papel entre os braços. Enquanto se afastava, pensava nas várias maneiras pelas quais convenceria aquele homem, mesmo que isso o levasse à morte, a ajudar sua família. Ele estava disposto a mover montanhas e o mundo para tê-los de volta.
"Conforme pudemos observar na imagem acima, vários grupos se organizaram para planejar durante as últimas semanas. Tentamos negociar com eles em relação a esses ataques contínuos nas cidades, mas os líderes desses grupos não quiseram confiar em nós."
Anton explicava em um tom alto e claro, referindo-se a cada ponto de suas anotações no gráfico.
Quando Fazil se aproximava da porta, sentia os olhares fixos das pessoas sobre ele, como brasas. Ao abrir a maçaneta, a sala refrigerada pelo ar-condicionado o acolheu como uma brisa suave.
"Com licença"
Disse Fazil, que estava com as mãos atrás das costas, olhando nervosamente para Anton. No mesmo momento, Anton reagiu erguendo uma sobrancelha e resmungando algo inaudível. Fazil percebeu imediatamente que sua interrupção não foi bem recebida por seu chefe.
A reunião estava se desenrolando tensamente, com Anton liderando a discussão. Fazil estava ansioso para contribuir, mas sua intervenção inoportuna causou desconforto na sala de conferências. Anton encerrou a reunião com um gesto de despedida, deixando Fazil se sentindo desapontado e preocupado com as possíveis consequências de sua interrupção.
A luz fraca do teto lançava sombras dançantes em seu rosto, acentuando o brilho em seus olhos.
Anton sussurrou enquanto observava as pessoas deixando a sala, seu tom carregado de mistério.
"O que você tem para me dizer desta vez, Fazil?"
Ele estava claramente aguardando uma explicação sobre a invasão nada discreta na reunião.
Fazil, visivelmente nervoso, respondeu:
"Senhor, recebemos uma denúncia intrigante. Dizem que há uma pessoa imune ao vírus."
Seu olhar incerto refletia a incerteza de como as revelações afetariam as decisões de Anton.
Anton franziu as sobrancelhas e olhou fixamente nos olhos de
Fazil.
"Imune? Você sabe que já ouvi essa história antes. Não posso me dar o luxo de me distrair com especulações."
Anton virou-se abruptamente e caminhou pelo corredor branco e extenso em direção ao elevador. Cada passo ressoava como um eco de sua determinação.
Anton estava nos corredores e Fazil corria apressado, tentando alcançá-lo.
Fazil tentou argumentar com mais convicção.
"Senhor, desta vez, temos evidências concretas. Veja esses documentos."
Corria para o elevador, parando de frente com Anton, que o olhava pelo canto do olho. Como se estivesse medindo a determinação de Fazil.
Ele abriu a pasta, revelando os papéis destacados com tinta colorida.
Anton examinou os documentos com um olhar crítico.
"Está bem, entregue esses papéis no meu escritório. Irei analisá-los com mais cuidado. Mas não espere que isso mude minha abordagem."
Fazil assentiu, aliviado por ter conseguido chamar a atenção de Anton.
"Entendido, senhor. Vou entregá-los imediatamente."
Deu um passo para trás fitando a face enigmática de Anton. O som das portas do elevador se fechando fez com que Anton inclinasse a cabeça para cima, deixando Fazil se perguntando quais cordas ele estava prestes a puxar.
À medida que as portas do elevador se fechavam, Fazil notou um envelope lacrado no chão. Seu nome estava escrito em letras elegantes. O que Anton estava planejando? Ele ficou tenso, sua mente girando com especulações sobre as intenções de Anton.
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