A chuva caia fina e a jovem de olhos verdes como jades observava a paisagem através da janela pequena do centro de saúde da cidade. Ela era a única sentada na fileira de cadeiras de metal frio na recepção antiga do local. Sua mãe já estava passando mal tinha alguns dias e após muita insistência, ela convenceu a senhora de meia-idade a procurar o médico, que era um velho conhecido e cliente delas:
— Rose.
A jovem se virou na direção do chamado e pode ver o médico junto da enfermeira que também trabalhava ali há alguns anos:
— Sim. — Rose se levantou e caminhou até eles.
— Vamos precisar transferir a sua mãe com urgência para um hospital. — O médico tinha um olhar preocupado. — Também avisei ao familiar da sua mãe, sei que vocês duas estão sozinhas no momento. Se quiser, posso tentar entrar em contato com a sua irmã mais velha.
— Eu já avisei a Hortênsia sobre o estado da nossa mãe, mas infelizmente ela não pode vir porque conseguiu um bom emprego recentemente.
— Entendo. Quando a ambulância chegar, você irá nos acompanhar. Ainda tem tempo, quer que eu te leve em casa para pegar alguma coisa?
— Não precisa, eu vim preparada, obrigada.
— Certo, qualquer coisa pode nos chamar.
Rose voltou ao seu assento e observou a bolsa de viagem ao seu lado. Ela já havia passado por aquilo antes, então já imaginava o que estava por vir, só que daquela vez, ela estaria sozinha. Alguns minutos se passaram até que ela ouviu o som do ronco de motor de carro e em segundos os irmãos Kelvin e Cedric surgiram; aqueles dois eram seus amigos de infância e sabiam de tudo de sua vida.
Kelvin se aproximou rapidamente e a abraçou de forma protetora:
— Como está a tia? — O jovem de cabelos castanhos e olhos escuros perguntou preocupado.
— Não melhorou, vão transferir para um hospital. — Rose respondeu tentando parecer forte.
— Rose, Elias se dispôs a auxiliar no que for necessário. — Cedric avisou.
— Engraçado ele querer ajudar agora que é tarde demais. — As palavras saíram com desdém dos lábios dela.
Cedric abaixou a cabeça em sinal mudo de concordância com o que ela havia dito. No pequeno vilarejo, todos sabiam da história da mãe de Rose, deserdada da família por se casar com um simples minerador:
— Apenas aceite a ajuda, qualquer coisa, estaremos ao seu lado para ajudar também. — Kelvin tinha um tom amável e Rose se aconchegou nos braços dele.
— Obrigada, acho que se não fosse o apoio de vocês dois, eu teria desabado faz tempo.
O trio ficou ali até a ambulância chegar e eles seguiram para o hospital mais próximo, que era tão precário quanto o centro de saúde da pequena vila. Rose aguardou pacientemente o retorno dos médicos. O dia já havia amanhecido quando ela recebeu a notícia que sua mãe havia falecido devido um choque séptico.
-***-
Com a ajuda dos conhecidos, Rose conseguiu dar um enterro digno para sua mãe, só que no momento ela não sabia o que fazer e como seguir. Ela tinha apenas a floricultura que não lucrava muito, a pensão que seu pai havia deixado seria extinta com o falecimento de sua mãe, também não poderia contar com a irmã no momento, que acabara de se casar.
A jovem de longos cabelos castanhos-claro observou as roupas da mãe, que estava separando para doação quando ouviu batidas no portão de ferro antigo que dava para rua. Imaginando que poderia ser Kelvin, ela se apressou para atender. Assim que abriu o portão, acabou se surpreendendo ao ver Elias de pé, com sua costumeira roupa clara e o sobretudo que não cabia nele, devido à obesidade mórbida:
— Tenho uma proposta para você.
O homem que era um pouco mais velho que ela falou já entrando pelo corredor, observando ao redor com nojo:
— Sei que está no último ano de estudo que precisa de dinheiro para se manter. — A voz aguda do homem soava arrogante. — Eu pago sua escola e mantenho uma pensão para você se aceitar a cumprir o papel que a sua mãe não cumpriu.
— Como assim? Do que esta falando? — Rose observou o homem, que já havia sentado em seu pequeno sofá de dois lugares.
— Sua mãe era uma Tyrant e não cumpriu o papel dela na família, estou te dando a oportunidade de reparar esse erro com a nossa geração, em troca, eu te ajudo com sua educação, você sabe que dinheiro não é problema para mim.
— Olha Elias, eu não pretendo me envolver com as coisas da família Tyrant, se a minha mãe não quis permanecer com vocês, não sou eu que farei isso.
— Acho que você não está entendendo, você não tem escolha, Rose. Ou você aceita, ou destruirei tudo o que você ama, a começar pelos seus amigos. Você sabe, seria uma pena eu me livrar do Cedric e do Kelvin por sua causa. Ah, e também posso transferir essa responsabilidade para sua irmã, até soube que ela se casou recentemente. - Um sorriso sinistro surgiu no rosto de Elias.
Rose observou o homem gordo com a aparência infantilizada devido aos quilos adicionais. Elias sempre foi mimado e arrogante desde a infância. Sua mãe havia lhe avisado para tomar cuidado com a família Tyrant e seus costumes estranhos. Mesmo sendo uma família influente no ramo da mineração de rochas, minério de ferro e pedras preciosas, também era uma família conhecida pelo fato de não respeitar os mais pobres e seus funcionários eram tratados como lixo:
— Ok, eu posso tentar. — Rose concordou pensando na segurança da sua irmã e dos seus amigos, já que não queria arriscar perder mais pessoas em sua vida e de qualquer forma, aquilo poderia ser temporário.
— Ótimo! Quando eu precisar, eu entro em contato.
Ela observou o homem se levantar com dificuldade e sair do local, foi então que percebeu que naqueles minutos, ela havia ficado tão tensa, que mal havia respirado:
— Meu Deus… o que vou fazer agora? Estou mesmo me vendendo para a família Tyrant e para aquele porco imundo? — A jovem se perguntou sentindo suas pernas fraquejarem e ela desabou no chão sentindo a dor e o cansaço virem à tona. — Não! Eu não posso ficar assim, eu tenho que ser forte! Sou apenas eu! Terminarei os meus estudos e darei um jeito. Sim, eu darei um jeito. — Rose falou para si mesma entre lágrimas.
O Sol brilhava intenso no céu azul, assim como seus olhos. Ele sabia que o evento seria grande, mas acabou se surpreendendo com a arquibancada lotada de convidados endinheirados que estava ali, cujo objetivo era arrecadar fundos para ajudar alguma causa humanitária que não era muito importante para o herdeiro.
Ritchie terminou de fechar o macacão de proteção com o logo da empresa que herdaria futuramente, pegou o capacete e saiu do vestiário. Ao se aproximar da saída para o box, onde seu carro estava sendo preparado, ele pode ouvir a voz de uma jovem cantora que animava o público antes da corrida:
— Ritchie!
O jovem herdeiro olhou para a arquibancada e pode ver a irmã mais nova acenando para ele ao lado de seu pai, que o observava orgulhoso. Ele jogou um beijo para irmã e pode ver as jovens ao redor se derreter. Ritchie Seifer, filho mais velho de Richard Seifer e herdeiro da corporação Seifer, uma das corporações mais poderosas mundialmente, também conhecido como príncipe da energia e armamento.
Ritchie sorriu e acenou para o público, que foi a loucura, deixando claro que ele era o queridinho do momento. Ele entrou no carro e com a autorização, acionou o motor do carro de corrida, levando o veículo para linha de largada. A intenção daquela corrida não era competir, afinal, ele não era um piloto profissional, apenas pilotava por diversão e o convite para o evento foi apenas para aumentar a audiência e doações, porque onde ele estava, suas fãs iriam estar também.
A cantora terminou sua apresentação e agradeceu aos convidados e aos patrocinadores, principalmente a companhia Seifer, afinal, ela só estava ali graças a amizade que mantinha com o loiro que iria correr na pista em alguns segundos. O sinal para a contagem para o início da corrida soou. Ritchie sentiu a adrenalina começar a se espalhar por seu sangue. Ele adorava pilotar carros velozes, aviões e helicópteros e o fato de chamar atenção por isso, era apenas um bônus.
O loiro respirou fundo e afundou o pé no acelerador quando foi dada a largada. Não era necessário estar em primeiro lugar, ele só tinha que estar no pódio para promover a sua imagem e a empresa da sua família. Na terceira volta, ele conseguiu a terceira posição e ficou ali confortavelmente, até que seu ego venceu e ele deu tudo de si e tirou todo o potencial do seu veículo para chegar em primeiro, deixando os profissionais para trás.
Após fazer uma última volta para se mostrar, Ritchie deixou o veículo no box sendo cercado por câmeras e jornalistas que queria sua atenção. Usando seu charme, ele cumprimentou a todos e após algumas palavras seguiu para o pódio, onde recebeu os olhares de inveja e desgosto dos demais competidores. Era essa a sua vida de divertimento e ele adorava.
A cantora de nome Stella foi a responsável por entregar a premiação simbólica. Stella era jovem e atraente, tinha lindos olhos castanhos, quase verdes, cabelos longos e castanhos, que desciam em ondas pelas suas costas. Já havia um tempo que ela e Ritchie havia se conhecido por acaso enquanto jogavam online e dali nasceu uma estranha amizade que estava evoluindo gradualmente. Aquela era a primeira vez que se encontravam pessoalmente:
— Mais tarde. — Ritchie sussurrou enquanto recebia um rápido abraço e recebeu um sorriso como confirmação.
— Filho! Parabéns!
O jovem loiro desceu do pódio e foi até o pai que o cumprimentou com um sorriso orgulhoso:
— Obrigado pai!
— Não deveria admitir isso, mas você foi bem legal. — Karol, falou com um sorriso fazendo o irmão mais velho sorrir.
— Da próxima vez vamos competir juntos. — Ritchie acariciou o topo da cabeça da irmã, que sorriu animada.
— Sério?
— Nem pensar Karol, o que as pessoas vão pensar em ver você pilotando um carro de corrida. — Richard repreendeu a filha, que ficou sem graça.
— Pai, aqui não é o lugar para esse tipo de comentário.
-***-
A festa de comemoração foi tranquila, o que permitiu o loiro fugir do local para se encontrar com Stella. Até então, ele nunca havia se apegado a uma garota, mas desde que havia conhecido a jovem cantora, ele cogitava assumir um namoro público com ela. O que seria bom para a carreira dela e bem, a vantagem para ele era se livrar do monte de urubus que ficavam ao seu redor.
Ritchie ouviu batidas na porta do seu quarto e deu permissão para seu chefe de segurança entrar no local:
— Senhor, seu pai deseja vê-lo. — O jovem oriental avisou com seu tom educado e polido.
— Ele adiantou o que queria dizer? — Ritchie observou o homem com traços orientais que além de segurança, era seu amigo e confidente.
— Não, mas provavelmente deve ser sobre aquele assunto.
— Bem, acho que encontrei alguém que vale a pena, assim ele vai sossegar por um tempo.
— Esta falando da Stella?
— Sim. Ela acabou de sair daqui e bem, acho que nunca havia me sentindo tão bem com uma mulher.
— Fico feliz em saber disso e espero que vocês sejam aceitos. — O segurança sorriu.
— E você? Quando tomará a iniciativa?
— Descobri que ela está namorando.
— Seja homem, Shion! Até quando ficará tendo esse sentimento unilateral? Se você não conversar com ela, eu vou até ela para contar sobre os seus sentimentos.
— Pare Ritchie, e também acho que não vai adiantar, a Ametista não me vê como homem.
— Você que pensa. Bem, vou lá ver o que o velho quer.
Ritchie saiu do seu quarto e caminhou pelo corredor até a suíte presidencial onde seu pai estava hospedado. Ao se aproximar da porta, os seguranças abriram a mesma para ele entrar, onde encontrou o pai sentado em um sofá luxuoso fumando um charuto:
— Mandou me chamar?
— Sim, fiquei sabendo que passou um tempo com a cantora.
— Que bom que foi direto ao ponto, eu e a Stella nos conhecemos a um tempo e gostamos um do outro…
— Pode parar por aí, você até pode se divertir com ela, mas para se casar vai ter que encontrar alguém a sua altura, de preferência, alguém que possa nos trazer algum retorno.
— Quê? — Ritchie observou o pai surpreso.
— Isso que ouviu. Já estou procurando uma boa candidata para você, então seja discreto na sua diversão.
Ritchie se levantou irritado e voltou para seu quarto rapidamente, sentindo vontade de matar o pai para se livrar daquela cobrança:
— Inferno! — Ele se serviu de uma bebida forte e tomou em um só gole. — Não acredito que ele quer tirar a minha liberdade dessa forma. Velho maldito!
Um suspiro involuntário escapou dos lábios de Rose assim que viu Cedric de pé em frente a sua casa. Aquele era um sinal de que Elias estava querendo encontrá-la, o que faria com que voltasse para casa tarde da noite. A jovem observou Kelvin ao seu lado, ele sempre se disponibilizava a buscá-la na escola após as aulas noturnas por temer pela segurança dela e bem, era um motivo para eles passarem um tempo juntos, já que era claro que se gostavam.
Kelvin era o tipo de homem que Rose idealizava como marido perfeito. Era responsável, forte, trabalhador e cuidava bem dela. Ela não via a hora dele tomar coragem para pedi-la em namoro e eles começarem um relacionamento perfeito e duradouro. Rose sempre idealizou para si um amor puro e verdadeiro como os dos seus pais, que mesmo com todas as dificuldades, se amavam de verdade e enfrentaram todas as adversidades até o fim:
— Vai ter que ir ver o Elias? — A voz de Kelvin soou a despertando.
— Infelizmente.
— Suas aulas de etiqueta estão indo bem?
— Eu já tinha uma boa base devido a minha mãe. — Rose suspirou novamente. — O problema é que Elias quer que eu seja perfeita para ser apresentada a alta sociedade.
— Você sabe que pode desistir, se quiser…
— Falta pouco menos de um ano para eu terminar os meus estudos, depois disso vou ver se me livro desse fardo.
— Pensa em ir embora? — O jovem tinha um tom triste.
— Se eu não tiver motivos para ficar, eu tenho que ir, não posso ficar dependendo do Elias e também tenho que arrumar um jeito de pagá-lo de volta.
— Se por acaso… — Kelvin ficou vermelho e desviou o olhar. — Bem, se por acaso, nós dois estivéssemos namorando, você iria embora?
Rose arregalou os olhos surpresa. Aquele era o pedido que ela aguardou há anos e enfim Kelvin tomou a iniciativa. Ela sorriu e acariciou o rosto dele:
— Sim, eu ficaria por você.
Kelvin a abraçou forte, a surpreendendo e surpreendendo o irmão mais velho que estava a poucos metros deles. Ao longe, Cedric observou o casal e sorriu. Ele sempre soube dos sentimentos do irmão por Rose e sempre os apoiou para que pudessem ficar juntos. No momento, ele só tinha que proteger a pureza daqueles dois:
— Rose. — Cedric chamou. — Vamos, quanto antes for, antes voltamos.
— Sim! — Rose se afastou dos braços de Kelvin ainda com um sorriso. — Te vejo amanhã?
— Claro! — Kelvin sorriu e a beijou na testa. — Até amanhã. Cedric, cuide dela, por favor.
— Pode deixar. — Cedric ainda mantinha o sorriso leve e pode ver o irmão mais novo se afastando a contra gosto. — Vamos Rose.
— Vamos.
Rose entrou no carro antigo que Elias ainda mantinha para andar pelas ruas esburacadas de paralelepípedo do vilarejo, em seguida Cedric entrou e a observou:
— Kelvin tomou coragem?
— Sim. — Rose sorriu e o rosto começou a ficar vermelho. — Nem acredito que ele me pediu em namoro.
— Até que enfim. — O segurança passou a guiar o veículo. — E não se preocupe, não vou contar a ele sobre o que acontece com você e o Elias.
— Obrigada. — A voz dela soou distante.
— Se eu pudesse, eu mataria aquele gordo maldito, mas antes de fazer isso, ele descobriria, com certeza.
— Nem cogite nada assim, a sua segurança e a da sua família são a minha prioridade. Se tenho que deixar aquele porco passar a mão em mim para que todos estejam seguros, é um preço pequeno.
— Rose… você não precisa.
— Já conversamos sobre isso e bem, até o fim do ano letivo terei a quantia para devolver para o Elias e estarei livre disso. — Ela falou confiante.
— Gostava mais quando dependia de mim e do meu irmão.
— Infelizmente, esse fardo é apenas meu e do sangue que corre pelas minhas veias.
— Tem algo que eu deveria saber?
— Sou fruto de um incesto.
— Quê? — Cedric freou o veículo bruscamente. — Do que está falando?
— O pai do Elias estuprou a minha mãe e foi assim que fui gerada, minha mãe me contou isso em seu leito de morte. Não duvido que o Elias queira fazer o mesmo para continuar a maldita linhagem.
— Meu Deus… — o jovem segurança estava pasmo. — Isso quer dizer que os rumores são verdadeiros? De que a família Tyrant só se relaciona com pessoas do mesmo sangue?
— Sim, e para o meu azar sou uma das últimas que resta, na verdade, eu e Elias. Todo mundo sabe que Elias é fruto de um caso com uma empregada, eu sou supostamente a pura. Elias provavelmente irá querer um herdeiro para assegurar o seu poder. Meu suposto avô não sabe que sou fruto de um incesto, o pai do Elias não conseguiu confirmar isso na época, porque meu pai protegeu a minha mãe, mas enfim…
— E quanto a Hortênsia?
— Ela é realmente filha do meu falecido pai, foi por causa dela que minha mãe foi afastada.
— E o que vai fazer, Rose?
— Seguir os passos da minha mãe e tomar todo o cuidado para nunca ter um filho daquele porco. Fique tranquilo, desde que me tornei moça, minha mãe sempre me cercou de cuidados.
— Isso é surreal. — Cedric suspirou. — Me perdoe pela pergunta, mas ele já tentou algo?
— Tentou, mas não conseguiu. Não sei até quando conseguirei me manter inteira. — Rose abaixou a cabeça. — Eu me sinto suja e nojenta, é a sua amizade e o carinho do seu irmão que ainda me mantém de pé, se não…
— Ei, aguente um pouco mais, eu sempre vou estar aqui para te ajudar.
— Obrigada Cedric, não sei o que seria de mim sem você e o Kelvin.
— Sei que deve estar fazendo isso por nós, então vou continuar te protegendo, não importa como.
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