JHON STONE
Estenio Stone ⭐️ 22 de fevereiro de 1954
Manuela Stone ⭐️ 24 de fevereiro 1954
Uma das piores mentiras que alguém pode contar é que a dor do luto passa. Não passa, ela te esmaga e te assombra toda vez que lembra que foi deixado para trás. Eu quis morrer naquele dia. Quis que a terra me angolisse junto com a minha mãe e meu pai.
Como uma criança de dez anos pode suportar sozinho a perda da mãe após dois dias que perdeu o pai? principalmente quando essa perda é causada pela pessoa que dizia ser confiável.
Li e reli o que dizia na lápide, aquele não era apenas o dia do sepultamento dos meus pais, era também o dia que Escobar decidiu me jogar no inferno ainda vivo.
Ainda me lembro da mão dele tocar o meu ombro e sua voz soar sombria como a propria voz do inferno.
— Não se preocupe, garoto. — ele apertou o meu ombro e olhei para ele por trás da nuvem de lágrimas fixada nos meus olhos. O sorriso por trás de sua máscara de bonzinho quase me fez acreditar na sua frase seguinte— Não terá o mesmo destino que eles.
O cemitério estava silêncioso e uma fina garoa caia sobre nossas cabeças, Afirmei confiando nele. Meu pai me disse uma vez que o homem que dizia ser seu amigo cuidaria de mim, ele confiava no Escobar e eu também, até aquele exato momento...
Após o funeral, fui escoltado até nossa mansão com Escobar bem ao meu lado desfrutando de uma música instrumental gloriosa. As notas do piano fluiam através do rádio do carro como tormenta para os meus ouvidos. O mostro ao meu lado dedilhava as notas no ar embriagado de prazer enquanto seu sorriso abria um buraco no meu peito causando uma dor dilacerante.
Eu não sabia exatamente o que estava sentindo. Meu pai foi o primeiro a falecer. Segundo o médico, ele teve um ataque fulminante causado pelo excesso de álcool. Mas meu pai nunca bebeu... ele era um homem bom, justo, trabalhador! Amava a família e venerava dona Manuela. Nunca o vi chegar bêbado em casa, nem quando éramos muito pobres e vivíamos pendurados em dívidas. Nessa época ele dizia que tinha fé que um dia a nossa vida ia mudar, ele sentia que tudo estava prestes a mudar e mudou... de uma hora para outra tudo mudou. Meu pai era estilista. Uma vez saiu com seus desenhos numa pasta e voltou com contrato milionário. Alguém gostou de seus modelos e comprou a coleção completa. Ele voltou radiante e diante disso passou a frequentar lugares importantes, pessoas do meio artístico. Em pouco tempo, ele tinha em mãos uma revista e uma linha exclusiva de moda feminina que minha mãe era responsável. Tudo foi muito rápido e ninguém soube lidar com a glória a nossa volta foi aí que apareceu um cara na nossa porta nos oferecendo ajuda...
Era o próprio demônio em forma de gente. Escobar tinha a voz mansa, lábia de empresário, conquistou o meu pai e seduziu a minha mãe com o seu carisma.
Eu era muito pequeno não tinha noção do que estava acontecendo, mas o olhar dele diante de tanto luxo nunca saiu da minha memória.
Como podia esquecer?
Aquele mesmo olhar foi a última coisa que vi quando chegamos na mansão e me jogaram dentro de um caixote fedido a mofo no qual viajei durante dias. A caixa quadrada e pequena só perdia em tamanho para o buraco que me jogaram quando cheguei ao meu destino.
Escobar me vendeu, ele vendeu um menino, o filho do seu melhor amigo como escravo.
Limpei os olhos e voltei a olhar para a lápide da dona Manuela. Poderia ter se passado vinte e nove anos, mas tudo o senti naquele dia ainda estava bem vivo na minha memória. Cada segundo, cada minuto que passei naquele buraco jurei que destruiria Escobar e agora novamente eu afirmo
" Vou destruir você Escobar Alencar... vou dilacerar cada pedacinho até não sobrar um único fio de cabelo"
Esmaguei a terra úmida do túmulo com a mão vendo a terra escorrer entre os meus dedos sem me preocupar com a chuva forte que caia sobre os meus cabelos e escorria junto as lágrimas pelo meu rosto.
Elizabeth Alencar, 24 anos
Todas essas vozes da minha cabeça ficam altas, eu gostaria de poder cala-las. Elas parecem pensamentos, ou talvez, sejam pensamentos que parecem vozes... O fato é que eu não consigo controlar o que ouço, não consigo fugir de quem fala... É como se estivesse alguém sussurrando no meu ouvindo...
— O que está me pedindo, Cesar?
as palavras saíram da minha boca num tom baixo e engasgado que mal reconheci o timbre da minha voz. A incredulidade e surpresa transparecia na pequena frase.
Encarei o meu irmão com os olhos vermelhos, cheios de lágrimas, e percebi o mesmo desespero que me assolava em suas expressões.
Um homem admirado pelo seu auto controle e confiança agora parecia o mesmo garotinho que quando criança quebrava a janela do vizinho jogando futebol e corria para debaixo da minha cama para se esquivar da surra do papai.
— Você não está me entendendo, eu estou desesperado, Liz — Gritou, levando as duas mãos na cabeça enquanto caminhava de um lado para o outro dentro do escritório.
— Mas eu não posso. Não posso, Cesar! Pode me pedir qualquer coisa que eu faço, mas isso...
Neguei rápido.
Queria fazê-lo entender a atrocidade do seu pedido, mas era nítido que seria impossível pensar ou fazê-lo raciocinar com todo aquele nervosismo.
Caminhei sentindo as pernas bambas até a adega no canto onde a secretária do meu irmão deixava uma jarra de água filtrada e dois copos juntos com as diversas cartas de vinhos e uísques.
Mesmo achando impossível, segurei a jarra entre os dedos trêmulos e me concentrei em despejar a água no copo e não na madeira do móvel ou nos documentos deixados ali de qualquer jeito.
Tremia tanto que as pulseiras de ouro no meu braço seguiam o movimento. Quando voltei a encará-lo ele já estava sem o blazer do terno e tentava sem êxito desfazer o nó da gravata.
— Tome isso vai se acalmar um pouco.
— Veja bem, Liz! — Ele ignorou o copo estendido — O que eu estou pedindo não é algo impossível! —Ele esqueceu o nó da gravata e caminhou até onde eu estava — Você é linda, inteligente, tem um coração nobre. Qualquer homem se apaixonaria por você em um piscar de olhos.
— Por favor, não me peça isso! — Sussurrei, chorosa.
Ele segurou o meu rosto entre as mãos e encostou a testa na minha olhando fundo em meus olhos.
Os olhos azuis na pele morena clara destacava o medo e o seu desepero.
— Liz, você é minha irmãzinha caçula. Nunca pediria isso se não estivesse completamente desesperado.
— O que você fez? Por que não me conta?
Engoli em seco.
— Isso não vem ao caso agora. Já não tem volta.
— E se eu conversar com o papai? Posso tentar convencê-lo.
Cesar negou abruptamente, prensando os olhos e pressionando o meu rosto, senti a pele queimar debaixo dos seus dedos.
— Nem o milagre da sua doçura é capaz de me livrar da dureza do Senhor Escobar, minha andorinha.
— César...— Sussurrei, sentindo a dor das suas palavras.
Toquei suas bochechas e sem saber o que dizer ou o que fazer me joguei em seus braços. Agarrai com toda a força o homem que amava e admirava com muita adoração.
Seu coração estava acelerado, e além disso, o seu corpo se retensou com o meu abraço. Não houve uma demonstração de afeto em suas atitudes, ele ficou parado enquanto o apertei sem a menor cerimônia.
Seus dois metros de altura e seu corpo másculo não significava nada diante daquela situação. Para mim, ele sempre seria o adolescente briguento, cheio de marra, capaz de fazer tudo por mim ate desafiar o papai para me defender. E por isso me sentia tão aflita e na obrigação de ajudá-lo.
— A culpa é minha, Liz. Você sabe como eu sou, adoro contrariar o papai, mas dessa vez fui longe demais. Tão longe que não tenho outra escolha a não ser... — Ele parou e ergui a cabeça para encará-lo — Por favor, eu te imploro. — Falou com desespero.
— Você nunca teve medo dele!
— Dessa vez é diferente!
— Ele vai entender... — Voltei a insistir
— Você o conhece. Se existe uma coisa que ele venera mais que a própria vida é essa revista— Fala em agonia — Liz... Se ele descobrir o que eu fiz...
— O que você fez, Cesar? — Perguntei limpando as lágrimas que começou a escorrer no meu rosto — Pode me contar, sabe disso. Não vou julgar, não vou gritar igual ao papai. Você sabe que pode confiar em mim.
— É eu sei, por isso estou te pedindo .Se não fosse por você eu ja teria desistido disso aqui e do papai ha muito tempo...
— Não fala isso! — Pedi, controlando o choro.
— Ele me odeia, Liz! E essa é a minha última chance de colocar as coisa no lugar e ter nossa liberdade.
— Do que está falando?
— Não importa! Independente do que aconteça daqui para frente quero que lembre que tudo o que eu fiz foi para o seu bem
— César, não estou entendendo!
— preste atenção, Liz! Independente do que eu fale ou faça nunca será o suficiente para agradar o Escobar. Não importa qual dedicado ou responsável eu seja. Qual comprometido ou inteligente. Nada é suficiente para impressiona-lo e estou farto disso. E esse é o meu fim! Quando ele descobrir eu não vou conseguir mais estar perto de você! Estará sozinha!
— Não! Nada pode ser tão grave assim! Ele vai te perdoar, ele sempre perdoa.
— não é bem assim, Liz! Escobar só me suporta, isso é fato.
— Não é verdade, Cesar! Ele te ama.
— Não, meu amor! Ele não me ama! Escobar só ama a si mesmo.
Tudo aquilo estava sendo demais para mim, sentia o peso da destruição do que restou da minha família nas minhas costas. Desde que nossa mãe faleceu eu vinha sustentando a relação entre o meu pai e o meu irmão. Cesar era dez anos mais velho que eu e, apesar da grande diferença de idade, nós sempre fomos unidos, nada nunca foi capaz de nos separar. Mesmo ele indo estudar fora do país a nossa relação continuou a mesma e enfraquecia meu coração vê-lo temendo o nosso pai pela primeira vez. Ele sempre foi o típico menino rebelde que desafiava o nosso pai em qualquer situação, diferente de mim que abaixava a cabeça mesmo quando a situação exigia mantê-la levantada.
Fazer o quê?
Escobar sabia onde majs me doía, usava da minha dor para me calar e me obrigar a fazer as suas vontades.
Suspirei com tristeza, afastando-me dele
— Quem é ele?
— Merda!— César blasfemou fazendo uma careta de desgosto. — Não precisa saber agora.
— Eu preciso. Quero saber onde vou me meter.
— Eu sempre vou cuidar de você, andorinha. Não precisa ter medo.
— César — Me afastei. Deixando de lado o copo que ainda estava na minha mão e embolando a manga do meu blazer.— Eu quero saber quem é? onde vive? Quantos anos tem. — Aquilo parecia ridículo, mas era necessário.
— só precisa saber que ele estará na festa de aniversário do papai amanhã e no lançamento da nova capa da revista.
– Eu já vi ele antes?
— Não! — Ele sussurrou e não gostei quando desviou o olhar para o chão e levou as mãos aos bolsos.
Cesar era muito transparente. Um homem honesto, trabalhador, descente. Vivia exclusivamente para a revista. Não tinha vida social, seus únicos amigos dava para contar nos dedos de uma mão e eu conhecia cada um.
— Onde você o conheceu?
— Em Londres! — Respirou fundo. — há alguns meses quando fui para Londres a negócios.
— O que exatamente você quer que eu faça?
— Não fala assim, me sinto um mostro te jogando nas garras do lobo.
Ele me deu as costas e caminhou até a janela de vidro com vista para as pessoas trabalhando no setor de baixo.
— E não é isso o que está fazendo? — abracei o meu próprio corpo, sentindo um calafrio. Caminhei até ele. O barulho do meu scarpin era a única coisa que se ouvia na sala. — César olha para mim.
— Eu não posso, Liz. Não depois do que estou te obrigando a fazer.
— Você não esta me obrigando a nada. Se vou aceitar isso será por vontade própria, Mas preste atenção— Toquei o seu braço e o vi estremecer com o simples toque. — Podemos sentar e conversar com calma. Deve ter outro jeito de resolver. E se eu conversar com o papai ?
Ele me olhou de rabo de olho, o que demorou poucos segundos, pois rapidamente ele desviou e isso me irritou ao ponto de achar que não o conhecia suficiente
— Não vai adiantar!
— E se na festa eu conversar com esse homem e explicar...
— O que Liz? O que vai explicar? — Ele virou de frente para mim. Os olhos vermelhos agora transparecia ódio, frieza... desprezo. — Vai chegar com esse seu jeitinho doce e meigo e jogar um pó de pirimpimpim e desfazer minha burrice?
— Não é isso, talvez eu consiga convencê-lo a mudar de ideia. Não sei...uma conversa sincera, um acordo...
— O mundo não é cor de rosa como o papai construiu a sua volta, Elizabeth. Nem tudo se resolve com conversa, com um beijo na testa, cartão sem limite ou uma viagem para o exterior.
— Está sendo injusto, Cesar!
Ele me ignorou
— Não vai ser uma conversa que vai resolver nossos problemas. Isso aqui é podre, ganha quem tem mais poder e dinheiro e eu perdi os dois e estou prestes a destruir o império que o papai construiu.
— O que está dizendo? — O ar faltou em meus pulmões. Dei um passo para trás.
A camisa social azul que estava usando por baixo do blazer blazer de repente pareceu me apertar, me sufocando.
— Isso o que ouviu! Ou você se casa com aquele cara ou tudo que temos vai sumir em um passe de mágica, maninha.
— Você não está falando sério!— Grunhi, sentindo minhas pernas fraquejarem.
Aquilo só podia ser brincadeira, mas meu irmão nunca brincava com coisas relacionadas ao meu pai ainda mais se tratando da revista. Dei mais um passo para trás, esbarrando em uma das poltronas
— Não era isso que você queria? Saber a verdade?
—O que você fez? — Minha voz falhou
— Era so negócios... mas saiu do meu controle agora ou você se casa com um estranho ou perderemos toda fortuna e prestígio que Escobar conquistou durante anos.
Sem reação, cobri a boca tentando assimilar as suas palavras.
Conforme a realidade começava a ser processada na minha mente, no meu estômago abria-se um buraco.
Tinha que ter outra solução!
Uma solução que não me obrigasse a se casar com um desconhecido em troca do meu pai não matar o meu irmão. Porque era isso que aconteceria se Escobar descobrisse que Cesar destruiu o império Alencar.
Um barulho no corredor e depois a porta se abrindo me fez voltar a realidade.
De costas, vi o choque transparecer no olhar do Cesar e não precisei me virar para ter certeza de quem era.
— Quando chegou? Pensei que fosse ver seu pai antes de qualquer coisa!
Ainda estava parada, processando a informação que foi jogada sobre minha responsabilidade quando senti os braços do meu pai me envolver.
— Desculpe, papai! Eleonor me disse que o senhor estava em reunião. — Sussurrei, devolvendo o abraço.
— Nunca mais vou permitir que fique tanto tempo longe! E ainda por cima sozinha. Agora me conta como foi de viagem e porque não pediu para o José te buscar no aeroporto?
— Não foi necessário, chamei um taxi! sobre a viagem não tenho muito o que falar, todos sabem minha paixão por Paris. Ainda vou morar lá um dia!
— Não fale besteira! Seu lugar é ao meu lado!
— O lugar da Liz é onde ela quiser! — César sussurrou
Meu pai o ignorou e agradeci. Menos uma briga para a lista da família Alencar
Minha viagem para Paris foi uma grande divisora de águas. Pela primeira vez durante meus vinte e quatro anos conseguir viajar sozinha. Passei quatro meses sem a supervisão de uma "babá"e dos seguranças.
Ninguém me dizendo o que fazer, como me comportar, me vestir, sentar, sorrir . Foi maravilhoso passear pelas ruas sem ter nenhum paparazzi escondido procurando por uma nova fofoca da mais "perfeita" herdeira Elizabeth Alencar.
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