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OBSESSÃO DO MAFIOSO

Capítulo 1 ( Dominique Venturelli )

Inclinei a cabeça para trás e exalei a fumaça densa pela boca, antes de dar uma segunda tragada no meu cigarro.

Observava com o olhar estreito a mesa composta pelo diretório da máfia. Onze homens de famílias influentes e importantes, que faziam parte do mais alto escalão. Eram doze, antes de Gilliam matar Mattia anos atrás. Eles eram velhos imbecis que pensavam que poderiam dar ordens, mas urinariam nas próprias calças se Gilliam os encarasse por mais que dois segundos.

Na maioria das reuniões, tratávamos de negócios e resolvíamos problemas pendentes, como o maldito do Balbino, o Capo da 'Ndrangheta, e suas recorrentes invasões em nosso território.

Mas não hoje.

Hoje estava sendo diferente. Os velhos asquerosos não estavam felizes com a administração de Gilliam e criaram coragem para falar disso pessoalmente, em vez de cochicharem pelas costas do meu irmão, como vinham fazendo.

— Estamos descontentes, Gilliam. Você se casou com uma mulher que não pertencia à máfia — argumentou Youssef.

— E, por causa da sua decisão, perdeu a chance de aumentar o seu poder de força, de arranjar aliados importantes. Como o líder de uma organização, é inadmissível que pense com a cabeça de baixo em vez de pensar com a cabeça de cima.

A adrenalina do que estava prestes a acontecer correu pelas minhas veias, me deixando animado com o êxtase que só uma matança me fazia sentir. Eu adorava me sujar com o sangue dos nossos inimigos. Era algo que me fazia bem, como se fosse uma necessidade.

Mas também adorava me sujar com sangue de idiotas como Youssef.

Gilliam se inclinou para frente e descansou o queixo no punho enquanto encarava cada um dos homens com uma frieza absoluta.

— E o que vocês me aconselhariam? Estou casado com Elisa há anos e não está em questão um divórcio, vocês estando contentes ou não.

— Ele deu de ombros e sorriu incisivamente.

— Meu filho irá se sentar nessa cadeira em alguns anos e, caso eu saiba que estão planejando algo contra o meu herdeiro ou a minha esposa, eliminarei cada um de vocês antes de acabar com as suas famílias e dizimarei a existência de vocês da face da Terra.

Eu poderia me sentir culpado pelo que estava acontecendo, mas culpa não fazia parte do meu repertório.

Vivíamos em paz e harmonia com as outras máfias, assim poderia se dizer, até eu matar Smith. Balbino, o Capo da ‘Ndrangheta, como um maldito, desencadeou o inferno na Terra, querendo vingança pelo assassinato do homem. Desde então, o desgraçado brincava connosco: explodia um dos nossos clubes, o que revidávamos, e sumia com uma de nossas cargas, portanto fazíamos a mesma coisa com algumas das dele.

Acontece que esse jogo de merda já vinha se desenrolando há anos, acumulando um prejuízo incalculável e uma dor de cabeça do caralho. Por isso, havia o descontentamento das famiglias com Gilliam. Acreditavam que se ele tivesse se casado com uma mulher de sangue importante, as coisas se acalmariam com Balbino.

Francesco bufou.

— Ninguém espera que você largue a sua esposa. Nós aceitamos que optou por se casar com uma mulher fora da máfia, assim como aceitamos o fato de que tem um herdeiro.

Aceitaram, mas não engoliram, ponderei.

Elisa não era amada pelas famiglias, no entanto era respeitada dentro do círculo social. A maioria das mulheres a odiavam e não podiam exprimir suas opiniões, pois foram criadas para ser a esposa perfeita, a garota que chamaria a atenção do Capo. Então Elisa apareceu, detonando todos esses planos. Foi invejada e odiada, mas, acima de tudo, respeitada. Se tinha uma coisa que ela sabia fazer, era colocar medo nas pessoas.

Gilliam soltou uma risada incrédula.

— É mesmo? Então qual é o motivo dessa reunião, Francesco?

— Nossas putas estão morrendo e nossos clubes estão sendo explodidos, Gilliam. Está na hora de revidar os ataques de Balbino, não podemos mais sair no prejuízo — declarou Youssef.

Os outros homens se manifestaram em murmúrios, concordando com o idiota.

— Estamos há meses em silêncio. Está na hora de mudar as coisas, mostrar para Balbino o nosso poder de força e então concluir de uma vez por todas esse impasse, amedrontando-o ou atacando- o

— concluiu Francesco.

Corri os olhos até Nery, expressando uma pergunta silenciosa através deles. Meu irmão caçula estava sentado do outro lado da mesa, de frente para mim, encarando todos ao redor, com a testa franzida, tão confuso quanto eu me sentia.

Stefano estava de pé às costas de Gilliam, observando a todos com um olhar clínico. Dificilmente alguém da sala atentaria contra a vida do Capo, mas estávamos no limite e não me surpreenderia caso o fizessem.

— Eu ainda não entendi qual é o ponto — murmurou Gilliam, perdendo a paciência e deixando isso bem claro para todos.

Os homens ficaram em silêncio e se entreolharam, como se estivessem decidindo quem seria o mais corajoso para expressar os planos que combinaram antes de entrarem na reunião.

Recolhi o copo de uísque de cima da mesa e tomei alguns goles, aguardando ansiosamente para ouvir o plano mirabolante que eles tiveram.

— O ponto é que, como você se casou com uma mulher de fora da máfia, queremos que case algum dos seus irmãos com alguma de nossas filhas. Assim, reforçaremos a nossa aliança — disse Federico.

Cuspi todo o líquido na mesa, recebendo um grunhido baixo e ameaçador de Nery ao atingi-lo no braço com o jato de bebida e saliva.

— Como é? — perguntei, arqueando as sobrancelhas.

— É uma desonra para nós que não tenhamos nenhuma de nossas filhas casada com algum Muccino. São moças decentes, de bom sangue e de famiglias importantes. Foram criadas e educadas para servir, serem boas esposas e ótimas provedoras de herdeiros — contextualizou Youssef.

Era óbvio que o desgraçado pensaria nisso, ele tinha uma filha que beirava à idade de se casar. Ângela deveria ter uns vinte anos. Era muito conveniente que Youssef tenha esperado todo esse tempo para oferecer tal acordo de paz dentro da máfia.

Gilliam tamborilou os dedos na mesa longa de mogno e franziu levemente o nariz.

— Quer que eu obrigue algum dos meus irmãos a se casar com Ângela? — questionou, cheio de sarcasmo.

Youssef fez um sinal de desdém com a mão.

— Não com Ângela, mas com alguma mulher de sua preferência, embora eu tenha, sim, predileções quanto a minha filha ser a escolhida — afirmou.

— A maioria de nós possui garotas com idade adequada para se casarem e, como eu disse, todas elas são moças decentes que foram educadas para servi-los. Além do mais, temos a certeza de que irão passar no teste de castidade.

— Deixa eu ver se entendi bem. Você vem até aqui cuspir essas merdas e quer nos obrigar a casar com alguma das suas filhas puritanas?

— Eu ri, balançando a cabeça.

— Quanta inconveniência, Youssef, mas vou adorar matá-lo. Será um enorme prazer.

Eu já estava sem paciência com esses velhos impertinentes. Gilliam tinha matado Mattia, então nada mais justo que eu também pudesse sujar as minhas mãos exterminando qualquer outro que fosse.

Youssef grunhiu.

Ele me odiava, era um fato, mas não era corajoso o suficiente para me desafiar. Afinal de contas, ser o maldito psicopata da máfia tinha as suas vantagens. Eu gostava de me vangloriar com o sangue dos inimigos, sujar as roupas e manchar a minha pele. E isso deixava as pessoas tão enojadas quanto amedrontadas.

— Não sou eu que estou impondo, mas todo o conselho de Caporegimes. Estamos infelizes com os atuais eventos e queremos agregar forças e unificar a máfia, reforçando as nossas alianças.

Quanta baboseira. Entramos na máfia jurados pelo sangue e só sairíamos dela mortos. Não havia outra maneira e nem outro caminho para homens como nós.

— Se bem me lembro, Youssef, a morte é o castigo para aqueles que traem a famiglia — comentou Nery, manifestando-se pela primeira vez desde que a reunião começou.

— Ninguém aqui falou em traição, Dominique

. Estamos falando em resgatar nossas alianças e enviar uma resposta para Balbino. Ele ganha forças e espaço em nosso território a cada dia que passa. Precisamos reagir — contestou Federico.

Gilliam suspirou e esfregou as pontas dos dedos nas têmporas.

— E acha que casando algum dos meus irmãos com alguma das filhas de vocês será a solução? — objetou.

Eles ficaram em silêncio, entreolhando-se e ponderando.

— Não completamente, mas já é uma resposta para Balbino — disse Francesco, por fim.

Nery arqueou uma sobrancelha para mim e correu os olhos a Gilliam, apontando silenciosamente para o nosso irmão. Girei a cabeça na direção dele e percebi que estava pensativo demais para alguém que deveria achar a ideia absurda.

Engoli em seco.

Isso não parecia ser nada bom.

— Já eu acho que nada será resolvido com um casamento. Existem outros meios — afirmei.

Federico riu.

— Diz isso porque foi você o culpado, o causador dos nossos problemas — acusou.

Mas que velho filho da puta. Ele queria me arrastar direto para a forca?

Olhei para Gilliam de novo e um tremor atravessou o meu corpo quando notei que seus olhos estavam fincados em mim. Isso parecia ser péssimo.

Gilliam era casado, portanto não poderia assumir outro compromisso e nem mesmo o faria. Nery tinha o caso amoroso dele com a garota de fora da máfia e, embora não assumisse, era apaixonado por ela. Não aceitaria se casar de forma alguma.

Três Venturelli. Dois estavam fora de discussão.

Resfoleguei e puxei o nó da gravata para baixo.

Restava apenas a mim para assumir o compromisso, o desgraçado psicopata que se ocupava torturando as pessoas. Eu gostava de se*o e adorava f*der mulheres, mas meu interesse por sangue era relativamente maior.

P*ta merda!

E se eu mentisse sobre ter me apaixonado por alguém? Gilliam poderia ser um desgraçado insano, mas ele ainda era o meu irmão e levaria os meus sentimentos em questão.

— Stefano? — indagou ele, tamborilando os dedos na mesa em um ritmo constante e irritante.

Stefano se inclinou sobre a cadeira de Gilliam, agarrando o topo do encosto, e comprimiu os lábios em um esgar.

Como o consigliere de Gilliam, ele teria o aval final sobre a situação, e o que fosse dito por ele seria considerado pelo meu irmão acima de tudo. Lancei um olhar para Stefano, suplicando em silêncio que não fizesse o que eu imaginava que faria, mas o maldito simplesmente me ignorou.

— Acho que seria uma boa solução. Balbino veria isso como um desafio e consideraria seus próximos passos antes de destilar ataques ao nosso território sem pensar.

Os homens ao redor da mesa soltaram murmúrios de concordância, reafirmando e exprimindo seus planos e pensamentos.

— E reforçaria as nossas alianças, pois teríamos um membro na família Venturelli, seguindo os padrões da máfia — reiterou Youssef.

Eu cortaria a língua do velho asqueroso e faria com que a engolisse enquanto bebesse o próprio sangue para ajudar na digestão. Uma refeição completa e adequada para o idiota que queria me ver casado de qualquer forma.

— Todos vocês possuem filhas com idade adequada para se casarem? — perguntou Gilliam, e eu arregalei tanto os olhos que pensei que sairiam de órbita.

Ele não poderia estar mesmo pensando nessa ideia absurda, não é?

— Quase todos nós. Podemos oferecer um jantar para que os seus irmãos conheçam as pretendentes e escolham uma para se casar — falou Francesco, o único dos malditos que não tinha uma filha para oferecer.

Ele e a falecida esposa conceberam apenas Stefano, antes que ela sucumbisse à morte. O desgraçado foi um pai terrível e só estava vivo ainda pelo peso que seu sobrenome carregava, caso contrário, já estaria morto há muito tempo pelas mãos do próprio filho.

— Meu irmão — corrigiu Gilliam. — Apenas um se casará com uma filha da máfia.

Eles se exasperaram, discordando da resposta do meu irmão, mas sem coragem o suficiente para contestá-lo.

— Bom... então qual deles entrará no acordo?

— indagou Youssef.

— Minha filha é uma jovem bonita, promissora e educada. Foi educada para servir ao marido, assim como é forte para conceber inúmeros herdeiros homens. E tenho certeza de que passará no teste de castidade.

Estendi o braço, puxei a garrafa de uísque e a virei em minha boca direto do gargalo. Eu sabia bem qual irmão seria oferecido ao acordo e, como um filho da máfia, não poderia nem mesmo contestar ou fugir dos meus compromissos.

— Nossas filhas possuem as mesmas qualidades, Youssef. Pare de se vangloriar tanto — sibilou Federico.

— E, além do mais, sabemos que Andrea é fisicamente mais atraente que Ângela.

Youssef riu.

— Foi por causa de toda essa beleza que ela dormiu com o guarda pessoal?

— zombou, erguendo os lábios em um sorriso incisivo.

Federico pulou da cadeira, pronto para sacar a arma e apontá-la para Youssef, mas foi mantido em seu lugar pelos homens ao seu lado.

— Como ousa ofender a honra da minha filha?

— grunhiu, cuspindo saliva.

Youssef jogou os braços para cima em sinal de rendição.

— Eu apenas expressei os boatos que estão sendo ouvidos, meu amigo, mas não se preocupe, caso o Venturelli escolha Andrea, ela passará pelo teste de castidade e teremos a nossa resposta.

Se eles continuassem a se vangloriar sobre qual das filhas era a mais pura, virgem e inocente, eu bateria com a cabeça na parede. Era obrigatória a virgindade para uma noiva da máfia, o teste de castidade servia para comprovar justamente isso. Na noite de lua de mel, o casal transaria em cima de lençóis brancos e, no dia seguinte, o marido deveria levar a prova até uma das reuniões do conselho, comprovando o laço do casamento e sua contemplação.

Francesco bufou.

— Conte-nos, Gilliam: qual dos seus irmãos irá se casar em compromisso com a famiglia?

Virei mais alguns goles da bebida âmbar. O uísque desceu queimando pelo meu esôfago.

Gilliam girou a cabeça em minha direção e ergueu os lábios em um sorriso.

— Dominique — afirmou.

Eu sabia que a desgraça cairia para cima de mim, mas, ainda assim, não consegui evitar cuspir todo o uísque em Nery, que puxou a cadeira para trás, fazendo-a ranger contra o piso, e resmungou cheio de ódio.

— Porra, caralho! Se controle! — crispou, limpando-se com a mão enquanto franzia o nariz em nojo.

— E por que diabos eu tenho que me casar? — refutei, ignorando Nery.

— Porque quem desencadeou esse inferno sobre nós foi você, então nada mais justo que se responsabilize por isso

— retrucou meu irmão.

Olhei para Stefano, suplicando em silêncio, mas ele acenou com a cabeça.

— Concordo com Gilliam. O casamento irritará Balbino

— Sorriu friamente

— E é isso o que nós queremos.

— Tem certeza? Acredito que Nery seja mais responsável para assumir tal compromisso... — balbuciou Youssef.

Uma centelha de felicidade pela situação preencheu o meu peito com a reação do desgraçado. Talvez eu até escolhesse a filha dele, apenas para atormentá-lo pelo resto dos seus dias.

— Não está em discussão. Queriam um casamento com um Venturelli, portanto Dominique Venturelli assumirá o compromisso.

Youssef engoliu com dificuldade conforme concordava.

Sim, eu escolheria a filha dele e faria dos seus últimos dias de vida um inferno.

— E com qual das filhas você pretende casá-lo? — perguntou Francesco, desinteressado.

Gilliam correu os olhos de um por um, enquanto eles prendiam a respiração, trancando o ar dentro dos pulmões inflados, e aguardavam a resposta absoluta do chefe.

Os idiotas tinham esperanças, queriam entrelaçar o sobrenome ao nosso, ampliar o império e reiterar sua importância no mundo do crime. Eles não estavam nem aí para as filhas que entregariam em um casamento forçado, pensavam somente no status que o compromisso traria.

Não estava feliz com esse arranjo, ou satisfeito com a escolha de Gilliam, mas tampouco me sentia completamente incomodado. Eu fodia as prostitutas dos clubes com recorrência e não sabia o que era estar apaixonado ou amar alguém. Nunca havia passado por essa experiência catastrófica.

O meu negócio era a máfia e meu prazer era matar nossos inimigos. Ter uma esposa em casa não mudaria a minha rotina ou a minha forma de pensar. Eu teria que ensiná-la a foder e protegê-la com a minha vida; jamais iria amá-la e nem prometeria isso, mas ela seria respeitada — dependendo da escolha de Gilliam, muito mais do que um dia já tivesse sido respeitada pelo pai.

Daria dinheiro, mordomias e uma vida confortável ao meu lado. Considerando a organização à qual pertencíamos, seria muito mais do que muitas mulheres do nosso mundo já tiveram na vida.

Os olhos de Gilliam se fixaram à sua frente e ele sorriu com frieza.

— Enrico Romano, qual é a idade da sua filha?

— murmurou. Engasguei-me com a própria saliva e me retesei na cadeira. Porra, Gilliam era um cretino sádico e estrategista!

Enrico Romano era de uma das famílias mais influentes da máfia, um de nossos Caporegimes. Era um velho calculista, analítico e muito inteligente, que tinha uma filha. Eu não saberia

dizer qual a idade da garota, já que ele fazia questão de mantê-la longe de qualquer assunto referente à máfia.

— Minha filha não entra no acordo. Eu não concordei com o casamento, portanto escolha a filha de algum desses patifes — sibilou ele, sem perder a compostura.

A esposa do homem havia morrido durante o parto da garota e, desde o ocorrido, Enrico se fechou em sua bolha. O que se sabia sobre ele, até então, era que amava a menina acima de qualquer coisa e fazia de tudo para protegê-la do mundo no qual vivíamos.

Ela não comparecia aos bailes ou aos compromissos, mas frequentava os eventos femininos. Estava sempre nos chás e festas beneficentes, e era conhecida das outras filhas da máfia, entretanto, fora isso, era uma completa desconhecida, cuja fisionomia eu nem me lembrava.

— Quem dirá se a sua filha entrará no acordo sou eu, Enrico, portanto responda a minha pergunta — ciciou Gilliam, entredentes.

De todos os homens presentes na mesa, Enrico era o único que não queria unir a filha com um dos Venturelli de forma alguma. Ele também era o mais confiável de todo o conselho. Gilliam fez a oferta que ninguém esperava: ao mesmo tempo que cedeu aos caprichos dos homens, encontrou uma solução para interromper os planos deles, seguindo uma linha de raciocínio que não imaginavam.

O músculo da mandíbula de Enrico se enrijeceu. Ele manteve o olhar estreito em Gilliam, faiscando ódio para todos os lados.

— Carmen está com vinte e quatro anos — anunciou.

— Não é necessário entrelaçar o acordo entre Dominique e Carmen quando temos tantas filhas para oferecer — contestou Youssef, atirando um olhar enviesado para Enrico.

— A garota não foi exatamente criada nas tradições da máfia, então não sabemos o tipo de esposa que poderá se tornar.

Enrico não cedeu à provocação do homem.

— Sinta-se satisfeito em oferecer a sua própria filha, pois a minha não está em questão.

Gilliam riu e prendeu a cabeça para o lado.

— Ainda assim, no entanto, quem escolherá a esposa será eu — retrucou.

— Pense bem, Gilliam. A moça representará um acordo importante entre as famílias... — ponderou Federico.

— E é justamente por este motivo que estou escolhendo a senhorita Moris como a noiva do meu irmão — anunciou Gilliam.

Enrico se levantou da cadeira e espalmou as mãos em cima da mesa de mogno.

— Por favor, Gilliam. Ela é a minha única filha, minha companheira. Não a leve de mim — suplicou, deixando transparecer a sua maior fraqueza diante de todos.

— Não a estou tirando de você, Enrico, pelo contrário. Estamos firmando um contrato importante para as famílias. Carmen é jovem e, como bem disse, a única herdeira da casa Moris.

Comprimi os lábios, pensativo.

Enrico Moris era um dos homens mais ricos da máfia e me casar com a única herdeira dele seria uma boa jogada. Gilliam era genial. Tentaram controlá-lo, mas ele foi bem mais esperto que todos. Infelizmente, para mim, não poderia me casar com a filha de Youssef e atormentá-lo pelo resto da vida, entretanto, seria muito mais fácil não ter contato com o homem. Eu poderia perder o controle a acabar matando o meu próprio sogro.

— Gilliam... — sussurrou Enrico. Meu irmão fez um aceno com a mão.

— Está decidido. Se é um casamento com um Venturelli que querem, então receberão um. Dominique irá se casar com Carmen Moris.

— Olhou para mim, o semblante sério impossibilitava qualquer discussão.

— Farão isso em nome da máfia — anunciou, selando a sua palavra de vez.

Não havia nada que eu pudesse fazer. Nasci da máfia e morreria por ela. Gilliam, meu Capo, acima da irmandade e qualquer parentesco, estava impondo sua vontade e autoridade sobre mim. Só me restava acatá-la.

Acenei com a cabeça.

— E quanto as outras opções? Poderia ao menos deixar seu irmão conhecer as garotas e escolher — objetou Federico.

Gilliam me lançou um olhar intransigente, um que dizia que estava ordenando e que eu deveria obedecê-lo. Mantive-me inerte, pois havia algo sobre o meu irmão que eles não sabiam, algo que somente eu, Nery e Stefano conseguíamos reconhecer. E eu via isso agora: ele tinha planos e, mesmo que envolvessem a mim, eu não deveria interceder.

Ele riu, desviando o olhar para os outros.

— Senhores, vamos ser sinceros. Acham mesmo que Dominique se importa em conhecer as filhas de vocês? Como todo o homem que se casou por obrigação nesta máfia, ele está fazendo apenas o necessário para proteger a famiglia.

Soltei uma exalação silenciosa.

— Não tenho interesse em conhecer a filha de vocês, muito menos em participar de um leilão — expressei.

— Se meu Capo acha que devo me casar com a senhorita Moris, assim eu farei.

O evento seria catastrófico, tanto para mim quanto para as moças. Elas seriam induzidas e moldadas para me agradar, nada seria verdadeiro, e eu conheceria apenas o que elas foram instruídas para me mostrar. Portanto, preferiria mil vezes me casar com uma desconhecida, alguém que não omitiria sua verdadeira face de mim para conseguir um anel no dedo e assim eu me esquivaria de receber alguma surpresa após o casamento.

Youssef bufou.

— Se esta é a sua decisão final, tudo bem.

— Correu os olhos até Stefano.

— Ainda teremos Nery para outro acordo no futuro.

Meu irmão caçula riu.

— Isso não vai acontecer, Youssef. Contente-se com o seu feito de hoje.

Se um dia Nery fosse se casar, seria com a garota de fora da máfia. Ele nunca aceitaria entrar em um acordo de casamento sem amor, mesmo que isso fosse contra tudo o que fomos ensinados, afinal a máfia sempre deveria vir em primeiro lugar, acima de tudo e todos. E Gilliam conhecia bem o nosso irmão caçula, assim como sabia que muito provavelmente teria que declará-lo como um traidor se não cumprisse as suas ordens e, por isso, nunca envolveria Nery em um desses acordos.

Enrico arrumou as lapelas do paletó e deu um passo para trás.

— Preciso notificar a minha filha sobre o acordo — disse, sem emoção alguma na voz.

— Ela cumprirá com o que lhe for imposto, como uma filha da máfia, mas não aceitarei que seja maltratada por ninguém, nem mesmo pelo irmão do Capo.

Espalmei a mão no peito e estalei a língua no céu da boca, sentindo-me imensamente ofendido.

— E alguma vez eu maltratei uma mulher, por acaso? — sibilei, com a mandíbula cerrada.

Enrico encolheu os ombros.

— Todos nós sabemos qual é a fama que carrega na máfia, Dominique . Não me culpe por querer proteger a minha única filha. Não estou casando-a com você de boa vontade, estou apenas seguindo as ordens do meu Capo.

— E somos gratos por isso, Enrico — intercedeu Gilliam.

— Carmen será respeitada, assim como Elisa é.

Somos homens, e não animais.

Enrico acenou e suspirou ao mesmo tempo.

— Conversarei com a minha filha e deixarei ao critério dela se quiser ou não participar da organização do casamento.

Youssef grunhiu.

— Deixar? Sua filha precisa se submeter às suas ordens, Enrico, assim como qualquer outra mulher da máfia. Pare de mimar a garota ou em breve Dominique terá que ensiná-la como se deve fazer quando o homem da casa dita ordens

— cuspiu, rindo e fazendo os outros rirem também.

Os músculos das costas de Enrico se enrijeceram sob o terno caro. Ele estava prestes a explodir e sacar a arma para atirar bem no meio da cara de Youssef. Carmen era uma zona proibida para qualquer homem, inclusive para mim, o noivo.

— Vá, Enrico. Fale com Carmen e logo começaremos os preparativos para o casamento. Caso ela não queira participar, pedirei para que Elisa o faça — avisou Gilliam.

Enrico girou nos calcanhares e saiu da sala, sem se dignar a responder o Capo.

Esperava que Carmen fosse bonita e uma companheira agradável. Dividiríamos o mesmo teto, algumas horas e filhos, o mínimo que se esperava de um casal obrigado a se casar seria uma boa convivência.

Puxei os cabelos para trás e ofeguei.

Porra, eu iria mesmo me casar! E ainda faria isso com uma garota que eu nem me lembrava da existência.

Se eu soubesse que matar Smith traria tantos problemas, teria deixado o homem vivo. Talvez sem um ou dois dedos, ou até mesmo sem uma mão. Ele não teria precisado das duas para viver.

Ergui os olhos para Nery e soltei um urro baixo ao ver os contornos de diversão em sua face.

— Só cale a porra da boca — murmurei.

Ele jogou os braços para cima.

— Eu nem disse nada.

Não era preciso verbalizar o que estava pensando, pois deixava isso claro em suas feições. Estava sendo castigado pelas minhas atitudes, por ter nos envolvido nessa merda toda.

Eu queria sangue.

Precisava sujar as minhas mãos para aplacar a raiva que eu sentia. Quando eu encontrasse o próximo homem da 'Ndrangheta em nosso território, desmembraria o maldito de formas inimagináveis até cessar a minha raiva e acalmar os meus demônios.

CAPÍTULO 2 ( CARMEN MORIS)

Dei três passos para trás, impulsionei o corpo para frente e ergui a perna, chutando o saco pesado com toda a minha força. O objeto mal se moveu, mas as correntes que o prendiam chiaram.

— Mais alto. Eu sei que você consegue — gritou Marco, segurando o saco de pancadas firmemente. — Pense em um cara com dois metros de altura, Carmen, e você quer chutar o meio do rosto do idiota.

Soltei um grunhido e tentei outra vez. Acertei um ponto mais alto ao imaginar o rosto de um dos nossos inimigos e o quanto eles não teriam misericórdia se pudessem pôr as mãos em mim.

— Boa garota — murmurou, sorrindo amplamente.

Marco era meu melhor amigo e guarda pessoal desde que eu me conhecia por gente. Dez anos mais velho, foi criado na casa da minha família e era o homem em que meu pai mais confiava.

Minha mãe morreu quando eu nasci, então acabei sendo criada por Antonieta, a mãe de Marco, minha babá e governanta da casa. Assim, com todo o convívio, acabamos nos aproximando e nos tornando grandes amigos.

Diferentemente da maioria das garotas da máfia, eu não fui criada para ser uma filha. Minha criação se voltou para ser a herdeira da nossa casa. Quando ainda era criança, aprendi a atirar e a lutar para me defender. Não brinquei com bonecas, mas com facas e armas.

E esse era um segredo só meu e da minha família.

Ninguém sabia sobre este detalhe da minha vida. Meu pai fez questão de deixar essa parte da minha infância em absoluto segredo, escondendo isso até mesmo do nosso Capo.

Encarei os olhos verdes de Marco e sorri.

— O que ele quer fazer comigo? — perguntei, dando dois passos para trás e me preparando para o próximo golpe.

Marco era um homem alto e musculoso, assim como a maioria dos soldados da máfia. Ele era muito atraente, os cabelos castanhos eram ralos, as maçãs do rosto marcadas e o maxilar delineado. Os olhos verdes demonstravam vez ou outra certa psicopatia que me deixava assustada. A tatuagem da Camorra no pescoço vazava pela gola da camiseta preta de algodão que estava vestindo.

— Hum... — Comprimiu os lábios curtos, pensativo. — Ele quer fodê-la — avisou, encolhendo os ombros.

Arregalei os olhos e me preparei para atacar.

Marco usava a tática de imitar uma possível situação real, me fazendo revidar para me defender.

Ele era dois centímetros mais alto do que eu e bem mais forte. Minha meta era chutar o saco de pancadas com tamanha força que o obrigasse a soltar o objeto, e eu não poderia parar de tentar enquanto não conseguisse isso, mesmo que me levasse à exaustão.

Fechei os olhos e inspirei uma profunda lufada de ar. Meu coração batia com força e o suor escorria pelo meu pescoço, colando meus cabelos da nuca na pele.

Imaginei a suposta cena.

Ninguém era piedoso na máfia, não existia um cenário bonito em um possível ataque. Na melhor das hipóteses, eu seria morta; na pior, estuprada e torturada. E era isso que Marco queria que eu visse. Se fosse pega e não tivesse ninguém para me defender, como eu deveria proceder? Aceitar o meu destino ou lutar até o fim?

Lutaria porque fui treinada para isso, fui ensinada a matar sem piedade, assim como a torturar, caso fosse preciso. Não fui criada como uma princesa, fui criada como um soldado.

Abri os olhos e me impulsionei para a frente, acertando o saco de pancadas em cheio com o meu pé e tornozelo. A pancada foi tão forte que Marco largou o saco, deixando-o balançar no ar. Minha perna latejava, mas o meu rosto se curvava em um sorriso de satisfação.

Eu consegui.

Se fosse um inimigo, estaria morto e estirado no chão nesse momento, e eu ficaria livre para conseguir fugir.

Palmas soaram às minhas costas, um barulho oco e constante. Girei nos calcanhares e encontrei o meu pai se

aproximando lentamente. Seus olhos brilhavam em um orgulho genuíno da única filha.

— Papà. — Sorri, abrindo as luvas que cobriam as minhas mãos e as jogando no chão. — Não sabia que o senhor já havia retornado da reunião.

Ele colocou as mãos nos bolsos do terno cinza e balançou a cabeça. Percebi que havia algo de errado com ele, conseguia notar pela contração dos músculos das costas e pela mandíbula rígida. Eu não fazia ideia sobre o que era a reunião. Ele sempre deixava os assuntos sobre a máfia longe de mim por não gostar de me preocupar com eles, mas, fosse o que fosse, não o havia deixado feliz.

— Estou orgulhoso, amore mio. Foi um chute e tanto — parabenizo, apontando para o saco que balançava no ar com uma das mãos. — Você é única, Carmen, uma preciosidade, e tenho muito orgulho de ser o seu pai.

Não pude evitar de franzir a testa.

Meu pai era um homem incrível, eu tinha muita sorte por tê-lo. Eu via como as garotas da máfia agiam nos eventos.

Elas eram oprimidas pelos pais, subjugadas às suas vontades, educadas para serem boas esposas. Sempre submissas, sempre omissas.

Mas não eu.

Enrico Romano nunca se casou de novo e não teve mais filhos, então sobrou para mim a responsabilidade de governar a casa após a sua morte. E esse era o motivo da minha criação tão... atípica.

— O que há de errado? — questionei.

Os cabelos brancos estavam penteados para os lados, bagunçados por ele ter esfregado os dedos nas madeixas. Seus olhos escuros pareciam estar apreensivos e o rosto, que um dia havia pertencido a um homem muito atraente, estava marcado pela idade. Para os inimigos, um homem frio e calculista. Para mim, um pai amoroso e disposto a tudo para me proteger e agradar.

Ele suspirou.

— Papà... — murmurei, sentindo meu coração prestes a sair pela boca.

Os olhos dele voaram para um ponto atrás de mim, então retornaram para os meus.

— Não há melhor jeito de dar a notícia, Carmen, então vou direto ao ponto — falou e eu balancei a cabeça em câmera lenta, o corpo entorpecido pela notícia que parecia ser muito ruim. — Você foi prometida a Dominique Venturelli.

Abri e fechei a boca, sem saber o que falar. Nada do que ele havia dito parecia fazer sentido, como se ele estivesse alucinando. Ou era eu quem estava ouvindo tudo errado?

— Como é? — A voz de Marco soou atrás de mim.

Ele conseguiu verbalizar a pergunta que eu não consegui, pois a minha língua começou a ficar muito pesada e minha garganta, fechada.

Meu pai soltou o ar pelo nariz e balançou a cabeça, parecendo se sentir arrasado com isso.

— O conselho obrigou Gilliam a casar um dos irmãos, então o desgraçado decidiu que casaria Dominique com Carmen — Ele me olhou, franzindo os lábios em um esgar. — Eu sinto muito, amore mio. Tentei intervir, mas ele é o nosso Capo e estava decidido... Não pude fazer nada.

Fechei as mãos em punho ao lado do corpo.

Eu passei a porra da minha vida toda treinando, lutando e aprendendo a me defender para que não precisasse contar com ninguém após a morte de papai, e então Gilliam Venturelli simplesmente decidiria que eu deveria me casar com o irmão psicopata dele? Droga, maldita máfia! Malditos Venturelli!

Passei a mão em minha franja suada, puxando-a para trás, e me virei. Não consegui olhar para o meu pai. Embora soubesse como as coisas funcionavam e que ele não poderia ir contra a ordem de Gilliam, não sem ser morto no processo, eu não conseguia encará-lo no momento. Estava magoada demais.

A liberdade que eu tinha em casa estava sendo tirada de mim.

— Carmen, olhe para mim — pediu, mas eu não fiz menção alguma de me virar.

— Por favor, apenas me escute.

Olhei para Marco. Ele encarava o meu pai com ódio e nojo evidentes. Meu melhor amigo, meu soldado particular, o homem que me treinou para ser a melhor, estava dividindo a raiva comigo.

— Eles não te deixariam em paz. Eu a criei para ser autossuficiente, Carmen, mas, com o sobrenome e fortuna que carrega, seria obrigada uma hora ou outra a se casar com alguém da máfia.

Girei para ele em uma velocidade vertiginosa e apontei um dedo acusatório.

— Então resolveu me jogar aos lobos antes que isso pudesse acontecer, papà? Se tinha esses planos desde o começo, por que não me deixou ser como as outras garotas? — sibilei, as lágrimas acumuladas estavam embaçando a minha visão.

Ele negou com a cabeça.

— Você nunca poderia ser como as outras, querida. Sempre demonstrou ser uma guerreira ao invés de uma princesa. Eu tinha esperanças de que pudesse viver em paz, de que não precisasse se casar, e por isso te criei para que fosse autossuficiente. — Lançou um olhar para Marco. — Mas caso a obrigassem a um casamento, tinha planos de fazer um contrato falso com Marco. Assim, poderia continuar na sua liberdade, vivendo a vida de que tanto gosta.

Uma lágrima escorreu pela minha bochecha direita. Levei as pontas dos dedos até o rosto para limpá-la. Eu chorava de raiva, tanta que precisava extrapolá-la de alguma forma.

— Por que não disse a eles que eu estava noiva, que eu estava prometida a outro? — sussurrei, entredentes.

Ele riu sem humor.

— E acha que Gilliam aceitaria? Ora, Carmen, você sabe como as coisas funcionam em nosso mundo. Dominique é irmão do Capo, braço direito dele. Se eu dissesse que estava prometida para um soldado, eles matariam Marco sem pensar duas vezes e nos obrigariam a honrar com o acordo. Seria uma desonra que me desfizesse de um enlace entre você e Dominique Venturelli por causa de um soldado.

Eu sabia, no fundo do meu coração, que ele falava a verdade, que se tivesse discordado de Gilliam Venturelli poderia estar morto neste momento, mas ter essa certeza não fazia a dor ser menor.

Precisava quebrar alguma coisa, atirar em algo e extravasar a raiva e frustração que eu sentia.

— Nosso sobrenome e fortuna é relevante demais, Carmen. Eles não te deixariam em paz depois da minha morte. Gilliam me obrigou em nome da máfia, eu não tive escolha.

Em nome da máfia.

Quando o Capo proferia tais palavras, não restava opção a não ser concordar com o ordenado.

Soltei um soluço baixo, odiando que estivesse demonstrando fraqueza na frente deles.

— E agora? — perguntei, minha voz não passou de um sussurro.

Ele caminhou em minha direção e segurou as minhas mãos, olhando no fundo dos meus olhos.

— Agora você colocará em prática tudo o que lhe foi ensinado, Carmen, mas jamais deve deixar que saibam disso. Esse será o seu maior segredo e principal trunfo. Deixe que achem que é como as outras, que foi criada para se submeter, que é uma filha da máfia. Esconda deles quem é de verdade e use isso para se proteger.

Ergui o maxilar.

— E Dominique?

— Ele será um bom marido, na medida do possível. Eu vejo como Gilliam é respeitoso com a esposa e, embora Dominique seja o louco da família, acredito que, nesse quesito, será como o irmão.

Trinquei a mandíbula.

— Até porque eu o matarei se fizer o contrário — expressei.

Não me importava que fosse o irmão do Capo, não me importava quem ele era. Eu o mataria sem pensar duas vezes se levantasse a mão para mim.

Eu via as mulheres da máfia nos eventos, as marcas escondidas por baixo das roupas ou de muita maquiagem. Elas sofriam agressões física e verbal, assim como eu sabia que os maridos frequentavam os prostíbulos e possuíam amantes fixas. Eu não considerava o que tinham como um casamento, pois era como um penar: triste, raso e sem sentido algum.

Não importava o que acontecesse, jamais aceitaria viver dessa forma. Detestava o fato de que seria obrigada a me casar em nome da máfia, mas, como filha, nascida e criada nesse meio, sabia que não tinha como fugir dessa responsabilidade. E se eu tentasse, colocaria a minha família em perigo. Meu pai perderia a honra e eu seria caçada e morta. Portanto, cumpriria com as minhas responsabilidades, mas mataria Dominique antes que pudesse levantar a mão para mim.

Meu pai riu.

— Eu sei que sim e é isso o que me deixa seguro, Carmen, pois eu criei você para ser a melhor de todas — disse, encostando a palma em minha bochecha.

— Sinto muito que tenha que fazer isso em nome da máfia e que não tenha escolha, mas saiba que estarei aqui para você e sempre para você.

— Nós podemos tentar outra forma, fugir... eu não sei — ponderou Marco.

— Não há nada que possa ser feito, foi decidido pelo próprio Capo. Foi ele quem escolheu a prometida de Dominique — contestou papai.

Marco deu um soco no saco de pancadas e esfregou as mãos nos cabelos.

— Porra, então vai ser isso? Carmen será obrigada a se casar com alguém que não ama?

— sibilou, andando de um lado para o outro.

Ergui a cabeça e pisquei, desfazendo-me das lágrimas que cobriam a minha visão.

Eu era uma Moris, uma garota atípica da máfia, e sobreviveria a isso. Passei a vida toda sendo treinada para ser forte, então não deixaria que um casamento por obrigação me abalasse.

— Eu vou fazer isso — anunciei.

— Sou uma filha da Camorra, meu Capo está solicitando os meus serviços e farei como o ordenado.

— Olhei para Marco.

— Espero que você me acompanhe nisso, como meu melhor amigo e guarda pessoal. Me sentirei mais segura se estiver comigo.

Marco não me respondeu. Ele simplesmente girou nos calcanhares e deixou o velho galpão para trás, batendo a porta com força ao sair. Dividia a mesma frustração com ele, mas sabia das minhas obrigações e, por mais que me sentisse contrariada, nada poderia fazer quanto a isso.

— Eu sinto tanto, querida. Se eu soubesse... teria interferido antes, assinado o contrato de casamento entre você e Marco — lamentou.

— Mas tinha esperanças de que pudesse ter uma escolha, de que tivesse a chance de escolher se queria ou não se casar.

Me joguei nos braços dele, ignorando a pequena camada de suor que cobria as minhas roupas.

— Sei que sim, papà. Nenhum de nós estava preparado para isso.

Ele afagou os meus cabelos molhados e descansou o queixo no topo da minha cabeça.

— Não se esqueça, Carmen Use o que sabe a seu favor.

A sombra de um sorriso curvou os meus lábios.

— Serei uma doce esposa, tudo o que eles esperam de mim. — Me afastei, dando três passos para trás. — Quero ir ao ginecologista. Não me importa se esperam de mim um herdeiro, não estou disposta a isso. É melhor que não saibam que eu estou me prevenindo de uma gestação indesejada.

— Providenciarei isso o quanto antes — avisou, puxando a manga do terno para verificar a hora no relógio de pulso. — Preciso saber se você quer se envolver com as coisas do casamento ou prefere que alguém organize por você?

Nunca pensei em como seria o meu casamento. Não tinha vontade alguma de me casar e nem mesmo havia, algum dia, me apaixonado por alguém. Eu amava a liberdade que tinha, o presente que me havia sido dado, o poder da escolha, por isso não pensava em me atrelar a ninguém. Estava feliz sozinha.

Cruzei os braços em frente ao corpo e suspirei.

— Quero me envolver em algumas coisas, mas não na maioria — avisei.

Meu pai não era idiota. Ele tinha me criado para ser uma guerreira, mas sabia como as coisas funcionavam, então intercalou aulas de etiqueta entre os meus treinos de defesa pessoal. Eu sabia como manejar uma arma assim como sabia quais os pontos mortais para tirar uma vida. Poderia atirar em alguém de olhos fechados e conseguiria acertar o alvo. Além de tudo isso, sabia como deveria me portar estando na frente dos outros.

Em casa, uma garota mortal, criada e ensinada para matar. Na rua, uma dama da sociedade, uma filha bem-educada da máfia.

Seria fácil disfarçar a minha verdadeira personalidade. Eu tinha uma vida dupla desde que me conhecia por gente. E, como braço direito do chefe, esperava que Dominique passasse mais tempo na rua do que em casa, assim ficaria sozinha e em paz.

— Avisarei a Gilliam. Ele está ansioso pelo acordo, Carmen. Tentarei postergar a data do casamento o máximo possível, mas não posso garantir isso.

Eu ainda sentia raiva. Assim que ficasse sozinha, sacaria uma das armas do baú, destruiria todos os alvos e só retornaria para

casa quando me sentisse vingada e exaurida.

Apertei as minhas mãos, estalando os dedos.

— Cumprirei o meu papel como membro da máfia, papà. Em algum momento, o casamento vai ocorrer. Gilliam ordenou, não há muito o que possamos fazer.

Ele acenou.

— Vamos dar um jantar de noivado, como é a tradição das nossas famílias, e assim poderá conhecer melhor o seu noivo — avisou, mudando a postura, tornando-se mais altivo. — Garanto a você que ele será um bom marido, querida. Fiz questão de deixar claro que não aceitaria menos que isso em nossa reunião.

Não me importava se fosse ou não um bom marido. Eu não aceitaria ser um saco de pancadas. Se Dominique fosse um homem agressivo, eu o mataria sem pensar duas vezes.

Ouvia os boatos sobre ele, sobre como era psicopático e sobre o quanto adorava matar, divertindo-se com o sangue dos inimigos. Ele era instável, o irmão que Gilliam não conseguia controlar, o idiota que tinha colocado a famiglia em guerra com a 'Ndrangheta. Os homens falavam dele, sussurravam seu nome com medo. Os traidores preferiam ser torturados por Gilliam, ou por qualquer outro, em vez de cair nas mãos de Dominique.

E o demônio sadomasoquista e vingador da máfia seria o meu marido.

Que grande felicidade!

Não me lembrava do rosto dele, pois não o via há muitos anos. E, nas ocasiões em que estivemos presentes... bom, não era como se ele fosse relevante para mim.

Infelizmente para ele, eu sabia ser tão psicopática quanto ou até mesmo pior. Eu sabia quem ele era de verdade e o que fazia, mas ele jamais descobriria sobre mim. Iria se casar pensando que levaria para casa uma noiva doce e ingênua, e não uma que poderia matá-lo em um piscar de olhos.

Meu pai comprimiu os lábios, parecendo estar sem jeito e um tanto receoso, e então colocou as mãos nos bolsos.

— Preciso te fazer uma pergunta pessoal, Carmen, e necessito que seja sincera comigo, pois é muito importante.

Ah, meu pai do céu! O que mais ele poderia querer de mim? — Diga, papà.

Ele ficou em silêncio por mais alguns segundos, postergando o momento.

— O casamento é muito importante para as famiglias, foi o conselho que ordenou que ocorresse, e por isso estão pedindo que seja realizado um exame de castidade no dia da lua de mel. — Senti um rubor cobrir o meu rosto e arregalei os olhos. Pensei que a situação não poderia piorar, mas estava irrefutavelmente enganada. — Me diga que ainda é virgem, Pietra, por favor. — Limpou a garganta, desviando o olhar para os sapatos lustrados.

— Sim — confirmei, a voz não passou de um sussurro.

— Você e... hum... Marco... — ciciou, embaralhando as palavras.

O ar ficou preso em meus pulmões. Nunca pensei que poderia morrer de vergonha, mas estava diante do acontecimento mais improvável da minha vida. Eu teria um infarto, ou uma síncope nervosa, a qualquer momento se meu pai continuasse a perguntar sobre a minha vida sexual inexistente.

Antonieta tinha me preparado para isso. Quando a minha menstruação desceu pela primeira vez, tive uma aula duradoura sobre sexo, bebês e anatomia feminina e masculina. Foi um pouco

embaraçoso, mas nem se comparava a falar sobre o assunto com o meu pai.

— Pai, nós somos apenas amigos. Nunca aconteceu nada entre Marco e eu — avisei, revirando os olhos.

Eu era virgem, mas não idiota.

Quando estava na adolescência, arrumei um namoradinho na escola. Era um relacionamento proibido e altamente escondido, mas eu o beijei várias e várias vezes.

Meu pai estendeu as mãos, como se estivesse se desculpando.

— Tudo bem, eu acredito em você — expressou, afastando- se lentamente para correr do assunto, como eu queria fazer.

— O conselho está colocando muita pressão em cima disso. Eu precisava garantir.

Bufei.

— Não há nada com o que precise se preocupar, exceto com a garganta de Dominique. Posso matá-lo na noite de lua de mel.

— Sorri, removendo uma faca do coldre da cintura.

A minha tentativa de quebrar o clima constrangedor deu certo. A expressão do rosto do meu pai se suavizou e ele me acompanhou no sorriso.

— Que Deus tenha piedade daquele homem — brincou. — Sim, porque eu com certeza não terei. — Pisquei.

Girei de lado e lancei a faca em um dos alvos, acertando o centro vermelho em cheio. Imaginei que era a cabeça do meu futuro marido e isso serviu como inspiração para o meu próximo treino.

Sempre soube quais eram as minhas atribuições por ser filha da máfia. Eu só não esperava que elas fossem chegar para mim depois de toda a proteção do meu pai e de tudo o que ele fez para me manter longe de olhares, escusa de possíveis propostas de casamento.

Acontece que, nesse mundo, eu até poderia tentar fugir da máfia, mas ela sempre iria atrás de mim, sempre estaria comigo

CAPÍTULO 3 ( DOMINIQUE VENTURELLI )

Fechei a mão em punho e soquei o rosto do idiota que estava amarrado na cadeira à minha frente. O golpe forte e preciso o fez balançar para o lado e cuspir sangue, junto a alguns dentes, no chão.

— Desgraçado! — sibilou, esfregando a língua no lábio inferior partido.

Não era um bom momento para me irritar. Eu andava no meu limite nos últimos dias, desde que Gilliam e os velhos desgraçados me colocaram em uma maldita coleira como se eu fosse um cachorro a ser adestrado.

Moral da história: estava noivo e, dentro de algumas horas, conheceria a mulher que foi escolhida para ser minha.

Me inclinei sobre o idiota e o cheiro de urina, suor e sangue flutuou até o meu nariz.

— Eu vou arrancar cada dente dessa sua boca suja, e então vou arrancar cada uma das unhas e esmagar os seus ossos até que eles virem pó.

— Soltei uma gargalhada diante da piada que passou pela minha cabeça.

— Você adora cheirar, não é mesmo, Camilo? Veja bem, posso dar o pó dos seus ossos para suprir o seu vício, o que acha?

Olhei para Camilo, para suas mãos presas em cima da mesa e então de novo para o rosto dele.

— Você não vai fazer isso, seu desgraça... — gorgolejou, e arregalou os olhos ao ter os quatro dedos da mão arrancados.

Em um movimento rápido e brusco, puxei o machado da mesa e o abaixei sobre a mão de Camilo, amputando os quatro dedos da mão direita. O sangue respingou para todos os lados, manchando meu rosto e roupas.

— Puta merda! Maldito! Desgraçado! — gritou, batendo as costas na cadeira para diminuir a dor.

Juntei os dedos e me virei para um dos meus homens.

— Queime e faça o pó. Rápido, antes que ele morra — ordenei.

Como um bando de babacas inúteis, eles se entreolharam, sem coragem de pegar os dedos decapitados.

— Se ninguém pegar isso daqui, vou acrescentar os de vocês ao pó — sibilei, entredentes.

Romeo deu um passo à frente e finalmente recolheu os dedos da minha palma aberta, escondendo o nojo que sentia, antes de sumir na direção de uma das salas em seguida.

Puxei uma cadeira e me sentei de frente para Camilo. Removi um lenço do bolso e limpei os respingos de sangue do meu rosto.

— Você vai cheirar o melhor pó da sua vida — zombei, sorrindo friamente.

— Mas... posso ter piedade, se me disser os nomes.

O maldito tinha entrado em nosso território, estuprado uma das mulheres dos nossos clubes e detonado uma carga de cocaína. Ele não estava sozinho, mas apenas ele foi burro e lento o suficiente para ser pego.

Gilliam queria os nomes dos comparsas, e eu faria dos últimos momentos de vida de Camilo um inferno até conseguir as respostas.

Ele não disse nada, seus olhos escuros apenas me encaravam cobertos de ódio.

Recolhi a faca da mesa e girei a ponta, brincando com o instrumento.

— Sabe... eu vou contar um segredo.

— Sorri, inclinando-me para sussurrar.

— Eu vou me casar — anunciei.

Camilo arregalou os olhos e demonstrou, pela primeira vez desde que havia sido pego, verdadeiro interesse no assunto.

— Como é? — questionou em um bramido.

Confirmei com um aceno de mãos.

— Ah, você sabe, me atrelar a uma única mulher, ser o de terno no meio do corredor vermelho.

— Revirei os olhos e descansei os pés em cima da mesa.

— Parece que, graças a vocês, malditos traiçoeiros, meu querido irmão decidiu que eu preciso de uma bela coleira para enfeitar o meu pescoço.

Camilo abriu a boca em um “o” perfeito.

— Vocês...

— Engoliu em seco.

O sangue que jorrava dos dedos cortados o deixava enfraquecido a cada segundo.

— Vocês vão unir as famílias? Seus malditos! Balbino não vai gostar nem um pouco disso.

Espalmei as mãos no peito e arqueei as sobrancelhas, comprimindo os lábios.

— Ah, que pena! Eu enviaria um convite para ele, mas não quero incomodar este bom homem, então o deixarei de fora do casamento.

— Esfreguei o maxilar com a ponta do indicador.

— Se bem que... ele foi comunicado sobre o meu jantar de noivado que ocorrerá hoje. Poxa, me sinto culpado por isso.

Camilo balançou a cabeça e sorriu sem humor.

— Você se acha tanto, Dominique, mas não passa de um imbecil. É um idiota medroso que faz o que o irmão mais velho ordena.

Suspirei e joguei a faca na direção dele, perfurando seu braço enquanto o prendia contra o assento de madeira. Ele gritou ao ter pele, músculos e osso rompidos.

— Existe algo na Camorra que a ‘Ndrangheta desconhece, Camilo, e isso se chama irmandade. Mas não me admira que não saibam o que é, não passam de animais.

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