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Brincando Com A Sorte

Cap I

“Talvez seja apenas um sonho, só preciso acordar”, pensava Ceci, enquanto as roupas caiam e o vento gelado que vinha da janela aberta fazia a pelugem de seus braços arrepiarem, “não, não era um sonho, infelizmente, era real”, o coração lhe pesava tanto no peito. “Se eu não tivesse atendido ao celular... se eu não tivesse dormido na casa da prima May... se ... se...” sua cabeça atordoada e confusa, só conseguia pensar em sair dali o mais rápido possível. O medo e a vergonha tomavam conta de todo o seu corpo, fazendo-o estremecer a cada lufada fria de vento, ou seria a pressão do olhar gélido que Luke Yong lhe lançava. Mas não adiantava pensar nas possibilidades que poderiam ter sido e não foram, nada garantia que teria sido diferente, a verdade é que o destino de Ceci já estava traçado e ela não tinha como fugir. Ao constatar isso, ela não conseguiu evitar um suspiro lamentoso, chamando a atenção do jovem mestre.

- Algum problema srta. Ceci? Desistiu tão rápido assim? achei que fosse uma pessoa de palavra. - Disse o jovem arrogante olhando fixamente para seus olhos.

- Não, só estou com frio – respondeu timidamente.

- Desculpe o meu descuido, a visão de seu corpo em contrate com o luar que vem da janela é uma visão tão bela que esqueci que hoje era uma noite de inverno. Deixe ajudar- falou Luke Yong, levantando-se elegantemente de sua poltrona ao canto do quarto e caminhando suavemente até onde Ceci estava.

O perfume que emanava do corpo de Luke Yong ficava cada vez mais próximo e a cada passo que ele dava em direção a ela, mais rápido o coração de Ceci batia. Os olhos dele grudados nela, mesmo que ela não ousasse olhar diretamente para ele, não podia deixar de sentir o olhar penetrante, quase como uma navalha a lhe cortar a pele, Ceci deu um passo para trás involuntariamente, segurou os braços contra o corpo, com força quase como uma armadura, mesmo que inútil, sabia ela. Quando o cheiro estava forte o suficiente para ela saber que estava bem a sua frente, ela abriu os olhos e de cabeça baixa, viu os sapatos italianos caros, parados a sua frente. “O que ele estava fazendo?” “Por que parou?”, pensou. Então, ela escutou as janelas se fechando atrás de si. Calmamente, ele retornou para a poltrona, sentou-se como quem estivesse apenas a ver uma cena que lhe era cotidiana, deixando Ceci ainda mais nervosa.

- Continue, agora você não precisa mais se preocupar com vento do inverno – falou em tom rouco.

Ela engoliu a seco, sua mente e seu corpo pareciam nem ser da mesma pessoa, era como se ela pudesse ver a si mesma de fora e não conseguiu parar de sentir pena... “se...”, enquanto terminava de desnudar-se, ela ia lembrando de tudo que havia acontecido para levá-la até aquele extremo.

Tudo começou quando a prima May ficou doente e pediu que ela retornasse para casa, um mês antes. A prima era sua única parente viva e, embora não fosse sua prima de sangue, a tratava como se fossem irmãs, cedeu seu quarto, suas roupas, quando Ceci perdeu seus pais e tudo que possuía em um incêndio. Anos depois, quando os pais de May morreram, elas ficaram ainda mais grudadas. As duas haviam se acostumado uma a outra, já se chamavam de primas antes, no entanto, eram como irmãs.

Elas passaram por tudo juntas, chorando no funeral, abraçando-se nos dias difíceis, aconselhando uma a outra, em cada etapa difícil da vida adulta. Ceci tinha sido adotada pela família de May, e se sentia muito grata por tudo que haviam feito por ela. Mesmo tendo personalidades tão diferentes, elas eram de todo coração, melhores amigas. Enquanto May era cheia de vida e estava sempre pensando positivamente, Ceci era mais calma e tendia ao realismo. May era linda como uma boneca de porcelana, com seus olhos verdes claro e longos cabelos loiros, levemente encaracolados, Ceci, por outro lado, tinha olhos e cabelos escuros e uma beleza mediana, não que fosse feia, mas não se encaixava no padrão de beleza vigente. Ambas tinham em torno de 1,60m, proporções bem distribuídas. Ceci havia saído da cidade, um ano antes para estudar arquitetura na cidade R, May havia ficado na cidade natal para cuidar dos negócios da família, herdado dos pais, mas que iam de mal a pior. Ceci, se sentia culpada por deixar May, mas em seu coração, compensava pensando “vou me formar, ganhar muito dinheiro e vou garantir que o negócio de May fique ainda melhor, mas preciso estudar para isso”.

Então, ao atender o celular naquele dia, ela não teve dúvidas, largou tudo, pediu licença na faculdade e foi ficar com May. Ela não se arrependia de seu amor pela prima, ou de cuidar dela, mas, não conseguia parar de ter pena de si, por não ter como fugir do que agora lhe era imposto, não podia se arrepender de ter atendido ao telefone, de ter voltado, afinal, a prima May era sua única família. Tudo isso que estava acontecendo não era culpa da pobre May. Se tivesse voltado antes, a prima não teria adoecido, “A culpa não é de May, é minha, eu não devia tê-la deixado sozinha para perseguir o sonho de ser arquiteta”. “Será que a prima May está bem?”.

- Venha até mim – a voz ecoou em sua cabeça que devaneava.

- c-certo – respondeu timidamente.

- Não tenha medo, jovem Ceci, eu sou sempre muito gentil com as mulheres que apadrinho – falou Luke Yong em voz rouca, os olhos agora percorrendo e analisando cada centímetro do corpo de Ceci.

Ela caminhou até ele, devagar e relutantemente, como um jovem cordeirinho que sabia que caminhava para seu abate. Ela parou em frente a ele, sem saber bem o que fazer. Ele segurou sua mão suavemente e ficou admirando sua mão, depois seu braço, seus olhos e mãos iam percorrendo o corpo trêmulo de Ceci, suavemente, sem pressão, apenas um toque, como quem quer sentir a textura de um tecido para comprar. Lentamente ele se levanta, segura o queixo da jovem trêmula e olhando em seus olhos diz:

- Por hoje já basta, estou satisfeito com a aquisição, é realmente um produto de qualidade.

Ele soltou-a com desdém e saiu do quarto, deixando Ceci atônita, sem palavras, sem entender nada, mas, ao mesmo tempo, profundamente aliviada, talvez ele não fosse tão ruim como todos haviam dito, talvez houvesse uma escapatória para ela e May. Seu corpo estava tão cansado da tensão, que ela simplesmente deitou na cama e deixou seu corpo adormecer.

Cap II

- Ceci, querida, acorde. – Ceci, ouvia, mas parecia tão longe, uma voz familiar, tão doce, tão especial, será? Poderia ser?

- Ainda estou dormindo e sonhando? – balbuciou Ceci, com os olhos ainda fechados.

- Não, querida, sou eu May, vamos acorde – respondeu a prima.

Ceci abriu os olhos imediatamente, estava com medo de perder a prima novamente se não fosse rápida, depois de quase um mês em que May esteve internada. Ela não podia visitar a prima, era um tratamento intensivo e muito caro, caro demais para elas pagarem, lembrou tristemente. Mas sua prima May estava alí parada, sentada ao seu lado na cama, sim ela estava bem, estava até melhor do que antes, suas bochechas estavam mais rosadas e seu cabelo loiro não estava mais perdendo volume. Ceci se jogou nos braços de May e começou a chorar.

- Pobre garota, por que você está chorando tanto? Alguém te machucou? Desculpa, Ceci, é tudo culpa minha. – May falou com voz triste, quase sumindo.

- Não, não diga isso, não é verdade, você não tem culpa de nada, não estou chorando de tristeza, estou chorando de felicidade em te ver, você parece tão bem, estou tão feliz em te ver assim, - apressou-se em explicar, colocando um grande sorriso no rosto.

- Não está mentindo pra mim, está? Você sabe que não precisa continuar cuidando de mim. Esse problema é meu, não seu. Eu sou adulta, não posso deixar que você resolva todos os meus problemas para mim. – falou com sinceridade, embora soubesse que não poderia fazer muita coisa.

- Ora, não seja boba, você é a coisa mais importante para mim, não estou fazendo nada demais, estamos aqui porque o Sr. Luke Yong é um cavalheiro, não me fez nenhum pedido estranho, apenas pediu que eu ficasse aqui até que o haras seja vendido. Nós tivemos sorte, ele está custeando seu tratamento e ainda está ajudando com os negócios, se tudo correr bem, ele poderá comprar o “Sortudo” e depois de descontar o dinheiro de seu tratamento, com o restante poderemos recomeçar.- Ceci falou tentando convencer a prima ou a si mesma? Nem ela sabia.

- Tem certeza de que ele está interessado somente no haras? Estive internada por tanto tempo – falou tristemente- mas até onde eu me lembro, o haras não estava bem das pernas, como pôde render todo esse dinheiro? Eu sei que meu tratamento foi caro, eu não teria chances de estar viva se dependesse apenas dos médicos da cidade. Por favor, Ceci, não me esconda nada. Você fez algum empréstimo? Está endividada? Quem é esse benfeitor, Sr. Luke Yong? – Ceci podia sentir a angústia da prima, mas não podia deixar que ela se preocupasse, ela ainda estava se recuperando, “só dessa vez, May, por favor, só dessa vez, me deixe não falar a verdade”.

- Você está pensando demais. É claro que você ficou muito tempo se tratando, por isso não sabe, mas o “sortudo” se recuperou nesse tempo e seu valor comercial subiu bastante, foi aí que conheci o sr. Luke Yong. Quando procurei investimento, ele se mostrou interessado em investir e depois em comprar, até aceitou pagar uma parte adiantada para seu tratamento. Então, não fique assim, está tudo sob controle, você sabe que eu não mentiria para você. – Ceci sorria e acariciava o rosto ainda pálido de May, tentando passar tranquilidade para prima.

- Está bem, acredito em você. Encontrei rapidamente o sr. Yong no corredor, foi a primeira vez que o vi, parece um homem muito inteligente, dá para ver só pelo olhar. Também é muito bonito – dando uma piscadela para a prima- fiquei muito tempo no hospital, quando tive alta, um mordomo me trouxe para cá, disse que eu te veria logo, até então, eu não tinha conhecido nosso benfeitor. Fiquei surpresa que um homem tão jovem seja tão rico a ponto de custear meu tratamento, comprar o “sortudo” e ainda ter uma casa tão linda. Você devia tentar conquistá-lo, assim poderíamos viver como dondocas pelo resto de nossas vidas – May falava sem parar e vividamente, como antes, e isso, deixava Ceci muito aliviada, embora ruborizada com as insinuações. “se May soubesse...” pensava, mas não se atrevia a contar de seu acordo obscuro com o sr. Yong. – Ah, quase me esqueci, o sr. Yong pediu que eu te chamasse para tormarmos o dejejum todos juntos.- finalizou May, puxando a prima para fora da cama.

- Espera May, vai na frente, eu vou tomar banho e me trocar e te vejo lá. – Ceci precisava de tempo para se acalmar antes de encarar o sr. Luke Yong de novo, precisava de um tempo sozinha.

Cap III

A casa dos Yong era realmente algo bonito de se ver, possuía um ar charmoso e rústico com belos alpendres e móveis de bambu nas áreas externas. Ao mesmo tempo, era moderna e arrojada em seu interior. “tão bipolar, quanto seu dono”, pensou Ceci. Era um lugar que qualquer um se acostumaria a viver, bonito, elegante, mas ao mesmo tempo frio, como se fosse habitado por fantasmas. Talvez fosse porque quase nunca tinha visitas, mesmo Ceci e May, tinham chegado há pouco tempo e o próprio sr. Yong não passava muito tempo em casa. Se não fossem os empregados, pareceria uma mansão assombrada, com a diferença de ser extremamente limpa.

Dizem que casas são reflexos de seus donos, talvez o sr. Yong também pudesse ser considerado assim, um homem muito bonito por fora, mas sem sentimentos de pertencimento com nenhum ser vivo, sem conexões com esse mundo. Talvez ele fosse mesmo um demônio encarnado. Passando pelos corredores a caminho da sala de jantar, Ceci divagava sobre seu “anfitrião” e não podia deixar de recordar do início.

Ela ainda lembrava de como e do porquê de haver conhecido o famigerado sr. Luke Yong. Não tinha sido há tanto tempo, deveria ter mais ou menos um mês, mas também parecia ser um passado tão distante, como se fosse o passado de outra pessoa.

Ela ainda recordava claramente da angústia ao chegar em casa e ver a prima May tão debilitada, lembrava do desespero ao chegar no hospital e descobrir que os médicos não sabiam o que fazer por ser uma doença rara e que o tratamento estava além de suas condições financeiras. Ceci lembrava vagamente de ter deixado a prima aos cuidados do hospital e de ter virado toda a cidade em busca de ajuda, de um empréstimo, sem, no entanto, conseguir nem mesmo uma fagulha de esperança. O Haras “sortudo” não possuía valor suficiente para uma hipoteca, mesmo que vendessem tudo, mal daria para pagar as dívidas que o “sortudo” tinha deixado.

Depois de uma semana, indo e voltando do hospital, vendo sua única família definhar aos poucos e sem nenhuma expectativa de salvação, ela parou embaixo de uma árvore, respirou fundo e deixou o choro correr desenfreadamente pelo seu rosto. Ela estava tentando ser forte, mas não aguentava mais, a vida era realmente cruel, ela havia perdido os pais, perdido a casa de sua infância, perdido seu curso dos sonhos, uma vez que não teria mais como custear. Ela retirou tudo que tinha no banco para pagar o hospital e estava desempregada, para completar, agora perderia a doce prima May, não restava nada, absolutamente nada, ela estava perdida.

As folhas caídas da árvore, o vento do final de outono, a luz fraca e cores alaranjadas do crepúsculo, tudo parecia cooperar para um cenário triste, empurrando Ceci para a melancolia e depressão. Entretanto, ela sabia que não podia desistir ainda, tinha que haver um meio, tinha que existir um atalho, a vida não podia ser tão escura. Ela enxugou as lágrimas, aprumou os ombros e tomou uma decisão, ela tentaria até o submundo, se isso ajudasse May.

Foi assim que Ceci, que sempre foi resoluta, não se deixou abater. Não podia desistir. Se a vida lhe dava limões, ela os espremeria nos olhos da vida e encararia as consequências. Ela respirou fundo novamente e caminhou em direção ao bar “toca do Diabo” o lugar mais barra pesada da cidade. Todos sabiam que era um local onde rolava transações escusas e até ilegais, ninguém entrava lá se não estivesse desesperado para fazer um trato com o próprio diabo, até Ceci sabia disso, mas isso não a intimidou, agora era tudo ou nada.

Foi lá, no “toca do Diabo”, que ela conheceu o sr. Luke Yong, um homem arrogante, frio e calculista, capaz de arrancar e comer o coração de quem quer que fosse. Era assustador, ela sabia que estava abandonando todos os sonhos, mas valeria a pena. Ela entrou na sala como um corpo sem alma e foi direto para o círculo de homens bebendo, rodeados de jovens mulheres, pedindo para falar com o chefe.

Lembrando de tudo isso agora, Ceci nem acreditava que tivera coragem para tanto. Tudo agora parecia um sonho tão distante. “Essas lembranças lhe perseguiriam para sempre”, constatou Ceci, enquanto caminhava pela casa daquele homem tão singular.

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