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Recomeço

Adeus

Me olho no espelho abrindo um sorriso. Coloquei um vestido preto até os meus joelhos, um par de meia calça sexy e saltos altos. Prendi meu cabelo em uma banana bem feita e estou usando um conjunto de colar e brincos de pérolas.

Ando pela casa conferindo se está tudo em ordem, e vejo que sim.

Hoje é o meu aniversário de casamento com Pierre.

Ah, eu nem acredito que estamos fazendo quinze anos de casados! Nossa data foi escolhida perfeitamente pra cair no meu aniversário. Pierre sempre dizia que estava nascendo de novo se casando comigo e queria comemorar tudo junto, nossos primeiros anos foram maravilhosos.

Pena que agora as coisas estejam um pouco diferentes, mas estou me esforçando pra fazer voltar a ser tudo igual.

Pierre foi o primeiro e único homem da minha vida, nos conhecemos no ensino médio quando eu tinha quatorze e ele dezesseis, mesmo depois que se formou nós continuamos o namoro que era escondido dos meus pais. Foram três anos assim, até que eu o apresentei lá em casa. Até o casamento foram mais três anos com nós dois trabalhando e estudando pra conseguir o primeiro apartamento que era um ovo e ficava no 13éme. Fomos nos dedicando, sabe, e vencemos, agora moramos no Montmartre, em uma casa aconchegante e pitoresca como todo o bairro.

Acho que nesse caminho Pierre se deixou levar muito pelo trabalho e acabou esquecendo da gente, mas eu não, eu estou aqui e cuido de nós dois. Como eu disse, me esforço pra ser igual a antes.

Ah, agora me lembrei que eu nem disse o meu nome aqui ainda.

Sou a Ágata. A senhora Rose. Tenho trinta e cinco anos, um metro e cinquenta e oito de altura e sou bem miúda. Não fujo muito do que é a média das mulheres aqui e tenho os cabelos loiros na altura da metade das costas. Eu trabalho em uma empresa grande, é um escritório, se chama Duran Imports e estou lá há nove anos. Eu trabalho no departamento pessoal e me realizei no campo profissional, já que não consegui me realizar totalmente no campo pessoal.

Faltaram os filhos pra mim e Pierre.

Eu não fui contemplada com essa bênção, não pude ser mãe, mas nem tudo é perfeito né?

Enfim, chega de tristeza! Hoje é dia de comemorar!

Cozinhei tudo que Pierre gosta, comprei uma lingerie sexy e um Cristal pra comemorar. Também fiz um pequeno rombo no meu cartão de crédito e comprei um relógio pra ele, mas meu marido vale.

Não é o que eu pretendia pra nós, eu tenho o sonho de viajar pra Chiang Mai, na Tailândia. Eles têm um festival de lanternas de papel e é a coisa mais linda que eu vi na internet nos últimos meses, tentei fazer Pierre viajar comigo pra lá, mas ele não quis porque disse que não podia devido a quantidade absurda de trabalho, então eu fiz o melhor que pude pra comemorar as nossas Bodas de Cristal.

Me aproximo da porta e deixo ela aberta enquanto fico esperando por ele chegando do trabalho, está na hora.

O tempo vai passando e nada, olho no relógio perto da entrada e murcho quando vejo que se passou uma hora e ele ainda não chegou. Fecho a porta e me sento na mesa posta.

Pego me celular e mando uma mensagem, Pierre visualizou a que eu mandei de manhã falando sobre nosso aniversário, mas não me respondeu, só reagiu com um emoji de mãos juntas. Eu fiquei chateada, mas entendo que ele é um homem ocupado.

📱- Oi, vai demorar muito a chegar?

Nada...

Ele ultimamente tem ocultado o visto por último, eu nem sei que horas ele entrou pela última vez nesse bendito aplicativo.

Mais uma hora de relógio e nada.

💭Eu não acredito que Pierre fez isso comigo de novo💭

No aniversário dele não veio pra casa, tínhamos combinado de jantar fora e eu dormi no sofá toda arrumada. Acordei com ele chegando bêbado e amarrotado.

Tive que ajudar ele a tirar a roupa pra dormir, tinha além do cheiro da bebida um perfume feminino misturado e eu o questionei sobre isso, mas ele estava tão ruim que apagou. No outro dia me pediu desculpas e disse que foi abraçado por muita gente na festa surpresa que ganhou.

Ele nem pensou em me ligar pra que eu fosse até lá.

Mas hoje é meu aniversário, além do nosso de casamento e eu pensei que ele viria o mais rápido possível.

Ando até a sala e sirvo uma dose de conhaque antes de me sentar no sofá, não consigo acreditar nisso. Quando olho no relógio do meu celular e vejo que já são meia noite e dois eu não consigo segurar as duas lágrimas que escorrem no meu rosto. O nosso aniversário passou e comigo sozinha.

Me levanto e subo as escadas enquanto tiro meus acessórios e desfaço meu cabelo, não consigo mais segurar o choro. Eu tenho me esforçado tanto, já são quase dois anos que luto pra fazer isso aqui continuar, pra fazer meu casamento seguir, mas não adianta, parece que cada dia mais ele está perto de acabar.

Tiro a maquiagem e coloco uma camisola, me sento na beirada da cama olhando pro chão e pedindo a Deus:

- Me ajuda a fazer dar certo, eu não sei nem me imaginar sem esse homem.

Eu não conheço mais nada além dele, eu amo Pierre mais até do que eu mesma.

Quando são quase uma e meia da manhã eu ouço a porta do quarto abrindo.

- Me perdoa...

Olho de lado sem me virar pra porta, permaneci esse tempo todo sentada.

- Onde você estava, Pierre?

Ele faz um instante de silêncio e depois solta o ar enquanto tira o blazer e desamarra a gravata.

- Fiquei agarrado no trabalho.

Não consigo segurar a risadinha cretina.

- Até de madrugada?

Me viro pra encarar ele e meu marido tira os óculos e depois esfrega os olhos com a mão esquerda. Pierre faz uma careta.

- Ágata, nós precisamos conversar.

Fecho meus olhos sentindo o peso dessa frase em cima dos meus ombros.

- Sobre o quê você quer falar?

Ele deixa os óculos na mesinha onde deixou a maleta de trabalho.

- Sobre Sophie.

A assistente dele há três anos?!

Franzo a testa enquanto me levanto da cama e envolvo meu corpo.

- O que tem ela?

Pierre olha pra cima e fica mudo.

- Anda, Pierre, diz logo!

Ele diz apressado.

- Ela está esperando um filho meu, Ágata. Sophie e eu temos um caso há dois anos, e eu estou apaixonado. É isso, Ágata, nós dois não vamos existir mais, nosso casamento acaba por aqui. Na verdade, acho que acabou já há muito tempo, antes mesmo dela chegar na minha vida.

Perco o controle e avanço pra cima dele, Pierre me segura pelos braços enquanto eu o arranho feito uma gata selvagem.

- VOCÊ JOGOU FORA UMA VIDA, UMA HISTÓRIA DE MAIS VINTE ANOS POR CAUSA DE UMA GAROTA DE VINTE E DOIS?!

Pierre me afasta.

- É, Ágata, é... Agora ela tem vinte e quatro e carrega um filho meu, ouvi o coração dele hoje na consulta de pré natal e não vou deixar meu filho nascer sem um pai presente.

Eu sento na cama e tampo meus ouvidos enquanto choro.

- Eu não vou te ouvir, Pierre, eu não quero te ouvir.

Ele gesticula depois de mexer no nariz.

- Seja adulta, Ágata, pelo menos uma vez aja como se não fosse mais aquela garota do ensino médio. Essa brincadeira de casinha na qual entramos há duas décadas atrás não funciona mais. Eu não te amo mais, e não é de hoje. Não tem a ver com Sophie, tem a ver com nós dois, com essa relação falida e morna que nós dois levamos. Encara de frente logo esse problema e vamos assinar esses papéis de maneira civilizada.

Eu passo as mãos no meu rosto pra me livrar das lágrimas.

- Brincadeira de criança?! Meu Deus, Pierre, nós vivemos tanta coisa juntos, saímos do nada, eu achei que era real.

Ele se senta na cama ao meu lado e segura no meu rosto, ele também está chorando, mas eu vejo que é de alívio.

- E por um tempo foi, Ágata, por um tempo foi, mas agora não mais. Você é uma boa pessoa, é uma boa mulher sem dúvidas, mas não é o grande amor da minha vida e eu também acho que não sou o seu.

Pierre dá um beijo na minha testa.

- Eu vou fazer uma mala agora. Não se preocupa que eu não vou botar pressão em você pela casa, eu vou sair sem problemas.

Fico sentada o tempo inteiro quando ele se movimenta pelo quarto e arruma as coisas pra sair. Pierre para mais uma vez perto da mesa em que deixou a maleta de trabalho e eu vejo a mala de rodinhas que carrega.

Ele pega a maleta e tira a aliança de casamento deixando ela em cima da mesa.

- Meu advogado te liga.

Aperto meus olhos forte e contraio os lábios.

- Se cuida, Ágata, adeus.

Uma nova realidade difícil de aceitar

Não dormi nada noite passada. A quarta feira vai ser sofrida pelo visto.

Queria tanto que as minhas férias chegassem logo pra que eu pudesse me afundar em casa sozinha. Infelizmente eu tive que vir trabalhar, vesti qualquer roupa que apareceu pela frente e estou a base de café.

- Que cara é essa, Ágata?

Quem me pergunta é Marise, ela é minha amiga e trabalha aqui há três anos. Marise é advogada, mas não participa do jurídico da empresa. Cursou direito só pra agradar a família, ela gosta mesmo é de DP.

Olho pra ela sentindo a água inundar meus olhos.

- Pierre saiu de casa essa noite.

Ela arregala os olhos ouvindo isso.

- Mas no seu aniversário e de vocês? O que aconteceu?

Dou uma fungada nada elegante e passo a mão ajeitando meu rabo de cavalo.

- Ele me contou que tem um caso com a assistente dele há dois anos, desde que ela tinha vinte e dois, e ela está grávida agora. Ontem, enquanto eu preparava a nossa noite na minha folga de aniversário, ele ia na consulta de pré natal e ouvia o coração do bebê que vai ter com outra mulher. Vinte e um anos de história, quinze anos de casamento, valeram menos do que uma paixão com uma garota e um relacionamento de dois.

Marise me dá um lenço de papel quando eu não seguro as lágrimas.

- Estou me sentindo um lixo. Ele me trocou por uma mais nova e que ainda conseguiu dar a ele o que tanto desejou e eu não pude.

Esfrego meu peito sentindo uma dor tão grande por falar disso. É o ápice de humilhação pra qualquer mulher.

- O que será que eu fiz de errado?

Minha amiga gira a minha cadeira de rodinhas pra que eu olhe pra ela.

- Nada! Ouviu bem? Nada! Você não é culpada pela falta de caráter dele e dela, não é culpada por não poder ter filhos, não é culpada por ele ir embora. Deu o seu melhor por anos, entregou sua juventude e vitalidade, seu amor, Pierre é que não soube dar valor.

Pois é, eu dei tudo.

Dei meu primeiro beijo, minha castidade, minha primeira paixão e primeiro amor pra ele, me entreguei por inteiro e estava crente de que ficariamos enrugados juntos.

Agora meus melhores anos passaram e não há mais nada, a não ser uma Ágata rejeitada nessa altura do campeonato.

- Já tem um advogado?

Nego com a cabeça.

- Não, ele saiu de casa no meio da madrugada e eu não tive tempo pra nada, a não ser chorar.

Minha amiga me diz de imediato.

- Eu vou advogar pra você e não te cobro nada. Assim que o advogado dele entrar em contato você passa o meu número.

Dou um sorriso fraco pra ela.

- Obrigada por isso.

Marise é morena, ela tem a mesma altura que eu, mas um pouco mais de corpo. Casada com um cara advogado também, e que trabalha aqui na empresa lá no jurídico mesmo. François é amigo pessoal do senhor Duran, o dono disso tudo aqui.

Sempre me disse pra deixar de ser boba e que eu me esforçava sozinha nessa relação. Eu colocava a comida no prato pra Pierre e ela faltava morrer com isso, dizia que ele tinha mãos.

Na realidade ela já enxergava o que eu não queria enxergar, ou fingia que não enxergava.

O dia passa se arrastando e quando eu chego em casa subo pra meu quarto e sinto um golpe duro observando o lado do closet de Pierre vazio. Quarenta e seis cabides transparentes pendurados sem uma peça de roupa sequer, as gavetas estão vazias, a bancada de acessórios agora tem só o relogio que eu comprei pra ele e que eu deixei lá de manhã. Ele veio aqui enquanto eu estava no escritório.

Me livro da minha roupa e ligo o chuveiro deixando a água cair no meu corpo enquanto eu choro desesperada. A vida que eu sempre conheci está acabando.

Eu fracassei mais uma vez...

********

Segunda feira no escritório, vegetei o final de semana inteiro sozinha enquanto bebia chocolate quente e assistia comédias românticas em que mocinhas vivem amores verdadeiros e pra sempre.

A coisa mais patética, eu sei, mas quando se tem uma familia como a minha...

Bom, deixa pra lá.

Não vale a pena me estressar com isso agora, não mesmo, já basta o meu problema aqui. Deixo pra pensar em como contar depois.

Estou na copa enchendo uma xícara de café pra mim. A segunda feira é atípica, é dia dos filhos no escritório e eu sempre adorei ver esse lugar cheio de crianças, traz uma alegria. Eles são tão fofos. Já vi crianças aqui de todos os tipos, todos filhos de funcionários desse setor.

De repente uma garota com cabelos grossos, longos e marrons entra na copa. Não a reconheço, é esguia e delicada, tem um laço vermelho prendendo um penteado e olhos azuis acinzentados.

- Bonjour, você viu Marise?

Abro um sorriso pra ela.

- Bonjour, ainda não chegou. Posso te ajudar?

Logo depois vem um garoto um pouco menor que ela, o mesmo tom de cabelos e olhos.

A garota sorri pra mim e eu vejo as covinhas nas bochechas.

- Ah, não, eu queria vê-la.

Ela é linda, e acho que o garoto é seu irmão. Estão vestidos de maneira mais formal. Ela tem um vestido com uma leve roda e uma saia de tule por baixo, ele usa um suspensório claro em uma calça de Oxford.

- Como vocês se chamam?

Ela aponta pra si própria.

- Eu sou Coraline...

Depois aponta pro menino.

- Esse é Maxime, meu irmão.

Abro um sorriso.

- Nomes lindos vocês têm.

Coraline agradece e quando eu pergunto quantos anos eles têm ela me diz que vai fazer onze na semana que vem e que o irmão acabou de fazer oito.

Ela se despede de mim e sai com ele da copa, nem tive tempo de perguntar de quem são filhos. Quando minha amiga chega eu já estou na minha mesa.

- Isso aqui tá animado hoje, hein?

Concordo com ela.

- Eles são maravilhosos.

Infelizmente eu nunca pude participar de algo assim aqui. Um inferno pensar que agora Pierre vai ter uma criança pra levar nesse dia no trabalho e não é um filho meu.

- Pode parar de pensar naquele bosta.

Não respondo nada e ela me pergunta:

- Como foi o final de semana?

Dou de ombros.

- Normal.

Marise toca meu ombro e me conforta.

- Agora você vai começar a viver de verdade.

Que seja.

- Duas crianças procuraram por você aqui hoje.

Decido mudar de assunto antes que eu acabe chorando.

Ela me olha confusa.

- Por mim?

Ela e François não tem filhos ainda.

- Sim. Uma garota linda chamada Coraline e o garotinho é Maxime.

Marise abre um sorriso.

- Olha, ele trouxe os dois.

Questiono quem.

- Leon. Os meninos sempre foram doidos pra conhecer isso daqui, mas ele nunca trouxe.

Arregalo os olhos.

- O senhor Duran tem filhos?

Marise abre um chiclete e me oferece, enquanto eu nego com a cabeça ela diz:

- Os mantém sobre absoluto cuidado. Não quer exposição exagerada dos filhos, eles não são fotografados nunca pra gente de fora.

Hum, interessante.

- Nunca pensei que ele pudesse ser pai.

O senhor Duran é um homem bonito e podre de rico, de vez em quando aparece em algum evento com uma modelo novinha de braços dados, mas não é classificado como mulherengo. Ele é discreto. Viúvo há um pouco mais de oito anos, a esposa dele morreu pouco tempo depois de eu chegar aqui vítima de pneumonia. Eu tinha vinte e seis anos e comecei como assistente, nunca vi ele cara a cara, poucas vezes e de relance além das fotos.

Dizem que ele mudou um bocado depois que ficou sozinho.

Nós nos concentramos no dia de trabalho e depois que volto do almoço tenho uma surpresa desagradável. Um oficial de justiça me espera.

- Senhora Rose?

Franzo a testa já sabendo do que se trata.

- Eu mesma.

Ele me estende uma prancheta.

- Assine aqui por favor. Compareça no local e data marcados com quinze minutos de antecedência.

Pego o papel e respiro fundo quando vejo que Pierre deu entrada sem nem ao menos o advogado dele me procurar.

Marise pega a intimação da minha mão e me diz:

- Não se preocupa, eu cuido disso.

Voltei a ser Ágata Bouvier

Toma, passa esse aqui.

Marise me estende o batom vermelho cereja.

Estamos no juizado de conciliação pra começar a partilha de bens. Um inferno.

As contas conjuntas, aplicações, títulos do tesouro, a casa, os carros e tudo o mais que adquirimos juntos, hoje vão se separar.

Faço uma careta pra ela enquanto estamos sentadas.

- Pra quê esse batom?

Minha amiga revira os olhos.

- Pra você não entrar lá abatida desse jeito que está. Não vai deixar Pierre te ver no fundo do poço por causa desse divórcio.

Nego com a cabeça e respiro fundo.

- Não tenho cabeça pra isso.

Minha amiga segura nas minhas mãos me obrigando a olhar pra ela outra vez. Marise é mais jovem do que eu sete anos, mas tem uma confiança absurda em si mesma, coisa que eu não consegui ter em três décadas e meia de vida.

- Eu sei que está pensando que sua vida acabou, sei que se acha uma velha, mas isso é um absurdo. Você tem muita vida aí dentro, Ágata, sua história não vai acabar quando você entrar naquela sala e assinar aquele bendito papel. Eu espero que quando cruzarmos a porta no fim da audiência você renasça das cinzas que sua vida se tornou nesses últimos anos.

Luto contra as lágrimas, mas é em vão, elas correm pelo meu rosto.

- Eu estou tentando, amiga, por Dieu que eu estou, mas apesar de não ser uma garotinha mais eu me sinto como uma que vai ter que aprender a andar na marra porque ninguém quer mais pegar no colo.

A resposta dela pra mim me faz ficar pensativa.

- Pois essa garotinha vai perceber que é uma mulher com um belo par de pernas e que podem desbravar o mundo. Coragem, Ágata, coragem!

Pierre aparece com um homem mais baixo que ele, mas com um rosto sério. Ele não olha pra mim, nem um gesto de cabeça sequer, estamos feito dois estranhos. É o mesmo cabelo castanho já ganhando alguns sinais da idade, o mesmo formato de rosto com o queixo presente e másculo, o mesmo jeito de andar, mas é como se a pessoa que ocupa a casca que eu conheci por tanto tempo não fosse mais a mesma.

Um pensamento corre na minha mente de um jeito assustador:

💭Será que algum dia eu de fato conheci esse homem?💭

O vendo agora eu acho que a resposta é não.

Isso é mais assustador ainda.

Um funcionário vem nos chamar pra começar a audiência e nós nos sentamos em uma mesa retangular depois que uma mulher elegante aparece. Ela coloca um par de óculos grandes e redondos no rosto e lê a ata do processo.

- Senhor Pierre Rose?

Ele a responde quando percebe a atenção dela.

- Sim, excelência.

Depois a mulher olha pra mim.

- Senhora Ágata Rose?

Confirmo usando a mesma frase que Pierre.

- É de espontânea vontade e comum acordo que estão aqui hoje pra selar esse divórcio?

O advogado dele responde dizendo que sim e eu fico muda me sentindo humilhada mais uma vez por essa história.

- Meu cliente deseja encerrar essa união de maneira agradável e satisfatória para ambas as partes.

"Agradável e satisfatória".

A risada amarga fica entalada na minha garganta.

- Sua cliente está de acordo?

A pergunta foi feita para Marise.

- Desde que o senhor Rose não tente ocultar nenhum de seus bens, está sim.

A juíza arqueia a sobrancelha.

- E por qual motivo ele faria isso, doutora Barsiê?

Marise olha atentamente para os homens no lado oposto da mesa.

- O senhor Rose mantém um caso extraconjugal há dois anos com a assistente dele e ela está esperando um filho do referido senhor aqui presente. E tendo em vista que ele ocultou essa história por todo esse tempo, minha cliente e eu receamos que ele esteja escondendo algo mais.

O advogado de Pierre protesta.

- Meritissima, protesto. A insinuação da doutora Barsiê é algo sem fundamento, tentando atacar a honra e a moral do meu cliente com um assunto pontual e que não tem relevância aqui. Estamos presentes para tratar da relação conjugal de Pierre e Ágata, não de questões secundárias. Adultério não é mais contrário a moral neste país, desde que o congresso Francês votou isso há anos atrás, mas ao que tudo indica a advogada tenta transformar o meu cliente em vilão desnecessariamente. O senhor Rose deseja passar por esse processo de maneira amigável.

A juíza continua com a sobrancelha arqueada.

- Protesto aceito, senhor Marte, mas tenho que dizer aqui que traição neste caso não é um assunto secundário. Acredito que essa relação acabou por isso, e por mais que não seja crime neste país mais, ainda sim é algo relevante em uma ação como esta. Vamos nos ater a dissolução do problema.

Ela corre os olhos pelo papel novamente, procurando algo que seja pertinente ao que Marise disse, e para o meu desespero ela acha. Nossa história é de anos, mas ela encontrou algo bem recente.

- Consta nos autos que seu cliente saiu da casa situada no bairro Montmartre e agora vive em um apartamento próprio, quatro quartos no Latin Quarter. Esse imóvel foi adquirido há um ano atrás.

Levo um golpe ouvindo isso. Ele comprou um apartamento pra viver com ela muito antes de se separar de mim?

Não seguro o gemido baixo de desgosto com essa revelação e coloco a mão direita no meu peito. Marise faz um carinho no meu ombro e eu olho pra Pierre que desvia o olhar, ele não consegue me encarar.

A minha vida era uma mentira.

A juíza olha pra mim, acho que sentindo pena. Parece ter uma certa empatia comigo que talvez um homem não teria.

- Sua cliente quer fazer uma pausa?

Nego com a cabeça quando Marise me pergunta.

- Eu só quero acabar com isso logo. Sophie está grávida, não vou querer esse apartamento. Esse bebê não tem culpa. Desde que eu fique com a casa e a metade de tudo, eu assino o que tiver que assinar.

Sinto meu peito queimando de raiva.

Pierre usou nossas economias conjuntas pra adquirir um apartamento pra Sophie.

Graças a Deus a Juíza acelera esse processo e eu assino o documento com meu rosto lavado de lágrimas, mas sem emitir mais palavra alguma. Pierre sai apressado quando acaba e eu ando devagar com minha amiga, pra dar tempo dele ir embora de uma vez, mas é inútil. Assim que saio na porta do fórum eu avisto Sophie encostada em um carro.

Ela está usando um vestido roxo com uma faixa que marca a leve barriga que tem agora. Não é muito grande, mas pra mim que a conheço sem, já consigo ver diferença. Essa gravidez não foi descoberta há pouco tempo.

Pierre parece contar pra ela sobre o desfecho da audiência e a vejo sorrindo e abraçando ele. Meu agora ex marido faz um carinho na barriga dela e sinto a faca de dois gumes se afundar no meu peito.

Os dois vão embora e eu puxo o ar misturado com tristeza.

Agora voltei a ser Ágata Bouvier, e só me resta aceitar isso enquanto assimilo que a vida acabou de esfregar na minha cara o meu fracasso completo.

- Vamos fazer alguma coisa?

Solto o ar e respondo a Mari.

- Não, quero ir pra casa, mas agradeço pelo convite. Depois nós falamos mais.

Faço sinal pra um táxi e quando eu finalmente chego em casa, procuro por uma garrafa de bebida forte. Dispenso o copo e bebo no bico, subo as escadas com ela na mão e paro no meu quarto observando o closet.

Deixo a garrafa no chão e abro a gaveta de lingeries. Eu havia comprado algumas fantasias em um sex shop e sonhava que isso daria a nós dois algo novo.

Eu sou uma burra mesmo!

Rasgo as peças indecentes até se tornarem só fiapos. Bebo a maior parte da garrafa toda e tenho um acesso de loucura jogando as nossas alianças de casamento no vaso e dando descarga.

Saio pelo quarto outra vez e choro e grito feito uma louca, colocando pra fora todos os sentimentos acumulados dentro de mim. Quebro os porta retratos e tudo o mais que possa me lembrar de Pierre aqui.

Fui enganada, traída, humilhada, rejeitada no dia do meu aniversário e descartada por ter ficado velha e seca.

EU SOU PATÉTICA!

Ando de volta até o banheiro e pego os vidros de comprimidos, viro cinco diferentes na minha mão e ando de volta pra pegar a garrafa. Respiro rápido pra criar coragem e aperto meus olhos de uma maneira forte, quando abro a boca meu telefone toca. Eu sinto meu corpo pesar, deixo os remédios ao lado da garrafa e pego meu celular vendo que é Cristine, minha irmã.

É a caçula e única com a qual eu tenho uma boa relação.

📲🔊 - Oi! Senti vontade de te ligar, aí parei tudo e peguei o celular.

Desabo no chão.

📲🔊 - Oi, Cris... tudo bem?

Ela faz um instante de silêncio.

📲🔊 - Nossa Ági, que voz é essa?

📲🔊 - Nada, só comi algo que me fez mal. Não estou me sentindo muito bem.

O que ela me responde me faz morder a volta interna da minha mão esquerda, entre meu indicador e polegar, pra que eu não solte nenhum barulho que indique que estou chorando.

📲🔊 - Ah, entendi... bom, espero que melhore. Eu não vou mais te incomodar, só liguei pra dizer que te amo, desde que eu era um pingo de gente e entendi que você era a melhor irmã mais velha que eu tenho. Tchau Ági, muita saudade.

Encaro o telefone agora e não tenho coragem de continuar o que estava fazendo. Cristine é o meu bebê, me ama e me admira, não posso decepciona-la desse jeito.

Jogo os comprimidos fora e me enfio de baixo do chuveiro.

Um cansaço me atinge até os ossos e eu me apoio na parede pra não cair.

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