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Ela Mudou A Minha Vida!

Uma Oompa Loompa no caminho

Essa aqui é pra vocês que pediram, e pediram pela história de Bruninho, tanto nos comentários quanto na minha DM aqui.

Antes de começar eu quero dizer que Bruninho é pior do que o pai dele (e bem pior), mas que a protagonista não tem nada de semelhante com Olivia além da condição social. A aproximação deles vai acontecer de maneira errada, mas Bruninho vai encontrar alguém completamente diferente do que acha que gosta e que está acostumado.

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...ΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩ...

O despertador do celular toca e eu desligo sem nem olhar.

💭Eu preciso parar de beber tanto no domingo💭

Hoje darei o meu mínimo naquela empresa, e será o meu máximo. Eu só preciso que ninguém encha meu saco.

Me levanto da cama e ando até o banheiro pra tomar um banho frio e ver se eu consigo acordar mesmo.

*******

- Bruno, Bruno!

Levo uma sacudida e acordo vendo meu pai na minha sala. Dormi sentado na cadeira e nem percebi. Ele tira meus óculos escuros e faz uma cara ruim pra mim.

- Está de ressaca bem no escritório?

O tom de voz dele faz a minha cabeça latejar, eu não quero falar, então faço um gesto com a mão esquerda indicando que um pouquinho.

- Você é inacreditável.

Reviro meus olhos, mas paro no meio do ato, dói pra cacete.

- Eu exagerei ontem um pouco. Só preciso de um comprimido pra dor de cabeça e tudo certo.

Ele me pergunta se eu comi alguma coisa.

- Não, estava enjoado.

Meu pai pega o telefone da mesa.

📞 - Odete, você pode pedir pra trazerem um café da manhã bem gorduroso pra Bruno por favor? Com um café preto e forte.

Assim que ouve a resposta ele agradece e desliga a ligação.

- Filho, eu não vou brigar com você porque isso nunca aconteceu, mas vou pedir que não repita mais esse comportamento. Aqui não é lugar pra curar sua bebedeira, se estiver assim eu prefiro que não venha trabalhar.

Confirmo com a cabeça.

- Tudo bem, pai.

O senhor Barsamian me olha colocando as mãos nos bolsos do terno.

- Eu vim aqui pra te fazer um convite e falar da videoconferência com os japoneses. A reunião você obviamente não vai participar, não precisa se preocupar, mas o convite ainda vou fazer. Sua mãe quer conhecer sua namorada, leve ela lá em casa pra almoçar no domingo que vem.

Ah, que saco!

- Pai, a Dani não é minha namorada.

- Se ela não é sua namorada por qual motivo anda com ela pra cima e pra baixo e deixa ela te marcar em fotos no Instagram? Outra coisa, por que ela mandou uma mensagem até pra Audrey dizendo que estava doida pra conhecer a cunhadinha dela?

Como é que é?!

Franzo a testa enquanto me levanto pra procurar o tal comprimido pra dor.

- Pai, eu gosto da companhia dela, além do mais, Dani tem vontade de ser uma dessas blogueiras, estar comigo dá a ela a visibilidade que quer. Eu a ajudo, o senhor sabe que eu tenho um excelente coração.

Enquanto eu coloco água em um copo eu o vejo fechando a cara pra meu sarcasmo.

Estalo a língua.

- Ela mandar mensagem pra Mimi não era do meu conhecimento. Mas enfim, diga a mamãe que eu vou no almoço, mas sozinho.

O meu café da manhã chega e eu aproveito pra já dar uma boa golada no café que não tem açúcar nenhum.

- Ah, meu filho, não faz isso não.

Olho pra ele com a boca cheia.

- Isso o quê?

Meu pai parece falar com uma criança ainda.

- Se envolver com alguém que só quer te usar, só quer estar ao seu lado por conta de alguns benefícios que você possa oferecer.

Mastigo e engulo a comida antes de responder dessa vez.

Solto uma risada alta.

- Ai pai, eu uso a Daniela mais do que ela possa me usar. Ela acha que está preparada pra me dar uma espécie de golpe, sei lá, mas no fim das contas ela me tem só quando eu quero que ela me tenha. Eu não ligo de dar a ela alguns presentinhos quando ela faz valer a pena em cima de um colchão. Homem liso é que tacha mulher de interesseira, só de levar ela pra comer um dogão na esquina. Eu não abuso dela, no fim, é troca de interesses.

Meu pai me olha nos olhos.

- Credo, parece que voltei a ter menos de trinta anos e estou me vendo falando no passado.

Dou de ombros.

- É genética, senhor Bruno Souza Darbinian Barsamian.

Ele faz um bico.

- Ok, senhor Bruno Lacerda Viturino Barsamian Filho.

Faço uma careta pra ele, meu pai sabe que eu odeio quando dizem meu nome inteiro.

Ele sai da minha sala e eu termino de comer enquanto mando uma mensagem pra Dani.

📱- Quem te disse que você poderia mandar uma mensagem pra minha irmã?

Ela responde na hora.

📱- Ah, amor, eu quero conhecer sua família. Já tem seis meses que estamos juntos e até agora nada.

📱- Nós não estamos juntos, Daniela, eu te disse que não gosto de relacionamento.

📱- E eu vou taxar nós dois como, Bruninho? Estamos juntos quase todo final de semana.

Reviro os olhos vendo o erro de português.

Gostosa e burra, o pacote completo!

📱- Quem tem taXa é mercadoria, coisa de imposto. Pra gente é taCHa.

📱- Que seja!

Decido não render com ela. Não vale a pena.

**********

Estamos na terça feira já e eu atendo a ligação de Rodrigo.

Ele é meu primo, tem vinte e cinco, é quase dois anos mais novo que eu. Filho do tio Pedro e da tia Júlia.

📲🔊 - Fala comigo, Almodóvar.

📲🔊 - Escuta, Bruninho, sábado tem um rolê top pra ir. Lá na Savassi, naquele barzinho com música ao vivo.

📲🔊 - Tô dentro, mas só no sábado. Se eu chego na próxima segunda aqui ruim também meu pai me mata. Cheguei nesse lugar ontem só o pó da rabiola.

📲🔊 - Nem me fala, meu pai falou até babar na minha cabeça também. Mas então fica assim, pangaré, sábado às duas da tarde.

*********

É sábado, sol torando!

Eu preciso beber alguma coisa diretamente saída do c* da foca.

Um trânsito horroroso, parece que todo mundo resolveu tomar uma hoje. Mexo no som do carro enquanto vou cortando os motoristas tartaruga.

Quando Nog começa nos primeiros versos de Ciclone, eu canto junto com Costa Gold ainda prestando atenção nos comandos do som. Levanto meus olhos por instinto e graças a Deus eu tenho tempo de freiar em cima de uma doida panfletando no meio dos carros.

Eu só sei que é uma garota porque tem um cabelo comprido, em um castanho escuro e usa uma franjinha na testa, ela está vestida com um roupa larga e masculina. Num calor do cão desses.

Ela se assusta em um primeiro momento, mas depois esbraveja comigo.

 - Seu idiota! Comprou a carteira aonde?

O QUÊ?!

Desço do carro e fecho a cara, ela pisca algumas vezes por perceber que eu tenho quase o dobro do seu tamanho.

-Você entra na frente do carro feito louca porque está andando no meio do corredor e vem gritar comigo ainda? Você tem noção de com quem está falando?

A garota força um pouco a visão pra ler o colar masculino com um pingente escrito "Bruninho" que eu uso no pescoço.

- Tenho sim. Com um babaca barbado e homem feito já que atende pelo apelido de Bruninho e acha que é alguém na vida só porque dirige um carro caro. Vá se lascar!

Essa Oompa Loompa esfarrapada está mesmo falando isso comigo?!

Não tenho tempo de responder.

Um cara chega pra acudir ela.

- Mirela, tá tudo bem?

Ela olha pra ele e confirma com a cabeça.

Resolvo me intrometer.

- Olha, eu sei que gente que nem ela dá trabalho. Mas vocês não podem deixar que ela saia no meio dos carros assim e atrapalhe o trânsito.

O cara olha pra mim e eu consigo perceber que eles se parecem um pouco. Ele só é alto e tem um bom porte, devem ser parentes.

- Assim como ela? Não entendi...

Enfio minhas mãos nos bolsos enquanto percebo os carros começando a desviar do nosso incidente.

- Está na cara que ela é desequilibrada.

O cara faz menção de avançar em mim e eu já estou pronto pra acertar ele, não fujo de briga, mas a Oompa Loompa entra na frente.

- Por favor Tiago, não faz isso. Ele tem dinheiro, só a gente que vai se ferrar nessa história. Além do mais, eu tô com meu aparelho desligado, estou errada.

Ela mexe na orelha direita e vejo que liga o aparelho de surdez. Ele franze a testa pra ela.

- Você sabe que não pode fazer isso, é perigoso.

- Eu sei, mas estava doendo a minha cabeça já por causa da barulheira aqui. Temos que ir arrumar esse negócio.

Dou um sorriso de canto.

- Pois bem, se ela já admitiu que está errada, agora eu vou indo que tenho mais o que fazer.

Gente maluca!

Eu não tive um bom começo

...****************...

Me espreguiço na cama quando escuto Mariano, o galo, cantar.

Estamos no sábado e ultimamente tem feito muito calor, então eu já corro pro banho antes que Tiago acorde e fique uma vida no banheiro fazendo sei lá o quê.

Quando saio do banheiro enrolada no roupão eu encontro minha mãe. Ela se chama Maria das Graças, mas todo mundo chama ela de Graça, os mais íntimos a chamam de Gracinha. Minha mãe é baixinha e rechonchuda, está sempre usando blusas estilo ciganinha no decote e calças legging de várias cores diferentes, desde que não sejam berrantes porque ela odeia.

Uma vez Tiago deu uma laranja pra ela e automaticamente escutou: "Tá me chamando de botijão de gás?!", não foi uma boa idéia.

Ela fala alguma coisa, mas eu não consigo prestar atenção. Não estava preparada pra leitura labial.

 Dou um beijo nela e mexo no meu aparelho de surdez pra escutar melhor. Eu tenho uma deficiência parcial do lado direito, se chama perda auditiva moderada de segundo grau e eu tenho uma média de 67 DB. Do lado esquerdo eu tenho uma perda leve em uma média de 23 DB.

Ou seja, do lado esquerdo eu escuto quase que normalmente, mas tenho dificuldade com vozes baixas, a maioria dos ruídos do dia a dia são perceptíveis pra mim. Do outro lado, se eu estiver sem o aparelho ligado, eu só consigo compreender o que é dito se eu fizer leitura labial. Como é muito cedo, ela não vai falar mais alto pra não correr o risco de acordar meu pai que tem um carrinho de cachorro quente e noite passada foi vender no baile funk que tem aqui perto.

- Fala de novo, mãe, não consegui entender.

Ela sorri.

- Perguntei por qual motivo está acordada tão cedo.

Ah, foi isso?

- Calor demais já, quero tomar um banho antes de Tiago acordar.

Tiago é meu irmão e somos gêmeos, mas não somos filhos biológicos de dona Graça e do senhor Adalberto, nós fomos adotados com três anos de idade e foi um milagre termos achado um casal disposto a ficar com duas crianças de uma vez só, e uma problemática como eu. Mas um milagre mesmo!

Eles têm a mesma idade, cinquenta anos, e depois de cinco tentando arrumar um filho e nada, meus pais consideraram a adoção mais de vinte anos atrás. Uma fertilização seria caríssima, mesmo no programa do hospital das clínicas com os alunos da UFMG.

Ao contrário do que parece não precisa ser rico pra se adotar uma criança, você apenas precisa garantir que essa criança vai ter acesso ao básico, e ter conforto. O sistema é burocrático, o que espanta muito as pessoas, piora quando são irmãos e um deles tem problemas de saúde.

A minha genitora e de Tiago era moradora de rua, ela usava muitas drogas e não tivemos acompanhamento algum dentro da sua barriga, o que já era de esperar que aconteceria. Quando ela foi nos ter, já chegou lá sentindo as dores do parto, deram um banho nela e a colocaram numa maca, não teve tempo de um ultrassom sequer pra ver se tava tudo bem. Tiago saiu primeiro, e quando a médica que fez o parto tentou fazer o movimento pra colocar a placenta pra fora já que ela não saiu sozinha, percebeu que tinha outro bebê, e o outro bebê era eu.

Acontece que Tiago se deu bem, vamos dizer assim, e eu não tive tanta sorte. Ele sugou tudo que era bom na gravidez e eu quase não tive nada, nasci bem prejudicada, com uma hidrocefalia leve e passei pela primeira cirurgia com meses de vida. Tiveram que repetir ela outra vez e graças a Deus eu nao tive mais problemas com água no cérebro. Depois apareceu o problema de audição, uma porcaria.

A medida que o tempo passou e as pessoas foram no abrigo nos conhecer, ficou evidente de que não seríamos adotados juntos. Meu irmão tinha muitas chances, mas eu não tinha, e as pessoas não queriam separar irmãos gêmeos, seria uma crueldade sem tamanho, então apenas não nos levavam.

Quando nossos pais preencheram um cadastro marcando que não se importavam com o tipo de criança que viria, eles só queriam adotar, a moça do balcão lembrou de nós dois.

Foi aí que eles nos conheceram.

Na época meu pai era um metalúrgico e minha mãe uma professora de educação infantil. Ele tinha um bom convênio, ela uma funcionária pública municipal, com estabilidade, então estava tudo certo.

Mas logo vieram os problemas de saúde pra ela, que já não consegue mais andar tão bem assim, e ela aposentou por invalidez há dezoito anos atrás com um salário não tão bom assim, mas foi o que conseguiu na época. Foi bem aí que eu tive seis cistos sebaceos enormes na minha cabeça, incluindo um na minha testa que me deixou uma cicatriz funda, e tive que passar por outra intervenção quando tinha seis anos de idade.

Meu pai continuou trabalhando fora e eles conversaram bastante até que decidiram comprar uma casa em um bairro mais afastado usando o FGTS dele. Minha mãe teria espaço com nós dois, e nós sairiamos do aluguel e do apartamento de três quartos. O problema foi quando mandaram meu pai embora com quarenta e dois anos de idade e Tiago e eu ainda menores. Nós dois já éramos adolescentes com dezesseis, mas meu pai sempre teve medo de nos perder.

Ele não tinha mais o FGTS gordo, e ainda faltavam muitos anos de financiamento (que ainda faltam ainda). Ele passou uns três dias sem dormir, até que um dia quando ia na padaria ouviu um cara vendendo um carrinho de cachorro quente.

Meu pai sabia que não conseguiria fácil um emprego que o pagasse o suficiente, resolveu arriscar e comprou o carrinho pra vender as coisas. Depois de um tempo ele começou a perceber que daria certo, e resolveu arriscar de novo comprando uma saveiro usada pra adaptar e ir pra lugares mais longes com seu cachorro quente.

Tiago se virou e arrumou um emprego de telemarketing, onde ele vende planos de telefone por seis horas por dia e está nele até hoje. É bom no que faz, eles ganham folga no sábado sempre que batem meta e raramente ele não consegue.

E eu? Bom, eu tive muita sorte por ter sido escolhida por uma professora, por causa do meu problema de hidrocefalia leve eu não me desenvolvi na mesma velocidade que Tiago se desenvolveu. Demorei pra andar, consegui com apenas dois anos, e aprendi a ler e a escrever depois dele também. Nossa mãe me ajudou e eu corri atrás, sabe? Eu li muito, treinei muito a minha caligrafia e são poucas coisas hoje em dia nas quais eu tenho dificuldade ainda. Essas ficam mais no campo social.

Eu tentei arrumar um emprego também, mas não preciso nem de dizer que de telemarketing eu não consegui por causa do problema de audição. Tentei um no Mcdonalds, que seria outro sem me exigir experiência, mas não durei uma semana, o gerente da unidade me chamou e disse de um jeito polido " Sinto muito Mirela, mas você não corresponde ao perfil pró ativo, dinâmico e rápido que precisamos aqui", pois eu acho que ele queria ter dito " Mirela, você é retardada!".

Eu chorei muito na época, mas muito mesmo, eu fui criada com muito amor, sempre fui incluída em tudo dentro de casa e minha mãe sempre ia na escola brigar por mim quando eu sofria bullying, eu queria retribuir, mas ainda não era capaz de me moldar ao que eles exigiam.

Por fim, meu pai me colocou trabalhando com ele. Eu gosto dos dias da semana que tem pouco movimento e não me sinto perdida, mas não me dou bem com jogos e eventos em que ele vai. Acho que porque há um tempo meu aparelho está desregulado me fazendo ouvir as coisas mais alto do que deveria, e eu tenho juntado dinheiro pra comprar outro, só Tiago sabe disso, não quero dar mais um gasto.

A gente não vive mal, sabe, mas não tem dinheiro sobrando. Todo mundo aqui faz algo pra pagar as contas.

Minha mãe cria galinhas no quintal, nós vendemos elas mortas e já limpas na feira nos domingos, junto com os ovos. Moro em um bairro simples e tem uma favela aqui do lado que promove uma feira em uma rua grande, é um bom jeito de aumentar a renda. Além das galinhas e dos ovos, nós vendemos tempero caseiro batido.

Tiago além do telemarketing usa a cara bonita que tem em bicos por aí, teve um tempo em que ele sonhou em ser modelo, mas deixou de lado quando viu que a realidade pra gente era outra. As vezes ele tira umas fotos pra lojas de roupas masculinas, ou vai panfletar por aí. Hoje ele tem uma ação e vai me levar, é cem o dia mais o lanche e a passagem. Eu quero meu aparelho novo, então eu vou fazer o possível e o impossível.

Depois do aparelho eu quero uma boa câmera fotográfica, eu tenho uma mas é antiga já, ela não é ruim, mas também não é a melhor. Eu gosto de fotografar coisas e pessoas, fiz um book fotográfico do meu irmão e ele deixou algumas fotos por aí, foi até bom, ele conseguiu um trabalho ou outro.

********

Depois do café da manhã eu escuto meu irmão.

- GALINHA, GALINHA, GALINHA, GALINHA!

Ele sempre alimenta elas e ultimamente tem feito esse show.

Chego da porta da cozinha e o observo no quintal jogando farelo de milho no chão.

- Tem certeza de que precisa disso?

Ele me olha e dá de ombros.

- Eu me sentia ridículo fazendo: tic tic tic.

Dou uma risada alta. Meu irmão é a pessoa mais engraçada que eu conheço, apesar de não interagir com ninguém além da minha família a ponto de dizer isso de outro alguém.

Quando fez vinte ele se assumiu bissexual, e meu pai apenas disse:

- Tá se assumindo pra você, né? Porque sua mãe e eu acachávamos que você era é gay mesmo.

Minha mãe foi além:

- Gosta das duas frutas e não arruma ninguém. Que humilhação, Tiago!

Pois é, é assim que as coisas funcionam aqui.

Meu irmão termina de alimentar as galinhas e anda até enfiar a mão no meu saquinho com pães de queijo.

- A gente vai sair daqui uma hora, vou me trocar.

********

- Mirela, não vamos falar com a nossa mãe o que aconteceu não, tá?

Concordo com Tiago que fala comigo antes da gente abrir o portão.

- Uhum, ela vai encher meu saco porque eu estava na rua com o aparelho desligado.

Aquele cara era muito soberbo, me irrita gente assim. Mas eu estava errada, não teve o que fazer.

Se ele tivesse me atropelado a coisa toda teria sido pior!

Ando com Tiago até o quarto dele e vejo a mensagem no celular do dinheiro caindo na conta pelo meu pix. Eu corro no aplicativo e guardo na caixinha eletrônica.

- Quanto você já tem?

Tiago está tirando a camisa.

- Eu já tenho quatro e duzentos. Mais um pouco, só mais um pouquinho.

Tem mais de um ano que eu sofro com isso aqui, mas eu juntei cada centavo e estou perto. Eu tenho o contato de uma ONG, que custeia aparelhos auditivos, mas eu não consigo ganhar ele totalmente porque não me encaixo nos pré requisitos. Geralmente o aparelho para o meu tipo de problema custa quinze mil, isso falando do mais barato, mas pode chegar até trinta. É um carro popular pendurado na orelha. Eles vão custear nove mil e eu tenho que entrar com seis.

Ele se senta na cama de frente pra mim.

- Eu vou te ajudar também, uma amiga minha me disse que uma gerente de uma agência viu meu book e gostou. Fui chamado pra participar de uma seleção e acho que vai dar bom. Se não der, pelo menos um cachê de três mil eles pagam, nunca ganhei tanto assim, eu vou te dar o que falta.

Abraço Tiago com força.

- Não se preocupa com isso, eu me viro. Vou orar por você, você vai conseguir esse trabalho.

Eu não fujo de um desafio

...ΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩ...

É outubro e as coisas estão fervendo por causa do Natal que se aproxima.

Final de ano é sempre uma magia a parte no CD e na indústria. Eu amo isso aqui assim.

Hoje meu trabalho é na cozinha experimental, assumi o posto depois que me formei em gastronomia e fiz uma especialização em padaria.

Nas sextas geralmente eu tenho uma reunião com meu pai pra apresentar coisas novas e os produtos são feitos por mim. Desde a receita original até a finalização. Hoje estamos nos panetones pra loja gourmet.

Esse ano eu pensei em três diferentes.

Um panetone de castanha de caju, um panetone vegano e a minha obra prima: o bacontone!

Finalizo os três na frente do meu pai.

- Bacon com chocolate?!

Ele retorce uma careta enquanto eu parto um pedaço.

- É, senhor Barsamian. Prova antes de julgar.

Ele tira uma garfada e mastiga devagar, depois faz uma cara de surpreso.

- Olha, você vale mesmo o investimento caro.

Faço uma careta pra ele, mas somos interrompidos por minha mãe.

- E aí, já dá pra comer?

Ela experimenta todos e abre um sorriso no final.

- Ai meu filho, esta tudo divino. Vou chamar gente pra experimentar.

Minha mãe sempre dá prioridade para o pessoal da limpeza, ela trabalhava aqui nisso, são sempre nos primeiros que ela pensa.

Depois que eu passo no teste, olho pra meu pai.

- Agora é com o pessoal do marketing e da qualidade.

*********

Dani está deitada na minha cama quando eu chego em casa.

- O que você está fazendo aqui?

Ela sorri.

- Você não me procurou final de semana passado, eu vim pra te ver. Mal conversou comigo essa semana.

Tiro meu paletó.

- Estava muito ocupado.

Dani se levanta da cama e vem me ajudar a tirar a roupa.

- *Então vamos f*der gostoso pra você relaxar*.

Não é uma má ideia.

********

Depois do banho ela fala comigo.

- Vamos no baile lá perto de casa hoje.

Quer saber? Eu vou, eu quero meter o louco hoje.

- Vamos. Eu vou ligar pra Rodrigo.

Quando a noite chega eu saio com ela e com meu motorista, o Zé detesta me ver aqui, mas eu gosto do lugar. Tenho amigos aqui e conheci Dani justamente por causa do primo dela, o Felipe.

Ele foi tocar em uma boate na região Centro Sul e fizemos amizade, hoje o som é por conta dele aqui.

Eu não fico no meio do povão, sempre estou no palco, meio que no camarote. Felipe me passa um copo de Whisky e como toda vez, me oferece um baseado, que eu não aceito. Já basta a bebida que me atrapalha na academia, não curto drogas.

Rodrigo também não gosta, ele é mais careta que eu ainda.

De repente eu escuto Dani comentando com as amigas dela:

- Olha, a esquisita vai vender o dogão no lugar do pai dela hoje.

Viro a minha cabeça na direção em que elas estão olhando e vejo a garota de outro dia conversando com o cara que ajudou ela. Tem uma senhora junto também, mas o cara não fica muito tempo. Ele parece ter vindo só trazer as duas e dá um beijo na testa delas antes de sair.

Elas estão com uma saveiro cabine dupla branca, adaptada pra vender lanche.

A esquisita, como Dani disse, está de novo com roupas largas. Mas hoje ela usa uma jogger cinza e um blusão skatista Vans.

Dani se aproxima de mim.

- Me dá dinheiro pra comprar um podrão? Ela é estranha, mas o pai dela tem o melhor cachorro quente que eu já comi na vida. É ele que sempre vem aqui no baile, estranho não ter vindo hoje.

Seguro meu cigarro na boca e pego a carteira. Tiro duzentos reais e falo com ela pra trazer pra todo mundo.

Pra minha surpresa o negócio é bom mesmo.

Eu gosto de comida, trabalho com isso, e eles têm dois tipos de maionese caseira bem feitas. Eu só espero não pegar uma salmonela comendo isso.

Felipe olha pra mim.

- Olha, o playboy come comida de rua mesmo.

Mostro o dedo do meio pra ele.

- Decidi provar a comida da esquisita.

Ele ri quando eu pergunto porque a prima chamou ela assim.

- Ela se chama Mirela e tem um irmão gêmeo chamado Tiago. Eles moram no mesmo bairro que a gente e estudavam na mesma escola a vida toda. Mas a Mirela não é igual as meninas que agente tá acostumado, quer dizer, todo mundo tem uma fase estranha na vida, mas ela nasceu estranha e está nessa fase até hoje. Nunca interagia na hora do recreio, não fazia nada na educação física porque não podia. Eu lembro que a Dani e as outras meninas tentaram fazer amizade, mas ela era meio retardada, aí elas perderam a paciência. Ela foi crescendo e ficando pior, não importa o calor que esteja fazendo, ela sempre esta cheia de pano. Eu acho que ela deve ser uma baranga, apesar do rostinho ajeitado, mas o Otávio que mora do lado dela garantiu que viu uma vez ela vestindo uma blusa pela janela e diz que ela tem o maior peitão.

A gente não segura a risada.

- Mas qual o motivo do interesse?

Antes de morder mais uma vez o cachorro quente eu respondo a pergunta dele:

- Quase atropelo ela no sábado passado, lá na Savassi. Ela estava trabalhando na rua entregando uns folhetos de uma loja, ainda brigou comigo sendo que ela estava errada e andando no meio dos carros. Por fim ela admitiu que não estava com o aparelho de surdez ligado.

Enquanto eu volto a comer, ele cotinua falando.

- Iiiii, ela parece que anda no mundo da lua. Tem uma câmera fotográfica e fica tirando fotos das coisas. De vez em quando ela sai por aí com aquilo na mão. As pessoas de idade gostam dela, ela tira fotos deles, e revela pra dar de presente. Mas e aí, ela corou quando te viu?

Mais uma vez nós explodimos na gargalhada. Felipe está falando isso porque uma vez eu e Rodrigo estávamos disputando quem conseguia seduzir mais as mulheres e eu disse que fazia todas corar.

- Não, ela é louca. E não faz meu tipo.

Ouvimos Otávio dizer:

- Ela nunca nem beijou ninguém. Na época em que a gente tava brincando de verdade ou consequência e girando a garrafa, ela tava lendo livros. Tinha que deixar de ser burra e aprender a ler e escrever direito algum dia.

Rodrigo fecha a cara ouvindo isso, ele não gosta desse tipo de comentário depreciando as pessoas.

- Isso não é legal.

Os meninos dão uma zoada nele, chamam ele de almofadinha.

Mas Felipe fala comigo de um jeito diferente agora.

- Tá aí, Barsamian, uma mulher que o grande Bruninho não conseguiria pegar nem se quisesse.

Arqueio uma sobrancelha pra ele.

- Essa mulher não existe, Felipe.

Ele não titubeia.

- Eu pago pra ver. Vamos apostar.

Dou uma risada.

- Vai apostar o quê? Você não tem onde cair morto.

Felipe mexe no bolso da calça e tira a chave do Chevette tubarão dele. É um carro modificado com um bom sistema de som.

Isso chama a atenção de todo mundo.

Abro um sorriso pra ele, mas antes que eu diga que aceito, ele faz a aposta de verdade.

- Você tem que fazer a esquisita se apaixonar. Ser o primeiro tudo dela, quando você conseguir, o carro é seu!

Estendo a mão direita pra pegar na mão dele, mas Rodrigo segura meu braço.

- Bruno, eu sei que a gente age feito dois idiotas na maior parte das vezes, mesmo sendo homens já feitos, mas esse é um limite que não dá pra ultrapassar, cara. Pelo amor de Deus, você vai fazer vinte e sete anos mês que vem, isso não condiz com quem você é.

Puxo meu braço e olho pra Filipe.

Eu não tô nem aí se estou indo na onda de um cara com menos de vinte e quatro anos, eu fui desafiado aqui.

Bruno Barsamian Filho não foge de um desafio.

- Eu aceito Felipe. Vou ser o primeiro tudo daquela garota e você vai ficar sem o seu carro, se eu não conseguir em seis meses, te dou um milhão de reais!

Ele aperta a minha mão com vontade.

- Agora vocês me dão licença, que eu quero outro cachorro quente.

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