Uma rua deserta, com poucas luzes, cenário perfeito para um maníaco atacar sua vítima. E, nesse caso, a vítima sou eu. Corro o mais rápido que posso, minhas pernas doem, meu coração bate tão rápido que estou vendo a hora de ele sair do meu corpo.
Meus pulmões lutam para me manter viva, suportando o ar rápido que coloco dentro deles, mas não posso parar de correr. Aquele que quer me fazer mal está logo atrás de mim.
Viro a esquina e me deparo com uma descida enorme, e eu corro, corro até não poder mais. Só que no meio do caminho há um buraco, e acabo tropeçando e rolando ladeira abaixo.
Faço força para me levantar, pois estou toda machucada, mas assim que ergo o meu corpo do chão, ele me segura forte.
— Te peguei, não vai mais fugir...
Desperto do meu pesadelo com tudo. Estou na minha cama, totalmente suada. Apesar de agora eu ser uma pessoa normal, meu passado sempre parece assombrar-me. Me levanto para mais um dia de trabalho.
Me chamo Virgínia Félix, tenho 19 anos e trabalho em uma droga de lanchonete, que só atrai caras que parecem nunca ter visto uma mulher na vida. E quando não são eles, são as mães que trazem seus filhos que não param quietos, só sabem quebrar as coisas.
E sempre sou eu a besta que tem que juntar tudo. Copos, pratos, tudo vai parar no chão por causa das malcriações deles. Se eu tivesse um filho, daria umas palmadas, para não fazer isso nos lugares alheios.
Deus me livre! Me benzo três vezes. Aos 15 anos, fugi do orfanato, e foi a pior coisa que me aconteceu, encontrei uma pessoa má, que quase me fez parar na psiquiatria.
Voltei para o orfanato grávida com a maior cara lavada. Tive sorte das freiras me aceitaram de volta. Mas quando a criança nasceu, não consegui vê-la nem segurá-la. Pois, as irmãs logo encontraram um casal que o adotou. Mas durante o tempo que ele passou no orfanato, elas não me deixaram ficar perto do meu bebê.
Me arrependo muito por isso, mas por um lado foi bom, pois, não teria dinheiro para dar uma vida de conforto para ele, ou ela. Não soube nem do sexo, elas esconderam totalmente ele de mim.
Mas agora eu fico enlouquecida quando ouço birras para que a mãe compre algo, que às vezes, elas nem têm condições de adquirir. Mas, para evitar passar vergonha, acabam cedendo e dando o que eles querem.
Eu largaria ali no chão mesmo e iria embora. Haja paciência para tantas malcriações. Termino meu serviço agradecendo a Deus, um dia a menos para o dia do meu pagamento. Só trabalho aqui porque é perto da minha casa, mas nem pagam bem.
Concluí meus estudos dentro do orfanato, mas não tive condições para pagar uma faculdade, então me escravizo na lanchonete.
Não tenho pai nem mãe, sou filha do vento misturado com a chuva. Fui abandonada na rua quando era um bebê, como se fosse um cachorro, fui levada ao hospital e acabei no orfanato.
Ah, o orfanato. Sofri como se fosse uma condenada lá dentro. Quando não eram as freiras puxando a minha orelha por estar fazendo travessuras de criança, eram as outras crianças colocando formigas na minha cama.
Só fui bem cuidada quando estava grávida, depois voltei a ser tratada como uma menina que ninguém quer. Era um saco. Não sei como sobrevivi. Mas mantive firme até o fim, porque não gosto de deixar nada pela metade.
Tiro meu avental e coloco dentro da mochila, depois a coloco nas costas. Saio sem nem me despedir, até porque eles nem gostam de mim, só me suportam porque eu faço bem o meu trabalho, e o chefe é meu parceiro, sempre me ajuda quando estou apertada, principalmente quando gasto mais do que ganho.
Meu maior erro é o cartão de crédito é uma maravilha quando está gastando, mas o rombo que ele deixa faz você até chorar. Além de levar todo o seu dinheiro, ainda por cima te deixa devendo. E se não pagar tudo, você fica no perrengue o mês inteiro, duro igual bambu seco.
Vou caminhando pela calçada até ouvir um miado de gato. Mas está muito estranho. Então vou seguindo o barulho e me deparo com algo se mexendo atrás dos sacos de lixo, e quando eu puxo o pano, tem uma criança no meio delas.
— Mamãe?
— Que mamãe o quê, menino? De que buraco você saiu?
Olho ao redor, mas não há ninguém na rua. Às 22:00 horas, seria um milagre enorme aparecer uma alma viva aqui. Coço minha cabeça sem saber o que fazer. Já passei por isso, mas não me lembro, já que eu era menor do que ele na época.
Pego o pano e o cubro de volta. Esse problema não é meu, e não vou me meter nessa enrascada. No entanto, conforme me afasto, começo a ouvi-lo chorar mais alto. Bufo, e não vai ter jeito, vou levar ele para minha casa hoje, e amanhã cedinho levo ele para o hospital e o deixo lá.
Pego ele no meu colo, e ele é tão cheirosinho, que me faz pensar que alguém deixou ele cair ao invés de abandona-lo.
Ele deita a cabeça no meu ombro e dorme. Subo as escadas do prédio, até o 5° andar. Se subir isso sozinha é um sofrimento, com um peso a mais é quase impossível.
Tive que parar em cada andar para respirar, pois ele pesa muito. Enfim eu chego e o coloco sentado no sofá, e esfrego os meus braços para ver se eles ainda existem. Ele se levanta com tudo, dando um pulo do sofá chamando pela sua mãe.
— Eu quero a minha mãe.
— Calma tá, eu vou encontrar sua mãe, não sei como, mas vou. Caramba você pesa em pequeno. — Ele olha para minha casa com os olhos assustados. — Não precisa se preocupar com a bagunça, elas não vão te morder. Amanhã você estará na casa dos médicos. Só não chore a noite e nem mije na minha cama, se não eu te levo hoje mesmo entendeu?
Dirijo-me à cozinha e preparo dois copos de suco, um para ele e outro para mim. Em seguida, coloco alguns biscoitos em um prato e os levo até ele. Seus olhos examinam os biscoitos antes de finalmente pegar um. Fico pensando se ele é filho de alguém rico, talvez acostumado apenas com frutas e verduras.
Se for esse o caso, ele terá dificuldade aqui, já que não tenho nenhuma fruta à disposição. Como um biscoito, dando a entender que também é uma opção saborosa. Ele olha receoso, mas acaba pegando e experimentando.
De repente, o som de bombinhas ecoa, me assustando, e o menino começa a gritar descontroladamente. Corro até a janela e a fecho com rapidez, mas estou preocupada em saber como acalmá-lo agora.
Ele corre até mim, agarrando minhas pernas como se fosse um pequeno carrapatinho. Com cuidado, me abaixo para desgrudá-lo da minha perna, mas ele rapidamente se agarra ao meu pescoço. Mesmo entre os soluços e lágrimas, ele não quer me soltar.
Sinto uma onda de compaixão, surpreendendo a mim mesma. Deve ser difícil para ele, provavelmente vindo de um lugar onde só se ouvem os cantos dos pássaros, sendo assustado por explosões. Com ele no colo, me dirijo ao meu quarto. Deito-me com ele na cama e passo a mão para verificar se ele usa fraldas, mas descubro que não usa.
— Você precisa fazer xixi?
— Não, xixi não.
— Tudo bem então. Se você fizer xixi na cama, eu corto seu pipi fora, está bem?
Abraço ele e acaricio seu cabelo até que ele adormeça. Estou tão exausta que acabo pegando no sono também. No entanto, sou despertada por algo molhando minhas costas, e quando abro os olhos, percebo que o pequeno fez xixi na cama, transformando-a em um lago de mijo.
— Ah não, não posso acreditar nisso. Você disse que não precisava fazer xixi. — Começo a chorar desesperadamente ao ver minha cama encharcada.
Levanto-me furiosa, mas o menino permanece dormindo, aparentemente alheio ao que aconteceu. Olho pela janela e percebo uma série de viaturas estacionadas na rua, o que desperta minha curiosidade para saber o que está acontecendo, já que esta rua é a mais tranquila da cidade.
Sinto um sobressalto quando o menino se agarra à minha perna, e começo a pensar em como levá-lo ao hospital e sumir sem que ninguém perceba. Pego sua mão e o levo para tomar um banho, pois o cheiro de bebê que ele tinha quando chegou aqui, foi para o ralo, ele tá todo catinguento agora.
Após o banho, estou mais encharcada do que ele, mas pelo menos ele está limpo e cheiroso. Sorte minha que também vou tomar um banho. Visto uma das minhas camisetas nele e o coloco em uma poltrona, onde ele assiste televisão e come biscoitos enquanto eu finalmente tomo meu banho e me esforço para eliminar o odor de mijo infantil que ele deixou em mim.
Saio do banheiro e encontro o menino sentado no tapete, entretido com alguns objetos de plástico que uso como enfeite. Enquanto me visto, olho pela janela e percebo que as viaturas ainda estão na rua. Decido pegar o menino no colo, verificar o que está acontecendo e aproveitar a oportunidade para levá-lo ao hospital antes de ir à lanchonete.
Ao descer, ele deita a cabeça em meu ombro, e me deparo com uma cena perturbadora: uma pessoa está deitada no chão, coberta por um pano metálico, mas o sangue se espalha pelo canto da rua. Alguns curiosos se aglomeram, esperando para ver o desenrolar da situação, e eu estou no meio dessa cena com uma criança nos braços.
Muitas pessoas me observam, curiosas, e percebo que estão interessadas em saber de quem é o menino. No entanto, como não sou alguém que socializa com elas, ninguém tem a coragem de me fazer perguntas. Se o fizessem, eu simplesmente diria que ele é filho do vendedor, assim pelo menos as pessoas pensariam que ele tem uma mãe em vez de saber que alguém o abandonou como lixo. Se eu não tivesse ouvido seu choro, o caminhão teria esmagado a vida dele. Algumas pessoas são realmente sem coração, nem merecem ser chamadas de mães.
Enquanto observo a cena, o vento repentinamente revela parte do corpo da vítima, o suficiente para identificar que é uma mulher. Curiosa, tento ver melhor, mas então sinto uma mão me puxando para longe da multidão. Sou levada até um beco, e percebo que, se essa pessoa tentar fazer algo comigo, não poderei me defender, já que estou segurando uma criança nos braços.
— Por favor, moço, não faça nada. Meu filho é apenas uma criança.
— Ele não é seu filho.
Olho para o homem e depois para a criança. Ele estende as mãos para o homem, que prontamente o pega.
— Bem, se você o conhece, então fique com ele. Eu estava prestes a levá-lo para o hospital, mas agora tenho que ir para o trabalho.
— Não posso ficar com ele. Ele estará mais seguro com você.
— Comigo? Ele vai passar fome. Eu como no trabalho para não ter despesas. Não tenho condições de cuidar de uma criança. Trabalho o dia todo e não tenho dinheiro para pagar por uma babá.
O homem acaricia a cabeça do menino, que está agarrado a ele. Em seguida, ele sussurra algo no ouvido da criança, que acena e estende as mãos na minha direção, implorando para que eu o segure. No entanto, eu balanço a cabeça negando e insisto que ele não tem relação comigo.
Enquanto tento sair do beco, dois homens aparecem na minha frente, apontando armas na minha direção. Com cautela, começo a recuar, voltando para perto deles.
— Por favor, não faça isso, moço. Deixe-me ir, eu prometo que não direi nada a ninguém sobre isso.
— Você cuidará do menino, não precisa se preocupar com as despesas. Eu pagarei por tudo.
— Não posso. Não tenho jeito com crianças. Deixarei ele no hospital se você não o levar consigo.
Os olhos do homem se enchem de fúria, e embora ele fale com aparente gentileza, seu olhar é gelado, ameaçador, como o de um matador, fazendo-me tremer. Caminho para trás até bater nas costas da parede, e ele me segue, olhando-me com uma expressão raivosa. Olho desesperadamente para os lados, mas não vejo uma rota de fuga. O que esse sujeito maluco quer de mim?
Ele coloca a mão no terno, e eu fecho um dos meus olhos com medo. No entanto, ele retira um cartão de crédito com a senha anexada atrás e me assegura que não é rastreável.
— Pode ficar tranquila, com isso, não seremos rastreados. — Ele então me encara, seus olhos gélidos transmitindo um temor profundo. — Se você deixar o menino no hospital, não sobreviverá nem mais um dia.
A ameaça é clara, e seu olhar frio me faz estremecer.
— Acho que minha opinião acaba de mudar, sim. Mas assim, não terei que pagar a fatura não né? Pois não tenho dinheiro nem para mim.
— Você não terá que pagar a fatura, tudo que eu preciso é que você cuide dele como se fosse seu filho.
Ele sorri de um jeito que não me deixa muito confortável.
— Mas saiba que vou estar de olho para garantir que esteja tudo em ordem. Se você tentar me passar a perna, não hesitarei em te matar.
— Meu "potinho de ouro" será bem cuidado, pode ter certeza disso.
Pego o menino de volta no colo, e ele me diz que manterá contato comigo. Ele pega uma caixa de celular das mãos de um dos homens que me ameaçaram, entrega a mim e instrui que eu o mantenha sempre carregado, pois essa será a nossa forma de comunicação.
Ele dá mais um beijo na criança e se afasta pelo outro lado do beco. O menino deita sua cabeça no meu ombro, observando o homem se afastar. Fico imaginando se ele seria o pai da criança, mas logo descarto a ideia, afinal, se fosse, teria levado o filho consigo, e a criança não o chamou de pai.
Decido verificar se o cartão realmente tem fundos. Passo pelos policiais e vou até um mercadinho, comprando algumas coisas para alimentar o menino. Surpreendentemente, o cartão é aprovado sem problemas, enquanto o meu próprio leva cerca de 20 segundos para a aprovação, como se estivesse contando os trocados para ter certeza de que há dinheiro suficiente.
Carrego as sacolas para casa e coloco o menino no chão. Subo as escadas lentamente, exausta. Uma eternidade depois, finalmente chego ao meu apartamento. O menino vai direto para os meus enfeites que ele deixou no chão.
— Bem, pequeno, acho que teremos que nos adaptar. Eu não sou fã de crianças, mas gosto da minha vida. Vou ter que aprender a gostar de você. Só espero que você não me enlouqueça nos dias que passaremos juntos.
Mas agora, quanto tempo terei que cuidar deste menino? Encosto-me à mesa, ponderando sobre essa nova realidade. Consulto o relógio e percebo que tenho que ir trabalhar em uma hora. Como vou lidar com a situação de levá-lo junto, considerando que o homem não me forneceu nenhum documento ou informação sobre ele? Nem sequer sei o nome dele.
Me aproximo do menino, sentando-me no chão ao lado dele.
— Ei, garoto, como você se chama?
Ele me olha e sorri. Repito minha pergunta, e com uma vozinha, ele finalmente responde.
— Nando.
— Fernando? — ele balança a cabecinha, concordando. — E quantos aninhos você tem?
Ele ergue a mãozinha e esconde o polegar e o anelar, e mostra três dedos, indicando que tem três anos.
Levanto-me e começo a preparar a refeição. Enquanto isso, meu celular toca, e é meu chefe, pedindo se posso começar a trabalhar mais cedo porque uma colega ficou doente. Explico a ele que terei que levar meu sobrinho, já que estou cuidando dele, e ele concorda, contanto que o menino não quebre nada, posso levá-lo.
O problema é que a criança ainda está usando minha camisa, então preciso passar em uma loja para comprar roupas para ele. Pego o cartão de crédito e o menino, saio do apartamento e encontro uma loja rapidamente. Compro uma peça de roupa para ele e, em seguida, vou para o trabalho.
Ele é tão fofo que deixa todos na lanchonete encantados, algumas até brincam com ele, mas como se tivesse falando com algum cachorrinho, tudo no diminutivo, me deixando com raiva disso.
— Ele é uma criança, não um animal. Não falem assim com ele, se não ele vai aprender a falar tudo errado.
— Ah, é assim que se fala com criança, sua tonta, né, bebê? Que coisinha mais lindinha...
Aff, tudo no diminutivo é meio brega demais. Uma das colegas pega o Nando no colo, e eu começo a organizar as mesas. O primeiro cliente entra e fica olhando para mim e para o Nando. Olho ao redor para ver se há outra pessoa que ele possa estar olhando, mas não, é para mim mesma que ele está olhando. Uma das colegas me chama para atendê-lo, ela segura o Nando, e eu vou atender o cliente.
— Seu filho é muito bonito, como ele se chama?
— Fernando. O que o senhor vai querer?
— Sabe, moça, minha esposa e eu não podemos ter filhos. Será que posso te oferecer dinheiro por ele?
— Desculpe, mas ele não está à venda. Ele é tudo o que tenho.
Ah, o melado de mãe é assim? Ele sorri e pede um pedaço de torta de frango e uma coca-cola. Anoto seu pedido e entrego a comanda para as colegas. Pego o Nando de volta do colo, já que ele está esticando os bracinhos para que eu o pegue.
— Desse jeito, eu não vou conseguir trabalhar. Vou encontrar um lugarzinho para você ficar e, por favor, fique comportado até eu voltar, ok?
Ele balança a cabecinha concordando, e eu o levo até a cozinha. Lá, ao lado, há um quartinho com uma TV, onde as colegas costumam ficar na hora do almoço. Deixo-o lá, coloco um desenho para ele assistir e peço que não saia. Ele pega alguns objetos que encontra e começa a brincar, fingindo que são carrinhos.
Volto ao trabalho, e percebo que o homem que tentou comprar a criança já se foi e não deixou uma gorjeta sequer. Toda hora vou até o quartinho para verificar como ele está, e ele sempre parece tranquilo, talvez seja a primeira criança que obedece tão bem às instruções.
Saio do quartinho e vejo três homens de terno conversando com uma das garçonetes. Ela aponta na minha direção, e eles começam a se aproximar.
— Cadê o menino? — Um deles pergunta com uma expressão muito séria, o que não parece ser algo bom.
— O pai veio buscá-lo para levá-lo ao parque. — Respondo rapidamente, tentando manter a situação sob controle.
Eles se entreolham, e um dos homens saca uma arma e a aponta para mim. Será que tudo que rodeia esse menino, está ligado a ameaçar seus cuidadores?
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