Nininha
Enquanto galopava com Ventania pelo vale verdejante do rancho, o som de suas patas ecoava ao redor, éramos parte da fusão de elementos desta vasta natureza. Seu pelo branco, como a neve, fluía ao vento, ecoando a liberdade que compartilhávamos neste momento.
Ventania corria velozmente, sua crina e meus cabelos castanhos dançavam com o vento. Éramos duas espécies diferentes, mas compartilhávamos a mesma sintonia, a sensação de liberdade nos unia como dois espíritos livres. Um sorriso brotava no meu rosto ao contemplar o horizonte.
Segurei suavemente em suas crinas e sussurrei perto de sua orelha:
— Isso é lindo, não é, amigo?
Como se entendesse, ele relinchou e se ergueu comigo em suas duas patas traseiras. Abri os braços, meu cabelo ao vento, um sorriso nos lábios, a brisa acariciando meu rosto. Gritando, eu disse:
— Vamos correr, Ventania, como os espíritos livres que somos!
Ele disparou novamente, mas ao longe, vi homens trabalhando na cerca que dividia o rancho do meu pai. Um homem destacava-se entre eles, alto, vestido de preto, virado na minha direção.
Enquanto Ventania corria, o homem montou um cavalo preto e nos seguiu.
— Vamos, corra, Ventania! — pedi, percebendo que ele se aproximava cada vez mais.
Olhei para trás e vi o homem, separado de nós apenas pela cerca de arame farpado que dividia nossa propriedade. Ele nos alcançou, mas Ventania, mostrando sua verdadeira velocidade, desafiou o cavalo negro dele.
Quando nossos cavalos se viraram frente a frente, mantivemos o olhar fixo. O som de um trovão irrompeu, mudando não só o clima, mas parecendo indicar uma mudança iminente em minha vida.
Após os cavalos se acalmarem, nos encaramos ainda mais. Ele desceu do cavalo, observando-me de cima a baixo. Em resposta, analisei suas roupas caras, intrigada com o motivo desse encontro repentino. Seus olhos azuis buscavam compreender quem eu era, refletindo minha própria curiosidade sobre ele.
Continuávamos a nos observar. Notei como ele é alto e imponente, exibindo um porte que transmite confiança. Seus cabelos, um tanto compridos, alcançavam o pescoço, e parte deles estavam amarrados no topo da cabeça, enquanto o restante fluía solto até a nuca, exibindo uma tonalidade vermelha intensa que combinava com seu cavanhaque. Definitivamente, ele é um homem atraente.
Seu olhar permaneceu fixo em mim, no vestido branco, um pouco surrado, que eu usava, e então se concentrou nos meus pés sujos de lama. Nossos olhares de curiosidade e mútua avaliação pairavam entre nós, carregados de uma aura de mistério e interesse.
Os pingos de chuva caíram com força, rompendo o momento de conexão silenciosa que estávamos experimentando. O céu se abriu em uma tempestade súbita, o vento aumentou sua intensidade, e o que parecia ser o início de algo inesperado foi interrompido.
Com pressa evidente, dei meia-volta com Ventania e retornei rapidamente para casa. Cada gota de chuva se mesclava às lembranças do encontro repentino, como se a água lavasse não só o exterior, mas também os vestígios daquele encontro enigmático.
Enquanto galopava de volta, as imagens daquele homem alto e enigmático, e o silêncio carregado de significados, assim como o convite silencioso para caminhar juntos, continuavam a ecoar na minha mente, misturando-se ao som da tempestade que crescia ao redor.
Ao me aproximar da minha casa, rústica mas acolhedora, avisto minha mãe, Amélia, parada na porta. Encaminho-me ao curral, deixando Ventania lá, protegido e abrigado da chuva.
Enquanto passo correndo por minha mãe em direção ao banheiro, ela grita:
— Olha a quantidade de lama que você trouxe para dentro, Nininha! Você vai limpar isso, senhorita!
Já do interior do banheiro, grito sorrindo:
— Tudo bem, mãe, eu limpo. Não precisa ficar estressada.
Após o banho, optei por vestir outro vestido simples de cor azul. Enquanto me observava no espelho da porta do meu guarda-roupa, sorri ao perceber a contradição entre minhas vestimentas.
Visto que moro em um sítio e adoro cavalgar com Ventania, deveria utilizar roupas adequadas para isso, mas tenho um carinho especial pelos meus vestidos surrados e adoro estar descalça.
Enquanto penteava os cabelos, a imagem daquele homem voltava a rondar meus pensamentos. Será que ele é o proprietário da fazenda vizinha? Por que ele me seguiu?
De repente, minha mãe bate à porta do meu quarto, interrompendo meus pensamentos.
— Nininha, o jantar está pronto, vem.
Sorrindo, pego meu broche de flor branca e o prendo no meu vestido, como um adereço sutil e peculiar que aprecio muito. Tenho uma variedade de broches para combinar com cada vestido que uso.
Ao me olhar no espelho, sinto-me bonita, apreciando o reflexo, mas então minha mãe grita tão alto que quase fico surda.
— Nininha Alvarenga, você não ouviu quando te chamei para jantar!?
Fechei a porta e saí correndo, pois sempre que minha mãe me chama pelo nome completo, é sinal de que está furiosa comigo.
— Desculpe, mãe, estava distraída. — digo enquanto me aproximo da mesa do jantar.
Enrico
Chegando à casa da fazenda, ainda estou com dor no pé devido à queda do cavalo. Sorte que a garota já tinha ido embora nesse momento, ou teria testemunhado minha queda como se eu fosse uma fruta podre.
A chuva também contribuiu muito para isso, e o cavalo assustado com uma cobra me derrubou com força. Agora estou sendo amparado pelo meu segurança, Félix.
Minha irmã, ao me ver chegando apoiado, corre em minha direção perguntando:
— Enrico, o que aconteceu? Você está bem?
Suspiro profundamente enquanto passo por ela e respondo:
— Eu pareço bem para você?
Ela mostra a língua para mim, como se fosse uma criança de 6 anos, não uma garota de 18 anos, e diz:
— Você é um ogro. Eu perguntei porque me preocupo com você.
Ela então passa correndo por mim, indo se trancar em seu quarto novamente. Nesse momento, digo a Félix enquanto ele me ajuda a entrar em casa:
— Pode ir, Félix. Eu me viro agora.
Ele concorda e sai, me deixando sozinho em um momento reflexivo na sala. Percebo que fui duro demais com minha irmã. Apesar de ela me ver como um ogro, eu a amo muito.
Após o acidente de carro que levou nossos pais quando ela tinha 9 anos, fui obrigado a amadurecer cedo para cuidar dela. Naquela época, com 18 anos, tive que me virar.
Hoje aos meus 27 anos, vejo o quanto expandi os negócios da família. Liderei os negócios com firmeza e agora possuo várias empresas em diferentes países.
Decido tomar um banho, já que estou todo molhado devido à chuva, e depois vou conversar com minha irmã. Enquanto vou para o quarto e me encaminho para o banheiro, a lembrança daquela garota invade minha mente.
Quem é aquele anjo selvagem? Foi assim que a vi naquele momento, como um anjo cavalgando naquele cavalo. Um anjo selvagem. O mistério em torno dela me intriga. Quem poderia ser ela? Foi um encontro tão inesperado e rápido, porém deixou uma impressão marcante em minha mente.
O que me motivou naquele momento? Por que decidi segui-la daquela maneira? Por que alguém tão livre como ela mexeu tanto comigo? Além disso, ela parece ter a mesma idade que minha irmã.
Após o banho, envolvo a toalha na cintura e paro diante do espelho da pia, encarando meu reflexo. Falo comigo mesmo:
— O que deu em você, Enrico Montenegro? Controle, lembre-se disso. Mantenha o controle.
Neste momento, opto por priorizar a conversa com minha irmã antes de me perder em reflexões sobre este encontro intrigante. Após sair do banheiro, visto uma calça de moletom e uma camiseta preta, e calço os chinelos. Enquanto seco meu cabelo com a toalha, decido deixá-lo solto, sem prendê-lo.
Dirijo-me ao quarto da minha irmã e, batendo na porta, digo:
— Carol? Ei, irmã, posso entrar? Precisamos conversar.
Carol exclama de dentro do quarto:
— Sai, Enrico! Não quero conversar com você. Você nunca me entende. Você é um ranzinza, isso sim.
Suspiro profundamente, sentando-me perto da porta, e respondo:
— Eu sei, Carol, sou assim mesmo. Me perdoa, não deveria ter sido rude contigo. Estava um pouco irritado. Desculpa, irmã.
Um breve silêncio antecedeu o som da porta destrancando. Ergui-me rapidamente, apesar da dor persistente no pé por não ter tomado a aspirina, algo que poderia esperar.
Minha irmã, ou melhor, minha irmãzinha, abriu a porta. Seus cabelos vermelhos, assim como os meus, caíam suavemente sobre suas costas. Seus olhos cor de caramelo lembravam os da nossa mãe.
Puxei-a para um abraço e ela correspondeu prontamente. Carol sempre pareceu ainda menor diante do meu tamanho. Enquanto herdei muitas características do nosso pai, o cabelo ruivo é algo que ambos compartilhamos.
Após o abraço apertado, depositei um beijo no topo de sua cabeça e disse:
— Eu te amo, maninha. Mesmo que às vezes não pareça, tá legal?
Um sorriso iluminou o rosto dela enquanto concordava com a cabeça, parecendo mais aliviada com nossa conversa. Ela me conduziu até seu quarto e sentou-se na cama, enquanto eu ocupava uma poltrona próxima.
Curiosa, ela perguntou:
— Agora me conta, o que realmente aconteceu? Como você machucou o pé?
Expliquei o incidente com o cavalo e a chuva, tentando suavizar os detalhes para não preocupá-la demais. Narrei de forma mais serena, assegurando que estava tudo sob controle e que logo estaria bem.
Ela ouviu atentamente, preocupada, mas aliviada por saber que não era algo muito grave. Conseguimos ter um momento de conversa mais tranquila, dissipando qualquer tensão anterior.
Enquanto conversava com ela, a imagem daquela garota cavalgando livremente com o cavalo voltou à minha mente com intensidade, fazendo um leve sorriso se formar em meu rosto ao relembrar aquele momento que a segui.
Minha irmã, sempre rápida, percebeu imediatamente.
— E esse sorriso aí? Você não está me contando tudo, não é?
Olhei diretamente para ela, meu sorriso se ampliando ainda mais, e disse:
— Vi algo especial, Carol. Foi como encontrar um anjo.
Nininha
O canto do galo me despertou e logo pulei da cama. Segui minha rotina matinal e escolhi um dos meus inseparáveis vestidos, desta vez na cor lilás. Desci até a cozinha e encontrei minha mãe com o café pronto. O aroma era maravilhoso: bolo de fubá fresquinho, pamonha e o delicioso café acabado de fazer.
Dirigi-me à minha mãe:
— Benção, mãe!
Ela sorriu e respondeu, colocando o café na mesa:
— Deus te abençoe, filha!
Olhei ao redor e perguntei:
— Onde está o pai? Já está ordenhando as vacas?
Enquanto me sentava e servia, ela me disse:
— Sim, você vai ajudá-lo hoje?
Enquanto saboreava a pamonha, com a boca cheia, respondi de forma engraçada:
— Sim, mãe.
Ela olhou para mim com uma expressão de reprovação e disse:
— Coma com modos, parece que dormiu de boca amarrada.
Isso me fez rir, minha mãe balançou a cabeça, mas acabou rindo junto comigo. Enquanto compartilhávamos esse momento, olhei para ela e suspirei pensativamente, pensando comigo mesma: Eu amo isso.
Após o café, dirigi-me ao curral onde meu pai ordenhava as vacas. Ao me aproximar, vi-o sentado em seu banquinho, ordenhando nossa vaca, a charmosa. Sorri, suspirei profundamente e me inclinei sobre o portão do curral para admirá-lo por um momento. Sua camiseta cinza estava cheia de furinhos e ele usava seu inseparável chapéu. Sorrindo, abaixei-me, peguei uma pedrinha e a joguei em suas costas.
Permaneci abaixada, mas foi inútil, ele logo percebeu. Ouvi sua risada preenchendo o curral, o melhor som do mundo para mim. Concentrado na ordenha, ele disse:
— Será que temos uma raposa por aqui? Se for, estou em apuros. Mas eu aposto que é uma garotinha bem arteira.
Não conseguindo me conter, caí na gargalhada, levantei-me rindo e disse:
— Ah, pai, não vale. O senhor sempre sabe que sou eu.
Ele, sorrindo, disse:
— Não sei de nada, sempre é a senhorita que não consegue me enganar.
Rindo, aproximei-me e disse:
— Benção, pai! A mãe disse para o senhor ir tomar o café. Está pronto e está delicioso.
Ele se levantou, espreguiçando os músculos adormecidos de tanto tempo sentado ordenhando.
— Deus te abençoe, filha. Tenho certeza de que está uma delícia; sua mãe é uma cozinheira de mão cheia. — Disse ele, beijando o topo da minha cabeça.
Concordei:
— Sim, a mãe é fantástica, senhor Raimundo. — Sorri, pois ele não gosta quando o chamo pelo nome.
Evitando que ele me repreendesse, apressei-me em dizer:
— Pode ir, pai, eu termino de ordenhar as outras vacas.
Assim que meu pai saiu, fui em direção à próxima vaca a ser ordenhada. Sentei-me no banquinho e comecei a ordenhá-la. O curral estava sendo preenchido pelo som do leite caindo na vasilha e pelo mugido de uma das vacas. Mas isso me acalmava; o cheiro das vacas, o canto dos pássaros lá fora... tudo isso me trazia uma paz imensa.
Sim, este é meu lar, meu pedaço de chão, meu cantinho do céu; é onde desejo viver eternamente. Amo tudo isso, amo meus pais, meu cavalo Ventania; amo viver aqui, na minha simplicidade que me acalenta.
Assim que termino de ordenhar as vacas, minha mãe se aproxima e diz:
— Filha, preciso que você leve a nova remessa de queijos para a mercearia do seu Joaquim, está bem?
Assinto prontamente e respondo:
— Certo, mãe. Vou levar a caixa na minha bicicleta. Mas o Caramelo vai comigo, tudo bem?
Ela concorda e sai para pegar a caixa. Chamo o Caramelo, que vem todo alegre, balançando o rabo. Caramelo, o cachorro mais adorável que já vi, sempre me acompanha em minhas atividades diárias. Enquanto minha mãe prepara a nova remessa de queijos, pego a caixa e a acomodo cuidadosamente na cesta da bicicleta.
Caramelo, cheio de entusiasmo, corre ao redor da bicicleta, demonstrando animação para mais uma aventura. Com um sorriso no rosto, partimos em direção à mercearia do seu Joaquim.
O vento suave acaricia meu rosto enquanto pedalo pelas tranquilas ruas da pequena cidade. Caramelo, correndo ao meu lado, parece aproveitar cada momento dessa jornada.
Ao chegarmos à mercearia, seu Joaquim nos recebe com um largo sorriso. Ele fica encantado quando trazemos os deliciosos queijos frescos da fazenda. Caramelo, todo animado, pula ao redor, recebendo carinho do seu Joaquim.
Enquanto seu Joaquim vai buscar o pagamento pelos queijos, eu brinco descontraidamente com Caramelo, distraída. De repente, duas pessoas entram na mercearia. Ao erguer os olhos, me deparo com ele, o homem misterioso que parecia ter me seguido.
Ele fixa seus olhos novamente em mim, meu coração acelera, mas agora não existe mais a cerca de arame nos separando como naquele dia. Minha atenção se desvia para a garota ao seu lado, que parece ter a mesma idade que eu. Seus cabelos são da cor ruiva, semelhantes aos dele.
Pondero se serão irmãos. Embora ele seja um homem maduro, não parece ser tão velho assim para ter uma filha daquele tamanho. Ele dá um passo à frente e, instintivamente, dou dois para trás, encostando-me no balcão da mercearia. Ele não desvia seus olhos de mim.
Mas então, ambos somos surpreendidos quando a garota ao lado dele solta um grito tão alto e agudo que me faz arregalar os olhos na direção dela.
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