Mary Jane
Laurel
Natalie
Ryan
Pov's Natalie Forbes
Cabana, floresta.
07:00 AM
Com a bebê em meus braços, estou me dobrando em duas, perto do fogão para mexer o achocolatado da Laurel. Ela já vai acordar e ainda estou terminando de preparar; minha filha acorda sempre de mau humor e vem logo pra cozinha atrás de comida.
— Mary Jane, para meu amorzinho. Deixa a mamãe terminar.— bato na mãozinha da neném, logo presencio a sua carinha de choro.
Nem tive ainda tempo de amamenta-lá hoje, e ela parece meio enjoada, acho que seja por conta do frio. Essa frieza insuportável que vem do lado de fora, acaba adentrando na cabana. Nem aquecedor aqui possui.
— Seu pai deveria está me ajudando.— resmungo, observando o preguiçoso nem aí pra nada bem deitado no sofá.
Balanço a cabeça pro lado, com os meus pensamentos voltados a noite maravilhosa que tivemos juntos. Sorrio boba, é como se eu sentisse os seus dedos cravados na minha pele e seu cheiro grudado no meu corpo ainda. Nunca me apaixonei por Ryan, por que isso está mudando agora? Demorei a descobrir que vou morrer, para poder dar uma chance para o sentimento que os humanos normais sentem.
Algo desconhecido para mim, chamado... amor.
— Ah merda!— sinto uma tontura forte, com tudo rodando em minha volta.
Quando estou prestes a cair, é na hora que ele desperta e dá um sobressalto do sofá, correndo até a cozinha.
—Natalie — seus olhos sonolentos e aflitos emitem em desespero. Sua preocupação é notável. — Está tudo bem?— pergunta, checando o meu estado pálido.
— Pega ela.— peço, com uma gastura horrível e um mal estar que faz minha cabeça doer muito.
Acho que seja consequência desse tumor que está alojado no meu cérebro.
Ryan mesmo não levando jeito em cuidar de criança, ele procura acalmá-lá, balançando-a de um lado pro outro com a cabecinha dela em seu ombro. Ela é muito apegada e vive nos meus braços o dia inteiro, corta o meu coração vê-la querendo a mim e eu não posso segura-lá de volta, porque estou sem forças e passando mal.
O loiro me olha bastante preocupado, procuro manter a postura e tranquiliza-ló. Eu não quero que ele fique assim por minha causa, eu vou ficar bem.
—Mamãe, o que houve?— a voz manhosa da Laurel ecoa e sinto suas mãozinhas no entorno da minha cintura.— Por que está assim?— suas íris claras esbanjam medo, seu tom atormentado me dá um aperto no coração.
Qualquer criança sente quando há alguma coisa errada. Como vou contar pra minha garotinha preferida que estou morrendo?
— Não houve nada.— finjo, abrindo um sorriso fraco e tentando me manter de pé, embora eu esteja zonza. — Apenas estou com frio. Logo vai passar, só preciso de um cobertor.— minto e guio o meu olhar até Ryan, pedindo pra que ele faça alguma coisa para contornar a situação.
É difícil para mim estar enganando a nossa filha, mas não posso assusta-lá contando a verdade sobre a minha doença.
— Deixa a sua mãe descansar um pouco.— ele a puxa, tirando-a de perto do meu corpo. — Deita lá.— acena pro sofá com o tom apreensivo e começo a andar, indo vagarosamente e me segurando nos móveis para poder chegar até a sala.
Tento me manter forte para que Laurel acabe acreditando real que o motivo seja apenas o frio. Sinto ela pular no sofá ao meu lado assim que me sento, ouço seu pai brigar por a loirinha teimar.
— Mamãe, deixa que eu te aqueço.
Oferece, me dando um abraço apertado. Um abraço tão reconfortante que fico tocada. Mesmo não entendendo nada que está acontecendo, minha filha está cuidando de mim nesse momento.
— Toma o seu remédio.— o homem entrega-me a pílula e assinto, colocando na boca. — Vai pegar água pra sua mãe.— manda e a Laurel sai correndo, obedecendo-o e direcionando-se até a porta da geladeira.
Ela nunca foi de ouvir ele, que engraçado ver Ryan se comportando como pai.
— Não precisa ficar falando de remédio na frente dela.— o repreendo, quando ele senta ao meu lado com a bebezinha, que agora se encontra mais calma.
Pego a mãozinha da Mary Jane e dou um beijo delicado, sentindo a mão do seu pai acariciar as minhas costas. O que deu nele? Não é normal esse cuidado todo.
— Para de me alisar, Ryan. Eu já estou bem! Tenho certeza, foi só uma gastura. Já passou.—afirmo, pois o ouço resmungar, não acreditando nas minhas palavras.
— Você precisa ir ao médico.
— Eu não quero e nem preciso.— o encaro negativamente e avisto-o suspirar pesadamente.
— Para de ser teimosa, Natalie. É melhor você ir por bem, senão te levarei pelos cabelos até um hospital, entendeu?— ameaça parecendo falar sério e é justo na hora que a nossa filha retorna, trazendo um copo d'água.
— Aqui mamãe.
— Obrigada, princesa.— agradeço sorrindo.
— Esse assunto não morreu por aqui. Tá entendendo, Natalie? Não morreu por aqui.— levanta do meu lado, jurando e reviro os olhos. — Vamos naquele lugar, você querendo ou não.— fala em códigos e o ignoro, prestando atenção em Laurel que me conta sobre uma história em quadrinhos.
Inspiro bem fundo.
Agora Ryan está bancando o herói? Se eu estou destinada a morrer com esse tumor; médico, medicina e hospital nenhum será capaz de salvar a minha vida.
— Mamãe?
Saio dos devaneios fitando o rostinho angelical da minha garotinha preferida.
—Diz, Laurel.
— É que...— dá de ombros, meio constrangida, com as bochechas vermelhas.— Queria saber se você e o papai voltaram a namorar.
Engulo em seco. Será que ela viu alguma coisa da noite anterior? Putz... que vacilo!
— Que pergunta é essa garota?— dou uma de desentendida, para não entregar o quanto estou corada.
Sempre fui muito reservada, até quando vou cometer os meus crimes ajo na moita. Jamais vou expor o meu relacionamento com Ryan, principalmente, porque eu ainda não tenho noção do tamanho dos meus sentimentos .
— É porque o papai tá todo carinhoso com a gente e eu achei que...— seu tom receoso de uma mera criança com expectativa, me faz suspirar.
— Ryan e eu só nos aturamos, Laurel. Se é isso que você quer saber, pronto, tá aí a resposta.— afirmo, vendo-o lá na cozinha colocando o chocolate quente da nossa filha no copo. Hoje ele está bancando o paizão, dá até orgulho de ver. — Não vejo a hora de expulsar seu pai daqui. Ele é um traste, não faz nada, é um completo inútil.— finjo um ranço instalado e a loirinha olha em sentido ao pai que termina de ajeitar o café da manhã.
— Eu não acho, mamãe.— comenta, meio perdida com a minha acusação.
—Natalie, tá lembrada que dia é hoje?— a voz animada do próprio soa na hora. É tão estranho vê-lo lavar as louças na pia, enquanto segura a Mary Jane nos braços.
— Claro, né, querido— dou de ombros, abrindo um sorrisinho.
— Você também sabe, Laurel ?— enfia também a pequena no assunto, o que é uma coisa surreal... já que é sempre ignorante com nós.
— Sim, papai!—vibra saltitante.
— Duvido.— dispara convencido, de gracinha.
Nossa noite foi tão maravilhosa de um jeito que o maníaco está sorrindo até pro vento. Isso é o efeito que eu causo, sei bem enlouquecer um homem em todos os sentidos.
— Quer apostar?
— Então falem, que dia é hoje?
— Deixa eu pensar.... — rio, focando em Laurel, com o ar de suspense.
A minha garota solta uma gargalhada fofa, não me contenho e acabo a acompanhando.
— Véspera de natal.— nós duas pronunciamos em uníssono, caindo na risada.
Agarro-a por trás, jogando sobre o estofado do sofá. Sou a mãe coruja e grudenta, acho que ultimamente estou abraçando-a demais.
— Como vocês acertaram suas trapaceiras!— ele expressa um humor brincalhão, rindo.
—Ora, Ryan, é bem óbvio. — acho graça.
— Por que não montamos a árvore de natal, mamãe?— a minha filha pergunta confusa, se dando conta da falta de enfeites natalinos na cabana.
Dou de ombros, indiferente.
— Porque natal é uma chatice.— desprezo a data. — Papai noel nem existe.— deixo claro, quebrando suas expectativas.— Pra quê vamos perder tempo com isso, Laurel?— a pergunto de volta.
Noto na sua expressão chateação. Ela abaixa a cabeça, tristinha.
—Coitada, Natalie. Ta tirando da garota a magia do natal. Não seja tão fria, querida. — briga. Por um momento acho que ele está falando sério. — Mas tua mãe está certa, peste. Natal é uma besteira, não gostamos de perder tempo com essas tolices.
— Mas papai....— a loirinha insiste, com a voz chateada.
É notável que ela quer comemorar o natal, toda criança da idade da Laurel acredita em papai noel.
— Tive uma ideia.— interrompo os dois. — Que tal a gente comemorar o natal de outra forma?— sugiro e os olhos de ambos crescem em curiosidade.
Eu tenho poucos meses de vida mesmo, talvez seja o meu último natal. Devo aproveitar, já que a minha filha acredita, preciso fazê-la realizar o seu sonho.
— De que forma, mamãe?— seus olhinhos brilham em curiosidade. É emocionante observar essa felicidade momentânea que surge em seu rosto inocente.
— Vai ser surpresa.— declaro, abrindo um sorriso confiante e com a ponta do dedo, toco em seu nariz. Enxergo um pequeno sorriso meigo crescer— Não me faça perguntas, Laurel vai ser surpresa.— a ouço insistir. — Sem mais.— solto uma gargalhada me divertindo, escutando minha garota implorar para saber o que vai acontecer.
Não paro de sorrir, admirando-a. Faço qualquer coisa para vê-la assim: entusiasmada e feliz. Quando eu morrer, quero que Ryan saiba cuidar delas, assim como eu tento ser uma boa mãe.
Não posso partir sem antes deixá-las seguras.
Uma semana depois…
29/12/2021.
Pov's Natalie.
Nova York.
Cabana.
07:30 AM.
Pego a minha bolsa, direcionando-me para sair.
Encaminho-me até a porta, puxando a fechadura e abrindo. Suspiro fundo quando Ryan me interrompe, ficando na minha frente. Ele está sem camisa, apenas usa uma bermuda azul.
— Não gosto de quando você sai com aquele velho.— soa enciumado, coçando a cabeça.
É algo novo vê-lo fazendo birra, talvez seja porque vou deixar as meninas para ele cuidar.
— Ah pelo amor de Deus, né. Canibal é o meu único amigo que tenho neste fim de mundo. Não posso sair nem um pouco com ele? Desde de quando eu me tornei prisioneira dessa casa?— embora não esteja brava, mas quero provocá-lo um pouquinho e meus os olhos o alfineta.
É questão de ego.
Ryan não me procura há mais de uma semana, acho que ele enjoou de mim. E esses dias o próprio anda saindo muito na calada da noite, pode ser pra calçar novas vítimas ou ele está se divertindo com alguma vadia enquanto eu fico em casa cuidando da Mary Jane e da Laurel igual uma condenada. Eu também tenho direito de me divertir, não é porque estou doente que eu vou parar a minha vida.
Já basta essas torturas que ando tendo, preciso sair para espairecer, senão vou adoecer mais ainda.
— Você não é uma prisioneira, mas você tem obrigação de cuidar das suas filhas.— escuto o seu tom escroto e reviro os olhos, já começou o showzinho de fazer escândalo.
— Agora elas são apenas as minhas filhas? — rio.— Que engraçado!— rebato com sarcasmo. Enxergo o loiro suspirar fundo.— Olha aqui Ryan, se você não quer ficar olhando elas, tá bom. Eu não me importo, mas não usa isso como uma desculpa esfarrapada. — permaneço impaciente, com ele me intimidando e não me dando espaço.
— Não é questão de desculpa, é porque aquele velho não presta.— murmura, enchendo os meus ouvidos.— Ele bota muita merda na sua cabeça. E coloca você contra mim.
— O canibal só fala a verdade, é você que apronta todas, Ryan.— defendo o meu amigo, o afastando e tendo finalmente espaço para passar.— Se você não aprontasse tanto, o Canibal não teria motivos para expor os seus podres. Esse é o problema.
Olho para trás, no fundo quase cedendo ao vê-lo solitário na cabana Até agora nossas filhas não estão berrando pela casa, pois as duas se encontram dormindo e ambas provavelmente acordarão tarde, já que passaram a madrugada inteira acordadas assistindo desenho.
— Antes de anoitecer, eu volto.— dou o braço a torcer, me prestando o papel ridículo de dá satisfação. — Cuida bem delas.— peço e Ryan se aproxima, pondo suas mãos envolta dos meus braços.
Sinto ele acariciar.
Suspiro fundo, ficando tensa em receber seu toque, ainda não me acostumei com esse clima. Não posso cair igual uma otária em seus braços, tenho que continuar dando gelo, assim vou ser mais valorizada. O fito nervosamente, com os lábios entreabertos, é claro que Ryan está notando o efeito que ele me causa quando me toca. Suas íris azuis transmitem tanto brilho.
— Pra onde você vai?
— Não te interessa.
— Vai ser assim agora?—ergue uma sobrancelha, com o olhar cético, pelo meu tom de atrevimento. — O que deu em você, Natalie — estranha a minha frieza.
– Você ainda pergunta?— coloco as mãos na cintura, forçando um sorriso amargo para que ele sinta o gostinho. — Você não me procura há dias. — começo enfatizar o tanto de vezes que venho sendo rejeitada.— Você sai toda noite e me trata como se eu fosse uma completa estranha, Ryan! E depois fica assim bancando o fingido. Não vou perder meu tempo sendo usada por você, tenho coisa muito mais difícil pra fazer antes de morrer. Como por exemplo: te ensinar ser um pai de verdade.
—Natalie, eu... — gagueja sem saber qual desculpa vai arrumar.
Perco a paciência na hora:
— Não ligo de você ficar aí se divertindo com as garotas de programa, talvez elas sejam muito melhores do que eu. Quer saber? Não tô nem aí! Faça o que você quiser, mas não me procure mais. — dispenso qualquer possibilidade de haver algo a mais entre nós dois e saio andando.
Eu já deveria saber que perder tempo com um psicopata feito Ryan é só querer arrumar dor de cabeça. Ele não sabe o que significa um relacionamento, até eu mesma desconheço. Pra quê vamos querer forçar algo que sabemos que pode dar muita merda depois? Não quero me apegar a essa idealização de agir como uma mulher normal e viver um romance, além do mais, somos dois assassinos miseráveis e nunca teremos o direito de viver uma vida normal. Já que somos considerados como monstros.
— Quanta demora.— o velho resmunga, apontando pro relógio que há em seu pulso, assim que me vê sair da cabana.
— Tava brigando com Ryan.— menciono o motivo do atraso, descendo os degraus da escada da entrada.
Me sinto uma completa trouxa. Eu nunca pensei que ia me importar tanto por ser tratada como uma cachorra.
Essa indiferença vem justo do pai das minhas filhas. Será que ele parou de me desejar, só por que vou ficar feia depois que o meu cabelo começar a cair?
— De novo? — interroga visualmente confuso, até porque eu havia contado uma outra fofoca a ele.
— Eu brigo com Ryan todos os dias, velho! Já estou de saco cheio dele. Não vejo a hora desse homem sair da minha casa.
Meu tom soa alto o suficiente para que o principal envolvido possa escutar lá de dentro.
— E se ele não quiser sair?
Começo a andar ao lado do meu amigo fofoqueiro da floresta, mesmo tendo esse "gênio", acabo me divertindo horrores com as loucuras do Canibal.
— Saio eu. Tô cansada de viver esperando a boa vontade desse moleque. Posso achar qualquer outro homem do mundo, ainda estou viva, Canibal! Ora, não vou ficar esperando migalhas de ninguém. Sou boa o suficiente para encontrar alguém nesses poucos meses de vida que me resta. Nem que seja para cuidar de mim.
Rio sendo um pouco oportunista, pensando em ter um namorado fake para ser o meu empregado.
A real é que vou ficar muito fraca e nem vou poder cuidar das minhas filhas por falta de coragem, então terei que buscar outro alguém para poder olhar elas e segurar na minha mão quando for o meu último dia de vida. Adoraria que fosse Ryan, mas pelo jeito... já vou descartar essa realidade.
(........)
Pov's Ryan.
Cabana.
Espio Natalie saindo e vejo aquilo como uma oportunidade, sigo às pressas para chamar a pirralha no quarto.
É a nossa hora.
— Acorda, Laurel.— cutuco o seu pé, com o tom baixinho para não acordar a bebê que está no berço.— Bora garota, sua mãe já saiu. Não faz hora.— persisto-ló em chamá-la, mas nem se mexe, continua dormindo como uma pedra. — Laurel, Laurel.— dou algumas leves batidas em seu ombro.
Natalie vai surtar se souber que estou enchendo o saco da nossa filha.
—Laurel. — volto a chamá-la. Me calo quando observo a outra se remexer no berço.—Laurel.— emito mais firme o seu nome, e a loirinha acaba virando.— Anda que sua mãe já saiu.— sussurro próximo do seu ouvido e balanço-a um pouco, ouvindo-a resmungar.
— Papai? —soa, num tom manhoso.
O tanto que Natalie mima essa pestinha, é por isso que ela é assim toda folgada.
— Levanta.— mando.
Logo seus olhinhos inchados de tanto dormirem me encaram confusos.
Será que ela já esqueceu?
— Vamos.— a chamo, apressado. — Estamos atrasados.— digo eufórico, indo até um certo canto do quarto e pegando na gaveta uma camisa.
— Pra onde a mamãe foi?
— Foi farrear com aquele velho. — fecho a mão em punho, com raiva. — Ele só leva a sua mãe pra mal caminho, mas sua mãe não me escuta. Acha que ajo assim porque sou grosseiro, não sei de nada, mas só quero que a sua mãe não se meta em problemas. Natalie é muito influenciável e sempre acaba escutando todas as merdas que ele fala de mim.
— Era para você ter me acordado na hora, papai, eu não teria deixado a mamãe sair. Ela está resfriada, ela não pode ficar batendo perna.
A mesma acha que Natalie tem apenas uma gripe, e não uma doença mais séria, foi o que inventamos.
— Mas a sua mãe escuta? Escuta nada! Me botou até pra correr daqui.— solto ainda ressentido, relembrando do momento que escutei Natalie gritar pra que eu fosse embora.
— É sério que a mamãe te botou pra fora, papai?— enxergo ela se sentar na beirada da cama, batendo as perninhas enquanto se espreguiça. Balanço a cabeça que sim, chateado. – Por que ela fez isso?
— Toda vez que ela vai sair com aquele velho safado, é desse jeito! Vira uma outra pessoa. Mas não podemos perder tempo aqui, temos que ir, antes que Natalie volte. — a puxo da cama.
Estamos mantendo isso em segredo, porque me sinto envergonhado de como a loira vai reagir quando souber. Com certeza ela vai querer me matar. Nunca fui de acreditar nessas coisas, acho que estou fazendo mais isso, para que Natalie fique curada da maldita doença.
— Papai, como é que se ora?
A pequena se ajoelha ao meu lado na sala, este ambiente já teve tantos corpos de vítimas e hoje se tornou um lugar que posso chamar de... refúgio.
— Você fecha os olhos e depois começa a pedir, agradecer, falar com a divindade sobre o que você deseja que se realize. — a ensino.
Fui meio que obrigado abrir o jogo para Laurel, porque senão ela iria abrir a boca pra sua mãe e Natalie iria zoar só por eu agir como alguém "normal"
— Que divindade é essa?— suas orbes claras interrogam perdidas. Como toda criança curiosa, não tem noção do se trata.
— Acho que é Deus. — sussurro, gerando um impacto.
— Quem é Deus, papai?— sua voz manhosa soa, sem compreender o poder e o significado.
— Nem eu mesmo conheço.— admito baixinho, um pouco incomodado.
É estranho crer em algo que eu não posso ver.
– Se você não conhece, por que você acredita nele?
— Bem... — acabo ficando numa saia justa. — Não sei como te explicar, Laurel, mas, uma vez quando precisei de ajuda essa divindade me ajudou. Então, talvez ele exista. Eu já nem sei.— dou de ombros, sem jeito, tentando estabelecer qual sensação me traz em continuar implorando pela vida de Natalie.
— E você está precisando da ajuda dele de novo, papai?— pergunta com o tom meigo e inocente.
Essa garota é tão inteligente igualzinha a sua mãe, até no jeito de falar.
— Sim.— confirmo. — Prometi pra esse Deus, que se caso ele me ajude, eu vou mudar a minha vida junto com a sua mãe. Vamos parar de ser essas pessoas e vamos dar um novo rumo. Pensei até em...
— Pensou em quê, papai? — questiona sapeca, quando volto atrás no que vou dizer, com receio de não ser levado a sério.
— Em propor sua mãe em casamento, você acha que ela aceitaria?
Laurel ri, sem me levar a sério. Sou mesmo um imbecil de achar que Natalie possivelmente vá me querer como homem.
— Acredito que não.
— Logo vi. — abaixo a cabeça, me sentindo frustrado.
Se com a pirralha foi assim, imagina com Natalie... vou levar um fora bem grande!
Como será daqui pra frente? Caramba, eu só faço besteira! Fiz um voto com esse Deus e o juramento é de fazer sexo de novo só depois do casamento. Por isso ando me mantendo o máximo longe da Natalie para não cair em tentação. Ela até pensa que estou a traindo com outra mulher, mas a realidade é que durmo toda noite fora para não quebrar a promessa.
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Pov's Natalie.
19:30 PM
Nova York.
Adentro na cabana, encontrando o ambiente muito silencioso. Estranho, não é comum a falta de barulho. Espero que Ryan não esteja colocando a Laurel para praticar seus hobbies mirabolantes. Direciono-me até o receptor para ligar a luz. Assim que faço isso, escuto um barulho que vem da cozinha e me dou conta que acabei caindo numa....
— Surpresaaa!— a minha filha vibra tão alto. O gritinho escandaloso da Laurel, me faz abrir um sorriso.
Eles preparam um jantar. A mesa da cozinha está repleta de comida deliciosa, o cheiro parece bom, o que me surpreende. Ryan preparou tudo isso para mim e as garotas? Parece até mesmo surreal, porque olha, ele nunca foi de fazer mimos para ninguém e nem perder tempo com afazeres domésticos.
O meu pensamento era encontrar um cadáver igual da outra vez quando cheguei em casa e avistei Laurel brincando com uma cabeça humana. Dessa vez, por incrível que pareça está sendo diferente.
— Ah meu Deus, vocês quase me matam de susto!— coloco-me a mão em cima do peito, sentindo o meu coração bater em disparada.
Deixo as inúmeras sacolas de compras em cima do sofá, puxando o carrinho com a Mary Jane para poder vê-lá. A bebê deve está morrendo de fome.
— Mamãe, você ajeitou o cabelo?— repara, o quanto meus fios estão arrumados e hidratados.
A pequena pula, tentando alcançar para bagunçar. Ela ama fazer isso pra me irritar, é impressionante!
Sorrio, dando uma voltinha.
— Não ficou lindo?— gargalho, exibindo-me.
Vejo Ryan revirar os olhos, deve ser inveja ou ciúmes por eu ter me ajeitado toda. Ele não gosta de me ver bonita, é por isso que deve estar se corroendo por dentro.
— Você ficou perfeita!— ouço o elogio de admiração no tom de voz infantil. Sorrio toda sem graça — Tenho muita sorte de ter uma mãe bonita.
— E eu tenho muita sorte de ter você como minha filha.— declaro o quão sortuda eu sou.— Não trocaria você por nada, Laurel.
— Te amo, mamãe.— declara toda meiga, vindo me abraçar.
— Eu também te amo, minha princesa!
Deixo claro sem saber o que significa esse sentimento, porque sou declarada alguém que nunca é capaz de sentir emoções. E com Laurel é diferente, não consigo travar ao falar "eu te amo" eu consigo jogar pra fora, sem me sentir vazia.
— Chega de declarações. A comida está esfriando.— a voz rouca soa nos tirando do momento materno.
Tinha que ser ele, sempre o estraga prazeres!
— Como você consegue ser tão insensível, Ryan?— o pergunto, focando em direção à sua cara fechada— Sério, é impressionante como você sempre está de mau humor, nunca está satisfeito com nada. O que eu fiz de errado agora, pra você está assim?
— É porque o papai tá com ciúmes que você não deu carinho também a ele.— a pequena insinua ao meu lado e rapidamente se forma um clima, engulo em seco, encarando o loiro que abaixa a cabeça aparentando estar constrangido com o comentário. — Vai lá, mamãe. Beija o papai, abraça ele.— me empurra, quase me fazendo tombar ao ser pega desprevenida.
Tenho que puxar as orelhas da Laurel pra ela parar de ser tão metida. Ela está criando uma situação no qual me faz querer me enfiar num buraco e não sair mais de dentro.
Que constrangedor!
Paro alguns metros nervosamente, com o olhar cabisbaixo, mordendo o meu lábio inferior. Noto de relance a minha filha saindo de fininha e carregando a bebê para o quarto. Não acredito que ela está tendo a coragem de me deixar sozinha com ele, mais que merda!
—Ryan.
—Natalie.
Falamos ao mesmo tempo, estamos sem jeito na presença um do outro.
— Fala você primeiro.— gesticulo com a mão, mesmo ainda tímida, tento controlar essa sensação de desconforto e o fito por um breve instante.
Mantenho uma troca de olhar que transmite insegurança de não saber o que falar e nem o que dizer.
— Sobre me botar pra você, é verdade?— sua voz há receio, é nítido que está apreensivo.
— O que você acha?— dou de ombros, o respondendo séria.— Estou cansada, Ryan.— me jogo no sofá, finalmente relaxando as minhas pernas.— Você não faz nada de útil. Eu não quero um homem pra servir de estátua aqui dentro. Tú não faz nada! Não sei como você teve coragem de preparar esse jantar, porque quando tú não fica deitado o dia inteiro, saí por aí assassinando as pessoas.
— Não é verdade.
— Claro que é verdade! Eu me mato de cuidar das meninas, quando eu tiro um dia de descanso, você fica com raiva, falando mal do Canibal. Não nasci pra ser mandada por homem não, e principalmente por você. Por isso que eu acho melhor cada um pro seu canto. — resolvo mandá-lo procurar um outro lugar pra morar.
— Foi o velho que fez sua cabeça?
Reviro os olhos. Ele não cansa de culpar o coitado do meu amigo que não solta um "a" para se meter. Ryan é paranóico e cria cada coisa nada haver.
— Canibal nem citou o seu nome hoje, pra começo de história. É eu que quero. Acho melhor ficar sozinha com as minhas filhas, sem ter a sua presença.— mando a indireta, Ryan me olha chocado.
Por um momento chego a achar que ele realmente está atingido, mas esse psicopata não tem coração.
— Não tenho pra onde ir— murmura baixinho, dando um de coitado.
— Procura. Se vira!— ajo com toda indiferença.— Lá na beirada do rio tem um trailer velho, parece que o morador morreu, porque você não fica por lá. — acho uma opção favorável, satisfeita de poder mandá-lo pra longe de mim.
— Você está doente, Natalie.
— E daí? Enquanto eu estiver viva, eu vou cuidar das minhas filhas, depois que eu morrer você aprende ser pai.
— Elas são as minhas filhas também, não posso deixá-las pra trás. Não é justo com elas.
— Agora você pensa assim?— rebato, com um sorriso sarcástico Seu olhar possui algo que eu não consigo decifrar, como se as minhas palavras o afetasse. — Você nunca deu a mínima pras elas, não adianta vim com esse discurso patético agora porque eu não vou cair.
— E o nosso combinado? — relembra.
— Mudei de ideia.
—Natalie, eu não vou sair de casa.— afirma firme. O olho debochada, lançando um pequeno sorriso ao dizer:
— Saio eu então.
— Por que você está fazendo isso?— Arregala os olhos, perplexo.
— Porque a trouxa aqui acordou pra vida.— aponto pra mim mesma.
Cansei de ser compreensiva e esperar a boa vontade desse marmanjo. Nunca estabelecemos um status pra esse lance e nem quero mais papinho de ficar correndo atrás. Depois dos dias que venho sendo tratada como um nada, acho que tomei vergonha na minha cara e vou dar um chega pra lá. Mereço me valorizar. Eu lá sou mulher de ficar sofrendo por macho, sou muito melhor do que isso, ficar perdendo tempo com esse daí não vai me levar a nada.
Quero que Ryan vá embora da cabana, de preferência, pra bem longe.
— Vou falar com a Laurel.— usa a nossa filha pra se fazer de coitado, levantando da cadeira.
— Fala, mas não vai adiantar de nada, Laurel é apenas uma criança e não tem o direito de interferir em nada das minhas decisões.
Ele me deixa sozinha e vai até o quarto encher a cabeça da nossa filha contra mim. É o típico dele de me fazer como vilã e sair como vítima. Ah meu Deus, preciso ter muita paciência para suportar os dramas desse homem.
(....)
20:00 pm
Meus ouvidos estão quentes de tanto que escuto. Eu estou quase arrependida de ter falado esse assunto hoje, porque ela está enchendo o meu saco.
— Mamãe, você não vai mandar o papai embora!
— Para de gritar!— tampo os ouvidos. Nossa... vou acabar ficando surda.
— Você não manda nessa casa.— gargalho alto.
— Quem é que manda então? — retruco num tom incrédulo, pasma pelo atrevidamento.
É muita prepotência dessa garotinha, puxou o pai até no jeito de exigir; a genética é forte, o gênio esquentado de ambos é idêntico. Chega ser até engraçado, porque se eu tivesse levando a sério, já teria dado umas palmadas nela.
— Mamãe, por favor, papai não pode ir.— com a voz meiga, súplica. — Não quero ser filha de pais separados.— murmura com os olhinhos cheios de lágrimas, ela está quase chorando.
Suspiro.
—Laurel, para de coisa. Vai ser legal só nós três.— eu olho em volta, Mary Jane está mamando em meu peito e sua irmã está ao meu lado fazendo de tudo para que eu mude de ideia. — Podemos fazer várias brincadeiras divertidas pela cabana.— busco convencê-la.
— Mas não vai ser a mesma coisa sem o papai.— soa tristinha. — Mamãe, não permita que ele vá, por favor!— a carinha que ela faz, me desestrutura completamente.
Suspiro fundo.
O que eu não faço por essa menina?
– Tá bom, eu vou falar com ele.— dou o braço a torcer cedendo e Laurel comemora, me abraçando contente.
Encosto Mary Jane em cima do sofá, deitando-a no estofado. Levanto direcionando-me até o corredor indo para o quarto, onde ele se encontra, arrumando suas coisas. Fecho a porta, Ryan inclina a cabeça pra trás:
— Laurel está fazendo o maior drama lá na sala.— pronuncio baixinho, sentando-me na beirada da cama. Ele me encara de canto de olho, dobrando as camisas pra pôr na mochila. — Ela não quer que você vá.
Sou obrigada a voltar atrás com a minha decisão, por causa da minha filha.
Só a Laurel mesmo para me fazer prestar esse papel ridículo.
— E você?— questiona interessado em saber o que eu acho, lançando um olhar apreensivo e dou de ombros, fazendo-me desentendida.
Ah droga! Engulo em seco, olhando para o chão e fugindo de dá uma resposta.
— Ah, Ryan. — o presencio sentar ao meu lado, começo a balançar as pernas freneticamente nervosa. Preciso disfarçar a tensão.— Já te aturo há anos, não custa nada te aturar mais um pouco. — o vejo soltar um suspiro aliviado e noto um lindo sorriso aparecendo em seu rosto.
Sua mão segue até a minha, acariciando. Fico ofegante, tento recuar a sensação, com o coração acelerado. Encaro o gesto minuciosamente ao receber o seu toque carinhoso. De imediato, corto o clima.
— Vou lá olhar as garotas.— falo nervosa, apontando pra porta meio desnorteada.
Levanto.
— Espera.— me interrompe, segurando no meu pulso, e de repente paro. —Natalie, eu acho melhor eu ir.— acabo ficando surpresa, com os meus olhos chocados. — Será melhor darmos um tempo mesmo.
— Se é isso que você quer, tudo bem por mim.— concordo com sua escolha, dando de ombros. — Não vou prender ninguém aqui. — profiro, no fundo sentindo um aperto no peito — Só converse com Laurel antes, não quero que a minha garota me culpe por você ir. Eu tentei— levanto as mãos para cima, forçando um sorriso ao me redimir.
Mesmo que por dentro aja um nó na minha garganta, quero mostrar que está tudo bem. Talvez eu vá sentir falta da sua presença, não será a mesma coisa, porém vou fazer de tudo para superar sua partida.
— Já pensou pra onde você vai?— questiono com a voz trêmula, já que Ryan não tem onde cair morto, agora estou arrependida por ter o mandado embora.
— Pro trailer velho na beirada do rio, você não disse que lá está desocupado.
— Sim, está.
— Vou me mudar para lá. Dizem que aquele lugar é sinistro, Natalie. — ri e o acompanho, gargalhando por o loiro demonstrar ter medo de "fantasma".
— Sim, real. Toma cuidado. — tiro sarro, num tom sarcástico.
— Posso levar a Laurel pra morar comigo?
— Nem pensar. Tá louco? Não deixo a minha garota por nada desse mundo. — declaro bem alto e escuto Ryan rir.
Sua risada é muito gostosa de escutar, faz qualquer um sorrir junto.
— Como se sente?— pergunta inesperadamente, preocupado com o meu estado.— Sentiu alguma tontura hoje?
— Só um pouco de enjoo.
— É normal?
— Acho que sim. — confirmo, o olhando mais vulnerável.— Esqueci de te falar. Eu hoje fui no médico com o Canibal— seus olhos se arregalam ao ouvir.— Não brigue comigo. Sei que deveria ter ido com você, Ryan, mas não queria escutar o diagnóstico ao seu lado, então fui sozinha.
— E o que médico disse?— questiona, havendo uma enorme tensão.
— Ele disse que há esperança.— minha voz soa emocionada. Estamos sorrindo um pro outro e seus olhos se encontram brilhando. — Eu só preciso começar a quimioterapia urgentemente. E talvez o tumor diminua e eu possa vencer essa doença e viver por mais alguns anos.
Dou a notícia e Ryan não se contém, pula da cama e me abraça forte. Sinto seus braços envolta do meu corpo, acabo ficando de ponta de pé, sendo abraçada por ele que comemora eufórico em saber que tenho chances de viver.
— Deus vai salvar a sua vida, Natalie.— fico surpresa quando ele pronuncia " Deus" no meio, de uma maneira genuína.
Eu nunca pensei que existia esse lado em Ryan, esse lado fofo.
Pode ser que talvez.... só talvez, esse psicopata esteja mudando, mas eu não quero me iludir.
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