Laura narrando
Faz pouco tempo que consegui me formar na faculdade dos meus sonhos. Foi tudo tão difícil. Passei o dobro do tempo que um aluno regular levaria para concluir mas eu sei bem o quanto sofri para enfrentar tudo.
Fiquei desempregada, tive crises de ansiedade que precisaram de acompanhamento médico, até conhecer o Davi.
As coisas já não iam bem e sendo sincera, tudo piorou depois que ele entrou na minha vida. Não sei explicar mas eu fiquei cega por ele mesmo minha família dizendo que ele não prestava, até a família dele me avisou mas eu queria provar que eles estavam errados.
Bom, eles não estavam. Prova disso foi eu ter engravidado e ele ter me batido durante a gestação, me largou 1 mês depois que descobri a gravidez e eu não tinha nada, nem o básico para mim e menos ainda para cuidar daquela criança. Porque Deus estava me castigando? Eu não precisava ter mais um problema, imagina a culpa que eu carregaria por colocar uma criança no mundo sabendo que só a faria sofrer.
Tive a pior ideia de todas. Eu ia tirar aquele bebê.
Não lembro direito o que aconteceu, eu estava tão fragilizada que as coisas daquele dia não seguem uma lógica na minha mente. Tudo o que eu sei é que eu sai de casa disposta a interromper a gravidez e no fim do dia estava na calçada da casa dos meus pais chorando, implorando para que eles me aceitassem de volta.
Eles não são meus pais de sangue, fui adotada quando tinha 5 anos mas nunca tivemos uma relação de família unida. Eu sempre tive temperamento difícil e minha "mãe" nunca foi uma pessoa amável. Meu pai sempre tentou manter harmonia na nossa casa, mas quando ele saía para trabalhar ela me tratava como uma empregada.
Meu pai convenceu ela a me deixar ficar, disse que não ia permitir que eu fizesse o que estava querendo e que levaria a gravidez até o final. Depois que o bebê nascesse eu podia ir embora, deixaria ele lá para ser criado por eles e não precisaria me preocupar com nada.
Mantive as consultas do pré-Natal e busquei ajuda com um psicólogo. Fiz todo o tratamento e no dia do parto quando ouvi o choro do meu bebê, tudo na minha vida mudou.
Seu choro forte ecoando pela sala me fez ouvir a voz de Deus dizendo que eu não posso desistir.
Ravi é luz. A minha luz. Daquele dia em diante eu tive a certeza que não poderia deixá-lo e eu precisava lutar por ele e pela minha vida. Não podia desistir de ser feliz.
Quando ele completou três meses eu consegui uma vaga de atendente em um restaurante, era perto de casa e o pagamento daria para manter as necessidades do Ravi.
Por incrível que pareça ele mudou não somente o meu pensamento mas também o da minha família. Minha mãe virou uma super vó coruja e se ofereceu para cuidar dele enquanto eu ia trabalhar, não podia me dar ao luxo de contratar uma babá.
Fui levando do jeito que conseguia, quando ele fez um ano decidi retornar para faculdade. Faltava tão pouco, eu ia tentar finalizar, pelo menos mais uma vez. E dessa vez deu certo. Consegui me formar quando Ravi completou 2 anos. Ele entrou comigo. Era o meu diploma. Eu era a pessoa mais feliz naquela noite.
Todas as lágrimas que eu derramei estavam valendo a pena naquele momento porque meu pequeno tesouro estava no meu colo.
As coisas começaram a dar certo e parecia que o mundo estava a meu favor.
Junto com a formatura eu recebi uma promoção e sai de atendente para gerente. O dono do restaurante estava abrindo uma filial e precisava de alguém de confiança para assumir o novo ponto e me escolheu.
Sempre deixei claro o quanto sou grata pela oportunidade, seu João e sua esposa Ana sempre cuidaram do meu filho e tratavam ele como se fosse da família.
Aceitei a proposta e mesmo a responsabilidade triplicando, o salário também seria bem maior e era o que eu precisava para dar o melhor pro meu filho.
O pai dele foi só mesmo o doador de esperma, nunca quis saber do menino e conseguiu convencer o promotor que não podia pagar mais que R$ 150,00 de pensão.Uma vergonha.
Mas eu não precisava dele.
Lá em casa nunca faltou amor e mesmo com o mínimo, meu filho nunca passou fome ou frio.
A semana foi corrida, teve evento na cidade e eu precisei trabalhar até tarde todos os dias. Mal tive tempo para ver meu bebê. Ele já está um rapaz. Cada dia mais sapeca. Tá aprendendo a falar agora mas tudo bem. cada criança tem seu tempo né?
Estava saindo para o trabalho quando lembrei que as fraldas estavam acabando decidi comprar logo e depois ia pedir algum funcionário para deixar na minha casa.
Aproveitei para olhar os preços dos produtos de higiene, precisava de shampoo, meus cachos imploravam por cuidado e agora eu podia comprar sem ser a marca mais barata disponível.
Estava distraída mas ouvi a risada do atendente e senti ódio. Seria capaz de matar ele só com o olhar.
Allan narrando
Meu nome é Allan, tenho 35 anos, e uma fama de pegador ao qual eu faço jus. Mulher só quero pra diversão. Esse papinho de amor pra vida inteira é passar o resto dos meus dias amando a mesma pessoa aaah fala sério né? Vocês acreditam nisso mesmo? Eu não. Quero mais é curtir. Não repito mulher na minha cama, ou melhor, nunca levei mulher na minha casa, é sempre no hotel, sem chance de deixar essas malucas irem tirar meu sossego lá em casa. É minha paz e meu refúgio.
Sou CEO de uma rede de farmácia, acredite quando digo que a maior do país. Meu sonho é expandir além da fronteira nacional, quem sabe investir num laboratório para criação de medicamentos. Eu penso grande. Quero ter tudo o que o mundo puder me oferecer.
Meus pais deixaram tudo pra mim. Sou filho único. Eles faleceram num acidente de carro há alguns anos. Eu perdi o chão naquele dia. Minha mãe era minha rainha e meu pai o meu herói. Depois que eles se foram não sobrou nada de bom em mim. Tudo o que eu queria era ter ido no lugar deles. Eu que devia ter ido visitá-los, era o aniversário de casamento deles, mas como estava ocupado inaugurando uma nova filial não pude viajar e eles decidiram ir pra cidade onde eu estava.
Choveu bastante e a pista tava escorregadia, meu pai não percebeu um buraco e bateu o pneu dentro. Com o impacto o carro deslizou e ele não conseguiu manter na pista. O carro desceu a escosta, capotou e explodiu. Não tiveram chance.
Eu quis cancelar a inauguração. Pensei em fechar aquela loja antes mesmo de abrir. Ela sempre teria a lembrança da maior perda da minha vida. Eu não queria aquela tortura. Me conheço o suficiente pra saber que nunca daria atenção igual para a loja que carregaria a morte dos meus pais em seus próximos aniversários.
Mas Henrique, meu melhor amigo, não deixou. Me fez manter e se ofereceu para ser responsável por aquela unidade, eu só iria me envolver em último caso, aquela loja seria dele e eu não iria nem lembrar dela. Quem dera eu pudesse realmente esquecer.
Henrique é um idiota. Nossa amizade é do tempo da faculdade. Ele não tinha condições financeiras e estava para desistir do curso, eu ouvi chorando no banheiro, porque ele amava o que fazia e precisaria abrir mão do seu sonho para não passar fome. Aquilo mexeu comigo e não podia ignorar. Liguei pro meu pai e ele pagou todas as mensalidades até o final do curso imediatamente. Henrique não ficaria sem estudar e ainda teria aquele dinheiro livre para suas necessidades.
Ele não queria aceitar, mas no fim, meu pai convenceu ele de que poderia devolver o dinheiro com trabalho. Eu já estava prestes a assumir a presidência e precisaria de um bom advogado para me auxiliar e o melhor da nossa turma era Henrique.
Ele está comigo até hoje. É o que tenho de mais próximo do que se chama família.
Ele é um puto como eu. Pega cada gostosa que chega dar inveja. Não que as minhas sejam feias, mas parece que ele tem um dom e só encosta mulherão do lado dele.
Eu já estava pronto para ir embora. Hoje é sexta e tudo o que eu preciso é de uma dose de whisky e bucet@ molhadinha sentando no meu p@u.
Meu telefone toca e eu atendi no automático...
Allan narrando
- Fala seu puto. Onde é a festa hoje?
- Oi cara. Foi mal. Mas não vai rolar festa hoje é sei que você vai querer me matar depois dessa mas eu prometi que só te envolveria em último caso. A gente precisa ir na filial 23.
Esse cara tá louco! Eu não vou lá. Ele sabe disso. Só fui na inauguração porque eu já estava lá mas se pudesse voltar naquele dia, nunca teria escolhido abrir aquela unidade.
- Sabe que eu não vou. Não gaste seu tempo com isso. Seja lá o que tiver acontecido é problema seu. Resolva. Se não conseguir, fecha aquela merd@, não me importa o que vou perder. Mas eu não vou lá.
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Henrique narrando
O Allan é cabeça dura. Temos a mesma idade, na real, nascemos inclusive no mesmo dia. Ele me ajudou muito, estava desesperado aquele dia e não consegui segurar o choro. Ele me ouviu e podia ter zombado de mim ou só mesmo ignorado. Ele decidiu me ajudar sem nem mesmo me conhecer de verdade.
Virou muito mais que um amigo, é meu irmão de alma. Quando o tio Flávio e a tia Marta se foram eu pensei que ele iria também. Tive medo de que ele se perdesse. Eu não ia aguentar. No dia que ele me encontrou chorando no banheiro foi o mesmo dia que enterrei minha mãe, ela tinha câncer e lutou até o fim, nunca conheci meu pai mas também nunca me fez falta. Minha mãe foi suficiente em tudo na minha vida.
Ver o desespero do Allan perdendo os pais dele parecia que abria um buraco no meu coração. Eu conheci aquela dor. Sabia o quanto era difícil. E fiquei do lado dele.
A gente sempre tava junto. Era quem sempre fechava 10/10 pra tudo.
Ele queria cancelar a inauguração da nova unidade. Queria fechar antes de abrir. Mas a gente tinha investido muito. E nem só pelo dinheiro, realmente, pra ele não ia fazer falta aqueles poucos milhões. O cara é cheio da grana e tenho certeza que o colchão dele é forrado com dólar.
Mas é que a unidade era a maior mesmo, em tudo, a quantidade de empregos que a gente gerou naquela cidade nem se compara as outras lojas. Tia Marta nunca deixaria toda aquela gente desempregada e eu não podia deixar o Allan fazer uma loucura dessa.
Prometi pra ele que ia assumir tudo, que não levaria nada sobre aquela unidade pra ele, a menos que fosse um caso extremo, ele me deu plenos poderes, eu decidia tudo, desde tabela de preço a contratação, sem precisar que ele se envolvesse.
Mas quando fugiu do meu controle ele ia ter que intervir. Não era mais só problema administrativo. Tinha muito mais envolvido e ele não ia ficar de fora. Não quando soubesse o que aconteceu.
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- Allan eu não te ligaria se não precisasse de você. Você me conhece cara. Eu não ia te fazer passar por isso, mas...
- Sem mas Henrique. Fecha, fecha essa droga e pronto, acaba o problema. Tou me fud##do pro que aconteceu. Já disse que não quero saber é que eu não vou lá.
- Allan! O gerente tá envolvido com pedofilia e a mãe da criança disse que foi dentro do banheiro da unidade. Tem que ser você cara, sabe que não posso resolver sozinho.
- Put@ merd@! Tem certeza disso? Diz que esse cara já tá na prisão servindo de moça pros bandidos porque eu não sou capaz de deixar ele vivo se o vir na minha frente.
- Ele foi detido, e tudo lá tá um caos. Eu tou arrumando minhas coisas e vou pegar a estrada agora, quero amanhecer o dia já por lá pra ver o que posso fazer. Um escândalo nesse nível na véspera da gente divulgar a expansão pra Argentina seria nosso fim.
- Eu vou com você Henrique, vou ligar lá em casa pra Maria adiantar minha mala e passo pra te buscar na sua casa. Que droga cara! Porr@! Aquele bost@ do Gilberto quer ferrar com minha vida. Sempre essa unidade. Tudo nela me faz sofrer. Me desculpa cara, mas quando isso passar a gente vai fechar, não vou mais deixar essa loja criar problemas na minha vida, ela já me tirou felicidade demais.
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Allan narrando
Não acreditei no que Henrique falou. De tudo de ruim que eu podia imaginar, nunca me passou pela cabeça um funcionário meu cometer um crime dentro da minha empresa. Falei sério quando disse que não deixaria ele vivo se o visse na minha frente. Eu não quero ter filho mas eu sou humano e mesmo negando tenho um coração dentro de mim. Criança é dom divino. De todas as atrocidades que eu já vi, sem dúvida pedofilia é algo que eu abomino com toda minha força.
Não tinha o que fazer. Henrique tava certo. Eu não iria ficar de fora dessa vez. Eu precisava estar presente. Droga. Queria nunca mais pisar naquele lugar. Cada maldita lembrança dolorosa estava de volta. Eu apertava o volante e gritava dentro do carro para tirar aquele ódio e aquela dor de dentro do meu peito.
Quando cheguei Maria estava finalizando minha mala, fui tomar banho e coloquei alguns itens pessoais. Maria cuida da minha casa desde que meus pais casaram, ela é tipo minha avó/mãe.
- Meu filho, você não tinha avisado que ia viajar, o que aconteceu?
-Mãe Maria, senta aqui, pra senhora não passar mal...
- Você tá me assustando. Fala logo menino!
- Vou com Henrique na unidade 23. O maldito gerente tá sendo acusado de pedofilia e segundo a mãe da criança aconteceu dentro da loja. Henrique não pode assumir, tem que ser eu pessoalmente e nesse momento eu só quero poder matar aquele infeliz.
- Pelos céus, Allan. Que horror. Meu menino, sei que você está sofrendo não só por esse crime horrível e nojento mas pela dor que aquela cidade te causa. Sei que vai ser difícil para você ir até lá mas me prometa que vai se cuidar, que vai ficar bem e tudo vai se ajustar.
- Aí mãe Maria, parece que essa dor nunca vai diminuir, voltar lá no meio dessa confusão torna tudo bem pior. Eu vou fechar aquela loja. Não vou mais manter algo que só me causa problemas. Eu não posso resolver os problemas do mundo e os funcionários vão ter que perdoar um dia, mas eu não posso mais manter ela funcionando, dói de mais aqui (aponta pro coração) e eu não posso mais suportar.
- Calma meu filho! Tenha calma e me prometa que não vai fazer nenhuma loucura. Deixe a justiça resolver, porque sabemos bem o que acontece com esse tipo de bandido na cadeia, ele vai pagar, mesmo que seja com a alma por ter feito o que fez.
- Tá bom, mãe, obrigado viu. Agora vou cuidar porque não quero passar muito tempo dirigindo a noite. Vou com Henrique e mesmo sabendo que ele vai querer dividir o tempo de volante comigo não quero passar tanto tempo acordado e pretendo chegar lá antes de amanhecer.
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Passei no Henrique e seguimos, foram quase 5h dirigindo e mesmo que tenhamos trocado de lugar no caminho eu não consegui descansar enquanto estava no banco do carona.
Quando passamos pelo lugar do acidente dos meus pais eu pensei que ia sucumbir.
Henrique olhou pra mim e não disse nada. Não havia o que dizer. Tudo o que eu precisava era do silêncio quebrado pelo choro que estava me engasgando.
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