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Nas Ruas

Capítulo 1- Toc.

Já fazem alguns meses que Toc faz parte dessa família unida pelo destino nas ruas de São Paulo. São um grupo de seis pessoas, cada um com uma função específica.

 "Paizão", o líder e protetor, um homem forte que deve ter por volta de cinquenta anos, negro, conhece todos os lugares onde podem ficar, como se proteger, de quem fugir e todos das ruas, os bons e maus.

" Tia ", uma jovem senhora, é como uma mãe para todos do grupo, gentil e carinhosa, cuida dos integrantes na parte de alimentação e principalmente com bons conselhos.

"Vagalume ", homossexual, alegre, não deixa a tristeza abater o grupo, está sempre descolando um dinheirinho com as suas acrobacias e alegria nos sinais.

" Bela" , jovem e bonita, ajuda Vagalume e Tia principalmente a conseguirem alimentos e roupas.

" Grilo ", um garoto de oito anos, ágil e inteligente, filho de Bela.

E agora " Toc", a nova integrante. Paizão a encontrou desacordada em meio a caixas num beco onde costumava catar latinhas e papelão para vender. Ela estava com um galo enorme na cabeça, roupas rasgadas, alguns arranhões. Paizão a levou para o lugar onde estavam no momento, debaixo de um viaduto, Tia cuidou dela, até que acordasse.

Toc foi o apelido que recebeu, quando despertou assustada e pedindo " não me toque" não se lembrava de nada, nem seu nome, Tia e Paizão queriam a levar até um hospital e a deixar lá, mais um pavor tomou conta dela,

Toc: — Por favor, deixem-me ficar com vocês?! Eu prometo ajudar no que for preciso… Não quero que me toquem... que me examinem...

O medo era visível nos seus olhos, e sobre medo Paizão e Tia entendiam muito bem. Então a aceitaram no grupo, apesar dela parecer e falar como uma garota estudada, bem cuidada, cabelos macios e limpos, as roupas eram de marca, mais se quer ficar com eles, a sua vontade será respeitada.

No início foi bem difícil para ela, dormir sob caixas e cobertores doados por ONGs, por sorte eram novos, não conseguia ficar suja, tinha que ir até o banheiro público se lavar até três vezes ao dia, recebiam objetos de higiene pessoal, roupas e alimentos de algumas pessoas e entidades, mais como eram de baixa qualidade seus cabelos logo perderam o brilho e maciez, mais sem o banho não fica, nem que tenha que o tomar no chafariz da praça próxima, a noite, quando não havia ninguém por perto. Bela vai com ela, leva Grilo para se limpar também, o garoto não gosta muito.

Grilo: — Já tomei banho essa semana, estou limpo ainda…

Toc e Bela jogam água nele, Bela conseguiu um bom shampoo e o dá a ela.

Toc: — Banho é tão bom Grilo, vem cá deixa eu esfregar o seu cabelo, é um garoto tão bonito, limpinho então...

Toc tem muita curiosidade em saber a história de cada um do grupo, não pergunta a Paizão e Tia, pois sabe serem fechados e não gostam de falar do passado, e ela mesma sente que o seu passado também deve ser esquecido. Aproveita um momento em que Grilo está distraído brincando.

Toc: — Bela, o que houve com o pai de Grilo?

Bela: — Está preso. Não quero que Grilo saiba, tive que fugir com ele para não o tirarem de mim. Se não fosse por Paizão, não sei o que seria de nós...

Toc: - Me desculpe, não queria deixar-te triste. É que queria conhecer vocês melhor…

Estão se secando quando ouvem Vagalume os chamar: — Saiam daí! Depressa, os home estão vindos…

Saíram todos correndo, se escondendo, os " home" policiais que vigiam as ruas não perguntam ou dão chance para ninguém, descem o cacete sem dó nem piedade. Vagalume é que o diga, já apanhou muito por nada.

Toc tem medo deles, Bela a alertou: "Uma garota bonita como você nas mãos deles... Você não imagina o que podem fazer. Não deixem que a peguem." Então corria, corria e se escondia sempre que via ou ouvia um deles. Vagalume lhe arrumou roupas masculinas, largas, um gorro e ela prendia o cabelo os escondendo, Bela também andava assim, algumas noites ela se arrumava usava maquiagem, vestido e salto, deixava grilo com o grupo e saia, nessas noites voltava sempre com um presente para o filho e dinheiro para nos alimentar.

Uma noite estavam todos descansando quando "os home" aparecem a quebrar tudo, os chamando de vagabundos, imprestáveis, Toc teve tanto medo, foi preciso Paizão e Vagalume os enfrentarem enquanto as mulheres e Grilo corriam, tiveram que passar o resto da noite escondidas num beco, de manhã Paizão aparece com vagalume, com alguns hematomas e arranhões, mais graças a Deus estavam bem, " os home" apesar de tudo não são os piores, as pequenas gangues formadas por drogados, ladrões e que se acham donos das ruas são os que devem ser evitados a todo custo.

Nessa noite perderam o pouco que tinham, mais continuavam juntos, Tia cuidou dos ferimentos deles, uma revolta tomou conta de Toc, ela não sabia explicar, mais tinha que fazer algo para os ajudar, eram todos pessoas boas, não são capazes de roubar ou enganar ninguém, só querem viver a sua liberdade, longe daqueles que os fizeram sofrer um dia. A sociedade os exclui, os marginaliza, sem saber o que os levaram a tal destino. Mais como ajudar se ela mesma não sabe como foi parar ali? Como era sua vida antes? E algo no seu íntimo diz-lhe ser melhor não lembrar...

Capítulo 2- Em busca de um novo refúgio.

Ao amanhecer Paizão pede que todos fiquem juntos e o esperem voltar, ele vai à procura de um lugar seguro para ficarem, não podem mais voltar para debaixo do viaduto, Tia diz que até que durou muito, é difícil ficarem mais que um mês em um mesmo lugar, para Toc é a primeira vez que mudam, também é a primeira vez que vê Paizão preocupado e inseguro. Vagalume, mesmo com alguns hematomas ainda, não perde o pik.

Vagalume: - Lugar novo, novas oportunidades!

Paizão fica longe por dois dias, o grupo passa a noite num albergue, juntos, pois mesmo nesses lugares há pessoas de má índole e não se pode descuidar, a cada duas horas um deles fica acordado, protegendo os outros, mesmo estando nas ruas Toc não passou fome nem um dia, comiam nesses lugares onde a refeição é um real e a noite sempre tem um grupo que distribuí sopa e pão a todos os moradores de rua, o mais difícil para ela é a higiene pessoal, chegou a tomar banho na chuva, quanto as roupas, eles sempre conseguem doações, cada um sempre tem guardado pelo menos uma muda de roupa, há aqueles que preferem usar uma até não dar mais ou até ganhar outra, Paizão mesmo usa um casaco tão velho, que o deixa com aspecto de sujo, coisa que não é, parece que o usa justamente para manter as pessoas longe, a maioria das pessoas nem se aproximam mesmo, parece que morar nas ruas é como se ter uma doença contagiosa, que deixaram de ser humanos, de sentir, de viver.

O que acontece é justamente o contrário, estão ali para que possam viver, Toc ouviu histórias de alguns que foram expulsos de casa pelos parentes, outros que fugiram de uma relação de opressão, outros ainda por estarem cansados de seguir as regras da sociedade. Quando lhe perguntam o motivo dela ser um deles tão jovem, ela não sabe o que responder, não se lembra o que aconteceu, apenas que se sente segura com o grupo que a recebeu. Toc não consegue dormir, é a vez de Bela vigiar.

Bela: - O que foi Toc? Tente dormir um pouco, não sabemos o que nos espera, precisa estar descansada...

Toc: — Bela? E se Paizão não voltar? O que faremos?

Bela: - Ele voltará, sempre volta. Isso já aconteceu antes... Quando ele te encontrou, nós havíamos acabado de chegar.

Toc: — Eu pensava nisso... Como fui parar onde ele me encontrou?

Bela: — Se lembrou de alguma coisa?

Toc balança a cabeça negativamente, não sabe se é a incerteza do que acontecerá ou a falta de Paizão, mais uma angústia toma conta dela, até o momento não havia pensado nisso, ou melhor, não quis pensar.

Bela: - É que não é para você se lembrar, não se preocupe. Nas ruas vivemos o hoje, o ontem já foi e o amanhã, o amanhã a Deus pertence.

Vagalume: — As bonecas não vão dormir hoje não? Eu preciso ter o meu sono da beleza, por favor!?

Toc se ajeita na cama para tentar dormir, mais algo lhe incomoda ,e ela não sabe o que é.

Bela observa Toc, um rosto delicado, dentes perfeitos, pele e cabelos com aspecto de serem bem cuidados, mesmo depois de quase dois meses nas ruas mantinha-se sempre limpa e jovial, quando ela apareceu tinha as unhas feitas, roupas caras e uma pulseira que parecia ser de grande valor, Tia a retirou e disse a Toc para guardar onde ninguém a visse senão quisesse que a roubassem. Houve dias em que Bela pensou seriamente em pegar a pulseira, a vender e sair das ruas com o seu filho, mais depois mudou de idéia, quando viu Tia a observando, deve-lhes muito, se fizesse isso não a perdoariam. A idéia de descobrir sobre o passado de Toc ficou-lhe martelando o pensamento, quem sabe poderia resolver a sua situação, quem sabe Toc possa ser milionária e ajudar a todos eles...

Paizão andou por muitos lugares conhecidos, conversou com alguns moradores de rua, mais estava muito difícil conseguir um lugar seguro para seu grupo, a maioria estava ocupada por traficantes e drogados, depois de muito procurar encontrou um prédio, desses do governo, abandonado em construção, talvez por falta de verbas ou mudança de governo, a placa caída coberta de mato, descobriu uma entrada escondida por entre um muro e outro, lá dentro havia várias salas, algumas até com cadeiras e mesas, tinha água e até energia elétrica. O prédio fica bem próximo ao centro, saiu de lá, observando ao redor, não havia indícios de que pessoas como ele vivia ali, um bairro de aparência nobre, bem movimentado. Foi o melhor lugar que encontrou em muito tempo, muito melhor que onde estavam, e como parece estar abandonado há muito tempo não correrão o risco de que os encontrem. O local fez Paizão se lembrar de seu passado, quando trabalhava num lugar como esse, cheio de pessoas atarefadas e sem tempo. Trabalhou por muitos anos, dia a dia, em busca de uma vida melhor para si e a sua família… Paizão balança a cabeça para que as lembranças desapareçam, é ali que irão ficar, é longe de onde estão acostumados, mais já está mais que na hora de mudarem, já estava mesmo muito difícil conseguir sobreviver onde estavam, e sua família formada pelo destino precisa dele, de sua força e proteção como sua família de sangue jamais precisou.

Capítulo 3 - Pesadelos.

No albergue uma ONG distribuí alguns folhetos indicando locais onde podem passar as noites, se alimentar ou obter ajuda para algo que precisarem, os outros jogam fora, Toc guarda, quem sabe pode precisar um dia, e ela gosta de saber onde encontrar banheiros públicos e roupas, e quem sabe até um emprego para ajudar o grupo. Quando chegaram, viram pessoas que distribuíam papel, lápis e canetas coloridas, Toc levou Grilo para pegar e ganhou um kit também. Tia os chama para irem embora ainda bem cedinho, geralmente o conselho tutelar ou outras entidades aparecem querendo levar as crianças, separando mães dos seus filhos ou irmãos e Bela não quer perder o seu filho então saem antes deles aparecerem e voltam para o local combinado com Paizão.

Toc pega o seu material e começa a desenhar, e nem ela entende como, fez o rosto de Tia perfeito, quando Vagalume vê, dá gritinhos histéricos, retira o papel de sua mão e sai mostrando.

Vagalume: — Mona! Que perfeição! Olha Tia! Bela veja! Menina porque não disse saber desenhar assim? Podemos ganhar um bom dinheiro com isso!

Toc: - Eu não sabia.... Simplesmente saiu...

Estavam elogiando e felizes por Toc quando Paizão chega, Toc corre para o abraçar assim que o vê, ele fica encabulado, não há muitas demostrações de carinho entre os mais novos com Paizão, mais ela estava com tanto medo dele não voltar que não se segurou e é muito grata a ele por a salvar e cuidar dela, Vagalume e Grilo aproveitam e o abraçam também.

Paizão: — Está bem! Chega! Estou bem e, encontrei um lugar para irmos, peguem as suas coisas, pois é longe, teremos que andar bastante, o dia todo.

Vagalume: - Olhe, temos uma artista no grupo Paizão, já estou com algumas idéias para ganharmos um dinheirinho em nosso novo lar.

Paizão não disse para onde estavam a ir, não foi preciso, todos confiam nele e o seguiriam para qualquer lugar que fosse.

Tiveram que passar mais uma noite nas ruas antes de chegar no lugar que ele encontrou, como Paizão conhece tudo, os levou para um beco seguro, mais Toc teve uma noite bem agitada, teve pesadelos, estava numa festa dançando e rindo e de repente está a correr desesperada, fugindo, não sabe do que, com medo, sobe num prédio e para fugir tenta descer por uma escada quando cai... A queda é interminável. Acorda a gritar e suando frio. Tia a acalma.

Tia: — Shiiiuuu... Foi só um pesadelo! Você está segura entre nós. Fique calma. - a abraça.

Antes de acordar Toc diz um nome " Senhor Gael", Bela guardou o nome, assim que tiver uma chance vai pesquisar sobre ele, não lhe sai da cabeça que Toc é filha de gente importante e que um dia isso lhe será útil.

Toc se acalma, não se lembra do que sonhou, mais sabe que sentiu muito medo, está encolhida abraçando os joelhos com Tia lhe fazendo cafuné. Paizão também ouviu o nome que ela disse e a sua fisionomia tornou-se mais dura que de costume, esse nome já fez parte do seu passado e não gosta nada de o lembrar.

Bem cedo continuam sua caminhada, quando passam em frente a um prédio nobre, muito grande e chic Toc tem a impressão de conhecer o lugar, para em frente a ele e fica a o olhar, ela já esteve ali, olha para cima, para um andar determinado, uma janela ampla..flesch de lugares e objetos que existem ali dentro aparecem em sua cabeça, corredores e salas...está assim como que paralisada quando algumas pessoas passam e apontam-lhe "até aqui já chegaram" " esses mendigos estão por toda parte" "estão empesteando o lugar,"... Toc sente uma mão no seu ombro, se vira assustada, é Paizão.

Paizão: — Vamos embora daqui menina, antes que chamem a polícia...

Só então ela percebe a cara de nojo que fazem ao olhar para eles, tapam o nariz como se estivessem fedendo e viram o rosto, Toc sente-se tão pequena, abaixa o rosto e segue Paizão sumindo entre a multidão. Bela atenta a tudo, guarda mais essa informação.

Vagalume faz algumas acrobacias e consegue alguns trocados, compra sanduíches para todos, Toc aproveita que estão todos juntos e faz um desenho dos integrantes do grupo, o guarda junto a pulseira.

Em algumas horas chegam ao lugar que Paizão descobriu, Vagalume e Grilo pulam de alegria ao observar a quantidade de salas. Tia sorri ao ver haver água e luz, Toc também, poderá tomar os seus banhos, sossegada, ela percebe um brilho no olhar de Paizão quando ele vê a alegria do grupo, faltam colchões, camas... Mais tem um teto sobre as suas cabeças. Todos saem a procura de coisas que podem usar, conseguem mesas, cadeiras, prateleiras... Improvisam com o que tem, no dia seguinte sairão a procura do que falta. Paizão explica a eles os cuidados que devem tomar para não precisarem sair dali, que mesmo estando longe da rua e difícil de ser visto não devem ariscar fazendo qualquer coisa que chame a atenção, todos concordam, pela primeira vez eles têm um lugar só para eles, seguro, fechado, farão o que for preciso para não o perderem.

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