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TRONO DE MÁSCARAS

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...Foto 1: Reino de Valeria....

Um menino ainda. Aos dezoito anos, o príncipe Alexander Salazar assumiu o reino de Valeria, situado ao leste do continente de Orlandes. Como poderia ele tão jovem governar a vastidão das terras conquistadas pelo maior rei que o reino Valeria já teve?

O rei Afonso de Salazar faleceu durante o jantar na noite da última lua cheia em comemoração aos novos territórios conquistados. As freiras do mosteiro das virgens ao sudoeste do reino previram que sua morte se aproximava caso não retirasse suas tropas da terra santa.

Um alerta do próprio criador ignorado pelo abastado rei viúvo, pai de um casal de filhos, o príncipe caçula Alexander e a princesa primogênita Isabella Salazar.

O velho anfitrião do banquete real bebeu sua derradeira taça do mais refinado vinho produzido pelos camponeses das terras conquistadas pelos soldados valerianos sob o comando do rei mais temido do continente de Orlandes.

O dia da justiça chegou, pouco tempo após os alertas do mosteiro das virgens serem ignorados. A impiedosa morte iminente fulminou seu coração vaidoso. O rei tombou sobre a mesa e as velas acesas ao redor se apagaram com um repentino sopro da noite de inverno que invadiu as brechas das janelas douradas.

Gritos ecoaram por todo o salão de festas, abalando as colunas revestidas por pedras preciosas, desde jades a esmeraldas brilhantes. A notícia entristeceu uma pequena parte do povo: os nobres; enquanto a maioria, camponeses, rugia revolta pelos quatro cantos das terras dominadas.

...Foto 2: Rei Afonso de Salazar....

...*...

...Foto 3: Princesa Isabella Salazar....

...Isabella Salazar...

Os tributos do reino triplicaram sob o domínio do meu pai, e o meu irmão se atormentou quando teve de lidar com a revolta do povo se considerando injustiçado, invadido e roubado.

Exigiam a retomada da posse integral de suas terras dominadas pela corte. Discordavam em ter que plantar e colher nas terras que herdaram de seus antepassados e ceder mais que a metade de tudo que produziam para abastecer os celeiros da nossa nobreza.

— Acalmem-se, por favor!

Eu pedia que as pessoas gritando diante das escadarias da entrada do castelo silenciassem para ouvir as palavras do novo rei. Alexander parecia refletir, perdido em um olhar distante, enquanto ouvia o nome do nosso pai ser difamado por palavras ofensivas.

Os soldados aguardavam suas ordens para intervir, calar os palavreados das bocas mais imundas que se aproveitavam do momento para dizer o que bem desejavam. Seria interessante presenciar mais uma vez um soldado valeriano em ação. Eles são fortes, ágeis e violentos. Não teriam nenhum problema em colocar um homem ou uma mulher camponesa de boca no chão impuro para que se redimisse das ofensas proferidas.

— Ei, Alexander — toquei seu ombro, trazendo-o de volta a nossa realidade. — Diga alguma coisa, irmão. Agora você é o rei de toda essa gente.

— Dizer o quê, Isabella? — Ele me encarou com um olhar temeroso, suas pupilas tremiam e sua testa suava. — Eu nunca pedi isso.

— Mas é o seu dever agora assumir o reinado deixado por nosso pai.

— Não consigo.

— Vamos, lembre-se do que o nosso pai faria nessa situação.

O povo continuava agitado, balançando os braços e desenrolando a língua em palavras ainda mais ofensivas. Uma parte deles parecia ter ensaiado uma coreografia, pois moviam o tronco do corpo para trás e para frente, como se fossem arremessar uma lança em nós.

Alexander desviou seu olhar para os rosto revoltos daquela gente, que mal conhecia, pois pouco saía do castelo, optando mais por ficar imerso em seus entretenimentos pessoais, desde a música de sua lira dourada aos livros da biblioteca pessoal deixada de herança por nossa mãe, apaixonada pela leitura e escrita.

Muitos dos livros que são usados nas escolas do reino foram escritos pela rainha, mas publicados com pseudônimos, uma década antes de sua morte misteriosa. Como reagiria o povo se descobrisse que a indesejada rainha era a autora dos livros educacionais que seus filhos liam na escola, que também cobrava um pequeno tributo pelos serviços ofertados?

Os interesses da corte estavam embutidos nas entrelinhas de cada página e o conhecimento por vezes não estava completo, ou intencionalmente era reformulado conforme os pedidos do rei, que coletava parte dos tributos de cada construção imprescindível em um reino desenvolvido: escolas, centros de cura, igrejas, salões de teatro, entre outras.

Por essa razão, nunca li nenhum de seus livros. São obras somente para as classes inferiores. A rainha comumente fazia pronunciamentos que desagradavam as classes mais baixas, por essa razão recebeu o título de rainha indesejada pelos camponeses. Mas por outro lado, suas palavras agradavam e muito os ouvidos da nobreza e faziam o rei amá-la cada vez mais, afirmando em tom elevado pelos quatro cantos do castelo o quanto a amava e agradecia ao Deus Criador por tê-la dado como esposa e mãe de seus dois filhos.

Talvez por curiosidade, Alexander mergulhou nas obras dela, além dos livros redigidos pelos monges sábios em cento e quarenta volumes de muito conhecimento, escritos especialmente para a nobreza.

Desde muito pequeno, Alexander foi obcecado por livros, sua fome por leitura parece insaciável, não há um dia sequer que ele não seja encontrado na biblioteca do castelo. Penso que seja essa a razão de toda sua empatia por aquela gente, que se tivesse em suas mãos uma lança, não hesitaria ou perderia tempo para ferir nossos corações.

Ergui minha mão direita, olhando para Alexander ao meu lado tão imovel e inexpressivo quanto uma estátua de mármore. Se ele não estava disposto a falar, eu tinha de assumir sua posição, mesmo que temporariamente.

— Alexander, conceda-me a fala, por favor!

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Ele assentiu com a cabeça antes que seus olhos baixassem na direção de seus sapatos feitos do couro dos crocodilos mais ferozes do pântano dos carniceiros. Até seus calçados demonstraram mais autoridade que seus ombros caídos.

— Atenção! Ouçam-me, por favor!

Foi preciso que eu levantasse o outro braço também para acalmar os ânimos dos mais resistentes. Como esperavam que chegássemos a uma solução se mal podiam nos ouvir? Visto que berravam como animais de curral, revolto com o reinado deixado pelo rei Afonso de Salazar.

Outro rei melhor que o meu pai nunca existiu e não poderia existir. Alexander herdou muitos atributos de nossa mãe, mas pouquíssimos do nosso pai. A força, a coragem e a determinação não existiam em seu semblante temeroso e gestos de insegurança.

Ele era apenas uma criança e eu, uma adolescente admirada e por vezes cortejada em segredo pelos príncipes dos reinos vizinhos, quando a rainha Madalena de Salazar faleceu.

Lembro com clareza dela, de seu jeito dócil e de seus medos do poder que um povo revoltado pode oferecer ao monarca. Sua preocupação contaminou seu filho caçula, embora desejasse vê-lo crescer e se tornar um grande homem forte, responsável e soberano como o marido.

— Gente, a princesa Isabella deseja falar conosco — gritou entre eles um homem vestido como os ferreiros das fábricas de espadas do nosso reino, suas mãos calejadas surtiram mais efeito do que as minhas pálidas e macias mãos cuidadas balançando sob o vento daquela manhã de primavera.

Pouco a pouco a multidão se calou. O silêncio logo perdurou sem que os nossos soldados entrassem em cena, embora as mãos deles já se encontrassem postas sobre o cabo de suas espadas prontas para intimidá-los.

— Obrigada!

O ferreiro curvou a cabeça em sinal de reverência. Sua atitude lhe custou olhares de indignação por parte de seus companheiros. Ele deu dois passos à frente, ignorando a multidão que poderia matá-lo ali mesmo se quisessem. Os soldados só agiriam para proteção unicamente dos membros da nobreza.

— Fale, princesa Isabella, iremos ouvi-la agora.

Fiquei em silêncio por um breve momento. Aquele ferreiro fez mais do que calar aquela multidão. Ele atraiu a minha atenção, fazendo brotar em mim um sentimento negativo por sua forma de agir. Um homem como aquele me pareceu uma ameaça maior que o último exército derrotado de cinco mil homens das últimas porções de terras conquistadas.

— Não me diga o que fazer — desviei o olhar para o soldado mais próximo.

— Isabella, não faça nada que piore a situação — pediu Alexander em voz baixa.

Suas palavras sim, as de meu irmão e mais ninguém, eu permitia que fossem atendidas por minha mente criada para a soberania. Sempre estive ao lado do rei Salazar, em todos os momentos, incluindo à noite fria de sua súbita morte.

Os convidados não compreenderam a minha reação quando vi o meu próprio pai tombar morto sobre a mesa do banquete. O restante do vinho de sua taça escorreu sobre a mesa até a borda de onde gotejou até o chão.

— Chamem os curandeiros!

— É inútil, princesa — disse o rei Beltrano Salazar, conferindo a pulsação no pescoço do rei de Valeria. — O meu irmão se foi desta para melhor. — Seu olhar me atingiu como uma flecha mortal. — Sinto muito pelo seu pai, sobrinha.

— Assassino!

Sob os olhares dos demais convidados e de Alexander, que chorava como uma criança que nunca deixou de ser, apanhei uma pequena faca na mesa e avancei sobre o meu tio Beltrano, o monarca do reino de Valdemia, situado em uma ilha ao sul do continente de Orlandes.

Ninguém acreditou em mim. Acharam que eu estava louca, que minhas acusações eram infundadas. Embora todos soubessem dos atritos que hora ou outra surgiam entre os irmãos Salazar por questões de riqueza e poder. Além disso, era óbvio que muitos desejavam tomar o trono de Valeria.

O meu pai fez muitos inimigos por todos os lugares por onde andou, incluindo o reino de seu único e mais velho irmão, por quem nutria uma admiração absurda ao ponto de idolatrá-lo como um “Deus da guerra”, apesar das divergências.

O meu tio sempre foi um homem perspicaz e muito sagaz, dotado de muitas habilidades e cheio de charme. Uma vez no passado o vi discutindo com o meu pai. Escondi-me atrás de uma coluna para ouvir o que discutiam no corredor principal do castelo.

— O meu irmão está com ciúmes? Elas são apenas servas. Imagino que a Madalena desconheça esse seu ciúme por suas servas, ou não?

— Chega, Beltrano! Sabes muito bem que eu proíbo no meu reino o relacionamento entre nobres e camponeses, incluindo as mulheres que trabalham neste castelo. Não importa que elas sejam livres, e você seja um homem viúvo, completamente desimpedido para o amor. Ordens são ordens e lei é lei no reino de Valeria.

...Foto 4: Beltrano Salazar, rei do reino de Valdemia....

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...Isabella Salazar...

O tio Beltrano ergueu as mãos em sinal de rendição e em um piscar de olhos avançou sobre o meu pai, tomou a espada na bainha presa à cintura e o ameaçou com a lâmina a uma polegada de distância da garganta.

Os dois estavam sozinhos discutindo, e eu à distância observando tudo com o meu coração acelerando. Nenhum guarda apareceu ali pelos minutos seguintes. Vi nos olhos do meu tio emanar uma energia de tons escuros e de sensação negativa, como se ele desejasse de verdade cravar a lâmina da espada na garganta do próprio irmão.

Naquele momento, sem mais nem menos, lágrimas involuntárias escorreram dos meus olhos enquanto o meu corpo se moveu na direção deles, gritando palavras de desespero e medo.

— Não, tio!

— Isabella? — indagou meu pai ao sentir o meu abraço por trás.

— Como vai, sobrinha?

— Não mate o meu pai, por favor!

O tio Beltrano baixou a espada, rindo bem alto enquanto o meu pai se virou e, após se abaixar diante mim, enxugou com suas mãos as lágrimas que escorriam pelo meu rosto pálido.

Não compreendi a razão das risadas do meu tio, suas ações não tiveram graça alguma para mim. Imagina ver a vida de seu próprio pai ameaçada diante de seus olhos. A morte nunca foi interpretada como um momento cônico no reino de Valeria e eu sempre tive medo dela.

Os nobres normalmente morrem após a velhice como pessoas que cumpriram seu tempo nesta realidade de amor e dor ou no campo de batalha como grandes heróis, e não pelas mãos do próprio irmão.

Na história da nobreza do reino de Valeria, os reis e seus irmãos sempre mantiveram uma boa relação, embora expressassem o desejo de revogar a lei que obriga o descendente caçula do rei a ser o seu sucessor imediato, e os demais filhos, em ordem do mais novo para o mais velho, a assumir o trono no caso de morte do irmão mais novo.

— Está tudo bem, filha. Acalme-se, seu tio apenas está fazendo mais uma de suas cenas sem graça.

O meu pai tomou de volta sua espada e a guardou na bainha presa a sua cintura revestida por um cinturão dourado. Ele repreendeu o irmão com um olhar severo, semicerrado, como se estivesse querendo amassar a imagem do irmão, como fazem as bruxas nos livros de fadas, comprimindo objetos apenas estreitando os olhos ou franzindo a testa.

— Tens uma filha muito dramática, Afonso. Deves torná-la mais forte ou vai se tornar uma mulher tão fraca quanto seu filho será…

De repente, sua voz cessou com a mesma rapidez com a qual o meu pai desembainhou a espada e encostou na garganta trêmula do irmão linguarudo.

— Se ofender mais uma vez a minha família, cortarei a sua garganta.

Desse dia em diante, o tio Beltrano assumiu um comportamento menos infantil. Ele que me chamava de criança e o meu irmão de eterno bebê passou a temer mais o próprio irmão caçula, cessando de vez os seus comentários ofensivos para com os filhos do rei de Valeria.

Mas no fundo do meu coração eu ainda temia a presença dele, sentindo que tudo não passava de uma encenação para algo maior que poderia vir a acontecer anos mais tarde.

O tio Beltrano sempre foi cheio de surpresas e não era exagero, tampouco loucura alguma acusá-lo de ser o culpado por envenenar o meu pai, embora houvesse uma lista enorme de suspeitos, ele estava no topo dela para mim. Era e continua sendo o meu suspeito número um, apesar da ausência de provas que fundamentam as minhas acusações.

A notícia da causa da morte do rei de Valeria dividiu opiniões entre os que acreditam que o rei Afonso de Salazar foi envenenado por inimigos infiltrados no reino e os que sugerem, assim como eu, que um familiar tenha causado essa tragédia por interesses próprios. Que outra razão teria o meu tio de deixar seu reino naquela noite para celebrar as conquistas do irmão que sempre lhe deixavam com uma inveja tão óbvia em suas palavras e em seu olhar, pela forma irônica como falava e pela expressão facial fechada como a de quem demonstra descontentamento?

O mistério permanece no ar até então.

— Tragam-no para conversar em particular na sala real com o novo rei de Valeria — ordenei aos soldados, apontando o ferreiro, surpreso com as minhas palavras.

A multidão uivou contra a minha decisão. Optei por isolar um só, isto é, aquele que mais se assemelhava ao líder do rebanho. Aprendi com o tempo que estive com o meu pai que se você deseja convencer um grupo de pessoas de algo, convença primeiro o indivíduo em que todos mais confiam, pois este se convencido, transmitirá a mensagem e os demais não julgaram a mensagem, mas sim aquele que a transmite, dessa forma as chances de persuadir todos são maiores, mesmo que uma minoria resista a persuasão e permaneça discordante.

Caminhamos pelo corredor principal até a sala real. Alexander ao meu lado e ao lado dele parecia caminhar a personificação de sua insegurança presente em sua própria sombra se movendo na parede com os ombros e a cabeça baixa.

Os soldados conduziam o ferreiro logo atrás de nós. A luz do dia invadia o ambiente pelas janelas douradas que resplandeciam a beleza do castelo e a riqueza da nobreza do reino de Valeria.

— Erga a cabeça, irmão — pedi em tom sussurrante. — Como espera ser um rei temido pelas pessoas sem a postura correta.

— Isabella…

Ele moveu os olhos para o lado, tentando olhar para trás sem mover a própria cabeça. Alexander parecia incomodado com a presença daquele homem que ganhava a vida trabalhando por horas durante o dia e às vezes à noite também nas fábricas de espadas, produzindo o arsenal necessário para os soldados valerianos derrotarem quaisquer invasores.

Todos os ferreiros têm por obrigação esse árduo trabalho, dado que somente os nobres se esforçam menos se tratando de um serviço braçal. Alguns nobres, preferencialmente, trabalham no ensino ou nos centros de cura do reino, enquanto outros só fiscalizam o trabalho das classes inferiores.

O meu pai sempre esteve presente no meio do povo, fiscalizando pessoalmente o progresso de seu reino, o aumento na produção de armamento militar e no armazenamento de alimentos para o inverno, que ocorre sempre do primeiro ao quarto mês do ano.

— O que pretende fazer?

— Restabeleceremos a ordem no reino deixado por nosso pai. Apenas confie em mim. Eu estive na companhia do rei Afonso de Salazar a minha vida toda, ouvindo seus julgamentos reais, reuniões e planejamentos militares. Sei exatamente como convencer aquela multidão a se submeter a você, rei Alexander.

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