Damon Petrakis comprimiu os olhos com força e ficou assim até que a turbulência que sacudia todo o avião que o levava para Nova York passasse.
Voos longos, dava-lhe a sensação de insegurança e estar fora do controle em qualquer circunstância da sua vida era algo que queria riscar definitivamente da sua agenda.
Assim que findou a instabilidade, abriu os olhos esverdeados devagar e aliviou a tensão dos músculos do rosto atraente de trinta anos.
( Imagine Damon: figura meramente ilustrativa. )
Passou os dedos pelo cabelo liso e castanho e arrumou o tronco atlético no assento de primeira classe. Consultou o relógio de ouro e sentiu a ansiedade tomar conta do seu corpo.
Outro sentimento que não desejava sentir.
Também pudera...
Sair da sua terra Natal, Atenas, capital da Grécia e seguir para outro continente não estava em seus planos. Não tão cedo.
No entanto, o impacto positivo da empresa de azeite consagrada na Grécia, que era gerenciada por ele e seus irmãos, alastrava-se agora nos Estados Unidos, sobretudo em Nova York.
Assim, encarregado de ampliar o mercado que naquele lugar era administrado por seu irmão Lucca, foi obrigado a deixar de lado os seus sentimentos controversos, sair da sua zona de conforto na Grécia e ir em busca de ações decisivas para o empreendimento da família.
Na verdade, convencer CEOs do mercado internacional não representava nenhum obstáculo, afinal, gostava de lidar com os negócios.
O problema, tinha que admitir, era a loira, de olhos de cor cinza e enigmáticos, sorriso fascinante e corpo delgado.
( Imagine Sally: figura meramente ilustrativa. )
A sua inusitada ex- esposa americana que insistia em invadir seus pensamentos sem pedir licença e por mais que tentasse, sentia o coração doer só de lembrar dela.
Enquanto folheava a revista, dizia para si mesmo que Sally não representava nada para ele. Pelo menos, desde que assinou o divórcio.
" Será que a perdoaria um dia? Sua mente dizia não, mas o seu corpo e o seu coração...Que teimosos!"
Suspirou, entediado, enquanto ignorava um sorriso de uma jovem aeromoça que, ao passar, tentava em vão flertar com ele desde que embarcou no voo.
Consultou novamente o relógio, disfarçadamente, até que ela se afastasse de vez, certamente frustrada.
Sua nova regra era essa.
Não ia cometer o mesmo erro de misturar dever com prazer. Bastava-lhe a ex.
Disposto a não pensar nela, pegou uma revista da companhia aviária.
As folhas brincavam diante dos seus olhos, até que quase ao final da revista, um nome em caixa alta, chamou a sua atenção.
"Não acredito! Que diabos ela faz aqui?!"
Incrédulo, ele observava que na página de sugestões de programações culturais, a reportagem em destaque era sobre a renomada artista plástica Sally Miller, que estava com uma nova exposição em sua galeria em Nova York.
O alerta acendeu.
" Fecha essa revista, seu tolo! Não leia!"
De imediato, ele fez isso. Encostou a cabeça no assento e cerrou as pálpebras.
No entanto, o que adiantava se afastar da revista? Ia ser difícil dissipar da sua cabeça a curiosidade de saber mais sobre ela.
Lá no fundo, queria que tudo fosse diferente, sem precisar de ter que tomar uma atitude que se arrependia ocasionalmente, quando acordava à noite, após sonhos de amor com ela.
E mais impossível ainda, esquecer a última vez que a viu: O dia do divórcio há cinco meses atrás.
As lembranças vieram como uma enxurrada, invadindo sua memória desprevenida.
Era uma manhã gelada de um dia nublado, quando o divórcio se tornou a única alternativa para se desfazer do ninho obscuro em que se envolveu com Sally.
Na época, estava convicto a não querer mais nenhum tipo de vínculo com ela e seguira até Lucca, o seu irmão mais velho, que já estava num famoso escritório de advocacia na parte central de Atenas, esperando-o.
O irmão, ao vê-lo chegar, abraçou-o, e disse, sem papas na língua:
— Você está com um aspecto terrível, Damon! — Ele o fitou detidamente. — Graças a Deus tudo isso vai acabar. Essas últimas semanas foram terríveis e o melhor mesmo é manter distância de tudo o que lembra as irmãs Miller!
Desconversando, Damon refutou as palavras do irmão:
— É só ressaca, mas já tomei aspirina. Tô me sentindo aliviado, na verdade, já que finalmente hoje vou me livrar desse pesadelo. Não quero nem saber de continuar preso àquelas irmãs... Se eu pudesse voltar no tempo, não queria ter conhecido nenhuma delas.
Falar da boca para fora era muito fácil. Comprovou naquele instante, no entanto o seu coração sabia: amava Sally com todas as forças da sua alma, mas não via outra saída que não fosse o divórcio.
Mudando o foco da sua atenção para o outro lado da sala, preferiu ficar em silêncio.
Lucca deu um tapinha no ombro dele e com certa ironia disse, num sussurro, como se quisesse descontraí- lo:
— O bom da história é que você "pegou" as duas, né?!
A cara de desprezo foi a resposta que deu para Lucca.
— Seu idiota! Não foi assim, você sabe! Diz isso porque não foi você quem fez papel de bobo nas mãos das duas. Pelo menos nos livramos de uma delas...Agora Sally... — Inesperadamente travou ao lembrar como os beijos dela o mexia e o seu corpo com o perfume floral o enlouquecia. Despertando do pensamento lascivo, continuou: — Vou garantir que se mantenha bem longe de mim.
O irmão mais velho, olhou para Damon como se não tivesse certeza disso.
— Bom, espero que não mude de ideia e crie juízo. Devia ter ouvido o conselho do nosso pai! Era pra ter se casado com alguém de nossa cultura! Agora passa pelo vexame de ser o primeiro divorciado da família!
— E você queria o quê? Pior seria se eu ficasse com alguém tão fria e calculista capaz de... Droga, nem quero pensar no que ela é capaz de fazer! Com o divórcio, estarei livre para casar com uma grega submissa e boa mãe como querem. Como se diz: vou agradar gregos e troianos.
O irmão deu um suspiro. Ia contra-argumentar, mas algo despertou o seu interesse.
Cutucou Damon.
— Espero que não tenha nenhuma recaída, irmão, pois lá vem ela, linda...Linda!
Ainda com o pensamento no passado, Damon lembrou de como foi a sua reação assim que a viu, no dia do divórcio.
Ele se virou com o coração mais acelerado do que pudesse controlar.
A mulher que virou sua vida de cabeça para baixo entrava lentamente e não o encarou, à princípio.
Ela se sentou a sua frente, com o perfume familiar a invadir suas narinas. Com os sentidos atraídos por ela, tentou disfarçar seus verdadeiros sentimentos.
Ele reteve na memória, a fisionomia triste dela, entretanto, não deveria se comover.
" Resista! Não estrague tudo, cara!"
Para se conformar, imaginou o motivo daquela aparente tristeza. Sally não conseguiu o propósito de arrancar até o último centavo do seu bolso com sua ardilosa irmã Sam.
Lucca o interrompeu:
— Damon, o documento! Assine!
Sem mais, os papéis foram assinados por ambas as partes, mas não passou despercebido a ele, que momentos antes, Sally hesitou em assinar, como se quisesse declinar do divórcio.
Assim que tudo terminou, ele e o irmão, como tinham combinado, levantaram-se apressados e saíram em silêncio.
Sally, como se despertasse de um estado de torpor, seguiu atrás deles.
— Damon, espere...
Ele nem acreditava que estava ouvindo aquela voz aveludada e cheia de artimanhas chamando-o de novo.
— Vamos, Lucca, não vou falar com ela...
Mesmo sendo ignorada, Sally continuou chamando por ele, apressando os passos.
— Ah, não, Damon, estou curioso! Quero saber o que é! — O irmão parou, forçando-o a virar-se, enquanto ela chegava com a respiração curta.
Seus olhos fitaram os lábios carnudos e semiabertos da mulher , que lutava para recuperar o fôlego.
Escondendo os sentimentos contraditórios, ele falou rispidamente:
— O que foi dessa vez? Já não fui bem claro que não quero mais você na minha vida?
A palidez repentina de Sally não lhe deu a sensação de vitória.
" Droga! Estou me tornando pior que ela!"
Sally engoliu em seco. Meio trêmula retirou algo da bolsa.
Os olhos dela estavam lacrimejantes.
— Pode ser que você não me quer em sua vida ... Mas nunca foi minha intenção te magoar e só concordei com o divórcio porque essa é a única forma de fazê-lo entender que não é o seu dinheiro que eu quero.
Damon e Lucca se olharam, perplexos.
Ela ergueu a mão esquerda.
— Pegue...
O rapaz observou os dois envelopes e não sabia o que dizer. Lembrou que ela lhe disse que ia mover céus e terra para pagar o dinheiro que a irmã devia... Mas e o outro envelope? Uma carta assumindo seus erros?
Olhou-a de forma penetrante, antes de pegar os dois envelopes.
— Que é isso?
Ela umedeceu os lábios e falou emocionada:
— O primeiro é o cheque para pagar a dívida, como prometi e o segundo é uma notícia...bem...
Ele a interrompeu, com falsa frieza.
— Eu não quero nada que venha de você! Não vou mais cometer esse erro!
Com isso, ele começou a rasgar os papéis.
Sally, de olhos arregalados, exclamou algo que não conseguiu entender de tão atordoado que estava com suas próprias atitudes.
—Bom, se era só isso... Adeus!
Em desafio, deixou ainda os papéis caírem das suas mãos em frente aos olhos cinzas de Sally, que de espantada foi assumindo uma expressão de raiva.
Engolindo o choro, ela levantou o dedo indicador em riste e avisou entre dentes:
— Pois agora, senhor Petrakis, sou eu quem digo: entre nós não há volta!
— Voltar com você? Deve tá sonhando!
Sally soltou um murmúrio chocado.
Antes que ele evitasse, levou um tapa.
E rapidamente ela se virou e foi embora.
Lucca não se aguentou.
Começou a rir, zombando da situação que presenciou entre o irmão e a ex.
— Essa sim foi a melhor obra de arte de Sally! A marca da mão dela em sua cara! Que obra-prima!
O local ardia e ele acariciou a pele avermelhada do rosto.
Pior que a agressão física, era esconder o impacto que as palavras dela lhe causaram. Esboçou um sorriso amarelo, mas por dentro, o coração estava totalmente partido.
Voltando ao presente, de novo consultou o relógio. Faltavam oito horas de viagem. Tempo suficiente para sentir o coração palpitar mais forte e a ansiedade lembrá-lo que por mais que desejasse esquecer Sally, a ladra do seu coração, seria uma missão que levaria tempo.
Abriu de novo a revista. Não precisava ler a reportagem sobre Sally. Pularia essa parte. "Então, lá vai! Um, dois três e já!"
Acabou se atrapalhando e adivinha? A maldita página saltou diante dos seus olhos mais uma vez.
Tarde demais.
Não adiantava resistir. Como podia esquecê-la?
A reportagem explanava sobre a trajetória de uma simples órfã, que ao ficar adulta, formada na faculdade de Artes Plásticas, trabalhou antes como guia num museu, até realizar o sonho de ter sua própria galeria de arte e expor seus trabalhos, que cada vez mais conquistava mais admiradores e clientes de todas as áreas.
Sua exposição, segundo estava na revista, encerraria naquela noite.
Percebeu que em nenhum momento Sally citou algo a respeito da sua irmã.
Muito estranho.
Antes de continuar a ler, seus olhos escorregaram para a foto estampada na página da revista.
A mulher carismática e sorridente, deixou-o desconcertado.
"Linda como nunca! Que ódio!"
O sabor amargo que surgiu na sua boca não foi por acaso.
Definitivamente, o reflexo era de alguém que não media esforços para conseguir realizar seus desejos custe o que custasse.
Sally tinha uma aparência angelical e facilmente enganaria um homem desavisado. No entanto, mesmo assim, arrependia-se de ter sido tão duro com ela.
'Só um milagre para os dois voltarem...Não adiantava nem tentar."
Seus olhos foram novamente atraídos para a imagem. Franziu o cenho, espantado . Havia um "certo detalhe" em Sally que só naquele instante percebia. "Como não havia visto aquilo antes?" A ficha caiu e exclamou bem alto:
— Oh, meu Deus!
( Um milagre?!)
Sally estava exausta, mas com a sensação do dever cumprido.
Mais uma vez sua exposição foi um sucesso e nada disso seria possível se não fosse o incentivo da sua amiga e sócia Sophie, que se esgueirava entre os visitantes e fazia questão de dialogar com eles sobre suas impressões acerca das obras de arte.
Ela, por outro lado, já aguardando que em meia hora se encerraria a visitação, acomodou- se numa poltrona e pondo os pés inchados, sobre um puf, começou a acariciar a barriga avantajada de quase sete meses.
O bebê estava quietinho naquele momento, mas assim que repousasse em seu apartamento, tinha certeza que ele ia aprontar, como se seu ventre fosse um parque de diversões ou um estádio de futebol.
Sentindo ansiedade e amor, simultaneamente, sorriu de leve ao imaginá- lo em seus braços.
Como desejava que chegasse logo esse dia e pedia a Deus que não se parecesse fisicamente com um certo grego prepotente e imbecil que conhecera a alguns meses atrás, e que por uma ironia do destino foi o seu marido.
Seus pensamentos voaram para a Grécia imediatamente, antes que tentasse evitar.
Podia ouvir o barulho do mar Egeu, sob o dia lindo de sol, enquanto seus lábios eram tomados com exigência, seu corpo pulsando num pedido mudo para ser possuída e os sussurros de Damon que não a deixava mudar da ideia de tê-lo para si sem nenhuma restrição.
Trêmula de desejo, resolveu afastar esse pensamento, antes que mergulhasse no passado que lutava para esquecer.
" Para, Sally! Ele não merece o seu amor!"
Com isso, levantou-se e voltou a recepcionar os visitantes que iam se despedindo.
As pessoas se aproximavam e elogiavam o seu trabalho artístico que denominou de " Laços de Ternura".
A exposição era coletiva e entre suas obras havia esculturas, pinturas e fotografias de seus parceiros na Arte, no entanto, o que tinham em comum era a temática representada por várias manifestações de afeto.
Num olhar emocionado, num abraço apertado, num beijo apaixonado,
as obras quebravam as barreiras das idades, das etnias, dos preconceitos ou das classes sociais.
Nas suas pinturas, ela expressou tudo o que o seu coração pôde detectar das emoções humanas, e mais especificamente, das suas experiências pessoais.
Apenas uma tela era diferente das outras.
Não quis expor os rostos dos envolvidos, mas sabia exatamente o que queria expressar.
Na imagem, as mãos de um casal. A mão masculina era morena, bronzeada de um sol escaldante e estava fechada em punho. Já a outra, feminina, era alva e bem torneada e tentava tocá-lo.
Entre as mãos havia estilhaços de vidro que os impedia de manter um laço de ternura.
No plano de fundo, um mar revolto dava a impressão de se debater sobre as rochas. Os pássaros partiam, anunciando que ali já não seria um bom lugar para continuar.
Estava tão distraída, que levou um pequeno susto com a chegada da amiga.
Ela deu um sorriso e a beijou na bochecha. Depois, cruzou os braços e também fixou os olhos na obra- prima.
— Sabe, Sally, confesso que essa sua obra é a mais perfeita aqui, mas ao mesmo tempo, ela me dá a sensação de um tapa na cara!
Ela observou Sophie com curiosidade:
— Um tapa na cara? Essa análise foi a mais inusitada hoje!
— Essa tela "sacode " minhas emoções de tal forma como se implorasse por um mínimo de Ternura.
Sally olhou para a pintura. Embora estivesse exposta, era a única que não estava a venda.
Ela tinha um valor emocional muito grande.
Foi feita para que nunca esquecesse de que deveria ficar bem longe de um certo grego...
— Pra mim, Sophie, é apenas uma advertência de que tem pessoas que podem até receber sua ternura, mas no final das contas não merecem.
A amiga entendeu as palavras melancólicas, recheadas de ressentimento.
— Você vai superar, amiga! A galeria é o exemplo de que você não se deixa abater por qualquer bobagem. Admiro a sua coragem e determinação em seguir em frente. Quem ficou no caminho, durante a sua passagem é que saiu perdendo.
Seja pelo seu estado, com as emoções afloradas ou pelas tensões ocasionadas por tantos problemas que teve que passar, Sally não conteve as lágrimas e abraçou a amiga.
— Obrigada, Sophie, se fosse para escolher eu gostaria que você fosse minha irmã de sangue.
A amiga afrouxou um pouco o abraço e enxugando suas lágrimas com um lenço, disse- lhe:
— Só se fosse possível ter apenas você como irmã, pois detestaria ter parentesco com Sam, credo!
Nem era caso de risada, pois a irmã pertencia agora só ao seu passado, mas a careta que Sophie fez foi muito engraçada.
— Só você para alegrar os meus dias...
— Eu e essa coisinha fofa que estou louca para conhecer.
Sally aquiesceu, iluminando o sorriso repleto de orgulho, mas subitamente, um rosto familiar chamou a sua atenção e empalideceu.
Sophie, sem saber ainda do que se tratava, se preocupou:
— Pelo amor de Deus, Sally, sente-se. Algo errado, amiga?
Com certa dificuldade, Sally sussurrou:
— Damon...
Sophie acompanhou o olhar assustado da amiga, até se deparar com o homem alto, bonito e elegante que vinha com a fisionomia trancada na direção das duas.
— Oh, não! — Ela exclamou e ao virar-se notou que Sally não estava bem.
Sally sentiu as pernas amolecerem e os olhos ficarem turvos, diante da aparição de Damon Petrakis, o pai do seu filho.
Antes do desmaio, o perfume inebriante e as mãos fortes a envolveram como se fossem asas de um arcanjo.
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