O sufoco vai ficando agonizante e uma explosão de cenas vem de ante dos meus olhos. É dada a largada para me salvarem. Johnny volta comigo para dentro do casarão, berrando o nome do meu irmão de uma forma que mortifica toda a barulheira, garantindo que Liam e seus amigos cheguem até nós

- Reação alérgica – diz Johnny.

Sabendo o que deve ser feito, Liam me coloca no banco de trás do Montana Vermelho. Ele sobe na cabine do volante, e acaba que Johnny também vem junto, ocupando o assento do passageiro. O carro entra em movimento, entrando na rua, percorrendo o caminho para o hospital mais próximo.

Escuto Johnny relatando à Liam que o biscoito de nozes instigou meu surto alérgico. A velocidade nas rodas passa a subir de nível. O pouco ar que me resta é o máximo que me mantém até chegarmos no pronto-socorro. Eles me deitam numa maca, que é empurrada pelos enfermeiros até um leito. Liam explica à situação à eles. Então? tudo se torna automático. A agulha de uma seringa é injetada na minha veia, afundando-me num espiral de dormência e fico inconsciente.

Finalmente acordo, respirando melhor do que nunca. Encontro-me no quarto hospitalar e me deparo com Liam e meu pai sentados nas cadeiras perto da minha cama.

- Você deu um susto em tanto na gente, Junior – diz Liam, com aquele olhar delicado.

- Está sentindo alguma coisa, filho? – pergunta meu pai, segurando a minha mão direita. A outra está ocupada, recebendo medicação intravenosa da bolsa de soro.

- Eu estou bem – respondo.

Sinto falta de mais alguém, que agora é importante.

- Cadê... Onde está Johnny?

- Ele foi beber um gole de água – responde meu pai.

- Na real, ele não ia ter coragem de ficar aqui com a gente. O cara tá se sentindo péssimo, digo, responsável pelo o que aconteceu – a detalhada resposta de Liam me traz surpresa.

- Não foi culpa dele. Nem minha. Ninguém sabia que os biscoitos continham nozes – digo.

- O mais importante foi que ele trouxe você pra cá – conforme meu pai diz isso, sinto-me melhor.

O movimento de alguém entrando nos leva a olhar em direção à porta aberta. É o doutor, que cumprimenta a gente e dá uma checada no soro.

- Já acordou, rapaz? Como está se sentindo? – ele me aborda com seu tom amigável.

- Bem melhor, doutor – é melhor eu ir direto ao ponto. Não quero ficar aqui. – Posso voltar para casa?

- Paciência, meu jovem. Vamos observa-lo por mais alguns instantes. Se não sentir mais nenhum mal estar, será liberado.

- Obrigado, doutor.

Uma campainha toca e descubro que seu nome é Hope quando uma voz feminina anasalada solicita a presença dele na recepção. Enquanto ele está saindo, surge Johnny passando por ele. Pelo visto, ele está sem jeito e isso é fofo demais. Droga.

- Junior, eu vim aqui te dizer que eu estou indo para casa.

- Tudo bem, Johnny – falo.

Ele afunda as mãos nos bolsos do jeans azul.

- Olha, perdoe-me por não ter sido tão atencioso com os biscoitos.

- Johnny, vamos esquecer isso, ok? Ninguém errou. Foi só um acidente – corro para aliviar o peso injusto o qual ele pôs sobre si.

- Certo – ele assenti e sorri. – Então, a gente se vê amanhã na escola.

- Você vai pegar ele de carro lá em casa, né? Agora que vocês são meio que namorados – Liam joga essa de propósito.

- Liam, cala essa boca! – ralho.

- Vocês estão namorando? – pergunta meu pai de sobrancelhas erguidas.

Ai não.

- Não. É só faz de conta. Eu perdi um desafio, essa foi a consequência. Não é nada sério – explico às pressas.

- Ainda.

Fuzilo meu irmão mais velho com meu olhar.

- Eu vou passar o bisturi nessa sua garganta!

- Ah se toca. Não acerta nem uma formiga com isso.

- Eu vou esperar você dormir.

- Meninos, chega. O rapaz ainda tá aqui – intervém nosso pai, desgostoso.

- Estarei lá – digo à Johnny, com um pontapé na língua.

- Fique bem – pede ele.

- Tchau.

A porta se fecha com ele indo embora.

- Não rolou nem um beijinho – continua Liam com as provocações.

- Para com isso... – o riso engasgado do meu pai me faz ficar frustrado. – Pai! Até você?

- Eu não falei nada - defende-se ele com as mãos para o alto.

Eu devia ser um bom menino e ir dormir quando volto para casa à meia-noite, mas minha noite foi tão maluca e misturada com tantos ocorridos que, convenhamos, fica difícil pegar no sono. Arrasto-me para de baixo das cobertas com o notebook ligado. Abro o software do Instagram e digito o nome Johnny Black na barra de busca. É apenas um dos comportamentos típicos que acabo tendo quando um novo crush surge em minha vida.

AI meu Deus!

Eu já devia ter um leve indício de que veria as fotos dele na praia usando shorts de banho, com estampa de palhas de coqueiro. Os ângulos são rastros de um fotógrafo professional por serem perfeitos, dando closes no seu peitoral, bíceps e abdômen trabalhados pelos exercícios físicos. As pernas musculosas também não passam despercebidas. Mas acima de tudo, o seu cabelo dourado, úmido e brilhando no sol, faz eu me derreter. E detalhe, sua pele estava bronzeada.

Vejo mais outras selfies antigas dele numa Tomorrowland, passeio com os amigos que conheci no casarão do Steve, treino no campo da escola com o time de football, e dele prestando serviços como cuidador em uma ONG de adoções de animais domésticos. Se a coisa podia ficar mais fofa, acaba de ficar quando curto uma foto dele rodeado de cães e gatos.

Eu não paro de pensar no dia de amanhã. Verei ele outra vez. É emocionante saber que um pulo na festa dos amigos do meu irmão mais velho faria eu perder um desafio e cair num relacionamento amoroso de brincadeira com o cara que mexeu com o meu coração nas horas mais inesperadas. Algumas pessoas podem até cogitarem que realmente estamos namorando, tipo meu pai, um exemplo provisório mais cedo no hospital.

Desligo o notebook 30 minutos depois assim que ouço o som de uma notificação no meu celular. Deslizo os dedos na tela do aparelho e surto em silêncio. Mensagem de Johnny. Clico no chat de conversa para visualizar melhor aquele Tá mimindo? Aaaah. Idiota fofo.

O sono tá demorando chegar na minha estação kkkkk – Eu. 😄

Estação kkkkk? – Johnny. 🤔

É como expressamos nossas risadas por mensagens no Brasil, bobo – Eu. 😂

Hahaha. Melhor aprender agora do que passar vergonha quando eu viajar pra lá um dia – Johnny. 😅

Você vai amar esse país. Os brasileiros são muito amorosos. A culinária é a melhor do mundo. Os pontos turísticos não se tem em outro lugar. De todos os estados, o mais icônico é o Pará – Eu. 😃

Então, já sei onde especificamente vou descer – Johnny. 😉

Foi o estado em que nasci, assim como meu irmão. Me dá muito orgulho dizer isso. Tenho raízes indígenas – Eu. 😊

Quando olho pro Liam, nem parece que ele veio do Brasil – Johnny. 😅

Ele herdou mais genes do nosso pai, californiano nato – Eu. 😝

Foi no Pará onde seus pais se conheceram? – Johnny. 🤔

Sim. Minha mãe se apaixonou pelo gringo lindo, como diz uma música gênero Brega que toca nos bares de lá – Eu. 😄

E quando vocês vieram para os Estados Unidos? – Johnny. 🤔

Nós viemos pra Califórnia quando fiz 7 anos. Liam tinha 8. Como nosso pai nos fez se dedicar a falar inglês desde cedo, nossa comunicação com as outras crianças foi fácil – Eu. ☺

Seu pai tem uma postura de homem metódico e compreensivo. É prazeroso conversar com ele. Daria um ótimo sogro – Johnny. 😎

Ainda com a ideia do casamento? – Eu. 😲

Eu sou pra casar – Johnny. 😌

Isso quer dizer que só falta colocar o dedo no anel – Eu. 🤗

Um anel com os nossos nomes – Johnny. 😍

Não me refiro à este anel – Eu. 😏

Junior! – Johnny. 😳

E passamos a madruga trocando mensagens que fazem eu me abrir, rir e deseja-lo até pegar no sono.

Em meu sonho, eu estou me divertindo com meu irmão e seus amigos em uma rua perto de casa, pintados pela luz fraca do sol se pondo no horizonte. De repente, a impressão que eu tenho é de estar sendo abraçado por trás, com os braços dele me acariciando e o sua respiração em meu pescoço. Minha boca está à ponto de colar na dele, mas sou trazido de volta ao estado de consciência quando a voz do meu pai atravessa a porta.

- Hora de levantar, filho. A escola começa às 8.

Esfrego os olhos, bocejando. Apanho meu celular de cima do armariozinho. O horário marca 7 horas.  Pulo da cama espreguiçando-me e ando até o banheiro. Tomo um banho gelado que apaga os resquícios de sono. Visto uma camisa amarela de algodão, um jeans azul e calço um par de tênis vermelho. Aplico uns espirros de perfume adocicado na roupa. Jogo a mochila contendo um caderno e um estojo sobre as costas. E desço direto para a cozinha.

O aroma de ovos fritos com bacon é deliciosamente convidativo quando chego no cômodo, reparando que o alimento preparado está no prato de Liam, que está mastigando sentado no balcão.

- Bom dia – cumprimento eles.

- Bom dia – responde meu pai. - Vai querer o mesmo, filho? – ele aponta com a espátula para mais ovos e bacon fritando na frigideira aderente.

- Sim, pai. Por favor.

Noto que Liam está com o olhar fixo em mim desde que me sentei ao seu lado. Fico quieto à espera dele dizer alguma coisa. Meu semblante vai se enrugando conforme seu silêncio vai incomodando-me.

- O que foi? – tomo a iniciativa.

- Nada – ele nem consegue disfarçar com o seu sorriso sem graça. – Dormiu bem?

- Perfeitamente – respondo, neutro.

O som de uma notificação soa do seu celular. Ele apanha o aparelho e liga a tela. Sou espiado de relance pelo canto dos seus olhos. Não adianta. Meu irmão está me escondendo alguma coisa e acho que ele não deseja que eu saiba.

- Liam – chamo ele.

- Oi – ele não encara-me.

- O que aconteceu? – ao invés de parecer que estou pedindo, na verdade estou mandando.

Não demora muito para ele começar à falar, mas baixando o tom para que nosso pai não escute.

- Bom. A escola tem uma página no Instagram onde postam sobre as coisas que acontecem, principalmente sobre os populares. E você está no top 1 de post mais comentado do momento.

- Deixa eu ver – estendo a mão para que ele me entregue o celular e recebo no mesmo segundo.

DESCUBRA AGORA QUEM É O NOVO NAMORADO DE JOHNNY BLACK.

Fico boquiaberto e logo sou consumido pela irritação.

- É sério? Ninguém sabe que é só um faz de conta porque perdi um desafio.

- Pra eles, não importa como foi. A coisa tem que bombar – Liam recolhe o seu celular de volta.

- À fim de gerar o que?

Então ele explica.

- Intrigas. Johnny namorou uma garota ano passado. O nome dela é Nina Davies. Parece que ela tá se esforçando pra voltar com ele, mas as chances são mínimas. E agora que você é considerado o novo amor dele, ela vai enlouquecer ela.

Nina Davies? Ex-namorada? Intrigas? Inacreditável! Não conheço nem 2% dessas pessoas enquanto praticamente 90% da escola estão falando de mim. Os outros 10% são de pessoas que estão cagando para isso, e essa é a percentagem que respeito.

- Quer dizer que ainda nem cheguei a estar na Barrycloth e já me tratam como um entretenimento de fofoca – a vontade que eu tenho é de socar a mesa.

- Quer que eu mande os ADMs tirarem?

- Agora todo mundo já deve ter visto.

Paro de falar assim que meu pai me entrega o meu prato com os ovos e bacon prontos.

- Obrigado, pai.

- Aqui estão seus almoços – ele põe duas sacolas de papel cor pastel em cima da bancada. Em seguida, ele está desamarrando o nó do fio do avental, atirando o para o lado. Por fim, suas mãos desmancham as dobras nas mangas da camisa -Agora eu tenho que ir pro escritório. Portanto, cuidem-se. Amo vocês.

Ouço uma notificação do meu celular. Pego o do bolso e dou um pulo no assento da cadeira.

- Ai caramba.

- O que? – pergunta Liam.

- Johnny vai passar aqui em 5 minutos.

Largo o celular na bancada e começo a comer meus ovos com bacon com o meu coração batendo freneticamente.