NEALIE
Sinto minhas mãos suarem com a ansiedade presente em meu corpo, o que é estranho, pois quase nunca suo, afinal meu corpo é tão gelado quanto gelo para suportar o calor intenso, mas prazeroso, da Terra do Sol.
O motivo para a minha ansiedade é meu casamento que está prestes a acontecer. Nunca imaginei que casaria com mil e oitocentos anos e muito menos com um elfo da lua, mas esse era o preço a se pagar por ser apenas uma orfã criada por caridade em um lar que não era meu.
Tudo aconteceu muito rápido. Em um dia eu estava brincando pelo meu quarto e em outro meu "pai", que descobri ser apenas um velho amigo da minha falecida mãe, me informava que eu seria o sacrifício para que as guerras entre as duas tribos acabassem.
— Eu irei casar!? Mas eu sou apenas a quinta irmã, como posso me igualar ao príncipe herdeiro? — Questionei quando recebi a notícia.
— Eu não vou mandar nenhuma das minhas filhas para aquele lugar — Ele disse irritado. — Você vai e ponto.
— Pai, eu nunca pedi nada e tentei não incomodá-los esses anos, mas por favor, não me faça casar com um daqueles monstros — Me ajoelhei implorando.
— Ter você em casa já foi um incômodo, Nealie — Minha terceira irmã desdenhou. — Você é péssima em magia, sua educação e aparência são medíocres... Por que você acha que pode mudar a decisão do papai?
Não chorei. Talvez dez anos atrás eu tivesse chorado, mas estava tão acostumada a ser maltratada que não tinha lágrimas para chorar.
Entretanto, aquela ainda era a minha casa e se eu ficasse quietinha em meu quarto eles às vezes me esqueciam. Mas eu sabia que na Terra da Lua, eu não teria um dia de paz.
— Chega, Ayrin — Meu pai disse cansado. — Escute, Nealie, não se humilhe mais, apenas use esse casamento ao seu favor e seja feliz.
— Como ela pode ser feliz com uma pessoa que literalmente come a raça dela? — Minha quarta irmã perguntou surpresa.
Ela e a terceira irmã deram risadinhas, assim como minha madrasta que em todos esses anos não me permitiu chamá-la de mãe.
Quando pensei sobre, achei que meu pai tivesse tido um caso com a minha falecida mãe, que morreu quando nasci, mas após descobrir que eu não era filha dele, eu estava mais aliviada. Eu não era uma bastarda como todos diziam.
— Eu deveria bater em você até a morte já que estou condenada — Levantei pronta para tirar os sorrisos dos rostos delas.
Fui impedida por um golpe forte em meu peito e caí novamente de joelhos sentindo falta de ar.
Minha madrasta havia me atingido com um feitiço e minhas duas irmãs riam sem parar.
Olhei para o meu pai, mas ele apenas me olhava com irritação e decepção como sempre. Cuspi um pouco de sangue me sentindo tonta.
— Você não deveria ter feito isso — Ele disse para sua esposa e eu o olhei esperançosa. — Se ela morrer, você dará uma de suas filhas para eles?
Era isso que eu significava para ele... Não sei porque ainda me surpreendia.
— Não pensei nisso, querido, desculpe — Ela disse assustada. — Ayrin, chame um médico para a Nealie.
— Mas...
— Agora!
Depois disso, o médico tratou meus ferimentos, mas me avisou que eu não deveria sofrer novos machucados, pois o feitiço havia sido forte. Ele não me fez muitas perguntas, mas seu aviso era claro: eu não deveria mexer com a família real novamente.
E foi assim que decidi casar e viver longe deles, não que eu tivesse alguma escolha.
— Você está pronta? — Meu segundo irmão, Cardan, entrou no meu quarto.
— Segundo irmão! — Sorri e o abracei. — Você veio me ver casando?
— Sim... O pai não irá e as meninas estão com medo, a mãe você sabe como é — Ele acariciou meu cabelo. — Tudo bem eu ser sua única família?
— Acho que você sempre foi — Me afastei. — É melhor assim, eu não quero vê-los, mas pensei que o pai fosse me levar até o altar.
— Sinto muito — Cardan me olhou com pena, o que eu já estava habituada. — Se serve de consolo, a primeira irmã disse que não pôde vir, mas lhe enviou um presente.
Sorri me sentindo melhor. Eu gostava da primeira irmã, era uma pena que ela tenha casado quando eu tinha apenas oitocentos anos. Depois que ela foi embora e Cardan entrou para o exército, minha vida nunca mais foi a mesma.
Os dois eram diferentes das minhas outras duas irmãs, afinal, eles não eram filhos da minha madrasta e sim da falecida rainha que não cheguei a conhecer, pois ela faleceu de uma doença quando Cardan era apenas um bebê.
— E esse aqui é o meu — Ele tirou algo do bolso e me entregou.
Olhei para o belo colar com uma pedra azul no meio. Era muito bonito, eu definitivamente usaria.
— É muito bonito, obrigada.
— Espere, não é apenas um colar, eu o enfeiticei, se precisar de mim é só segurá-lo firmemente e eu ouvirei você bem aqui — Ele tocou a própria testa.
— Jura!? — Perguntei admirada.
— Juro, mas use com sabedoria, você sabe que sou muito ocupado.
— Eu usarei, obrigada — O abracei novamente.
Eu me sentia mais segura por ter esse meio de comunicação. Eu não sabia nem os feitiços mais básicos já que fui proibida de frequentar a escola de magia e Cardan e Carina nunca puderam me ensinar.
Depois da nossa breve conversa, Cardan nos teleportou para o local onde eu casaria e conheceria meu futuro esposo.
NEALIE
Tudo tinha sido um desastre! Eu não estava preparada para ver o homem que eu amava presente em meu casamento.
Pensei que a cerimônia seria apenas com convidados do príncipe herdeiro, mas quando vi Aaron com os soldados da Terra do Sol, achei que fosse desmaiar.
Eu era apaixonada por ele desde sempre. Suas histórias sobre suas aventuras em batalha, sua coragem, sua beleza... Era uma pena que ele nem soubesse o meu nome e provavelmente casasse com uma das minhas irmãs.
O que me consolava era que durante o casamento, permaneci de véu e na hora do beijo, o príncipe herdeiro simplesmente pulou essa parte. O que eu agradeci, é claro. Talvez no futuro eu pudesse me divorciar e Aaron não precisava saber que eu era a fada escolhida para o sacrifício.
Entretanto, eu estava um pouco curiosa a respeito do príncipe herdeiro. Ele não parecia o que as pessoas diziam. Não pude ver suas feições muito bem já que o véu me impedia, mas o pouco que vi não parecia sanguinário, assassino e cruel, mas era bem feio. Suas feições eram grandes demais e ele era um pouco menor que eu, se não fosse pela aura escura ao seu redor, eu diria que ele era um simples duende.
Sua voz pelo menos não soava como a de uma fera comedora de fadas do sol. Era baixa, profunda, e até um pouco agradável, não como a do Aaron, mas o suficiente para não me assustar.
Depois que realizaram o feitiço de casamento, os soldados do sol se retiraram, assim como os da lua. E eu e o príncipe permanecemos sozinhos naquele campo de neve enfeitado com decoração de casamento.
Seus parentes também não compareceram, o que me fez pensar que talvez fôssemos parecidos na questão de não ter amor familiar.
— Acho que... — Comecei e ele sumiu antes que eu pudesse falar qualquer coisa. — Ei! Eu não sei magia de teletransporte!
Só podia ser brincadeira. Tudo bem que éramos inimigos por natureza, mas ele precisava ser tão rude!? Nem nos conhecíamos!
Além disso, eu era uma fada do sol, aquela neve toda me congelaria em minutos!
— Príncipe arrogante, infeliz, mal amado... — Fiquei o praguejando enquanto tentava achar o caminho para o reino da lua.
De repente senti uma dor desconhecida em meu peito e me contorci em agonia. O ar começou a faltar e tentei agarrar o colar que meu irmão havia me dado, mas não consegui, meus braços não me obedeciam.
Que ironia casar, ser abandonada e morrer. Talvez esse fosse o melhor destino para mim, eu não queria mesmo viver como uma fada da lua.
Fechei os olhos esperando a morte, apesar do meu corpo tentar respirar com todas as forças que me restavam. Quando pensei que fosse morrer, vi uma grande sombra escura sobre mim e senti uma súbita vontade de rir, parece que mentiram sobre na morte vermos uma luz.
Essa sombra me acolheu completamente e eu me senti aquecida e confortável. Como mágica, imediatamente me senti melhor e aos poucos minha respiração foi ficando estável.
Minha visão também estava mais clara e pude ver o bonito elfo que me salvou. Tirei meu véu para vê-lo melhor e para a minha surpresa a sombra que o contornava era por causa da sua natureza da lua.
Me afastei assustada, não só pelo seu abraço estranho, mas pelo seu corpo coberto por sombras que não pareciam confortáveis com a minha aura iluminada.
— Por favor, não me coma — Pedi em pânico. — Eu não sou nem nível um em magia, não sou agradável, eu juro.
— Comer? — Ele perguntou confuso.
Essa voz... Por que não me soava estranha?
— Sim, elfos da lua comem fadas do sol — Me abracei. — Mas eu não lhe daria nem um ano de cultivo, eu garanto, pode olhar se não acredita.
Estendi minha mão para ele olhar meu cultivo. Sem cerimônias, ele agarrou minha mão e olhou atentamente.
Furioso, ele praticamente jogou minha própria mão em mim e eu o olhei surpresa, mas aliviada, ele devia ter visto que eu não era uma carne muito vantajosa.
— Você não é uma princesa? Por que seu cultivo é pobre?
— Espera, você me conhece... — Comecei a rir. — Ah claro, você deve ser um assassino do príncipe herdeiro, mas está bravo porque minha carne não vale nada, certo?
— Você é louca? Por que insiste em se intitular como alimento?
— Não é isso que sou na Terra da Lua?
Ele me olhou estranho como se eu falasse outro idioma e eu dei de ombros. Não estava mais tão assustada, eu não valia nada mesmo.
— Bom, já que eu não sou do seu interesse... Eu vou ir para casa — Avisei. — Não se preocupe, não contarei ao príncipe que você falhou.
Me afastei e levantei cautelosa. Ele também ficou de pé, mas felizmente não se aproximou.
Ele era uns bons centímetros mais alto que eu e seu corpo era tão bonito quanto o de um guerreiro, assim como seu rosto que apesar de ter uma expressão não muito calorosa, o deixava atraente.
Não para mim, é claro, mas atraente para o povo da lua. Afinal, seus olhos escuros, cabelos tão pretos quanto o céu noturno e pele clara não faziam o padrão das fadas do sol conhecidas por seus cabelos loiros, pele bronzeada e olhos cor de mel.
Fui me afastando enquanto sorria e acenava em despedida. Nem todos os elfos da lua eram assustadores, mas eu precisava ter cautela.
— Espere, você está disposta a ficar com o príncipe?
Eu o olhei curiosa. Que pergunta era aquela? Seria algum teste? Bom, se fosse, eu teria que passar.
Dizem que elfos e fadas da lua amam ser bajulados, e suas reputações são extremamente importantes. Eu precisava elogiar o príncipe herdeiro se quisesse ficar viva por tempo suficiente para fugir.
— É claro! Ele é incrível.
— Você acha? — Ele perguntou surpreso.
— Você não? — Retruquei e fingi surpresa. — Você nunca escutou sobre suas batalhas? Eu ouvi dizer que ele já comeu mais de dez mil fadas do sol.
— É mesmo? — Ele sorriu e cruzou os braços. — Você não é uma fada do sol?
Ele tinha um ponto. Mas as fadas do sol eram difamadas como traiçoeiras pela tribo da lua, eu apenas reproduzir o que pensavam de mim devia funcionar.
— Sou por obrigação, se eu pudesse teria nascido na Terra da Lua — Olhei ao redor. — Veja esse campo coberto de neve e... Sem flores, sem vida... É tão agradável.
NEALIE
O elfo apenas me olhou descrente e eu sorri sem graça. O desânimo na minha voz ao descrever a "beleza" da Terra da Lua não tinha me ajudado nenhum pouco.
— Acredito em você — Ele disse para o meu alívio. — Bom, já que você se considera praticamente uma fada da lua, vou deixá-la em paz.
Comemorei mentalmente, mas logo meu sorriso desapareceu quando escutei um uivo assustador ecoar das montanhas perto de onde estávamos.
— Ah, pequena fada do sol, durante a noite alguns lobos selvagens andam pelos campos — Ele avisou. — Eu não a comi, mas eles definitivamente farão isso se não ir para casa logo.
— Espera! — Quase gritei e corri para perto dele. — Vamos juntos, o que acha?
O elfo olhou para as minhas mãos que seguravam seu braço muito agradável e quente.
— Quero dizer, senhor bandido da lua — Sorri simpática enquanto limpava o lugar onde eu havia tocado. Ele me olhou muito irritado e eu estremeci. — Certo, apenas senhor da lua, está bom?
— Me chame de Devlhan.
— Dev o que!?
Que nome era aquele? Os nomes da tribo do sol já eram difíceis de pronunciar, principalmente porque eu não tinha muito estudo, mas os da lua pareciam outro idioma.
— Devan, Han, você escolhe — Ele disse entediado. — Vamos.
— Vai mesmo me levar? Obrigada, Devan! — Agradeci. — Aliás, meu nome é Nealie.
— Nealie? Seu nome também não parece comum.
— Você pode me chamar de Lily, se quiser, somos camaradas — Apertei seu ombro e ele me olhou como se fosse me matar. — Oh, certo, você não gosta muito de toques, eu vou manter minhas mãos longe.
Devan respirou fundo e se afastou um pouco. Agora estávamos andando lado a lado, mas com um metro de distância.
Ele me levou para "casa" como prometido. E com casa, quero dizer a tribo da lua.
Estranhei as fadas e os elfos que encontramos reverenciarem nós dois, eu era princesa da lua há menos de um dia e já estavam me respeitando?
— Você viu? Todos aqui conhecem minha posição — Sorri convencida. — Até mesmo a pequena fadinha parou de brincar e me reverenciou.
— Vejo que é importante — Devan falou num tom admirado. — Não é à toa que o príncipe me pediu para matá-la.
— Eu sabia! — Falei não tão surpresa. — Escute, Devan, não compliquei as coisas para você, pois o achei muito gentil, mas você ficará sabendo quando eu der uma lição nesse príncipe mesquinho.
Devan assentiu e eu segurei o riso. Eu era tão pobre em magia, como eu poderia lidar com o príncipe? Mas era bom surpreender alguém de qualquer forma.
— Mas você disse que não tem magia.
— Eu tenho outros meios — Desdenhei. — Eu só não sou boa em achar lugares, o resto eu posso lidar.
— Boa sorte para você — Ele disse num tom estranho.
Apesar do tom de descrença, não me ofendi, não tinha como ele saber do que eu era capaz mesmo.
Devan me deixou na entrada do palácio do príncipe herdeiro e me disse que não poderia me acompanhar além da entrada. Eu o agradeci e disse que sempre lembraria da sua gentileza. Ele havia me feito acreditar que elfos da lua não eram tão malvados, bom, pelo menos não para uma pobre fada como eu.
Ao entrar no palácio encontrei algumas fadas, mas todas me ignoraram. Aparentemente dentro do palácio, eu seria hostilizada.
— Por que ela está vestida como fada do sol? Ela não tem vergonha? — Escutei uma fada sussurrar atrás de mim.
— Ela quer se destacar com certeza, mas se continuar assim só vai envergonhar o nosso príncipe — Outra respondeu.
Respirei fundo e continuei caminhando mesmo sem saber para onde eu deveria ir e não pudesse perguntar para ninguém. As duas fadas que claramente eram apenas empregadas já haviam me feito recuar para qualquer socialização com outras fadas da lua.
— Princesa.
Olhei em direção da voz feminina que me chamou. Uma fada alta de pele escura, cabelo cacheado e castanho, e olhos azuis vibrantes, vestindo uma armadura de batalha me encarava esperando resposta.
— Olá — Sorri sem jeito ao me aproximar. — Precisa de alguma coisa?
— Venha comigo.
Oh céus. Eu estava prestes a morrer, eu tinha certeza. Nenhuma fada da lua vestida para uma guerra pode ter boas intenções com uma fada do sol.
— Posso saber seu nome? — Perguntei tentando ser simpática.
— Bryana.
— O meu é Nealie.
— Eu sei.
É claro que ela sabia, ela claramente era uma das guardas, senão a mais importante, do príncipe herdeiro.
Fui levada para um grande quarto, muito luxuoso, porém sombrio. As paredes tinham uma coloração escura e as cobertas da cama eram pretas, as poucas janelas mostravam o céu noturno evidenciando a lua e as estrelas tão conhecidas da Terra da Lua.
O quarto era muito mais gelado que o resto do reino e eu temia que não conseguisse passar a noite nesse lugar. Minha natureza era do sol, eu estava adaptada para sentir grandes temperaturas.
— Aqui será seu quarto, está vendo aquela porta? Não a abra, é o quarto do príncipe — Bryana explicou. — Se não precisar de mais nada, irei me retirar.
— Na verdade, se não for muito incômodo... Teria como aquecer o quarto?
— Não.
— Mas... Eu sou uma fada do sol.
— Você vai se acostumar, eu preparei esses cobertores caso sinta frio.
— Mas eu sou incapaz de me aquecer!
— Você não está proibida de usar magia, apenas faça um feitiço para aquecê-la e ficará bem — Ela respondeu. — Irei agora. Adeus.
— Bry... — Desisti de falar e deixei que ela fosse embora.
Eu não sabia nenhum feitiço... Como eu poderia sobreviver apenas com cobertores se meu corpo não se aquecia sem a luz do sol?
Amaldiçoei o príncipe herdeiro, Bryana, meu pai, minhas irmãs, todas as pessoas que me colocaram ou me desejaram ver nessa situação. Eu estava de fato condenada.
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