Você já gerou um filho? Eu já, é foi a coisa mais esquisita que já me aconteceu, uma verdadeira loucura.
...Atena...
Nada de bom acontece, só problema atrás de problema, eu sinto que do dia em que nasci, até hoje a minha vida foi só ladeira a baixo.
Consegui um bom dinheiro com aquela loucura que fiz há três anos, mas como tudo na minha vida, o dinheiro acabou. E agora estou aqui sem ter de onde tirar mais dinheiro pra continuar nessa peleja que é a vida aqui no morro.
— Bom dia filha! — Minha mãe acordou cedo como sempre. A coitada luta pra deixar tudo organizado e tentar ouvir o mínimo de reclamações do imbecil do meu suposto pai.
— Bom dia mãe. — Respondi com carinho, apesar de todos os meus problemas, eu gostava dela, pois sempre me tratava bem.
— Aproveita pra comer em paz, já que seu pai ainda não acordou. — Ela correu e me trouxe pão e café.
— Obrigada mãe. Vou sair mais cedo hoje, fazer hora extra lá no mercado.
Comi rápido e saí, uma das vantagens de sair cedo de casa era não dar de cara com o meu suposto pai. Eu odiava ele tanto que nem cabia em mim. Só de olhar pra ele já estragava o meu dia.
Cheguei cedo no mercado onde trabalhava como caixa, eu odiava esse emprego, mas fazer o que... Era isso ou ficar desempregada e eu tinha que trabalhar. O dinheiro que o imbecil do pai ganhava não dava pra nada, então eu tinha que sustentar a casa.
— E aí amiga. Fazendo hora extra também? — A Nina me abordou assim que cheguei, ela era uma das minhas poucas amigas.
Nina
— É, tô precisando de grana e é bom que não vejo aquele miserável logo pela manhã.
— Aí, eu tava precisando falar uma parada contigo. — Nina se aproximou de mim e sussurrou. — Lembra daquela loucura que fizemos há 3 anos?
— Como eu poderia esquecer? — Falei revirando os olhos.
— Então... aquela mulher da ONG voltou a me procurar, ela disse que tinha outras pessoas interessadas e que pagaria ainda mais dessa vez. — Ela me olhou com expectativa. — Eu vou lá amanhã, tá afim?
Parei pra pensar por alguns minutos.
Há três anos, a Nina me abordou dizendo que conheceu uma senhora numa ONG que ajudava pessoas ricas a adotar bebês em situação de vulnerabilidade. Na hora eu lembrei da minha própria história e pensei na sorte que esses bebês teriam.
Mas a proposta dessa senhora foi meio inusitada, ela nos ofereceu a chance de ser barriga de aluguel, na hora eu recusei, falei que era loucura.
Eu nem tinha transado ainda, passei a vida num orfanato, até ser resgatada pelos meus supostos pais, e depois tive que me virar pra sobreviver, então não tinha namorado ou nada parecido, e do nada a criatura queria me engravidar... não mesmo.
Mas ela ofereceu bastante dinheiro, eu achei que essa grana mudaria a minha vida e aceitei. Eu nem cheguei a conhecer o casal que ficaria com o bebê, apenas fui numa clínica e fizeram a inseminação, depois me deram um dinheiro pra me sustentar em casa enquanto o bebê não nascia.
Difícil foi explicar tudo pro imbecil do meu pai. Mas quando ele viu o dinheiro, logo ficou satisfeito.
Assim nove meses depois, eu estava no hospital dando a luz. Eu nem ao menos vi o rosto do bebê, só sabia que era uma menina, ela saiu da sala de parto direto para os braços da sua nova família. Aquilo foi estranho, apesar de estar na minha barriga eu me dediquei a não sentir nada por aquele bebê, mas ainda assim foi esquisito, eu não tenho ideia de como, nem de onde ela está. Então jurei que não faria mais isso.
— Não Nina, não farei isso nunca mais. Aliás eu não pretendo engravidar outra vez, nem mesmo para um filho meu. — Fui sincera.
— Amiga, é muito mais dinheiro dessa vez.
— Nem por todo o dinheiro do mundo Nina. Eu me irritei, carreguei e pari uma criança que Deus sabe onde está, e pra que? Continuo aqui na mesma merda!— Eu realmente estava sendo sincera. Não queria fazer isso outra vez, não valeu a pena.
O trabalho no mercado era sempre intenso e cansativo, trabalhei bastante e tratei de apagar a ideia da Nina da minha cabeça. Eu lutei bastante para esquecer de que tive um bebê por nove meses na minha barriga, então eu não queria ter que voltar a pensar nisso.
Voltei para casa torcendo para que os meus pais já estivessem dormindo, mas infelizmente o pai estava acordado.
— Boa noite, porque ainda está acordado?
Almir Manfrim
— Estava te esperando. A sua mãe tá no Hospital. — Ele falou sem muita energia.
— Hospital? O que houve? — Disse preocupada.
— Ela passou mal e levaram ela na emergência, eu saí do trabalho e fui para lá.
— Por que não me ligou? — Eu fiquei aflita.
— Eu já estava lá, e você não ia resolver nada, não é médica ou algo do tipo. — Me pai era um grosseirão bem típico aqui do morro. — Enfim, ela tem que fazer uma cirurgia no coração, mas não tem especialista para esse tipo de coisa no hospital municipal e obviamente não podemos pagar por isso. Então vamos nos preparar, pois a sua mãe vai morrer em breve.
O desgraçado disse isso, virou as costas e foi para o quarto.
Eu não podia acreditar que isso estava acontecendo.
Quantas vezes você jurou que não faria algo e de repente lá está você fazendo a "tal coisa"? Pois é, isso me acontece com frequência.
...Atena...
Não consegui dormir pensando na minha mãe. Não vou dizer que tenho um grande amor por ela, afinal eu a conheço há pouco mais de 5 anos.
Eu cresci num orfanato bem miserável, vi muitas crianças serem adotadas, mas ninguém me queria. Quando faltava 1 ano para completar 18 anos, um casal apareceu alegando serem os meus pais biológicos e que agora que eu estava quase adulta eles poderiam me levar para casa, e assim, sem fazer nenhum tipo de análise ou exames de paternidade, o diretor do orfanato simplesmente me deixou aos cuidados deles, afinal eu já teria que sair do orfanato de qualquer maneira.
Assim eu vim parar nessa casa.
Eu não tenho certeza de que são realmente os meus pais, por isso não me dediquei a amar eles.
O meu pai sempre me tratou mal, ele deixou claro que me resgatou para que eu ajudasse a sustentar a casa. Mas a mãe sempre foi legal, então acabei meio que gostando dela. Não era muito carinhosa, mas me tratava bem. Eu me sentia grata por ter ela comigo, e eu nunca tive oportunidade ou dedicação para fazer algo por ela e agradecer por esse carinho.
Eu não podia simplesmente deixar ela morrer!
Então decidi ir até o hospital e tentar entender o que estava a acontecer.
— Bom dia senhorita Manfrim. — O médico me cumprimentou sentando-se na sua cadeira no simplório consultório médico do hospital municipal. — O caso da sua mãe é bastante delicado. A senhora Susana precisa realizar a cirurgia no coração o mais rápido possível. Porém, não temos especialista nesse hospital. Ela teria que ir a um hospital particular.
— Eu entendo doutor. O nosso sistema de saúde continua precário. — Porcaria, como eu odeio essa pobreza. — O senhor sabe dizer aproximadamente quanto custaria esse tratamento?
— Bom, não tenho certeza, mas a cirurgia, exames, internação, medicamentos, seria uma pequena fortuna. — Ele falou meio sem graça, era óbvio que ele sabia que não tínhamos como pagar. — Seria cerca de 300 mil.
— Tudo isso? — Eu quase engasguei com a minha saliva. Minha nossa. Quando aluguei o meu útero eu recebi 300 mil, e julguei que era muito dinheiro.
— Sim, é muito dinheiro senhorita, eu sinto muito. Faremos de tudo para atenuar a dor da sua mãe.
— Certo, obrigada doutor.
Saí do consultório e fui ver a minha mãe. Ela sentia dores há muito tempo, mas escondeu até não aguentar mais. A coitada estava na UTI em coma induzido, me partiu o coração ver ela dessa maneira.
Então decidi. Eu ia conseguir esse dinheiro.
Fui para o mercado, mas antes de iniciar o meu turno, procurei pela Nina.
— Nina, você foi hoje lá na ONG? — Já cheguei perguntando aflita. — Quanto te ofereceram?
— Nossa, bom dia hein! — Ela resmungou. — E de onde veio esse interesse, ontem mesmo você disse que não faria isso nunca mais. O que mudou?
— A minha mãe tá no Hospital e precisa de muito dinheiro para não morrer. — Respondi triste.
— Nossa! Eu sinto muito pela dona Susana, mas na boa Atena, você vai se sacrificar outra vez por essas pessoas que você é obrigada a chamar de pais, mesmo sem saber ao menos quem eles são? — Nina falava ressentida.
Eu super entendia o que ela queria dizer, e até concordava em certo ponto. A Nina conhecia a minha história, ela acompanhou boa parte do meu drama com os meus "pais". Quando eu aceitei ser barriga de aluguel pela primeira vez, eu fiz por mim, na esperança de usar o dinheiro para começar uma nova vida, mas, acabei dando praticamente todo o dinheiro ao meu pai, e no final continuei aqui.
— Nina, a minha mãe é boa sabe, ela me trata bem, me ajuda como pode. — Fui sincera. — E eu nunca fiz nada por ela.
— Atena acorda! — Agora ela falava com raiva. — Você praticamente sustenta eles com o seu trabalho. E tá agradecida por a pessoa que deveria ser a sua mãe, te tratar com um mínimo de carinho?
— Para Nina, foi você mesma quem queria me convencer a ser barriga de aluguel outra vez.
— Sim, mas eu quero que faça isso por você, para melhorar a sua vida, não por eles.
— Nina, você fez isso pela sua família novamente está fazendo por eles, por que eu não posso? — Falei sem graça, era só uma desculpa eu sabia que o caso da Nina era super diferente do meu.
— Fala sério né Atena! Você sabe que o Hernesto, meu marido conseguiu o emprego na Capital, vai ganhar o dobro do que recebe aqui. — Nina falava chateada. — Com esse dinheiro vamos comprar e mobiliar a nossa casa na Capital e com o dinheiro que sobrar vou poder abrir a minha loja de doces. Vamos prosperar Atena, mudar de vida, dar um futuro para o Bento. E você vai continuar aqui se manter esse pensamento. — Eu baixei a cabeça triste, e ela respirou fundo, enfim o útero é seu faz o que quiser com ele. — Continuei de cabeça baixa. — A Carmela me ofereceu 500 mil acredita? — Levantei a cabeça chocada. Nossa era exatamente o valor que eu precisava. — Mas tem alguém oferecendo 1 milhão, porém teria que ir morar com eles.
— 1 milhão? — Isso não podia ser sério.
— É, eu até pensei em aceitar, mas eu tenho o Hernesto e o meu Bento, já basta engravidar, ainda vou ficar 9 meses longe deles. Nem pensar. Então aceitei esse de 500 mil.
— 1 milhão para ter um bebê? Certo, eu vou à ONG amanhã mesmo, vou aceitar essa proposta.
— Você ouviu a parte que terá de morar com o casal que vai adotar? — Ela falou confusa.
— Bom não deve ser tão ruim, fora que vou passar 9 meses longe do meu pai. Só isso aí já é uma vantagem. — Sorri. E a Nina revirou os olhos.
Voltei ao trabalho na expectativa de que iria salvar a minha mãe e com o restante do dinheiro eu ia comprar uma casa e iria embora do morro, dessa vez eu consigo ir para longe e começar uma vida nova.
Ansiedade é o que define o que senti ao entender essa proposta.
...Atena...
No dia seguinte acordei cedo e fui até a ONG procurar pela senhora Carmela.
— Atena Manfrim, que surpresa te ver por aqui. — A senhora Carmela me recebeu com o seu típico sorriso empolgado.
Ela era uma senhora baixinha e loira, tinha olhos verdes e bem ativos, sempre sorria e passava um ar de segurança na sua fala. Mas posso afirmar que tudo isso era apenas um personagem para convencer as pessoas a fazer o que ela queria.
— Sim, eu jurei que não retornaria aqui. — Sorri sem graça. — Mas aqui estou eu, disposta a aceitar um novo contrato e ser barriga de aluguel outra vez.
— Oras menina. Não há nenhum problema nisso. — Ela continuava com aquele maldito sorriso. — Tenho um bom contrato para te oferecer, com o altíssimo valor de 1 milhão. Tenho certeza de que o contratante vai adorar a ideia de ter um bebê assim riuvo e cheio de sardinhas, igual a você. — Foi exatamente essa frase que ela usou da última vez em que estive aqui. — Porém, o contrato foi redigido pelo próprio contratante, e terá de assinar na frente dele.
— Que estranho! Então terei mesmo que morar com o casal que vai adotar esse bebê?
— Bem... É apenas um homem, não há um casal. E sim... terá que viver com ele pelo tempo estipulado no contrato.
— Um homem? Sozinho? Que estranho... se ele quer um bebê porque não arruma uma namorada ou coisa do tipo? — Eu sentia que tinha algo errado nessa história.
— Bom, você vai conhecê-lo então pode perguntar. — Ela finalmente tirou aquele sorriso idiota da cara e mostrou um pouco de impaciência.
— Ok, e como faço para encontrar o meu contratante? — Respondi no mesmo tom de impaciência.
— Então vai aceitar?
— Vou!
— Maravilha! — Droga, ela voltou a sorrir. — Amanhã de manhã você vai realizar os exames no mesmo lugar da última vez. Aí, assim que sair o resultado vou passar o seu contato para ele, bem, terei que enviar o contato de outras moças que se interessaram pelo valor, aí ele escolhe a que preferir. Então fique de olho no seu celular e quando ele ligar faça exatamente o que ele pedir. E lembre-se de me informar assim que o contrato estiver assinado.
— Certo. Até mais!
Saí de lá com um frio na barriga, uma ansiedade estranha, algo me dizia que a minha vida ia dar uma bela guinada.
— E aí amiga! — Nina veio correndo falar comigo. — Como foi?
— Eu vou fazer os exames amanhã e quando resultado ficar pronto, é só esperar o contratante ligar. Caso ele me escolha é claro.
— Então você realmente vai aceitar isso? — Ela falou confusa.
— Vou! — Respondi confiante.
No dia seguinte saí cedo de casa e realizei todos os exames, fiz umas 3 ultrassonografias, e exames de sangue além de consulta com a ginecologista. Estava tudo certinho, faltava apenas o resultado dos exames de sangue para ter a certeza de que eu sou saudável o suficiente para gerar um bebê.
Uma semana depois o resultado saiu e estava tudo ok. Agora era esperar a bendita ligação. Eu confesso que estava um tanto ansiosa com essa ligação, afinal eu não sabia muito bem o que esperar desse tal contratante.
Mais uma semana se passou e nada de ele ligar, eu quase não consegui dormir na expectativa de ele ter me escolhido. Eu tinha muita curiosidade de saber de fato quem era esse homem e porque ele tinha necessidade dessa barriga de aluguel.
Duas semanas após ter recebido o resultado dos exames, cheguei em casa muito cansada, e para variar o meu pai estava acordado me esperando.
— Por que está acordado? Aconteceu algo com a mãe? — Minha nossa, será que ela morreu?
— Ligaram do hospital, perguntaram se não iremos mais visita-la. — Ele falou sem ânimo.
— Como assim? Você não está indo lá? — Falei abismada.
— É claro que não, eu tenho trabalho, e a sua mãe vai morrer mesmo, para que gastar esse tempo com visitas.
Esse homem é um monstro, insensível. Nossa como eu odeio ele.
— Trabalha né? Só se for no bar, já que passa a maior parte do tempo lá. E fora que quem na real sustenta essa casa sou eu. — Falei com tanto ódio.
— Escuta aqui, sua malcriada. Eu só não lhe dou uma bela surra porque sei que nada mais resolve a sua insolência. — Ele respondeu irritado como sempre. — E se está tão irritadinha, vá você perder o seu tempo e visitar um cadáver. — Ele virou as costas e saiu. Confesso que desejei que ele estivesse no hospital para morrer, e aí sim, eu não ia mover um dedo para evitar que isso ocorresse.
Me deitei para tentar dormir, e então finalmente o meu celular tocou.
Me levantei às pressas e atendi.
— Alô! — Minha nossa! Eu estava até suando frio de tanto nervoso.
— Senhorita Manfrim? — Uma voz forte e bem masculina atravessou a chamada me deixando ainda mais nervosa.
— Eu mesma!
— Recebi o resultado dos seus exames, e a sua ficha. — Nossa, era uma voz tão potente e autoritária, eu me sentia estranha só de o ouvir falar. — Podemos nos encontrar amanhã pela manhã?
— S-sim, senhor. — Estava tão nervosa que até gaguejei.
— Pronto, o motorista estará em frente a praça principal do seu bairro às 07H.
— Ok, combinado.
— Até mais! — Ele desligou antes que eu pudesse responder, e o meu coração estava batendo tão forte que chegava a doer.
Engraçado que eu jurei que não faria isso nunca mais, e agora estou aqui mega ansiosa para conhecer esse contratante.
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