Lágrimas escorrem pelo seu rosto de uma maneira claramente desesperada, é como se estivesse lavando-o, e talvez poderia ser apenas isso se não fosse o desespero em seus olhos, em seu corpo, em seu coração. Ela não esperava vê-los, não depois de tanto tempo, e o motivo que os levou até sua casa só deixava o cenário ainda mais dramático.
Heloísa, uma mulher de 23 anos, com os seus cabelos cor de mel arrumados em um coque mal feito, tentava a todo custo acalmar o seu coração acelerado, no entanto tudo o que conseguia eram seus olhos verdes cheios de lágrimas, a garota não sabia o que poderia ser pior agora e enquanto olha para sua mãe, tudo o que deseja fazer é mandá-la embora, contudo sabe que não importa o que faça, a realidade não vai mudar.
A menina anda de um lado para outro, tenta ignorar os olhares dos dois adultos indesejáveis que estão muito bem acomodados em seu sofá, eles não se incomodam com a realidade, uma vez que, sentem que tem tudo muito bem controlado e de certa forma, bom, eles não estão errados.
Desde que se juntaram há alguns anos, tudo aquilo que desejavam aconteceu, pode-se dizer que quase tudo, afinal algumas coisas é impossível controlar, todavia eles tinham um plano. Ágata jamais deixou de pensar em si mesma e quando as filhas nasceram sabia que em algum momento elas iriam ter a chance de retribuir tudo aquilo que estava fazendo por elas.
A mulher possui o cabelo como os da filha, mas os olhos não, os olhos ela puxara do pai, com apenas 45 anos a mãe sentia-se ainda com a mesma energia de quando teve as filhas, isso pode ser real quando se trata dela mesma, mas se tiver que fazer algo por alguém, a história é outra.
Seus pés batem incansavelmente no chão, seus dedos acertando sem piedade seu joelho, tudo o que Ágata quer é acabar com a cena que a filha está fazendo, para ela isso não precisa de tanto drama, afinal é algo que já aconteceu, e o seu lema de vida é se não dá para mudar, não vale a pena chorar, e é com essa frase que segue os seus dias.
Helo, ainda muito abalada senta-se de frente para a mãe, forçando-se a ignorar o homem que a encara
— Conte-me, diga como isso aconteceu – suplica ainda muito aflita.
— Não tem muito a explicar, foi um acidente de carro e o corpo não dava nem para reconhecer direito de tão ruim, não sabia como achá-la, como não respondia o e-mail foi difícil esperá-la para o enterro – explica a mãe.
— Já tem dois dias? - questiona mais para sim mesmo do que para aqueles que a ouvem.
— Sim – diz a mulher.
— E o que fazem aqui? - investiga encarando-a.
— Eu estava com saudade – justifica, Heloísa quase sorri com esse argumento.
— Não precisamos disso mãe, diga-me a verdade - ordena irritada.
— Precisamos de um favor – assume com a cabeça erguida.
— Favor? O que podem querer de mim? - interroga.
Helo sabe que nada de bom vai sair desta conversa, ela conhece bem a mãe e imagina toda a monstruosidade que é capaz de fazer, e em todo esse tempo conseguiu afastar-se deles, entretanto sempre soube que isso não duraria para sempre.
— Pode-se dizer que é algo simples, não vai lhe custar muito levando em consideração o lugar que mora, estou te fazendo um favor – explica.
— É melhor ir direto ao assunto não acha? Esse seu joguinho me deixa muito irritada – exclama com raiva.
— Se assim deseja, serei direta. Sua irmã Helena, estava noiva de um homem muito importante, o nome dele é Arthur Fontenes…
— Eu já sei disso, nós conversávamos recorda-se? - interrompe-a.
Ágata, revira os olhos, ela detesta de fato a filha, nunca amou nenhuma das duas, contudo Helena era mais fácil de controlar. Enquanto a filha preferida a ouvia, Heloísa era o oposto, tudo questionava desde pequena era difícil lidar com ela e agora não era diferente.
— Bom, como deve saber, ele não ia apenas casar-se com ela, mas também restabeleceria a empresa de Carlos, que está falida – conta.
— E o que eu tenho com isso? - pergunta irritada.
— Ele não sabe que Helena morreu, Arthur acredita que você morreu e sua noiva está aqui para cuidar de suas coisas, e queremos, precisamos que ele pense isso enquanto estiver casado com você – exclama.
Heloísa não diz uma única palavra, seus olhos agora arreganhados olham para a mulher em sua frente pensando que ela realmente está louca, tenta entender se ouviu bem, no entanto tudo parece confuso.
— Quer que eu me case com ele? - questiona em um sussurro.
— Preciso que case necessitamos desse dinheiro – garante.
— Eu não me importo com isso, não ligo para dinheiro, não vou construir uma vida com um homem que não conheço. Ele é um estranho, jamais casarei com o noivo de minha irmã – afirma com a voz alterada.
— Sua irmã está morta, e precisamos de você para salvar nossa família – exclama com raiva.
— Família? Por acaso se esqueceu do motivo de eu ter ido embora? O seu marido não presta mãe, ele não é minha família, não farei isso – assegura, esperando que eles possam simplesmente ir embora.
A garota não quer acreditar que isso está de fato acontecendo, anos sem ver a família para quando se encontrarem ser desta forma, para sua surpresa, Ágata sorri e seu marido também.
— Não viemos pedir nada a ti, tome, veja isto – ordena.
Heloísa pega o jornal que lhe foi estendido e o abre, estou olhos automaticamente lacrimejam com o que vê, tem duas páginas exclusivas falando sobre sua trágica morte, também destacam como sua irmã gêmea ficou transtornada e até fora de si, tudo muito detalhado.
— O que vocês fizeram? - indaga percebendo a voz trêmula.
— Por acaso agora vê? Não viemos aqui pedir nada a ti, se negar o que está escrito ai, faço com que seja internada em uma manicômio. Faça o que estou mandando, a partir de hoje querida, a Heloísa morreu, você se chama Helena – assegura.
A menina encara seus olhos, como se realmente desconhecesse a si mesma.
Heloísa encara o espelho, sua insatisfação cresce a cada segundo a mais, seus cabelos agora loiros e a sobrancelha bem feita, deixam-na desconfortável, não significa que ela não cuidava de si mesma, que não tinha vaidade, a garota só gostava de sentir-se mais natural.
Os cadernos, as fitas, tudo o que está disponível para aprendizado. Desde que “aceitou” fazer parte deste plano, esta estudando a própria irmã, Ágata fez questão de explicar exatamente como ela deve ser agora, seus gostos, seu jeito, sua roupa, tudo mudou.
Faz uma semana que está na casa da mãe, e neste tempo comunicasse com Arthur por mensagem de texto, sua desculpa é que está muito abalada pela morte da irmã, então precisa de um tempo, contudo a realidade é que seu medo de encontrá-lo a deixa cada vez mais ansiosa. O casamento ocorrerá em duas semanas e isso é o suficiente para que sua fome desapareça e o terror invada seus pensamentos.
A garota que agora sente-se muito mais sozinha, sente que não pode guardar este segredo por muito tempo, quando sua mãe e seu padrasto saem ela aproveita para falar com a única pessoa que sabe que pode confiar acima de tudo.
— Samuel? - indaga assim que ele atende o telefone.
— Quem é você? Por que está com o telefone dela? - indaga com raiva.
— Sou eu Sam, é a Helo – confessa e sente as lágrimas invadirem o seu rosto.
— Você está morta – murmura demonstrando sua frustração.
— Eu não estou, lembra quando estávamos na faculdade, tivemos aquela aula sobre Marx e uma discussão significativa na sala, ficamos não irritados que nos escondemos no terraço, ninguém sabia onde nos encontrávamos, compramos umas besteiras e ficamos lá até que a aula acabasse – conta e sorri fraco.
— O que aconteceu Helo? - questiona mais aliviado.
— A Helena… Sam, ela se foi – desabafa e começa a chorar.
Heloísa conta a ele tudo o que aconteceu, o amigo a escuta com atenção e não a interrompe, no fim a menina finalmente sente-se melhor.
— Isso parece muito complicado para resolvermos fugindo e comendo besteira – diz desanimado.
— Eu não tenho o que fazer – choraminga.
— Como vai se casar com um homem que não conhece? - indaga.
— Eu não sei, temo que ele nunca acredite nisso, Arthur a ama, é capaz de fazer tudo por Helena, jamais vai acreditar nisso, temo pelo que pode acontecer quando me pegar na mentira – fala desamparada.
— Já se encontraram? - investiga.
— Não, e não sei quando isso vai acontecer. Ágata e Carlos tem tudo muito bem organizado. De alguma maneira conseguiu que aceitasse me ver apenas no dia do casamento, depois do “sim” não tem volta, não aqui, estou com tanto medo deste dia chegar – assume.
— Eles parecem saber exatamente o que estão fazendo – comenta.
— E sabem mesmo, são ótimos em controlar a vida dos outros, eu perdi tudo o que era meu, estou usando as roupas da minha irmã, o cabelo dela, tudo tão parecido. Eu preciso de você Sam, necessito que me lembre quem sou, receio esquecer de mim mesma – confessa.
— Isso não vai acontecer Helo, podemos sempre conversar, vou tentar ir no seu casamento, invento uma mentira – garante.
— Vou me sentir melhor se estiver lá – confidência.
— Eu estarei – afirma.
O sorriso surge no gosto da garota, por um breve momento ela volta a se sentir como antes, uma mulher independente e forte, sempre foi desse jeito, sempre cuidou da própria vida e agora sente como se tivesse caído em uma armadilha.
De repente, sua paz desaparece, o barulho do carro é ouvido, sua segurança se esvai e ela volta a se sentir como se fosse uma criança, relaxa apenas quando recorda-se que o quarto está trancado.
— Tenho que desligar, eles estão aqui – fala e se despede com rapidez.
Ela escode o celular e deita na cama, pelo um álbum de fotos e começa a folheá-lo para fingir que estava fazendo algo que a mandaram realizar, contudo a menina se surpreende com o que escolheu.
Neste álbum é claro ver a felicidade da irmã, são fotos dela e do noivo, Arthur é alto e forte, negro dos olhos claros, ele tem a cabeça raspada e a barba bem feita, seus olhos são os mais lindos que a garota já viu.
Heloísa sente o coração disparar, ela passa a língua pelos lábios enquanto o observa, sente todo o corpo esquentar e fecha os olhos lentamente imaginando sua aparência com a voz do áudio que ele mandou, a junção de tudo é realmente perfeita.
Ela sai de seu devaneio quando a imagem de Helena aparece em sua mente, a menina fecha o álbum e o joga para longe, sente as lágrimas intrusas voltarem e a culpa vem com intensidade, pois acredita estar roubando algo que não é dela e está de fato fazendo isso, Helo respira fundo diversas vezes, já não deseja mais ficar chorando, principalmente porque sua mãe está em casa, não deseja deixá-la vê-la arrasada de novo.
Batidas na porta fazem com que levante apressada, a garota respira fundo e vai em direção a voz que a chama.
— Ele está com você? - indaga em frente a porta.
— Não, sou apenas eu – exclama Ágata impaciente.
A porta é aberta e ela estranha o tamanho da caixa que é trazida, ela tranca a porta novamente e acompanha a mulher a sua frente.
— O que é isso? - pergunta curiosa.
— Seu vestido de noiva, precisamos que experimente, apesar de ter o corpo idêntico ao de Helena, tenho que saber se está bom – esclarece.
A tristeza invade a garota, por mais que esteja extremamente chateada por ter que mentir, sente que sua irmã foi ainda mais injustiçada, por estar sendo substituída de uma maneira tão fácil. Ela vai ao banheiro que fica o quarto e coloca o vestido, ele é tomara que caia, com um corpete que aperta sua cintura, a saia tem tanto tecido que rapidamente um calor absurdo a invade.
Quando se olha no espelho, pensa que parece uma princesa, o vestido é o mais lingo que já vira e combinou perfeitamente com quem ela é agora, sua única certeza é que Helena seria a noiva mais linda de todo o universo.
— Eu estava certa, mesma medida, ficou ótimo agora já pode tirar – fala Ágata sem demonstrar nenhum tipo de sentimento.
Heloísa cansada de tentar justificar e questionar, apenas vai em direção ao banheiro, tira o vestido e o entrega a mãe, assim que volta a ficar sozinha pensa que duas semanas passam voando e logo ela estará casada com um desconhecido.
Nossa heroína nunca foi de roer unhas, no entanto neste momento era tudo o que queria estar fazendo, o medo aumenta dentro do próprio coração. Ela fez toda a lição de casa, já sabia quem eram suas novas melhores amigas, seus parentes preferidos, sua comida favorita, soube que deveria comer vegetais como se os amasse, mas ela os detesta, agora Heloísa não sabia mais quem era, o único que poderia de alguma forma lhe mostrar quem é, era o Samuel.
O vestido estava perfeito em seu corpo, seus cabelos que antes eram longos agora estavam na altura dos ombros, o penteado era com tranças em cascata e os cachos destacavam-se. Os sapatos de salto machucavam o seu pé, contudo isso não era o suficiente para fazê-la se concentrar em outra coisa a não ser ele.
Quando se olhava no espelho sentia-se muito bonita, afinal estava maravilhosa, todavia tentava encontrar-se ali e não a via mais, estava começando a ter uma crise de pânico por não se encontrar em si mesma, e para piorar sua situação, deveria deixar Carlos a acompanhar até o altar.
Helo, buscava dentro de si forças para sobreviver a este dia, sempre que começava a pensar em como as coisas seriam após o casamento, seu desespero aumentava. A garota nunca namorou e depois de seu padrasto assediá-la teve repulsa de garotos e isso se estendeu até a fase adulta, seu único amigo era Samuel.
Em meio a toda a sua tensão alguém bate a porta, ela percebe que chegou o momento de voltar a ser a Helena, por mais que isso a deixe constrangida não vê outra forma de agir. Assim que abre a porta, surpreende-se com quem estava batendo.
— Sam? Não acredito que realmente pode vir – exclama e o puxa para dentro do quarto.
— Como você está diferente – comenta o amigo.
— É que essa não sou eu, você está de fato vendo a Helena – murmura e aponta para um quadro na parede.
Os olhos do garoto, passam de uma para outra, o espanto em seu rosto é tão claro quanto a água cristalina, Samuel não acredita no que vê, por um momento realmente esquece que quem está em sua frente é Heloísa.
— Uau, você se tornou ela realmente – fala em um tão baixo.
— Sinto que… Posso me perder de mim mesma – confessa angustiada, ele finalmente a olha de verdade.
— Eu jamais deixarei que isso aconteça Helo, estou aqui para lembrá-la de quem realmente é. Sei que ama comer besteiras e ler livros de romances, adora clichês, como dormir vendo as estrelas, você é um doce Heloísa, és uma mulher incrível, eles podem mudar sua aparência, mas jamais vão mudar sua essência – afirma.
Sem nem ao menos pensar ela o abraça com força, neste momento nada importa, nem a roupa, nem a maquiagem ou muito menos o cabelo, tudo o que mais importa é ter o seu amigo para apoiá-la.
— Sinto que jamais serei essa pessoa – diz ao se afastar, e olhar para si mesma.
— Então vamos deixar, essa nova mulher mais parecida com você – diz e lhe entrega um par de tênis branco com gliter.
Heloísa sorri mais animada, seus olhos brilham ao perceber que com pequenos detalhes podem a fazê-la lembrar de si mesma, ela não demora muito e calça seus novos sapatos, agora sentindo-se muito mais confortável, começa a perceber que está mais confiante e sua angústia começa a desaparecer.
— Acho que daqui a pouco eles vão vir me buscar, é melhor que vá, sou muito grata pelo que fez por mim hoje – diz e lhe abraça novamente.
— É para isso que serve os amigos, sempre que se sentir perdida estarei aqui para ajudá-la a se encontrar – assegura e beija delicadamente o seu rosto, em seguida sai apressado do quarto.
Não demora muito para que Ágata e Carlos entrem no cômodo, eles nem olham para a garota direito, ao invés disso a apressam para que possam realizar logo este casamento. Com o coração disparado e o medo crescendo cada vez mais dentro de si, Heloísa começa a descer uma longa escada para finalmente chegar ao jardim.
Neste momento ela percebe que toda a sua vida vai mudar, que agora não tem mais volta, ela poderia ter fugido, seria difícil, no entanto daria certo por um tempo, entretanto ela ficou e agora deveria descobrir quem iria de fato querer ser.
A heroína começa a sair das cinzas, levanta-se sem a ajuda de seu príncipe encantado, agora que sabe que não terá ninguém para ela já que está casando com alguém de outra pessoa.
Seus pés chegam mais firmes no chão, sua cabeça começa a se erguer e Helo deixa para trás a garota que tanto se lamentáva para finalmente ser dona de sua vida, mesmo que seja uma bagunça.
Ela chega ao jardim, a decoração é a mais linda que já viu, aproxima-se de uma espécie de passarela e vê todos os olhares grudados em si, a garota os evita, pois só tem um que desperta sua curiosidade e conforme anda em direção a ele, busca pelo seu olhar, sua confusão aumenta quando não vê o amor ali, não tem a chama da paixão que viu nas fotos, ele apenas olha para ela e sorri como se fosse sua obrigação.
Neste momento ela pensa que deverá desvendar muitos segredos, seus olhos escapam do rapaz e vão em direção a Samuel, seu amigo a encara mostrando-a que está linda e lhe passando a confiança de que necessita para dar cada passo.
Conforme se aproxima do altar, seus olhos voltam para o Arthur, ele ainda força o sorriso e Helo nota que ele parece fingir tanto quanto ela, então faz o que tem que fazer e sorri também, assim que para em sua frente, perde-se em seus olhos claros, sua barba bem feita e os dentes perfeitos que se exibem conforme ele sorri.
Seus lábios grossos são um chamado, ela quer experimentá-los, a garota percebe que o deseja e desvia o olhar envergonhada e o homem a sua frente sorri e este é o primeiro sorriso verdadeiro que vê em seu rosto.
Ela não escuta muito o que é dito, não consegue pensar em nada enquanto olha para o cara que não pode amar, tampouco escuta sua voz quando diz sim, ela se sente perdida, entorpecida, ela se sente completamente desnorteada, e neste momento com toda a certeza que consegue sentir, sabe que sua vida mudou para sempre.
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