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Com Amor, Vincent

O alienado.

ERA UMA NOITE BASTANTE ESCURA E FRIA QUANDO TUDO ACONTECEU, Vincent lembrava muito bem isso. Conseguia sentir a adrenalina percorrer inteiramente seu corpo, porém, também sentia o ódio e o desprezo por si mesmo lhe dominar. Ao subir os degraus da varanda, sua mente estava vazia e a raiva eminente irrompeu em suas veias, envenenando seu sangue.

Ele estava tão cego pelo ódio, chegando ao seu ponto extremo: nada mais lhe importava. Nem mesmo a vida de Jennifer Grayson.

Ao destrancar e abrir a porta principal da casa, ele logo se deparou com a garota de belíssimos cabelos castanhos e olhos amendoados. O sorriso de Jennifer era, sem duvidas, o mais puro e arrebatador que já tivera a chance em ver em toda a sua vida. Porém desta vez, seus encantos falharam. Nada mais que a garota fizesse iria ter efeito sobre ele. E a última e mais dolorida lembrança de Vincent Vantoch era essa: o sorriso e o olhar reluzente de Jennifer Grayson ao recebê-lo, como se nada houvesse acontecido. No fundo de seus olhos, ele sabia que havia algo estranho. Como se um grande segredo escondido atrás de seus olhares brilhantes e sorrisos escancarados. Ele sempre suspeitou desse brilho incomum e de seu sorriso forçado ao vê-lo.

E de fato, ele a amava mais do que tudo em sua vida; havia encontrado no sorriso escancarado de Jennifer Grayson a sua razão para viver.

Mas...por quê ele a matou?

...~•~•~•~...

...Hospital psiquiátrico de segurança máxima, na Califórnia, 2009....

...|Vincent Vantoch|...

...5 meses após o assassinato....

A LUZ PARCA DO TETO SE REFLETIA CONTRA O PISO DE LINÓLEO. O detetive-inspetor Saul Harris caminhava pelos longos corredores da instituição, em busca da ala isolada e intensiva de psiquiatria. Há poucos dias retornara de suas relaxantes férias que tivera com sua esposa e seu filho no Havaí. Lá, estivera, de fato, em um paraíso insular, porém logo mais teria que retornar a realidade. E quando retornou, um novo e confidencial trabalho recaiu sobre si. Não pensava  em retomar seus trabalhos investigativos por um tempo, porém ninguém mais no Departamento Policial era tão qualificado quanto ele para resolver um caso como este.

Com seus colegas o bajulando e sem ter mais para onde correr, Saul Harris não teve outra saída. E menos de duas horas, uma parte do dossiê policial arquivado foi parar na sua mesa. Inicialmente, ele tentou voltar atrás, recusar a tal proposta, entretanto ao ler cada informação sobre o caso, ele sentiu-se instigado a continuar. E o ápice veio quando descobriu que uma das vítimas era integrante de uma das famílias mais ricas de Washington DC.

Agora, Harris tinha em suas mãos dois casos parcialmente solucionados, mas que ainda necessitavam de mais respostas, complementos: a triste história de Jennifer Grayson, uma típica jovem nascida na capital americana, de 22 anos, e que fora brutalmente assassinada pelo seu ex- companheiro, às 10:00 horas da noite do dia 20 de junho de 2009.

A garota era filha única de um político bem-sucedido, o qual ocupava a posição de primeiro-ministro. Já o segundo caso que tinha, tratava-se de Bradley ''Brad'' Smith Jordan, um jovem rapaz de 24 anos, assassinado no mesmo dia, às 10h35. Ou seja, alguns minutos após a morte da garota Grayson. E, ao contrário de Jennifer Grayson, Bradley não vinha de uma família de altíssimo nível. Ele nasceu e foi criado em uma família de classe baixa, entretanto sempre fora bastante esforçado em seus estudos, correndo atrás de seu grande sonho. Tornar-se um advogado de renome e respeito era o seu maior desejo. E bem, aparentemente não haveria motivos em conectar dois casos de assassinato entre duas pessoas completamente distintas uma da outra, porém fatos recém-descobertos pelos agentes de baixo escalão do Departamento, apontavam uma certa aproximação de Jennifer e Bradley.

Os mais próximos relataram o vínculo amoroso dos jovens, dizendo que os mesmos foram namorados no colegial. Talvez essa fosse a motivação que seu possessivo companheiro havia encontrado para acabar com a vida de Bradley. Mas por quê ele matou Jennifer Grayson?

— Eu sou o detetive-inspetor Harris, estou aqui para falar com o diretor do hospital psiquiátrico e também para visitar um paciente. – ele diz, exibindo o distintivo à recepcionista do local. A mulher teve um sobressalto. Estava prestes a tomar o primeiro gole de seu café descafeinado quando ouviu a voz grave e cortante de Harris. Ela quase engasgou.

— Oh! – ela gemeu, desconfortável, ao sentir a alva pele de seus seios ser queimada com um pouco do conteúdo que transbordara de seu copo. Saul elevou ambas as sobrancelhas. O detetive-inspetor era conhecido por ser muito exigente, perfeccionista e metódico em trabalho, e, por um momento, ficou se perguntando se a recepcionista realmente estava em seus melhores trajes para exercer suas funções na instituição. — Perdoe-me por isso detetive Harris. O senhor Louis já está o esperando. Ele está na ala privada de recreação.

— Ala privada de recreação?

— Sim, sim, é lá onde os enviados da polícia ou àqueles com um crítico estado de saúde mental passam as primeiras horas do dia após a refeição. Normalmente eles são mantidos em isolamento, para evitar atritos. – ela explicou, lançando um olhar sedutor à Harris, que imediamente mudou o foco de seu olhar. A mulher ficou frustrada com a nítida recusa do oficial.

Saul Harris estava com presa e também já não aguentava mais estar ali, então apenas assentiu em silêncio. Não queria que nenhuma outra mulher tentasse o provocar, exceto Nadia Harris, sua querida esposa. Olhando brevemente ao seu redor, ele logo chegou a conclusão de que aquela instituição era maior do que ele pensava ser. Olhou, logo em seguida, para o corredor que ficava mais além do balcão da recepcionista com trajes vulgares e decotados. Na parede branca e altiva diante de si havia uma placa, à qual indicava o caminho da ala de isolamento. Se seguisse por aquele caminho, com certeza conseguiria chegar ao seu local de encontro.

— Tenha um bom dia, senhorita. – ele disse, cordial, antes de caminhar em direção ao corredor e seguir as placas indicativas.

O telefone no balcão da recepção tocou. A mulher prontamente se colocou a atendê-lo, ignorando as últimas palavras ditas por Harris. O detetive-inspetor seguiu, despreocupado, pelos corredores extensos. Já fazia alguns dias desde que teve acesso a todos as informações possíveis que a polícia conseguira coletar do acusado Vincent Vantoch, e, desde então, sua cabeça não teve mais sossego. Em todo o momento sua mente era bombardeada com várias possibilidades ou teorias criadas por ele mesmo acerca do caso. Em um curto período de 5 meses após os homicídios, os casos foram mantidos em sigilo.

Os corpos passaram por necrópsias minuciosas, os laudos periciais foram entregues às autoridades, o sepultamento dos corpos não foi permitido, então os mesmos estavam sendo mantidos em conserva no laboratório da sede principal do Departamento em Los Angeles, e as provas foram arquivadas. As famílias Grayson e Smith estavam terminantemente proibidas em falar sobre algo que envolvesse ambos os assassinatos. Se algo vazasse, os repórteres curiosos iriam se aproveitar da situação para fazer uma grande ''manchete'', divulgando toda a história ocultada pelas autoridades californianas.

Ninguém poderia saber sobre Vincent Vantoch e suas atrocidades naquele momento. Ainda não era certo divulgar ao mundo o duplo homicídio ocorrido em uma cidadezinha tão pequena como aquela. E, por uma das vítimas ser filha de um estimado político, os curiosos exigiriam a todo custo a ação e competência da polícia. Harris poderia aceitar tudo, menos que alguem ficasse cobrando e exigindo o seu trabalho.

Seguindo seu caminho silencioso e com passos largos pelo longo corredor, não demorou muito para que Saul Harris avistasse uma grande porta, feita a partir de um aço muito bem reforçado. Havia dois homens armados, e estes mesmos empunharam suas armas ao detetive, dizendo-lhe, em um tom de voz, que aquela ala era restrita e apenas alguns funcionários ou visitantes com autorização poderiam entrar. Várias ordens de retorno foram dadas à Saul, porém ele as ignorou, pegando calmamente o seu distintivo que estava no bolso de sua calça.

— Eu sou o detetive-inspetor Saul Harris, do Departamento Policial da Califórnia. – ele disse, calmo. Os homens estremeceram ao ouvi-lo, e de pronto baixaram suas armas.

— Soube que o diretor do hospital psiquiátrico está na ala de isolamento, então, com certeza, não vim até aqui em vão. Preciso conversar com ele e interrogar um paciente.

Um dos seguranças retornou a sua posição anterior enquanto seu companheiro se colocou na tarefa em liberar a passagem de Harris ao interior da ala isolada. Fixado na parede havia um leitor de identificação, possibilitando a passagem apenas daqueles que possuíam uma espécie de cartão "especial". Retirando o tal cartão do bolso menor de seu colete, o segurança – denominado L. Drayton – exibiu um código contido na face superior do cartão ao leitor fixado contra a parede grossa e resistente. Saul Harris observou tudo em silêncio.

Um pequeno feixe de luz avermelhado deslizou sobre toda a extensão do cartão exibido pelo segurança, e então houve um barulho. As travas internas da porta de aço, que levava à ala de isolamento haviam sido abertas e logo a passagem abriu-se para Harris, que sem a mínima cerimônia infiltrou-se rapidamente no interior da mesma.

A porta fechou-se atrás de si; um baque surdo fez-se presente após isso. Direcionado seu olhar para mais adiante, Saul deparou-se com mais dois seguranças armados e mais um extenso corredor, repleto de celas individuais. Deslizando um pouco mais o seu olhar ao final daquele mesmo corredor, ele percebeu a presença de mais uma grande porta de aço, monitorada por uma câmera. Na placa acima da porta, Saul conseguiu ler com exatidão "ala de recreação". Era para lá que deveria ir, mas antes teria que passar por uma vistoria rápida. Ao contrário dos seguranças que faziam a monitoração na parte externa da ala, estes agora pareciam serem bem menos rudes. Ou, talvez, simplesmente souberam como reconhecer um oficial superior.

Seu corpo fora inteiramente apalpado; seus bolsos foram revistados, e sua arma havia sido temporariamente confiscada. Feito os típicos procedimentos de praxe, o segundo segurança que também estava na guarda, ofereceu-se para guia-lo até a ala recreativa dos internos. Em um corredor bem iluminado e um pouco mais estreito do que o habitual visto em outros centros de psiquiatra do país, o detetive-inspetor, de cabelos negros e alguns poucos fios grisalhos aparecendo nas laterais, bem próximos às orelhas, observou uma quantidade mínima de celas. Apesar do espaço disposto, ele contou apenas dez celas. Dez celas em ambos os lados.

Não havia nenhuma grade ou janela de vidro reforçado que desse visão ao interior de cada cela. Eram apenas dois lances paralelos com portas pesadas e de aço reforçado à prova de fogo, marcando a extensão de cada cela - que, na verdade, não passavam de simples cubículos onde os internos contavam com uma cama desconfortável e de ferro resistente fixado ao chão, um vaso sanitário, uma pia de inox e uma troca diária de roupas. Do lado externo das celas solitárias, a vistoria diária dos pacientes era realizada através da aberta de uma pequena portinhola -– por onde também os funcionários entregavam as novas trocas de roupas. O olhar impassível de Saul analisou minimamente cada umas das portas.

Na primeira parede de celas, para cada uma das portas, uma placa com o nome e a idade do paciente estava disponível. E de forma respectiva, os nomes eram: Louise Morrison, 48; Caroll J. Swan, 21; Fred Artz, 32; Mitchell Gunnar, 32; Igor Roman, 19; Jeffrey Rey, 52; Sarah West, 62; Alfred E. Sanders, 70; John Pollock, 45; Vincent Ambrose Vantoch, 32.

"Vincent Ambrose Vantoch", este era o seu nome, e, segundo a informação também contida na placa fixada na porta de sua cela, o mesmo contava com 34 anos de idade.

...(...)...

Chegando à porta no fim do corredor, o detetive esperou mais uma vez que o cartão "especial" do segurança que lhe acompanhava ter seu código reconhecido pelo leitor do equipamento fixado na parede ao lado de sua passagem, que logo mais se abriria. Por mais que fosse uma porta de uma grossa espessura e feita a partir de um material de alta segurança, ela não isolava completamente os barulhos internos. Parado atrás do segurança e analisando alguns poucos detalhes ao seu redor, o detetive-inspetor não pôde deixar de ouvir os barulhos abafados que vinham de trás daquela porta, que logo fora destrancada.

Talvez os alienados da ala ainda estejam em seus momentos recreativos., pensou Harris com indiferença.

Após soar um alarme, as travas da porta foram abertas, dando passagem ao detetive. Naturalmente Saul pensava que a partir daquela porta, ele apenas encontraria uma grande sala, onde haveria uma divisa entre os "doentes" e os responsáveis encarregados por aquela ala. Mas não. Elevando seu olhar acusador, ele de imediato se deparou com algo bem mais distinto do que julgava encontrar. Pensando que o reluzente piso de linóleo teria continuidade ao atravessar a porta, Harris se sentiu frustrado ao ouvir um barulho indiferente após a sola grossa de seu sapato se chocar contra o "piso". Foi como um barulho metálico, e, com isso, conseguira desviar a atenção do homem, aparentemente mais velho, que estava ali.

Não havia mais o piso de linóleo ou a sensação quente e aconchegante dos corredores aquecidos. Agora ele caminhava sobre uma plataforma metálica. O grandioso prédio da instituição contava com dois andares, e, até onde o detetive-inspetor conseguia lembrar, ele estava no segundo andar do prédio. E olhando mais diante, para além daquela plataforma metálica, ele pôde contemplar, de maneira ampla, a imagem de cada um dos internos. Eles estavam tão lá embaixo, que, por um momento, Saul julgou que a tal plataforma ligava o segundo andar ao primeiro, e, consequentemente, acabaria por levar quem quer que fosse até o pátio de recreação.

— Oficial Saul Harris? – perguntou o homem de meia idade. Saul assentiu, silencioso, a pergunta feita pelo mais velho. — Sou Louis Miligan, diretor-geral do hospital psiquiátrico.

O mais velho estendeu a mão à Saul, como um cumprimento, que, decerto, o detetive correspondeu com a mesma atitude.

— Peço perdão por não haver explicado muita coisa sobre mim quando lhe liguei hoje mais cedo. – disse Harris. — O Departamento está um caos. Dois casos de assassinatos, aparentemente ligados um ao outro, foram reabertos. Os meus agentes estão trabalhando como podem para recuperar as evidências arquivadas na sede principal do Departamento, em Los Angeles.

— Eu entendo – disse o velho homem, compreensivo. —, mas não penso que será fácil fazer Vincent falar algo além do que já sabemos e conseguimos repassar à policial. Ele se nega a falar qualquer coisa sobre a garota ou sobre a noite em que tudo aconteceu.

Saul Harris suspira profundamente, frustrado. Sem dúvidas, aquela seria uma tarefa difícil, bem mais do que Saul poderia ao menos imaginar.

— Se eu estivesse aqui antes, quando tudo isso começou, com certeza este caso já estaria solucionado e Vincent teria sua condenação por ter matado a ex-companheira. – o detetive diz com frustração.

— Sim, senhor. E ao que tudo indica, após o julgamento, ele cumprirá a pena nesta ala de isolamento do hospital psiquiátrico. – Louis diz, sério. — A data do julgamento está prevista para a segunda semana do próximo mês.

Uma risada aguda e psicótica fez-se presente, ecoando por todo o lugar. O olhar astuto de Harris fitaram o que estava mais além de si. Um grandioso pátio podia ser amplamente vistoriado do alto daquela plataforma. Sobre o chão grosseiro e exposto aos raios solares, vinte quadrados foram pintados em amarelo vívido. No interior de cada quadrado, o espaço contido era o ideal para cada paciente dependente da ala. Eram mantidos em distância uns dos outros, já que uma aproximação mínima poderia resultar em algum conflito, ou, na pior das hipóteses, um óbito. Saul não perguntou nada sobre a distância de cada quadrado, mas cogitou ser algo entre 2 ou 3 metros.

Novamente a risada perturbadora que ouvira antes, retornara a desviar sua atenção. No primeiro quadrado, à esquerda, havia um homem jovem. Um garoto, praticamente. O mesmo ria e gargalhava para o vento, pulava sem parar, agitando as mãos. Aquele era Igor Roman, o mais novo da ala. Como sendo um portador de psicose aguda, ele estava, naquele momento, vivenciando mais uma de suas crises. Com mais dois ou três metros adiante estava o espaço-limite de Vincent Vantoch.

Ele estava de costas, olhando para o nada. O olhar fulminante de Saul Harris o fuzilou. Com todos os outros, ele vestia uma camisa branca e uma calça larga na mesma tonalidade.

— Senhor Miligan, eu soube que Vincent está constantemente passando por novas avaliações mentais. Pode me dizer se há algum novo diagnóstico? – Saul disse sem sequer dedicar seu foco à Louis. Seus olhos estavam fixos à figura do homem.

— Nos últimos dois meses descobrimos bem mais do que poderíamos imaginar. -– o velho disse; seu olhar também se fixou em Vincent. — Realizamos o teste de Rorschach, o popular "teste do borrão", e conseguimos saber um pouco mais sobre a personalidade de Vincent.

Confuso, Saul eleva ambas as sobrancelhas e então indaga:

— Rorschach? Qual é a eficiência desse teste?

— Já é algo comprovado a eficiência do teste. Através deste novo método alguns traços da personalidade de determinado indivíduo é revelada. E com Vincent Vantoch não foi diferente.

— E então?

— Além de descobrir as fortes tendências suicidas de Vantoch, soubemos também sobre uma esquizofrenia ainda não específica, psicose aguda, pensamentos caóticos, episódios erráticos e de extrema violência. – ele explica. Harris o ouve atenciosamente. — Normalmente usamos uma medicação bastante severa: oito miligramas de Trilafom; trinta miligramas de Cipramil; e, vinte miligramas de Paroxetina, em casos necessários.

— Espera, essa medicação, Paroxetina, é um antidepressivo muito forte. Vincent também sofre com episódios depressivos? – o detetive indagou.

— Sim. Às vezes, quando está em sua cela, nós o ouvimos chorar e gritar o nome da ex-companheira. Ele diz que se arrepende muito pelo o que fez e que não consegue mais viver sem ela. – o velho diz. — E quando está em um estado como este, a tristeza acaba por deixá-lo muito agressivo. Então sempre somos obrigados a usar uma overdose de medicamentos fármacos.

— Não acha poderão matá-lo em uma dessas overdoses? – perguntou o detetive, retornando novamente o foco de sua atenção à Louis Miligan.

— Não, as dosagens são pequenas. Apenas algumas convulsões, espasmos doloridos, ou ações sedativas são causadas por estas dosagens. Não são suficientes para matá-lo.

O olhar de Harris fora atraído novamente à Vincent Vantoch. Desta vez o homem que necessitava interrogar estava de frente para ele, encarando-o. Suas expressões eram neutras ao fita-lo, ao menos Harris podia ter essa certeza. Parado no meio do segundo quadrado, à sua esquerda, o corpo de Vantoch aparentava estar trêmulo. Um sorriso psicodélico surgiu em seus lábios. Sem nenhum motivo aparente, ele começou a rir e gargalhar.

— Isso tá estranho. O que ele tem? – Saul indagou, apontando discretamente para Vincent.

— Estão todos drogados. – Louis Miligan disse, calmamente. — Ainda não temos os reforços necessários, então é preciso drogá-los antes de retirá-los de suas celas.

Sabendo que seu tão esperado interrogatório não iria acontecer, Saul Harris bufou.

— Ótimo. Vejo que meu interrogatório terá que esperar! – a frustração é nítida em seu tom de voz. — Senhor Miligan, eu tenho que retornar agora ao Departamento Policial, afinal, interrogar um drogado não vai me ajudar em nada. Voltarei outro dia e espero encontrá-lo sóbrio.

10 de julho, 2009 - a possível bênção.

...| Vincent Vantoch |...

...Meses antes...

...Dez dias antes...

...do homicídio....

ELE ESTAVA RADIANTE DE ALEGRIA COM A NOTÍCIA. Seus olhos nunca estiveram tão brilhantes como naquele momento ao encarar o monitor no consultório médico, o qual exibia a imagem de um pequeno serzinho que se desenvolvia de maneira rápida e saudável. Muito em breve teria a honra em ser pai pela segunda vez, mas desta vez estava por vir o primeiro fruto de sua relação instável com Jennifer Grayson. Ambos já dividiam o mesmo espaço há alguns meses, então a idade gestacional do feto não fora nenhuma surpresa para Vincent, no início. Aparentemente tudo estava acontecendo como deveria ser.

— Parabéns. O bebê está forte e saudável. – o médico disse, os olhos fixos ao monitor e um meio sorriso em sua face ao observar o pequeno feto que se desenvolvia no ventre daquela jovem mulher que encava com um olhar tão ingênuo e confuso. — Tem aproximadamente 11 cm, o que me leva acreditar que o bebê de vocês já esteja com uma idade gestacional similar a 3 meses.

Os barulhos apressadinhos dos batimentos cardíacos de seu pequeno bebê ecoavam por todo o consultório, e faziam Vincent entrar, cada vez mais, em um profundo estado de êxtase. Ainda não podia acreditar que estava ali e que ouvia o coraçãozinho de sua pequena criança.

— Doutor, já podemos saber o sexo ou ainda é cedo demais para isso? – ele perguntou, sorridente, em um estado profundo de alegria.

O médico sorriu, analisou um pouco mais a imagem em preto e branco exibida através de seu monitor, e então assentiu.

— O bebê não está em um posicionamento bom, mas olhando bem, tenho quase certeza de que se trata de uma menina, senhor Vantoch. – ele disse, apontando com o dedo indicador em direção ao local exato onde seria suas genitais, e que pouco podiam ser vistas por um olhar desatento. — Talvez na próxima consulta, poderemos saber com mais precisão sobre o sexo do bebê.

Mesmo tratando-se uma possibilidade, o coração de Vincent disparou novamente na mais profunda felicidade, exibindo, então, um largo sorriso ao profissional que conduzia, gentil, toda aquela rotineira consulta. Porém era uma pena que Jennifer Grayson não sentisse a mesma coisa que seu companheiro. Por muitas vezes durante as muitas explicações do médico, ela se pegou olhando para ele. Ele irradiava suas alegrias e as exaltava de todas as formas. O seu amor pela criança que crescia no ventre de Jennifer Grayson, sugando-lhe cada vez suas forças. No início, tudo poderia ter sido mais fácil. Tudo poderia ter tomado um outro rumo se ela não tivesse lhe contado sobre a gravidez. Ou melhor, se ele não a tivesse descoberto antes mesmo que a garota pudesse tomar qualquer decisão precipitada.

...• • •...

Ao seu lado, o médico continuou a dar mais explicações à Vincent. Falava sobre todas as coisas que poderiam acontecer no início da gravidez, as precauções que deveriam ser tomadas para que nada contrário acontecesse ao feto, e o dia de retorno para a próxima consulta. Seu companheiro estivera, de fato, muito arrebatado com a idéia em ser pai, e isso a assustava. Vincent sempre fora muito imprevisível com relação às suas emoções. Ele era um tipo muito estranho, mas com uma aparência física bastante agradável. Um cara valente, super-protetor, adepto ao álcool, desbocado, muito impulsivo em suas ações, e, que, às vezes, beirava a obsessão e a agressividade.

Ela estava muito assustada. Não sabia onde tudo isso iria parar; os grandes problemas que iria causar.

— Não se preocupe, eu vou seguir a risca cada uma de suas recomendações. Garanto ao senhor que Jennifer Grayson Vantoch, esta lindíssima mulher, e nosso pequeno bebê estarão sob os melhores cuidados. Acredite em mim. – Vincent disse, sorridente. Ele sabia muito bem como agir, sabia escolher minimamente cada uma de suas palavras e direcioná-las com perfeição às outras pessoas.

O médico sorri, gentilmente.

— Não duvido. Você, senhor Vantoch, me parece ser um marido bastante dedicado, e é exatamente da sua dedicação que sua esposa e seu filho precisam.

Levantando-se lentamente da maca hospitalar gélida, Jennifer recebeu das mãos do médico um lenço para limpar o gel que havia sobre sua barriga. Tímida, ela o agradece. Os olhos atentos do médico recaem sobre ela e sua silhueta frágil, juvenil. Ela aparentava ser bem mais jovem que seu companheiro, mas, obviamente, buscar argumentos para se meter ou questionar a intimidade de um casal não era trabalho de um profissional da saúde. Seus olhos mudaram o foco, direcionando-se novamente à Vincent Vantoch. O homem, de aparentemente 34 anos de idade, estava olhou-o com fixação. Demonstrava, mesmo em silêncio, que incomodado com algo. As expressões enrijecidas, o olhar sério e as sobrancelhas levemente arqueadas o denunciavam.

— Muito obrigado, doutor, mas creio que devemos ir agora. – o homem disse, tomando a mão de Jennifer.

Suas expressões faciais estavam mais enrijecidas que o normal. E isso assustou a garota, que com muito facilidade conseguiu disfarçar o seu espanto.

— Algum problema, senhor Vantoch? – perguntou o médico, intrigado. Ao encará-lo, questionava-se internamente sobre como alguém poderia mudar suas emoções de maneira tão abrupta.

Há alguns momentos atrás, ele parecia tão sorridente, extasiado, não sabendo controlar ao certo tamanha felicidade em seu peito. Agora, o médico via-o nitidamente irritado.

— Não.... – ele diz, forçando um sorriso amigável. — Não há nenhum problema, mas penso que se ficarmos um pouco mais, vamos acabar atrapalhando a sua rotina de trabalhos.

Risonho, o médico meneia a cabeça para os lados, em um gesto de negação.

— Está tudo bem. Eu sou o médico particular dos Grayson, então sempre estou disponível para qualquer precisão.

Vincent força mais um sorriso amigável ao médico e logo caminha em direção à porta de saída do consultório. Ele pouco havia dado tempo para que Jennifer conseguisse abotoar os últimos botões de sua camisa. O toque de sua mão contra o punho da garota era forte demais, ao ponto de fazê-la reclamar, baixinho, de dor. Todas as pessoas que estavam presentes nos longos corredores do hospital os observaram com estranheza. Afinal, a agitação que Vincent Vantoch transparecia não era nada comum, e tampouco a forma rude com a qual segurava o pulso de Jennifer, que praticamente corria para tentar acompanhá-lo em sua rápida caminhada a passos largos.

— A partir de hoje, o seu médico será outro. – ele diz em um tom de voz baixo, sabendo que apenas Jennifer poderia ouvi-lo. — Será uma mulher. Não quero saber de homens tocando em você ou no meu filho.

— Mas....o doutor Davies atende a minha família há décadas... - ela tentou dizer, porém Vincent aumentou a força de seu agarre contra o seu punho.

— Ou você decide fazer o que eu estou mandando, ou você vai ficar trancada em casa pelos próximos meses. Dane-se essa merda de acompanhamento médico! – ele diz ainda em um tom de voz baixo, mas desta vez tornou-se algo mais ameaçador. — O que você escolhe, Jenny?

A garota sente seus olhos marejarem e suas bochechas arderem. Sendo uma pessoa emocionalmente frágil, ela esteve a ponto de chorar, porém se conteve.

— Tudo bem....e-eu faço isso... – ela diz.

Um sorriso vitorioso surge quase que imediatamente nos lábios do homem ao seu lado. Vincent diminuiu a velocidade de seu passo e envolveu Jennifer em seu abraço, de uma maneira deveras carinhosa.

— Lembre-se de uma coisa, meu bem: eu faço isso porque eu te amo. E te perder eu não quero. Aliás, meu amor, eu não consigo imaginar a minha vida sem ter você ao meu lado.

Duas vidas, senão três.

...Departamento Policial ...

...da Califórnia....

...Horas depois......

— SENHOR HARRIS, AS PROVAS ARQUIVADAS NO DEPARTAMENTO PRINCIPAL EM L.A. JÁ CHEGARAM. – um jovem agente, recém-chegado, adentrou o escritório de Saul, levando consigo uma caixa mediana, à qual possuía o nome "confidencial" em suas laterais.

Com pilhas formadas de papéis e documentos pendentes em sua mesa, Saul Harris, debruçado sobre toda aquela bagunça, suspirou pesadamente. Desde que chegara ao Departamento, após sua rápida visita ao Hospital Psiquiátrico, o detetive-inspetor trancou-se em seu escritório, e de lá, não saiu para mais nada. Há alguns minutos atrás, quando pensava que nada mais seria suficiente para atormentá-lo naquela manhã, Nadia Harris, sua esposa, ligou-o por três vezes seguidas. As primeiras três ligações passaram despercebidas, dado que seu aparelho celular estava no modo silencioso, entretanto quando enfim retirara o aparelho de seu bolso para conferir as horas, recebera uma quarta chamada de sua esposa. Desde que retornaram das férias no Hawaii, sua esposa, Nadia, estava muito preocupada com a saúde de Nolan, e foi por este exato motivo que tentara aos montes entrar em contato com Saul. O garoto – filho único do casal – sempre sofrera com quadros severos de epilepsia, mas agora, suas convulsões mais pareciam haver atingido o ápice.

Após a quarta e última ligação de Nadia, uma mensagem de texto chegou na caixa de entrada de seu celular. Era Nadia Harris. Naquele exato momento, ambos estavam distantes, porém, na forma como estava colocada as mensagens, ele já podia imaginar o quão furiosa ela estava. E isso não era pra menos. O filho ainda era uma criança de pouca idade, e estar sujeita a uma situação como aquela era algo deveras perigoso. Nolan Harris poderia não resistir ao forte ataque epilético.

— Realmente eu espero que neste dossiê contenha informações importantes sobre o caso. – Saul resmungou, erguendo sua cabeça e direcionando o seu olhar ao oficial recém-integrado. — Os arquivos que este Departamento possuem sobre o caso são uma verdade perda de tempo!

O jovem agente, apreensivo, tragou um pouco de sua própria saliva e colocou a caixa de arquivos confidenciais que trazia consigo sobre um espaço mínimo que havia sobre a mesa de Harris.

— Senhor, este é o arquivo completo. – o jovem oficial disse; Saul Harris ergueu ambas as sobrancelhas, surpreso. — O laboratório forense de Los Angeles também irá mandar para cá as evidências coletadas em ambos os cadáveres. E também eu ouvi dizer que vão autorizar o translado dos corpos, como um complemento à investigação.

— Mas eu pensei que os corpos estivessem sepultados. – disse Saul, levantando de sua cadeira e inclinando-se para alcançar a caixa deixada sobre sua mesa.

— Não. A polícia distrital não permitiu o enterro. – ele explicou, inquieto. — Eles dizem que ainda será necessário uma nova necrópsia nos corpos.

Aquela era, sem dúvidas, uma péssima ideia. Uma ideia absurda que havia sido tomada de forma impensada pelas autoridades californianas. Enquanto os corpos estavam sendo mantidos em estado de congelamento extremo no laboratório forense da sede principal do Departamento Policial em Los Angeles, as duas famílias seguiam desoladas, tocadas pelo luto irreversível e injustiçadas pelo assassinato dos filhos. Para eles não haveria paz alguma enquanto não fosse realizado um funeral e enterro solene para ambos os corpos.

— Eu quero os laudos forenses. – Saul disse após um longo e duradouro suspiro.

— Senhor Harris, todos os documentos possíveis sobre Jennifer Grayson e Bradley Smith estão incluídos no dossiê. – disse o jovem oficial. O novato recém-integrado era John Graham, um jovenzinho de pouca idade, vivendo o auge de sua rebeldia, e, em seu contragosto, agora brincava de "polícia e ladrão", trabalhando ao lado de homens maduros em um grandioso Departamento Policial.

Ao explicar, pela segunda vez, que tudo que Saul necessitava saber sobre o caso estava contido naquela caixa, ele pediu permissão ao superior, deu meia-volta e se retirou do escritório, deixando novamente o detetive-inspetor sozinho, imerso em seus pensamentos. Nos corredores próximos ao escritório de Harris, os novos agentes recém-integrados pareciam estar empolgados demais com algo que, sem dúvidas, não tinha nenhuma ligação com o trabalho naquele momento. Junto a eles havia um agente mais velho, o qual agia como sendo uma espécie de "supervisor" para que grupo de jovens. O agente reformado, Alfred Murphy, era sempre muito rígido em suas palavras aos mais novos, e, felizmente, isso sempre funcionava, já que o mesmo sabia como colocar aquele bando de garotos em seus devidos lugares. Naquele momento, Saul Harris agradeceu aos céus pela chegada de Alfred Murphy, afinal ele precisava de paz e tranquilidade, caso contrário, àqueles jovenzinhos estariam ferrados.

Com os laudos forenses em mãos, Saul começou a lê-los, mas já era bem óbvio que o primeiro pertencia à Jennifer Grayson. De início, o detetive-inspetor leu sobre algumas coisas sem importante abordadas no resumo do laudo. Harris deslizou os olhos com desinteresse por toda aquela parte inicial do documento, entretanto o foco de sua atenção logo fora atraído a uma informação destacada em negrito: "Causa oficial da morte."

Atraído ao tópico destacado, Saul começou a lê-lo com atenção:

"Causa oficial da morte: asfixia. A tranqueia e a laringe colapsaram por conta do trauma, e isso impossibilitou a chegada do oxigênio nos pulmões. Levando em conta as informações mais aprofundadas, o dito trauma fora causado por pressão manual. Muito provavelmente pelas mãos de alguém. (...) A vítima morreu por volta das 10:00 horas da noite. Em exame de sangue feito no cadáver, descobriu-se a presença do hormônio gonadotrofina coriônica humana, sendo este produzido pelos ovários no início de uma gravidez."

— Merda! – praguejou Saul. A partir daquele ponto, ele fez uma pequena pausa em sua leitura.

Jennifer Grayson estava grávida de poucos meses quando foi morta pelo ex-companheiro. A investigação tornou-se difícil ao perceber que a vida de um ser inocente havia sido envolvida. Naquele momento, não lhe faltou quaisquer dúvidas sobre Vincent Vantoch e sua conduta fria e depreciativa. Que tipo de homem era capaz de assassinar a companheira e o filho, o qual ainda contava com pouca idade gestacional? Em outras palavras, Vincent era um monstro da pior espécie. Ou menos era isso que Harris julgava ser.

Retirando uma rosquinha com recheio de chocolate de um pacote aberto que estava sobre sua mesa, Saul começou a ler as informações acerca de Bradley Smith. Desde que saíra da casa dos pais, o garoto morava sozinho em uma palafita, há alguns metros de distância da casa onde Jennifer Grayson e Vincent Vantoch moravam. Segundo as anotações feitas pelo legista, Edgar Ferguson, o corpo de Bradley estava repleto de hematomas. Ao que tudo indicava ser, o mesmo havia sido pisoteado brutalmente até que seus órgãos internos entrassem em um estado grave e que algumas de suas costelas fossem quebradas. Houve também uma intensa hemorragia interna; Bradley estava agonizando quando seu agressor decidiu pôr um fim definitivo em sua vida. Sem forças para lutar, o jovem rapaz teve sua vida findada a partir de um corte profundo em sua garganta. O sangue jorrou, formando uma grande poça de sangue.

A polícia chegou à palafita dos Smith muitos dias depois do assassinato. Os gases produzidos pelo corpo em sua decomposição haviam chamado a atenção dos pescadores e caçadores locais. O forte odor de carne podre havia se espalhado por todo o ambiente. E antes acionar a polícia, o caçador, Thierry MacCain, havia encontrado o corpo de Bradley, e, segundo o próprio caçador em seu relato às autoridades, o rapaz estava irreconhecível: o rosto estava inchado, a tonalidade de sua pelo era horrível à primeira vista, e seu corpo, assim como a sua cabeça, estava inteiramente inchado, espalhando um odor desagradável por toda a casa e em suas proximidades. O depoimento do caçador foi recolhido dias depois do corpo de Bradley ser encontrado em sua casa. Agora pesava sobre os ombros de Saul Harris outra grande tarefa: manter todas as possíveis testemunhas do crime em contato frequente com as autoridades.

Nada, absolutamente nada poderia passar despercebido em uma situação como esta. Os Grayson eram bastante influentes, qualquer mínimo erro de Saul ou de sua equipe, poderia acarretar em um grande e impiedoso problema para todos do Departamento. Então, a partir do momento em que Saul Harris começasse, de fato, a trabalhar com as investigações mais aprofundadas sobre ambos os casos, o tão determinado detetive-inspetor estaria se metendo em um grande e enigmático quebra-cabeça, o qual ainda continuava incompleto, aguardando por suas peças finais que logo muito em breve seriam descobertas.

...Hospital Psiquiátrico de segurança máxima. ...

...Ala de recreação....

Horas depois da saída do detetive-inspetor, o diretor-geral Louis Miligan confiou na super eficiência de seu novo sistema de vídeo-monitoramento e ousou em retirar-se um pouco. O velho homem precisava respirar um pouco de ar puro, afim de purificar o seu espírito pesaroso. Ou melhor. Precisava dar uma merecida pausa em seu trabalho. Quando mais achava que estava ficando tão louco e perturbado como os seus internos, lhe caiu sobre os ombros a imensa responsabilidade em chefiar Vincent Vantoch, que decerto era o primeiro criminoso portador de esquizofrenia não especificada em seu instituto.

Na sala de monitoramento havia uma única pessoa responsável por analisar e monitorar cada uma das câmeras existentes no instituto. Cody Sanders era um prodígio, recém-chegado ao hospital psiquiátrico. Com relação ao quesito acadêmico, o jovem rapaz podia ser facilmente considerado um belo exemplo a ser seguido. Entretanto, se fôssemos levar em conta os seus rendimentos no trabalho, este mesmo jovem rapaz seria considerado um péssimo profissional. Em outras palavras assim poderíamos defini-lo: um cara descompromissado, interessado apenas na alta quantia de dinheiro que ganharia se permanecesse trabalhando naquela instituição de segurança máxima.

E, em um exato momento, o qual necessitara ao máximo de sua atenção, o jovem rapaz havia saído de seu posto na sala de monitoramento para reabastecer sua garrafa de água. Nas imagens nítidas, exibidas em cada monitor disponível, via-se com exatidão a movimentação incomum de um dos internos. John Pollock – o mesmo que se dizia o mais valentão de todos – ultrapassou os limites impostos e caminhou em direção de Vincent Vantoch.

Com suas inúmeras tatuagens cobertas pelas roupas dispostas pela instituição, Pollock inflou seu peito e foi ao encontro de Vincent. Uma péssima escolha, logicamente. Afinal o resultado de uma briga entre dois drogados transtornados não seria a melhor de todas.

— Ei, você! – disse John Pollock, aproximando-se cada vez mais de Vincent. — Você é um merda! Entendeu? Um merda!

Vincent não disse nada, apenas moveu minimamente a cabeça para o lado. Pollock continuou avançando em sua direção.

— Você é um covarde! – o mais velho continuou. — Onde está a sua mulher agora, hein? Está morta! Isso mesmo! Está morta, porque você a matou!

Vincent voltou-se na direção de John Pollock. Seu olhar era ameaçador, mas não o bastante para intimidar o companheiro de isolamento. Os cabelos de Vantoch estiveram um tanto desordenados ao serem atingidos por uma leve brisa que se chocara contra o mesmo. Um sorrisinho sarcástico se delineou em seus lábios ao contemplar a tamanha audácia vinda de John Pollock.

Diferentemente de Pollock e todos os outros da ala, Vincent Ambrose Vantoch possuía cabelos negros, medianos, que iam até a altura exata de seus ombros; possuía também uma estatura alta, olhos escuros e uma pele, cuja a tonalidade era facilmente descrita como sendo algo similar a um "moreno claro". E sem esquecer de mencionar que o mesmo descendia de uma nobre linhagem de nativos americanos. Seu falecido pai era neto de um nativo americano, nascido em seus territórios demarcados.

— Você não vai falar comigo? – Pollock insistiu, risonho. — Ora, vamos! Ou o gato comeu a sua língua?

Um segundo sorriso delineou-se nos lábios cerrados de Vincent. E diante de tal ato, John Pollock sentiu-se, de alguma forma, afrontado com apenas um simples sorriso que Vantoch lhe dedicara. O interno avançou um pouco mais adiante, estando agora frente a frente com Vincent Vantoch.

— É. Vejo que você é um fraco. Um inútil. – provocou novamente o interno mais velho.

— É melhor me deixar em paz e voltar para o seu lugar, John. – pela primeira vez, Vincent quebrou o seu silêncio.

O interno mais velho riu-se as gargalhadas, debochando de Vincent e sua boa vontade.

— Nossa! Você sabe falar! – ele ironizou. — Então agora podemos conversar como dois homens...

— Não quero conversar com ninguém! – Vincent adiantou-se em dizer.

A intensidade das gargalhadas de Pollock aumentaram. Estaria Vincent com medo, ou apenas evitando algo pior?

— Você é um merda, Vincent!

"Você é um merda, Vincent" estas foram as últimas palavras ditas por John Pollock antes de tudo acontecer. Retirando um caco de vidro – o qual possuía um tamanho consideravelmente grande – de seu bolso direito, Vincent Vantoch cravou o objeto pontiagudo com todas as suas forças contra o peito de Pollock, que imediatamente cambaleou para trás. John berrou, sentindo as dores agudas espalharem-se por todo o seu peito. Os primeiros sinais de sangue tornaram-se cada vez mais notáveis, tingindo, então, o tecido branco de sua camisa, fazendo-a adotar uma tonalidade vívida de um vermelho puro. Com um sorriso satisfeito, Vincent ultrapassou os limites impostos e avançou em direção de John Pollock.

O homem mais velho se manteve em pé por alguns minutos, porém logo sentiu seu corpo desabar sobre o chão grosseiro do pátio. Havia sido pego desprevenido e agora pagava por sua desatenção. Vincent o pisoteou por repetidas vezes, chegando ao ponto de fazê-lo cuspir o seu próprio sangue. Poderia tê-lo matado naquele exato momento, porém a sirene de alerta havia sido acionada, e, em pouquíssimos segundos após isso, a ala de recreação fora invadida por vários seguranças armados.

— Da próxima vez, fique longe de mim... – Vincent advertiu antes mesmo de ser levado de volta à sua cela.

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