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Convivendo Com O Inimigo • Dark Romance

01

Helenne Diehl

Estávamos às margens do rio Elba. O porto de Hamburgo era a nossa última chance de escapar de Hitler e seus homens. Muitos judeus haviam conseguido fugir usando esta rota e agora seria a nossa vez.

Apertei com força a mão delicada de minha irmãzinha. Ela estava tremendo de frio, mas, mesmo sendo tão criança, ela estava tão determinada quanto eu em fugir. Edith Diehl era uma criança linda e a sua imagem delicada de um anjo ficou para sempre minha memória.

"Crianças embarcam primeiro. Vamos!" Gritou um homem dentro do navio improvisado para o transporte clandestino que levariam os judeus para bem longe daquele solo tão perigoso.

Edith estava com medo. Senti sua relutância em acompanhar as outras crianças para dentro do navio improvisado, mas a tranquilizei dizendo que entraria logo após ela. E de fato as coisas deveriam ter funcionado exatamente dessa forma. Eu e os outros judeus estávamos prontos para embarcar logo após a subida da última criança, porém gritos desesperados fez com que nossos passos estancassem na metade do caminho.

"Fujam. Corram. Estão vindo! Eles estão vindo!"

O homem corria em nossa direção o mais rápido que suas pernas permitiam, no entanto barulhos estridentes de tiros se fizeram presentes e o homem teve seu peito atravessado por uma bala certeira. O sangue vivido escorreu por sobre a grama verde e fresca.

De imediato as portas do navio foram fechadas e uma multidão inteira entrou em desespero. Muitos tentaram pular para dentro da embarcação, outros correram sem rumo em uma direção qualquer. As crianças choravam, imploravam e gritavam os nomes de seus pais. Ao me ver ficar para trás, Edith chorou e gritou a plenos pulmões. 

Agora era apenas eu.

Eu deveria ter corrido. Eu deveria ter me salvado. Mas fiquei parada, completamente paralisada. Minhas pernas não reagiram nem mesmo quando o cano frio de uma arma fora apontada para a minha cabeça.

Mãos enluvadas me imobilizaram. Senti a dor de ter os cabelos puxados e de ser jogada ao chão como se não fosse nada. Os demônios fardados da SS não deveria estar aqui. Eles não deveria saber de nossa fuga. Alguém havia nos traído.

— Pegamos uma, Herr Hensel! – vociferou o homem fardado. Risadas me rodearam e então senti a dor aguda de uma agulhada em minha pele.

O efeito foi imediato. Meus músculos enrijeceram, ficaram duros como pedra e aos poucos fui perdendo a noção de tudo.

"Poupem esta. E não falem nada sobre o que fizemos aqui hoje!" Estas foram as últimas palavras que pude captar antes que tudo se tornasse apenas silêncio e escuridão.

Eu não sabia o que iria acontecer comigo, mas Edith estava salva. E essa era a única coisa que me tranquilizava.

~•~•~•~

Alemanha nazista,

Berlim, 1936

O sedativo era leve, não tinha um efeito a longo prazo, então era esperado que a garota acordasse dentro de alguns minutos ou, talvez, dentro de uma hora. Jogando-a no porta-malas de seu carro de uso pessoal, o capitão seguiu de volta para sua guarnição em Berlim.

Seu objetivo não era estar voltando com um prisioneiro, muito menos estar com uma "vadia" judia em seu carro, mas seus impulsos o fizeram trazê-la consigo.

Entre ele e os dois homens que o acompanhavam no veículo a regra era clara: nada de falar sobre o que havia acontecido. Sob fortes e constantes ameaças, os homens de baixa de patente atenderam ao rígido pedido do capitão. Mesmo sem entender, eles aceitaram manter o silêncio.

...~•~•~•~...

Naquela manhã as ruas já começavam a ser fechadas. Mais um dos grandiosos desfiles de exibição de tropas de combate e uma pequena amostra do vasto material bélico iria acontecer. Parece que Hitler nunca estava satisfeito com nada e sempre gostava de apreciar e de se vangloriar por todo seu império construído a base de discursos convincentes e manipuladores.

Desta vez Rudolf Hensel, o notável e jovem capitão das tropas de Berlim, estava livre. Hitler e seus camaradas queriam apenas lançar um último olhar sobre os pobres coitados que iriam morrer no front. Os soldados, todos bem agarrados aos seus fuzis, marcharam para a morte certa após aquele desfile.

— Não vai ficar para ver, Herr Hensel? – perguntou um dos homens, rompendo o silêncio de repente.

— Não perdi nada aqui.

A voz grave e um tanto áspera era uma de suas principais características. Quando tomava para si a voz de comando sobre um pelotão, os jovens se encolhiam de medo, já os oficiais mais velhos enxergavam um futuro brilhante para Rudolf, uma vez que o mesmo seguia ganhando grande destaque no meio militar.

Sua ordem e sua disciplina eram admiráveis.

— Mas o general está...

— Não me importa. Vocês estão comigo e o general não é problema de vocês. Entendido? – ambos os homens assentiram em um gesto quase que mecânico. — O general gosta de oficiais por perto e não de soldados com patentes tão baixas como vocês.

O silêncio se fez novamente no interior do veículo.

O carro seguiu com certa dificuldade pelas ruas lotadas. Rudolf buzinou por um par de vezes. Ao encararem o veículo preto reluzente e a bandeira vermelha com a respeitável suástica estampada, os soldados abriram caminho.

Um paredão de homens fileirados se formou diante o capitão. Todos prestavam continência ao oficial de passagem. Tal gesto de respeito fez com que a sombra de micro sorriso surgisse nos lábios rubros de Rudolf Hensel.

...(...)...

A guarnição comandada por Rudolf ficava em uma área um pouco isolada de Berlim. Uma estrada esburacada e com grandes árvores nos dois lados da via faziam o caminho para lá. Por muitos e muitos meses foi discutido a desativação daquele forte militar no meio do nada, porém, o excêntrico capitão Hensel, decidiu tomá-lo para si.

As áreas ao redor tomadas pela natureza era o ambiente ideal para a formação dos novos soldados dos exércitos nazistas. O seu campo minado estava armado, e apenas os melhores entrariam para as numerosas fileiras de homens que serviam ao führer.

Todos os dias, ao alvorecer, todos os jovens marchavam para o pátio da guarnição. Conforme o regulamento militar, o nome de Hitler era exaltado e juras de fidelidade à pátria eram feitas. Depois, um pequeno desjejum era servido e logo após os jovens estavam prontos para iniciar a longa e exaustiva rotina do dia.

Para Hensel, eles deveriam treinar duro. Deveriam sangrar e derramar suor sobre o solo que tanto deveriam defender, afinal, em seu modo de pensar, só assim se faziam os melhores soldados do regimento. Rudolf Hensel passou por tudo isso, e ele melhor do que ninguém poderia dizer que comeu todos os pedaços amargos do pão que o diabo amassou em seus anos iniciais como soldado.

...(...)...

— Os soldados já estão em treinamento. Herr Hoff está comandando o expediente. – comentou o fardado mais jovem.

A informação foi útil. Hensel viu a oportunidade perfeita para agir sem ser percebido. Becker e Stein, apesar de principiantes, eram os seus auxiliares mais comprometidos e fiéis. Eles sem dúvidas o ajudariam.

Adentrando pelos portões resistentes, o veículo preto reluzente passou sob o velho arco de ferro, o qual trazia o tradicional slogan nazista: "Deutschland Über Alles".

A poucos metros de seu escritório, Rudolf escutou uma batida surda em seu carro. Ela, enfim, estava acordada. O capitão acelerou um pouco mais e então parou bruscamente em frente a porta principal de sua sala.

A garota estava muito bem acordada. Por mais que ainda não conseguisse reunir forças o suficiente para se erguer, ela distribuía chutes contra o porta-malas e começava a emitir os primeiros murmúrios de desespero.

— Fiquem aqui na porta. Vigiem tudo. Eu mesmo a levo lá para dentro. – Hensel ordenou, abrindo a porta do veículo e se atirando para fora de imediato.

Ambos os soldados que fielmente lhe acompanhavam não conseguiam entender os motivos do capitão em manter consigo aquela garota que eles tanto foram instruídos a odiar.

Rudolf se direcionou ao porta-malas. Os chutes estavam ficando cada vez mais fortes, e ao abri-lo ele se deparou com a garota em posição fetal. Suas expressões esboçavam o pavor eminente.

— Olá, bonitinha. – ele pronunciou, a voz desdenhosa.

Desta vez ele não esperou por nenhuma reação vinda da garota. Suas mãos foram rápidas em arrancá-la do interior do porta-malas e trazê-la para fora. Seus braços enormes e fortes a envolveram, arrastando-a contra sua vontade para dentro de seu escritório.

Ela vestia um vestido simples, fino, e que agora mostrava leves manchas de sujeira.

Ainda sem forças, Rudolf não teve nenhum problema em carregá-la em seus braços até o interior de sua sala. Chegando lá, a garota simplesmente fora deixada sobre o chão frio e empoeirado. Tendo as pernas ainda trêmulas, ela rastejou como um animal enfraquecido pelo chão.

Um grunhido sufocado escapou dos lábios da garota.

— O que pretende fazer com ela, Herr Hensel? – perguntou Stein, o seu segundo jovem auxiliar. Sua curiosidade era a mesma a de Becker, no entanto apenas ele teve a audácia de questionar o capitão.

Naquele momento Rudolf quis responder algo, no entanto nem mesmo ele sabia o que estava fazendo. Ele estava acostumado a ter tudo e a todos aos seus pés, mas para aquele tipo de ação ele não estava acostumado.

— Não é hora para perguntas agora. – proferiu Hensel, amarrando decididamente as mãos e os pés da garota.

— E se suspeitarem que o senhor esconde uma judia em seu escritório? – desta vez Becker quis saber, a curiosidade nítida em seu olhar.

— Vocês não vão permitir que isso aconteça. Até o momento que eu decida o que fazer, vocês são os responsáveis em guardar a porta do meu escritório. Não deixem que ninguém se aproxime!

02

Guarnição militar,

Área isolada de Berlim, meia-noite

Na noite do primeiro dia, Rudolf dormiu em seu escritório. Com a porta trancada e as cortinas bloqueando a visão das janelas, a garota tentou se mexer e então, desorientada, deixou um leve gemido de dor beirar seus lábios.

O capitão acordou com esse primeiro movimento. Treinado para detectar até mesmo o mais sutil dos ruídos, seus olhos se abriram no exato momento momento em que ela tentava se desvencilhar das cordas que lhe apertavam os pulsos e os tornozelos.

— Um pouco tarde para acordar, não acha?

Rudolf tentou esconder o incômodo causado pelas horas em que estivera adormecido em uma única posição. Os ossos de sua coluna estalaram ruidosamente, e só então ele conseguiu se colocar de pé.

Encolhida e amarrada, ela viu o oficial se levantar. Ele resmungou de dor e, por instinto, sua mão tocou a perna esquerda. Foi uma cena que durou apenas alguns instantes e logo ele começou a caminhar em sua direção. Na estante atrás de si havia uma jarra com água pela metade e um copo de vidro. Ele sabia que ela estava com sede, afinal seus lábios ressecados após horas sem ingerir nenhuma gota de líquido denunciavam isso.

— Q-Quem é... – sua voz soou rouca e falha. Havia um esforço notável em tentar pronunciar as poucas palavras que pretendia. Sua garganta ardia e um estranho gosto de sangue a fazia estremecer.

Em silêncio Rudolf se aproximou. Encheu metade do copo com água e a fez beber. Era como ele havia imaginado: ela estava sedenta. Após o primeiro copo, a garota o implorou que enchesse mais dois e lhe desse para beber.

— Eu sou o capitão deste lugar. Aqui dentro meu nome é Hensel. Hauptmann Hensel.

Além da sede excessiva, ela também tinha fome. Muita fome.

— O-Onde... – ela tentou. Sua garganta já estava bem melhor. — Onde...onde estou?

— Não está fora de Berlim, apenas saiba disso.

— E-Eu...eu deveria estar morta...

Rudolf se levantou. Ele colocou o copo vazio sobre sua mesa. Havia uma maçã na mesa. A fruta fazia parte de sua dieta, mas por algum motivo ele acabou caindo no sono antes que pudesse comê-la.

Ele sorriu. Ela realmente deveria estar morta.

— Já vi muitas mulheres bonitas serem mortas. Você parece ariana e eu acho que uma beleza tão espetacular assim não deveria ser desperdiçada.

— Eu sou judia. Prefiro mil vezes ser como eu sou do que ser como vocês!

Era uma mulher geniosa, visivelmente temperamental. Rudolf gostou disso. Ele sempre gostava de pessoas fortes, de espírito sagaz.

— Parece que sua língua ficou um tanto afiada depois dos copos de água que lhe dei. – ele disse. Os olhos da garota o encaravam com atenção. — Devia me agradecer. Estou lhe dando uma segunda chance.

— Pra quê? Nazistas não são confiáveis. Vocês matam por prazer. São desprezíveis!

Foi neste momento que Rudolf sentiu o sangue esquentar. Ela não tinha autoridade nenhuma para falar daquele jeito. E após tal disparate, o primeiro castigo iria começar: ela ficaria sem comida e sem água.

— Melhor dobrar a língua. Os únicos desprezíveis aqui são vocês! – ele respondeu, a voz carregada de ódio. — E escute: é melhor se comportar, seguir a risca todas as minhas ordens, porque senão realmente vou lhe matar. Você me entendeu?!

Ela não estava nas condições adequadas naquele momento. Já foi um tremendo descuido desafiar a paciência do oficial e ao se dar conta de sua idiotice, ela se calou. As cordas apertavam muito seus pulsos e suas pernas já estavam dormentes.

— Sabe – ele recomeçou, a voz mudando bruscamente. —, pensando na sua beleza...eu acho que você poderia enganar a qualquer um. Posso dizer a todos que você é ariana, assim sua vida é poupada da morte. Mas, óbvio, para isso há um preço e sua obediência a mim terá que ser primordial.

Ela se remexeu, incômoda. Um brilho estranho se fez nos olhos daquele homem, assim como um sorriso malicioso surgiu em sua face.

O homem se aproximou novamente. Ele se agachou e sua mão tocou o rosto delicado da garota. Seus dedos deslizaram até o queixo dela, fazendo-a olhar para si.

Ela era linda, porém seus olhos eram traiçoeiros. Olhos castanhos não eram bem vistos, e ela tinha os mais belos olhos castanhos.

— Vou deixar você pensar. Te dou o tempo que precisar. Mas saiba que durante todo o tempo que estiver pensando você estará privada de comida e água.

03

...Helenne ...

As horas se passaram desde o fim da conversa. Capitão Hensel voltou para sua cadeira e eu continuei onde estava: no chão. Estive bem atenta a cada mínimo movimento feito pelo homem nas horas seguintes. Eu esperava que ele adormecesse novamente, mas isso não aconteceu.

Tentei não me mexer muito; meus pulsos doíam até mesmo com o mínimo dos movimentos possíveis. Eu sentia minha pele arder e eu sabia que estava machucada.

Mais horas foram se passando. Vi o dia amanhecer e Hensel continuava com os olhos afundados nos livros. Não sei sobre o que tanto lia, tampouco o assunto que tanto lhe interessava ao ponto de mantê-lo acordado a maior parte da madrugada. Minha barriga começou a roncar logo cedo. Aquele sim era um péssimo sinal.

Lembrei de suas palavras e do desdém escancarado que havia em cada uma delas ao me falar suas condições. Não sei como ele pretendia me "ajudar" com apenas a única e vaga alegação de que eu era ariana. Por mais que eu tivesse todas as características ideias para as mulheres alemãs, eu não era como elas. Eu era filha de um alfaiate judeu, não de um puro ariano.

Com o avançar das horas, o sol aos poucos penetrava as cortinas finas e invadia o interior da sala. O frio da manhã por algum acaso me lembrou de minha irmãzinha Edith e de nossa antiga vida na pitoresca cidade de Günzburg. Sim, sou nascida e criada na Baviera.

E agora a atmosfera triste causada pelo início da manhã me traz muitas lembranças, cada uma mais infeliz que a outra. Uma vida de infelicidades é o preço a ser pago por ter nascido em um país onde sua existência é indesejada.

— Alvorada! – exclamou Hensel. Ele de repente fechou seu livro, se levantou e caminhou em direção a porta. Em nenhum momento ele olhou para mim, simplesmente me ignorou.

Não sei bem para onde ele possa ter ido, mas ouvi um barulho ensurdecedor de corneta logo após a sua saída. Era exatamente como nos desenhos animados: ao toque da corneta, todos os homens se levantavam e iam para o pátio às pressas.

Ouvi um som sincronizado pouquíssimos instantes após o toque da corneta findar. Ao que parece todos estavam correndo em um único ritmo.

Não sei como tudo estava acontecendo lá fora, mas de repente todos se calaram e não houve nenhum ruído sequer. Isso durou por muitos minutos, porém de imediato a voz odiosa de Hensel irrompeu em um grito estridente.

"Bom dia, senhores" Hensel começou, a voz potente ressoando por todos os lados. "Como já devem saber o treinamento final irá começar. Talvez muitos de vocês não passem no teste físico, mas aquele que tiver força e capacidades suficientes irão vestir o uniforme da Wehrmacht. E como também já deve ser de conhecimento dos senhores, eu não estarei presente durante os treinamentos do pelotão. Essa foi uma decisão que tomei de última hora, mas meus auxiliares me entregarão um relatório a isso. Portanto, me retiro desde já!"

Após o discurso, Hensel adentrou novamente o interior da sala. Ele bebeu um pouco de água e logo em seguida ousou em me lançar o primeiro contato visual desde a conversa da madrugada. Recostado contra a mesa, ele permaneceu em silêncio e agarrou a maçã que estava por ali, mordendo-a e se saboreando na minha frente.

Ele sabia que eu estava com fome.

— Continua pensativa, bonitinha? – ele perguntou, o ar debochado em suas palavras era repugnante. — Ou já tem uma resposta para me dar?

— Você nem sequer me disse qual é o seu preço... – eu disse. Senti mais uma vez minha garganta arder. A sede estava voltando. — Você acha mesmo que encobrir minhas origens com uma mentira vai me ajudar em alguma coisa?

Ele deu mais uma mordida na casca atrativa da maçã. Olhando bem, Hensel não parecia em nada de acordo com o padrão "perfeito" exigido pelo führer.

Hensel não era loiro, tampouco alto. Tinha cabelos pretos e uma estatura mediana, porém seu porte físico e seus olhos azuis recompensavam as falhas em sua aparência.

— Eu estive pensando... – ele disse, a voz incerta. — Não fica bem visto para um capitão de renome como eu ser um homem solitário. Querendo ou não, eles me cobram frequentemente uma família. Uma casa fora da guarnição, uma esposa e um matrimônio sólido.

— Então vou espera que eu faça o que? Que me case com você?

— Sim. E entenda isso como uma porta de saída para os seus problemas. Se casando comigo, você vai ser uma mulher livre e respeitada.

— Definitivamente não. Preferia mil vezes ter morrido.

— Então morra. Sinta seu corpo definhar até a morte porque definitivamente não penso em alimentar você até que resolva aceitar minha proposta!

Suas últimas palavras transmitiram um ódio inexplicável. Hensel parecia muito firme em suas decisões e de fato estaria disposto em me deixar ali para morrer caso não ouvisse a resposta que tanto queria.

Horas depois

Hensel havia saído, no entanto dois homens ficaram na sala. Talvez, na sua ausência, aqueles dois seriam responsáveis por seu trabalho. Mas qual trabalho? Sempre me perguntei isso, mas aparentemente nem tão cedo eu encontraria as respostas.

Já me sentindo derrotada pela fome, minhas mãos tremiam, estavam gélidas como as de um defunto e meu estômago doía. Pela primeira vez pude ter a certeza de que a dor da fome era algo insuportável.

Me encolhi mais ainda no chão. Fui dura comigo mesma por muitos e muitos momentos. Eu estava disposta a chegar ao meu limite, mas, quando realmente cheguei a esse ponto, me assustei. Pude sentir a fraqueza extrema me consumir. Já eram muitas horas desde minha última refeição, um simples mingau de aveia antes de sair em destino a fuga que deu errado.

...(...)...

O capitão voltou por volta do meio-dia. Sua chegada ali aparentemente não era esperada. Pelo pouco que consegui entender, ele não muito afeito a fazer suas refeições na guarnição, mas que com certeza estava ali apenas para zombar de mim. E foi isso que ele fez. Enquanto ele comia, eu sentia o cheiro da comida me entorpecer completamente.

O cheiro de comida fresca me fez revirar, e, quando eu menos esperei, eu já estava chorando, implorando silenciosamente para que fosse alimentada.

Eu sei que ele estava me observando pelo canto dos olhos, mas ainda sim insistia em me desprezar. Ele queria que eu dissesse algo, que lhe pedisse, implorasse verbalmente por um pouco de sua comida. Isso tentei evitar no início, mas foi em vão: ele conseguiu me vencer.

— Você finalmente decidiu pedir comida? – seus olhos brilhavam, ele estava triunfante. — Você foi bem mais resistente do que imaginei que fosse, mas todos se dobram com um pouco de pressão. Você poderá comer tudo o que quiser. Se você aceitar agora mesmo a minha proposta, mando lhe preparar o mais luxuoso banquete!

E este foi o meu fim. Eu queria ter morrido durante os brevíssimos intervalos de cochilo naquele chão duro e frio, mas isso não aconteceu. A fome causava uma dor insuportável e trazia consigo uma sensação igualmente insuportável.

— S-Sim...

— Era exatamente isso que eu queria ouvir!

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