Um céu carregado por negras nuvens e rasgado por inúmeros relâmpagos é tudo que consigo ver nesse momento. Olho ao redor e vejo o vultos das árvores e o sons dos seus galhos estalando com o toque do vento forte que sopra por todos os lados, dando-me a certeza de que uma tempestade impiedosa se aproxima. Estou assustada e o meu corpo treme por inteiro.
Como vim parar aqui? Eu não sei. Mas sei que preciso encontrar um lugar seguro o quanto antes.
As cenas daquele terrível pesadelo ainda são vívidas na minha mente, e o meu coração ainda bate de forma disregular por conta de todo o terror que me atormenta.
Há muitos anos, todas as noites a mesma cena se repete diante de mim, deixando-me completamente perdida em desespero, pois, de repente, não mais que de repente, vejo-me escondida entres os escombros de um acampamento completamente destruído.
Há corpos espalhados por todos os lados, enquanto as tendas então em chamas e muitos ainda lutam por suas vidas tentando fugir daqueles homens que nos atacaram de forma tão covarde.
De onde estou consigo ver o corpo de uma mulher estirado ao chão, após ter sido brutalmente violentadas por aqueles homens perversos e sem alma. Não consigo reconhecê-los, mas sei que pertencem à esquadra de polícia de São Martim, já que essa não é a primeira vez que nos atacam e parecem felizes com todo o mal que fizeram, pois bebem e riam, caçoando do sofrimento de todo um povo.
A dor que cresce dentro de mim, é tão grande, que sinto vontade de acabar com eles e vingar o sangue dos meus irmãos mortos, com minhas próprias mãos, porém, nada posso fazer. Sou apenas uma criança assustada escondida atrás dos destroços daquilo que um dia chamei de lar, enquanto o resto é destruído ao meu redor.
Despertar de toda essa agonia nem sempre é tranquilizante, pois há momentos em que a minha realidade é tão angustiante, quanto o desespero daquele pesadelo, como agora, por exemplo, já que estou sozinha numa floresta escura e fria, com o céu prestes a desfazer-se sobre a minha cabeça.
Não sei porque durante anos sofro com o mesmo pesadelo, mas agora preciso acalmar o meu coração e tentar encontrar uma saída dessa floresta antes que a tempestade que se anuncia pelos fortes ventos comece a cair.
Tento mais uma vez lembrar como vim parar aqui, mas nada parece fazer sentido dentro de mim. Lembro-me somente o meus nome, e sinto como se as últimas horas da minha vida tivessem sido apagadas completamente da minha memória e não consigo recordar nada, nem como, e muito menos o porque estou aqui agora.
Kaila Romani, 25 anos.a
Estando com o coração já mais calmo e tendo a certeza que preciso sair daqui o quanto antes, pois as primeiras gotas de uma chuva fina começam a cair, levanto-me de maneira abrupta na intenção de seguir meu caminho, porém, não consigo sequer dar o primeiro passo.
Uma dor aguda atravessa minha perna de forma que não consigo manter-me de pé, e só então, dou-me conta de que estou ferida.
Mas como?
Tento novamente lembrar-me o que aconteceu até esse momento, e mais uma vez não encontro nenhuma explicação de como vim parar aqui, e nesse estado, mas preciso continuar.
Avalio o ferimento rapidamente, e logo noto que fui atingida por um tiro de raspão, o que deixou um corte profundo, e que por não ser tratado de forma adequada já está infeccionando. Meu corpo ainda treme, e agora percebo que não são vestígios do descontrole por conta do pesadelo que sempre tenho, mas sim, por conta da febre alta que me queima de dentro pra fora.
Mas não posso desistir.
A chuva, que antes era fraca está cada vez mais forte. Os raios continuam a rasgar o céu em todas as direções e os trovões assustadores ecoam por todos os lados, trazendo a certeza que a tempestade vai piorar a cada segundo, e eu preciso encontrar um lugar seguro antes que seja tarde.
Tento continuar arrastando-me pelo chão enquanto as forças do meu corpo ainda me obedecem, mas sei que não terei êxito na minha empreitada. O meu corpo inteiro dói a cada movimento e sinto como se a alma fosse arrancada de mim, e algo prendesse-me a esse lugar, impedindo-me de prosseguir.
Quero manter-me consciente acreditando que conseguirei escapar desse fim, mas penso que é inútil lutar contra isso agora. Não tenho forças e, por mais que eu queria, o meu corpo não obedece mais aos comandos da minha mente, já que esta, sequer consegue passar comando algum.
Estou sem forças e o monte de folhas encharcadas pela chuva, certamente será meu último repouso.
Nunca pensei que a minha vida fosse terminar assim. Mesmo não tendo certeza do que aconteceu comigo, sinto que não posso morrer. Tenho uma missão a cumprir, e ela não estar concluída. Não posso deixar que me vençam, pois, não lutei tanto para aceitar que esse seja o meu fim.
Uma onda de revolta cresce dentro de mim, mas infelizmente não posso fazer nada diante da minha completa incapacidade. Meu corpo está inerte, e enquanto observo a chuva fria me congelar e o céu sendo rasgado pelos raios incandescentes, a inconsciência domina minha mente, a ponto de tudo desaparecer por completo.
******
As coisas ainda estão um caos dentro de mim. Sinto-me perdida e sozinha no espaço escuro e vazio numa luta interna comigo mesma e a linha tênue entre a fantasia e a realidade se misturam deixando-me cada vez mais absorvida na escuridão das incertezas.
Sinto uma dor cruciante percorrendo todo meu corpo e um frio congelante e ardente ao mesmo tempo, de forma que não consigo explicar, e quando abro os olhos, vejo que a vida segue o seu curso tranquilamente.
O dia finalmente já raiou e a floresta antes escura e vazia já não é mais tão assustadora quanto na noite tempestuosa que findara, porém, a minha situação não está muito melhor do que antes, na verdade, está bem pior, eu diria.
Procuro com mais atenção tentando identificar aquele lugar e posso ver que estou numa espécie de galpão velho e abandonado, onde as folhas encharcadas que me serviram por cama nessa noite, devem-se devido aos vários buracos no seu teto.
Olhando para a direita vejo uma pequena parede quase caindo bem próxima de mim, e mais a esquerda, vejo uma porta aberta, por onde certamente passei enquanto me arrastava sem forças até desfalecer naquele monte de folhas.
Quero mais uma vez levantar-me e sair dali o quanto antes, pois agora que já é dia com certeza será mais fácil encontrar um lugar seguro, no entanto, não consigo. Avalio outra vez a ferida em minha perna, e vejo que, realmente está pior do que pensei.
A dor espalha-se por meu corpo inteiro e a febre alta parece queimar-me por dentro de modo a causar-me calafrios, e por mais que eu queira, não consigo mover-me para lugar nenhum.
Minha mente ainda está perdida tentando encontrar as respostas de como cheguei a essa situação, e as coisas parecem mais claras agora, pois lembro-me que fugia, mais uma vez, daquele maldito, que nos perseguia por puro divertimento, e agora estou assim, prestes a encarar o fim, cada vez mais inevitável, pois começo a ouvir passos e vozes próximos aonde estou, o que só aumenta o desespero dentro de mim.
Não acredito que ele me encontrou. Não pode ser.
__Por aqui senhor! Penso que vai gostar desse lugar. Está um pouco abandonado, mas, com uma reforma ficará perfeito!
Ouço alguém dizer e entrando de repente no velho galpão, e logo tento reconhecer se são os mesmos que me perseguiam, no entanto, não consigo reconhecer essa voz.
__Você tem razão Bento. Depois de alguns reparos esse lugar ficará ótimo!
Uma segunda voz é ouvida, e mesmo sem reconhecer a quem pertence, tenho a impressão de que já a ouvi antes.
__Tem certeza que vai ficar dessa vez, senhor? Aqueles malditos ainda vivem por essa região!
O homem da primeira voz pergunta ao encostar-se na parede que está próxima a mim.
O meu coração parece que vai saltar para fora do peito nesse momento, pois mesmo tendo certeza de que esses dois não fazem parte daqueles que me perseguiam, não posso deixar que me encontrem.
__Não posso fugir do passado para sempre, Bento, e se, eu encontrá--los... Talvez possa enfim, realizar o meu desejo!
O segundo homem afirma em um tom rancoroso.
Nesse momento tento mais uma vez sair dali, mas sei que não é possível. Primeiro porque com certeza eles me veriam, e segundo, porque não tenho forças para mover-me sequer um único centímetro. Por alguns instantes penso em pedir ajuda, pois é mais do que óbvio que preciso de ajuda, no entanto, não sei se posso confiar neles, por isso, encolho-me o quanto posso para mais próximo da parede, tentando evitar que me vejam.
__Fico feliz com a sua decisão senhor, e estou aqui para ajudá-lo no que for preciso!
Aquele homem da primeira voz afirma a surgir diante de mim. Ele é de pequena estatura, um tanto robusto, e não consigo ver o seu rosto, pois está de costas para mim, observando a paisagem de fora do velho galpão parado na porta, no entanto, sei que me verá no instante em que voltar-se para dentro novamente, e isso eu não poderei evitar.
__Saiba que todos na mansão estão...Meu Deus!
Pronto. O que eu temia aconteceu. Ele para imediatamente o que dizia surpreso, ao virar-se e se deparar comigo ali.
__O que houve Bento? Parece que viu um fantasma!l
O segundo homem caçoa, certamente estranhando a expressão espantada no rosto rechonchudo do tal Bento. Ele encara-me com os seus olhos estreitos ainda por uns instantes, como se não acreditasse no que vê, enquanto caminha alguns passos na minha direção.
__É que... Tem uma moça aqui senhor!
Ele responde após piscar algumas vezes, como se quisesse ter certeza de que, realmente não está vendo um fantasma.
__Como?
O segundo homem pergunta espantado, também dando a volta na parede que nos separara e surgindo diante de mim.
Tudo acontece tão rápido que mal tenho tempo de assimilar as coisas diante de mim, pois em uma fração de segundos, a imagem daquele homem baixinho e corpulento de barba grisalha no rosto, é substituída pela figura imponente de um senhor alto, alguns anos mais jovem, corpo atlético e olhar intenso, que me atinge como uma flecha.
__É ela Bento! A moça do vilarejo!
Ele afirma surpreso assim que me vê e logo segue até mim, e até eu me espanto com o fato dele já me conhecer, pois, não me lembro de já tê-lo visto antes, e inutilmente tento manter-me longe encolhendo-me mais para o canto da parede.
__Mas o senhor a conhece?
Bento pergunta surpreso, tanto quanto eu.
__Depois eu explico. Ela está ferida. Vá buscar o médico depressa!
Ele afirma já me colocando nos seus braços e mesmo que eu queira relutar, não tenho forças para isso. Ainda tento lembrar-me de quando o vi, já que ele afirma conhecer-me, mas é inútil. A inconsciência novamente domina-me enquanto sinto o calor daqueles braços fortes que me seguram com firmeza, e mesmo não tendo certeza se posso confiar nele, não há melhor lugar do que esse agora.
Continua...
Correr entre as ruas de São Martim no meio da noite, enquanto fujo do comandande Ivo Malta e seus guardas, não é nada fácil nesse momento, mas preciso prosseguir sem desanimar.
Mais uma vez ele foi desumano e cruel ao atacar nosso acampamento sem nenhum motivo e muitos dos meus irmão já perderam suas vidas, por causa dele, mas preciso seguir confiante. Sei que seu maior sonho é, finalmente poder me capturar, porém, jamais darei esse gostinho a ele.
Não está sendo fácil fugir, pois estou ferida e eles cada vez mais próximos, mas prefiro a morte à deixar que ele ponha suas mãos em mim, por isso, sigo desesperada pelas ruas do vilarejo, sem nem mesmo dar- me conta do rumo que segui, e agora, me vejo em um beco sem saída.
À minha frente está o fim da rua dando em um muro de pedras, e, antes mesmo que eu possa voltar por onde vim, às minhas costas, o comandante e mais dois de seus guardas aproximam-se pela única entrada daquela viela estreita.
__Desista Kaila! Você não tem para onde fugir agora!
Ele diz caminhando lentamente após fazer sinal para os outros dois ficarem mais afastados.
Ivo Malta é um homem alto, de corpo atlético. Seus olhos verdes possuem um brilho intenso de pura satisfação, diante da realização o de me ver encurralada sem ter para onde escapar, embora ele saiba que, desde que se tornou comandante de policia de São Martim, confrontos como o de hoje se tornou rotineiro entre nós. Ele sempre tenta me capturar enquanto eu, sempre encontro um jeito de fugir das suas garras malignas.
Ivo Malta, 33 anos. Comandante de policiade São Martim
E hoje não será diferente. Ainda não sei como, mas ele não vai conseguir o que quer.
__Vamos Kaila, não seja estúpida!__ele insiste se aproximando à medida que dou passos para trás até chegar bem perto do muro atras de mim__ Você está ferida e não vai conseguir escalar essa parede! Se renda, e eu prometo não machucá-la!
Ele afirma já sabendo que tal possibilidade passou por minha mente, e minha constatação também foi a mesma. Mesmo que eu consiga escalar essa parede, o ferimento em minha perna, não me deixaria ser rápida o bastante para evitar que me alcance.
__Se você me quer, venha me pegar, Ivo Malta! Se bem que, eu duvido muito que seja capaz!
Grito de modo desafiador a fim de insultá-lo, pois já o conheço a tempo suficiente para saber que seu ego arrogante não aceita ser desafiado, muito menos por mim, ainda mais diante dos seus subordinados, pois é um homem que gosta de manter o brio do seu orgulho.
Assim que termino minha palavras, sinto que usei a tática certa, pois ele avança sobre mim com tanta rapidez, que mal tenho tempo de desviar-me e empurrá-lo com força contra a parede que está logo atrás de mim.
Bem, o enfeito que consigo não é bem o que eu esperava, pois ele apenas cambaleou por alguns instantes, um pouco tonto com a pancada contra o muro, mas ao menos, tive o tempo necessário para escapar das suas mãos, porém, sem poder comemorar muito por isso, pois um dos guardas que estavam com ele, o seguia logo atrás, atento a tudo que acontece, já agarrando-me fortemente assim que tento escapar.
Lutar não está sendo fácil, mas é a única maneira de sobreviver, e sem pensar duas vezes, acerto-lhe um soco no rosto, e um chute certeiro entre as pernas, já o empurrando contra Ivo que, recuperado do esmbarrão contra a parede, já vinha em minha direção, de modo que os dois caem ao chão quando chovam-se um contra o outro.
Mais uma vez não tenho tempo para comemorar, pois ainda preciso preocupar-me com o terceiro guarda que está na única saída daquele pequeno beco, e ainda sem saber ao certo o que fazer para passar por ele, sigo tão rápido quanto posso, afim de evitar que os dois que deixei para trás consigam me alcançar.
Meus Deus, será mesmo que não vou conseguir dessa vez?
Ivo já está de pé novamente e esbraveja furioso atrás de mim, enquanto o guarda da saída posiciona-se bem no meio da única passagem e de braços abertos, como quem quisesse garantir que por ali, eu não passaria, porém eu não vou desistir.
Sigo o mais rápido que posso caminhando bem próximo à parede do lado esquerdo, dando a entender que tentaria escapar naquela direção, e somente quando estou perto o bastante para ser alcançada, e que o guarda avança sobre mim, desvio-me para o outro lado, sentindo somente a suas mãos agarrando-se em meus cabelos, mas não me importo, puxo com força para que me solte e corro para longe daquela viela, no exato momento em que uma verdadeira multidão passa por ali, deixando-os para trás, com apenas alguns fios dos meus cabelos em suas mãos, e só agora lembro-me que o vilarejo está em festa.
Todos os anos, as pessoas se juntam com suas fantasias, tochas e velas em uma passeata em comemoração ao aniversário do vilarejo, e esse ano não foi diferente, no entanto, não me recordava que fosse exatamente hoje, porém
o surgimento daquelas pessoas realmente fora providencial para mim. Confesso que não está sendo fácil esgueirar-me por entre elas, pois estou cansada e ferida, mas a multidão também ajuda-me e esconder-me dos meus perseguidores.
As pessoas pouco se importam com o estado lastimável em que me encontro, pois estão distraídas em suas comemorações, e a cada lugar que passamos há grupos reunidos, festejando, no entanto, não tenho tempo a perder com distrações e festas nesse momento. Preciso continuar em frente e encontrar uma maneira de escapar desse lugar antes que o comandante me encontre.
Volta e meia, enquanto ainda escondo-me neste turbilhão de pessoas, olho para trás afim de saber qual minha vantagem ante os meus perseguidores, e vejo que não estão muito longe. Ivo Malta é persistente, e já se tornou uma questão de honra para ele, conseguir me capturar, por isso, sei que não desistiria facilmente. Ainda consigo ouvir sua voz a esbravejar com seus guardas para que me encontrem, e mesmo estando sem forças, preciso seguir em frente.
A passeata segue o sentido à praça central do vilarejo, e eu só preciso resistir até lá, pois sei de um lugar por onde conseguirei escapar com mais facilidade, no entanto, sinto que não vou conseguir. Por várias vezes olho para trás novamente, ainda buscando saber onde está o comandante, o que me faz perder a visão do caminho a minha frente por alguns segundos, e, por conta disso, esbarro fortemente contra alguém diante de mim, o que me faria cair ao chão, se não sentisse braços fortes amparando-me rapidamente mantendo-me em segurança.
Por uma rápida fração de segundos o meu coração dispara ao imaginar que Ivo tenha me alcançado e agora eu esteja presa em seus braços, no entanto, quando ergo os olhos, para ver melhor quem me segura, sinto-me verdadeiramente aprisionada, mas não pelas mãos sujas de Ivo, e sim, pela intensidade de um olhar ardente e surpreso.
Por alguns segundos não tenho reação. Aquele homem mantém-me bem junto ao seu corpo e sua expressão é tão surpresa quanto a minha. O brilho azul dos seus olhos, refletidos pelas chamas das tochas, dão-lhes um ar misterioso, e enquanto observo seu rosto milimetricamente perfeito, sinto como se uma força mágica mantivesse-me aprisionada nas profundezas daquele olhar enigmático.
__ A senhorita está bem?
Ele pergunta ainda encarando-me intensamente e embora sua voz seja firme, demonstra um tom de preocupação.
Tento responder, mas as palavras não saem, mesmo quando tento verbaliza-las.
Com extrema cautela ele enfim asfasta-me de si, e posiciona-me ainda a sua frente, segurando-me agora pelos ombros, como se quisesse garantir que ficarei segura.
__Se machucou? Por favor, me perdoe!
Ele insiste parecendo preocupado, e por mais que eu queira ainda não consigo respondê-lo.
O azul marcante dos seus olhos ainda encaram-me com intensidade, enquanto observo absorta sua fisionomia escultural, que até chego a esquecer qual é a minha realidade, nesse momento.
__Venham seus palermas... Ela não deve está longe!
A voz irritada de Ivo, não muito longe de onde estou, ecoam em minha mente, obrigando-me a quebrar a magia que me unia a esse estranho diante de mim, pois dou-me conta de quer, se continuar ali, imóvel como estou agora, serei alvo fácil para aquele maldito, e isso eu não posso permitir.
Mesmo que uma força inespelicavel agisse sobre mim, fazendo-me querer permanecer ali, sou obrigada a quebrar o encanto desse encontro, e reunindo o pouco de lucidez que me resta, afasto-me daquele estranho sem dizer uma unica palavra, mas sem entender porque essa ruptura brusca fora tão dolorosa de repente.
Ainda ouço sua voz aflita me pedir para esperar, como se estivesse preocupado, mas não tenho tempo para tranquilizá-lo, pois se não sair daqui o quanto antes, Ivo me encontrará muito em breve. Por isso sigo o meu caminho sem relutância, porém, antes preciso vê-lo, nem que seja uma ultima vez.
A visão daquele homem alto, de corpo másculo com certeza é algo que jamais sairá da minha memória, e embora eu saiba que dificilmente o encontrarei outra vez, quero guardar na lembrança, as feições do seu rosto ânguloso e seu olhar intenso, por isso, olho para trás mais uma vez com um leve sorriso no rosto em sinal de despedida, e sigo meu caminho certa de que, esse, tenha sido o nosso primeiro e último encontro.
Feliphe Veranese, 35 anos. Dono de muitas terras ao arredores de São Martim.
Mais uma vez sinto-me perdida em um enorme espaço vazio e escuro, onde a solidão é minha única companheira. Não consigo discernir o que acontece em minha volta, pois sinto que mais uma vez a fantasia e a realidade se misturam a causar emoções conflituantes dentro de mim.
Por vários momentos sinto que algo acontece ao meu redor, mas ainda assim, pois é como se sempre estivesse alguém ao meu lado, embora nessa vasta escuridão eu esteja sozinha.
__você enlouqueceu?...por... diabos trouxe... para cá?
Uma voz estridente, e nem um pouco amistosa, rasga a escuridão do meu inconsciente e mesmo que eu procure por alguém, não consigo encontrá-lo.
Ouço passos, ruídos e conversas entre-cortadas á minha volta, mas não consigo entender se é um sonho, ou realidade. Quero mover-me, mas meu corpo parece pesar uma tonelada. Lembro-me então da floresta e do galpão abandonado, e o meu coração dispara. Lembro-me de alguém carregando-me em seus braços, mas ainda não sei quem seja.
As vezes tenho a sensação de ter alguém ao meu lado, sempre cuidando de mim, porém, não consigo vê-lo, podendo apenas sentir a sua presença e preocupação.
Quero abrir os meus olhos e descobrir onde estou agora, mas a inconsciência insiste em manter-me aprisionada na escuridão, de forma que, mesmo que consiga ouvir com mais clareza o que acontece ao meu redor, não consigo despertar.
__Volte ao vilarejo Bento. Vá buscar o médico novamente!
A ordem e dada por alguém de voz branda, que embora tente transparecer tranquilidade, parece estar muito aflito.
A conversa agora esta mais nítida do que das outras vezes, e mesmo não conseguindo acordar-me tento concentrar-me ao máximo no que dizem.
__O que houve senhor? Ela está a piorar?
Uma segunda voz, que também me soa familiar é ouvida, e tento a todo custo recordar-me quem são essas pessoas que parecem muito preocupadas comigo.
__Não se trata disso Bento, mas não sei mais o que fazer... Segui todas as orientações do dr Fausto e, mesmo assim ela não acorda!
Nesse momento sinto como se alguém sentasse ao meu lado, e de leve, tocasse o meu rosto.
__Tenha calma senhor. Ela estava muito fraca quando a encontrarmos. Certamente precisa de um bom tempo de repouso para se recuperar!
__Não acha que já se passou tempo demais? Faz três dias que ela não acorda!
O quê? Três dias? Como pude ficar assim?
Espanto-me inconscientemente ao ouvi-lo dizer o tempo que estou nessa situação. Não é possível que não consigo reagir, afinal, não me sinto mais tão mal quanto antes, pois já não sinto dores e a febre também fora controlada, então, porque não consigo acordar?
Não posso mais continuar assim. Preciso ser forte e quebrar essa barreira do inconsciente que me aprisiona em um espaço vazio e solitário. Essas pessoas parecem preocupadas comigo, e não posso deixá-los mergulhados nesse mar de incertezas, isso sem contar com o meu povo, que certamente está sentindo a minha falta, por isso preciso lutar, pois, não tenho mais tempo a perder.
Vou abrindo os olhos lentamente tentando reconhecer o lugar em que estou, e a primeiro instante noto que estou em um quarto amplo e um tanto escuro, embora veja, pela pequena fresta entre as cortinas da janela, que lá fora já é dia.
Um pouco mais adiante vejo dois homens, um é baixo e corpulento, e o outro, que está de costas para mim, é bem mais alto, possuiu cabelos negros e ombros bem largos.
__Vá de uma vez Bento. E não demore!
O homem de costas afirma ainda aflito!
__Acho que não será necessário senhor! Veja. Ela está acordando!
O tal Bento afirma a apontar para mim, que ainda estou um pouco confusa, pois a minha visão está um tanto embaçada e tento acostumar-me com a claridade depois de tantos dias de escuridão, mas ainda assim, mal posso acreditar no que os meus olhos vêem.
No instante em que aquele desconhecido virar-se na minha direção, sinto como se tivesse sido transportada parar os meus sonhos, ao ter em minha frente o mesmo homem de olhar intenso, com quem esbarrei nas ruas de São Martim.
Não! Não pode ser ele!
__Senhorita, como se sente?__ele pergunta vindo para perto de mim, e mais uma vez sinto a azul dos seus olhos manter-me aprisionada como da primeira vez__ Sente alguma dor?
Ele insiste diante do meu silêncio e certamente da minha expressão assustada.
Não é que eu não queira respondê-lo, mas sim que, simplesmente não consigo, pois ainda estou tentando entender como isso tudo pode ser possível.
Então, a fuga nas ruas de São Martim não fora apenas um sonho? Tudo aquilo realmente aconteceu e agora, estou novamente diante daquele homem misterioso por quem me senti estranhamente aprisionada naquela noite, mas quem é ele? E, porque tem esse poder sobre mim?
__Senhorita? Você, está bem? Bento, mande que façam algo pra ela comer. Deve está faminta!
Ele insiste mais uma vez, sentando-se ao meu lado na cama, e olhando- me confuso, o que me obriga a reassumir o controle das minhas emoções, ao ver que o tal Bento retira-se em silêncio, pois se tudo aquilo não era um sonho, eu não posso mais continuar aqui.
__Quem é você? Onde eu estou?
Consigo finalmente dizer em meio a toda essa confusão.
__Perdoe-me!__ele diz pondo-se de pé rapidamente__ Meu nome é Feliphe Veranese, e a Senhorita está em minha casa, aos arredores de São Martim!
Ele afirma com uma leve reverência e um sorriso encantador em seus lábios.
Agora que o vejo mais de perto, as feições do seu rosto são ainda mais encantadoras. Os seus olhos continuam com o brilho intenso que me enfeitiça e quando desço os olhos para seu maxilar forte e seus lábios rosados, sinto uma onda estranha percorrer o meu corpo, de modo que é algo que nunca senti antes.
__Então, senhor Veranese... Eu agradeço por salvar a minha vida, mas, eu preciso ir agora!
Digo, já afastando os cobertores querendo levantar-me, porém ele logo me impede.
__De maneira alguma a deixarei sair daqui!
Ele afirma segurando-me pelos ombros enquanto senta-se ao meu lado novamente.
__Mas eu não posso...
__O que não pode é sair por aí no estado em que está! Descanse e se recupere, então poderá ir aonde quiser!
Ele afirma já voltando a acomodas os travesseiros a cabeceira e cobre-me novamente.
__Por que não me diz primeiro o seu nome, e depois, se tiver alguém para quem queira mandar notícias, eu posso mandar um recado!
Ele pergunta já afastando-se para uma poltrona ao lado da cama.
__Me chamo Kaila… E...
Droga! Não devia ter dito o meu verdadeiro nome, mas agora é tarde. Só espero que ele são saiba quem eu sou.
__Kaila?__ele estranha, pois não é um nome comum__ É um belo nome. Diferente, mais ainda assim, muito bonito. A senhorita acaso não se recorda de mim?
Ele pergunta acomodando-se melhor na poltrona ainda olhando-me de forma constante.
Como eu poderia esquecer?
Meu pensamento divaga por um instante e preciso controlar minhas palavras, para não por tudo a perder.
__Claro que sim. O senhor encontrou-me naquele velho galpão e, salvou a minha vida. Muito obrigada senhor Veranese!
Digo de forma gentil, pois realmente sou grata a ele por ter me ajudado.
__ Não precisa agradecer-me senhorita, mas, estou certo que sabe, que não é a isso que me refiro? Acaso não se recorda do nosso encontro na passeata de São Martim?
Ele pergunta sendo direto, mas olhando-me com a certeza de que eu o reconheci desde o início e sinto meu coração acelerar fortemente.
Então, ele se lembra daquele dia?
...****************...
Continua...
Para mais, baixe o APP de MangaToon!