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A Curandeira

Capítulo 1. Aniversário

Ella se levantou, vestiu um vestido florido, foi a sacada de seu quarto e cumprimentou a natureza e a natureza a cumprimentou de volta, pelo menos era o que ela sentia. Se virou e voltou ao quarto, olhou-se no espelho de corpo inteiro, analisando sua aparência para ver se havia alguma mudança.

Nada.

— Estou completando 18 anos e continuo a mesma.

Sorriu ao perceber que seus pés branquinhos e com unhas rosadas, ainda estavam descalços. Calçou a sandália e prendeu os volumosos cabelos de um ruivo claro, quase loiro. Saiu do quarto, sorrindo, esperando encontrar com sua família, para comemorar.

Ouviu vozes no escritório de seu pai e se aproximou para ver quem havia chegado tão cedo. Ouviu seu nome e se aproximou, pensando que podiam estar preparando uma festa surpresa para ela. Se ocultou na parede, ao lado do umbral da porta e ouviu o que não queria:

— Ella está na idade, completa 18 anos hoje, perfeita para casar.

— Não sei, é muito nova, meu filho já está com 25 anos, não sei se aceitará.

— Ella, provavelmente, também se oporá. Mas somos os responsáveis e eles dependem de nós.

— Está certo, então, se você me garante que aquelas terras serão minhas, acordo feito.

Ella saiu correndo dali, horrorizada e foi se abrigar na cozinha, no peito da cozinheira.

— O que foi, minha menina?

— Eles querem me casar com um desconhecido, Dothy.

— Você está completando dezoito anos, na idade boa para casar. Terá filhos cedo e estará nova, quando estiverem crescidos. Seu pai com certeza, lhe arrumará um bom partido.

— Até você, Dothy? Tenho muitos planos para minha vida e neles não está incluso casar.

O mordomo se aproximou da porta e anunciou:

— Seu pai a aguarda no escritório, senhorita.

— Ai, não deu nem tempo de fugir.

— Vá, querida, depois venha tomar o café especial, que preparei para você.

Ella marchou para o escritório,muito a contragosto e entrou sem bater.

— Bom dia, papai.

— Bom dia, querida, feliz aniversário.

Ele lhe estendeu uma caixa quadrada e chata, de uma joalheria famosa. A contragosto ela pegou, ele sempre lhe dava uma jóia, que nunca usava, pois eram pesadas e muito coloridas. Provavelmente era a idiota da secretaria dele que comprava e o gosto dela era medíocre.

— Não vai abrir?

— Já sei o que tem, um colar de pedras, medíocre, como quem o escolheu.

Plaft

— Não seja insolente, sente-se.

Ela sentou-se, com a mão no rosto vermelho pelo tapa.

— Desculpe, papai, obrigada pelo presente, é lindo.

Ele olhou-a com desgosto, pois ela nem abriu o presente. Como pôde se enganar tanto com ela, era simplória igual a mãe. Sua secretária sempre comprava a jóia mais cara e ela nunca gostava. Achou melhor ir direto ao assunto.

— Você se casará dentro de três meses, com o filho de meu sócio.

— Eu não quero me casar, quero terminar a faculdade e abrir meu próprio negócio.

— Eu não perguntei o que quer, lhe comuniquei o que vai fazer.

— Eu não vou me casar com quem não conheço.

— Por isso teremos um jantar especial esta noite, para que você o conheça.

Ella abaixou a cabeça, triste. Perdeu a mãe ainda criança e foi criada pela única mãe que conheceu, Dothy. Seu pai nunca estava disponível, só o via no domingo de manhã, durante o desjejum. Agora, do nada, no seu aniversário, ele queria casá-la com um desconhecido, como a coisa mais natural do mundo.

— Eu me recuso a participar desse jantar, não quero e não vou me casar.

Ele levantou-se, foi até a porta e a trancou, tirou o cinto que lhe prendia a calça, enrolou uma parte na mão e puxou-a da cadeira. Ella caiu de joelhos no chão e sentiu a primeira cintada em suas costas e as outras se seguiram, uma atrás da outra, enquanto ele declarava:

— Você  tem  que  me  obedecer.

Ela não aguentou continuar apoiada nos braços e caiu, deitada de lado, no chão. Estava tão chocada, que não emitiu um som e as lágrimas escorriam pelo seu rosto, sem expressão, tal a decepção que sentia.

— Esteja pronta, bem arrumada e usando seu presente, as 8 horas, sem um minuto de atraso, ou vai ficar sem andar por uma semana. Agora saia daqui.

Chutou-a em direção a porta. Ela tentou se erguer e não conseguiu, então se arrastou até a porta e se apoiou na parede, se erguendo e saindo pela porta, que fechou após passar, mas ela logo se abriu.

— Esqueceu isso. — estendeu-lhe a caixa com o colar.

Ela pegou e se dirigiu para a escada, suas costas ardiam e precisava ver como estava. Subiu com dificuldade para seu quarto e trancou a porta, foi para o closet e tirou o vestido, contemplando as costas no espelho.

— Ai…

Suas costas estavam lanhadas, vermelhas e sangrando. Ela foi para o banheiro, não sabia como tratar, mas abriu o armário, onde havia vários frascos e pegou um com antisséptico  e um spray curativo. Foi para o box e derramou, desde os ombros, o antisséptico e gemeu pela ardência e depois, colocou o spray curativo por toda a área. Saiu do box e esperou secar, sentada na banqueta do closet.

Depois que conseguiu vestir outro vestido, bem solto, foi para o quarto e pegou a caixa, que deixou sobre a mesinha, ao lado da porta. Abriu e viu o que considerava uma monstruosidade, um colar de pérolas grandes  intercalado de brilhantes e rubis. Realmente devia ter custado muito caro.  

Colocou no pescoço e ela sumiu, perante a suntuosidade do colar, que além de grande para seu pescoço fino, a deixava mais velha. Mas obedeceria, para não se ferir mais. Tinha três meses para planejar sua fuga. 

Capítulo 2. Pretendente

Dothy foi, várias vezes, bater na porta de Ella, mas não recebeu resposta e pensou: que pai surrava a filha, no dia de seu aniversário? Acabou desistindo, para cuidar do jantar suntuoso que o patrão resolveu encomendar. Por sorte, contratou um buffet e ela só precisava supervisionar.

A tarde passou voando e Ella procurou um vestido elegante, que cobrisse suas costas e combinasse com o colar. Optou por um vestido branco, estilo grego, sem mangas e com os ombros torcidos, cintura alta, mas que não friccionam suas costas.

Colocou o colar e percebeu que o vestido era a escolha certa,  pois o branco disfarçava as pérolas. 

A sandália de tiras e salto agulha, davam-lhe elegância, assim como o cabelo preso em um coque, completavam o figurino.

Desceu, quando ouviu o som dos veículos dos visitantes chegando. Eles já estavam no saguão, quando desceu as escadas e todos olharam para ela. Seu pai acompanhou os olhares e ficou orgulhoso da figura da filha e foi recebê-la ao pé da escada.

Ela segurou sua mão e passou por ele, que soltou sua mão e apoiou suas costas, sentindo ela se encolher. Deixou-a se afastar e percebeu que seu vestido tinha as costas fechadas, percebeu o erro que cometeu, deixando-a marcada.

— Senhores e senhoras, esta é minha preciosa filha, Ella Constance Bastos. 

— Ficou lindo o colar em seu pescoço, querida.— disse a secretária de seu pai, que Ella não esperava ver ali. — Só deveria estar com um vestido mais adequado.

— Desculpe, Adele, mas era o que melhor combinava com o lindo colar que escolheu.

— Eeeella…— seu pai ao invés de defendê-la, lhe chamou a atenção.

Ella observou o cuidado de seu pai com a secretária e percebeu que havia algo entre eles e era provável que as jóias que a outra escolheu para lhe dar, na verdade fosse para si mesma e pretendesse ficar com elas, no fim das contas.

Um cavalheiro distinto, entrou, seguido por um jovem parecido com ele. 

— Boa noite, Augusto, seja bem vindo, esta é minha filha Ella.

— Boa noite, é um prazer, senhorita, este é meu filho Ítalo Maximus Benton.

Ella estendeu a mão e os cumprimentou. A mão do jovem bonito, porém, sério, estava gelada e ela não gostou dele, assim como pareceu a ela, não lhe ter agradado também. Adele assumiu o papel de anfitriã, deixando Ella cada vez mais ciente do relacionamento dela com seu pai.

— Vamos para a sala de estar, por favor.

— Sim, vamos, Max, acompanhe minha filha, os dois são jovens, devem ter assuntos próprios da idade para conversar.

Ella ficou calada e se encolheu mais uma vez, ao sentir a mão do jovem em suas costas. Ele estranhou e se aborreceu, pensando que ela era avessa ao toque. Chegaram à sala e ela sentou-se na ponta de um dos sofás, sem encostar. Ele sentou-se ao seu lado, mas encostou-se e sobrepôs uma perna à outra.

— Não precisa sentar-se tão empertigada, querida. Não estamos mais na época em que as damas precisavam sentar tão eretas. — disse Adele, provocando-a novamente.  

Ella não estava entendendo o comportamento da mulher, mas não se importou de ser diminuída perante os outros, podiam desistir do casamento. Olhou para seu pai, sabendo que ele entenderia o motivo de estar afastada do encosto.

— Deixe-a Adele, apenas está querendo parecer mais elegante para seu pretendente. 

— Meu pretendente?

— Sim, querida, o jovem Ítalo, que está ao seu lado.

Sem olhar para o jovem, Ella não  aguentou mais a intromissão da mulher.

— Por quê você está se intrometendo tanto na conversa, Adele? — olhou para o pai, falando educadamente — Acaso existe algo que preciso saber, papai? 

O senhor Hélio Bastos sentiu vontade de esganar a filha pela insolência, mas deixaria o castigo para mais tarde. Estava mesmo na hora de assumir seu relacionamento com Adele.

— Sim, minha filha, Adele aceitou ser minha esposa.

Ella sorriu, fingidamente e parabenizou os dois, deixando Adele desconcertada, pois esperava uma represália da garota.

— Obrigada, querida, confesso que não imaginava qual seria sua reação.

Ella sorriu e ouviu de uma voz grossa e profunda, ao seu lado:

— Continue assim e brevemente será levada ao sanatório. — disse Italo, para que só ela ouvisse.

— E o senhor ficará sem esposa, já que é o que pretendem fazer comigo. — respondeu Ella, olhando para ele.

— O jantar está servido. — anunciou o mordomo.

— Vamos então. — levantou-se Adele, sendo a anfitriã perfeita e todos seguiram o casal de anfitriões.

Ella ficou por último, acompanhada por Ítalo, que não podia deixar de provocá-la.

— Se não me engano, está fazendo 18 anos, por quê está parecendo mais velha?

— Posso lhe garantir que não é por opção. É para combinar com o colar que Adele escolheu para mim.

Ele franziu as sobrancelhas, segurou-a pelo braço e contemplou o colar.

— Parece que ela escolheu para si mesma, desculpe a desconfiança.

Ele resolveu continuar e  apoiou a mão nas costas dela e dessa vez, ouviu um gemido e compreendeu o que estava acontecendo e sorriu, pelo visto, não era o único a não gostar daquela situação.

O jantar transcorreu normalmente e no final, foram os homens para o escritório e as mulheres para a sala. Quando os homens saíram do escritório, Ítalo foi até ela e pegando sua mão, colocou-lhe um anel de brilhantes.

— Estamos noivos, casaremos em três meses, nos veremos lá. 

Todos se foram, ela se retirou para seu quarto, mas não demorou e seu pai entrou, primeiro, puxou-a pelos cabelos e fez ela assinar um papel, sem conseguir ver o que era, depois, puxou-a pelo braço e levou-a para um quartinho no fim do corredor, com grades na janela e apenas uma cama de solteiro.  Deu-lhe outra surra, deixando-a ferida e inerte, no chão.

— Nunca mais seja tão insolente comigo, principalmente na frente de outros, ficará aqui até o seu casamento. Esqueça todos os seus planos, sua vida daqui em diante, será só para seu marido.

Capítulo 3. Resgate

Ítalo também não gostou das imposições do pai e ao entrar no veículo, ousou falar:

— Ele a está obrigando a se casar. Percebi que suas costas estavam geridas, provavelmente a surrou e aquela secretaria ridícula, ainda ousou humilhá-la. Viu como ela estava vestida? Parecia uma velha e não uma jovem de 18 anos.

— Nada disso interessa, Máximo, esse casamento é para o interesse das empresas. Estou interessado no terreno que ela herdará da avó. Estamos elaborando um projeto grandioso para a área e não posso deixar escapar a oportunidade de ter aquele local.

— Espero que tenha razão e que a velha morra logo, pois Zélia está grávida e não quero ter um filho bastardo. 

— Hoje em dia não existe mais isso, você foi muito imprudente. Mas poderá registrar a criança com seu nome e levar para sua esposa criar.

— Nenhuma esposa aceitaria criar o filho da amante de seu marido.

— Mas você terá a desculpa de tê-lo concebido antes do casamento.

Italo riu alto. Sabia que seus sentimentos não importavam para o pai, que o criou para ver as mulheres como seres inferiores, cuja importância era só para seu deleite, gerar filhos ou aumentar seu patrimônio. 

Gostava do fogo de sua amante, mas não a amava, se não, teria lutado por ela, contra esse casamento arranjado, mas não deixaria seu filho nas mãos uma mulher qualquer. 

— O senhor é maquiavélico, papai. Espero que valha a pena.

Eles foram embora, sem imaginar o que estava acontecendo com a noiva.

*

Quando Ella conseguiu se mover e sair do chão frio e subiu no catre, com um colchão tão fino e sem lençol, a dor maior que sentia, não era no corpo, mas na alma. Ficou deitada, sem soltar sequer um gemido. As lágrimas correram por muito tempo e acabou dormindo. 

Acordou com a manhã pela metade, havia no chão, perto da porta, um prato com um sanduíche de pão com manteiga e um copo d'água. Mas ela não conseguia se mexer e continuou deitada na mesma posição e assim se passaram os dias, quando ela conseguiu se mover, foi para utilizar o pequeno banheiro e comer um pedaço do pão duro.

Perdeu a conta dos dias que estava ali, sem tomar banho, vestida com a mesma roupa e desnutrida. Foi quando a porta se abriu e a pessoa que mais amava nesse mundo, entrou.

— Vovó!

— Vamos embora, querida, aqui não é o seu lugar.

Vó Gertrudes foi até sua neta e ajudou-a a se levantar. Conteve as lágrimas ao ver o estado da neta e andou, amparando-a pela casa, em direção a saída. Ella pode ver seu pai e a secretária, caídos desacordados, no sofá. Assim como os funcionários da casa e os seguranças do lado de fora. Viu Dothy esperando próximo ao carro da avó.

— Vá com Deus, querida. Suas coisas estão todas no porta malas.

— Obrigada, Dothy, sei que tem o seu dedo nesse resgate.

— Só quero o seu bem, querida. Agora que você está indo, eu também me vou, já estou aposentada, só fiquei por você.

— Precisamos ir, querida. — chamou Gertrudes — Quero estar bem longe, antes que acordem e se deem conta do que aconteceu. 

— Sim, vamos, tchau, Dothy.

Entraram no carrinho de Gertrudes e se foram, esperando nunca mais voltar.

— Eu pedi que Dothy me informasse qualquer coisa estranha que acontecesse com você. Não permitiria que fizesse com você, o que fez com sua mãe.

— O que quer dizer, vó?

— Que seu pai trancou sua mãe naquele quartinho até ela enlouquecer e tirar a própria vida e eu só soube quando ela já estava morta.

— Que horror! Mas ele não queria me deixar louca, me obrigou a ficar noiva e marcou o casamento para três meses após meu aniversário.

— Sinto muito, querida, a culpada sou eu, que devia ter me desfeito daquelas terras há muito tempo.

— Não vejo porquê, esses homens gananciosos não podem fazer o que bem quiserem com as pessoas.

— Sim, mas é melhor não estar no caminho. Daqui a alguns quilômetros, tem um hotelzinho, vamos parar e você poderá tomar um banho e ficar apresentável.

— Obrigada, vovó, sem a senhora, não saberia o que fazer.

— Você sempre poderá contar comigo querida, daqui pra frente, você terá uma nova vida.

Depois de pararem no hotel e Ella sentir-se gente novamente, jantaram e seguiram viagem. Levaram doze horas na estrada, parando só para abastecer e comer. Chegaram à casa de Gertrudes e se alongaram, antes de levarem a bagagem para dentro e poderem descansar.

Gertrudes fez um chá e as duas beberam, sentadas nas cadeiras de vime, na varanda. Era uma cabana de madeira, rodeada de varandas e seu interior, tinha o aroma de ervas e especiarias, que eram usados para fazer unguentos, xaropes e tônicos. A cozinha era grande e em um quarto ao lado, ficavam, em potes ou pendurados no teto, todo o material que usava em seus produtos.

Poucas vezes, Ella visitou sua avó, mas não esquecia aquele aroma que adorava e toda aquela natureza não poluída pela civilização. Um riacho passava pelo terreno e de lá vinha a agua que utilizavam. A luz, era fornecida por placas solares, que foram instaladas recentemente.

Ella inspirou forte aquele aroma único e descansou a alma, sabia que seu pai insistiria, mas ela não voltaria, jamais. Agora que tinha 18 anos e o apoio de sua avó, faria faculdade de farmacologia e um curso de fitoterapia. Seu futuro estava decidido e não era casar-se com um almofadinha, que só liga para os próprios interesses, mesmo que seja bonito.

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