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MEU TODDY

1. ABALO

Meu pai colocou o Toddy em sua mira. Seu dedo puxou lentamente o gatilho. Minha mãe me segurava sob seus braços em meu peito. Assistíamos aquela cena como um filme de terror. Apreensão, expectativa, medo, angústia, dor e desespero no ar.

Gritei: "Papai, não atire!", mas seus lábios se contraíram e seus dentes cerrados ficaram visíveis. Ele resmungava algo que só entendi quando cuspiu o tabaco que mastigava como chiclete.

— Morra, cão dos infernos!

Papai puxou o gatilho. Imaginem para uma criança ver seu animal de estimação sendo morto pela espingarda do próprio pai.

Mamãe tampou meus olhos molhados com suas mãos trêmulas um segundo antes do disparo. Usei minhas mãos para cobrir meus ouvidos. O estrondo foi tão alto que, mesmo eu pressionando minhas orelhas com muita força, ainda ouvi o berro de dor do Toddy.

Papai estava mais furioso do que o cão de pelagem escura e olhos verdes que eu tinha levado para casa semanas antes e dado o nome de Toddy.

Avistei o Toddy abandonado na rua quando voltava da escola com minha mãe. Ela deixou que eu o levasse para casa, mas para ficar com o Toddy, papai teria que concordar.

Embora ele tenha recusado aos meus três primeiros pedidos, papai finalmente aceitou que eu ficasse com o Toddy, um cão muito ativo e comilão. Ele comia de tudo e estava sempre querendo brincar. Desde então, nunca mais fui sozinha com minha mãe para a escola. Sempre tínhamos a companhia do Toddy.

Mas tudo isso mudou naquele meio-dia quando eu e minha mãe voltamos da escola e encontramos meu pai ameaçando atirar no cachorro preso à coleira.

O Toddy latia muito, e sua boca e seus dentes estavam manchados de sangue. O braço direito do meu pai estava completamente enfaixado e seus olhos flamejavam de ódio.

Corri para abraçar o Toddy e acariciá-lo como fazia desde que o adotei. Seu pelo escuro e quente sempre confortava meu coração, e seu cheiro de erva doce me deixava ainda mais atraída.

O Toddy nunca estava malcheiroso, o que impressionava minha mãe, que dizia que não existia um cão que não cheirasse bem sem um banho diário. Mas eu só o banhava uma vez por semana.

— O que você fez, Toddy?

— Mulher, tire essa menina de perto daquele cão miserável! De hoje, ele não passa.

— Vamos, filha, saia de perto desse animal perigoso.

— Não, mamãe, eu quero ficar com Toddy. Ele me ama, e eu o amo.

Relutei contra as mãos de minha mãe. Ela me puxou pelos meus antebraços. Eu não tinha sequer um terço de sua força.

— Maldita hora em que aceitei esse animal em nossa casa — resmungou papai, jogando na boca uma fração do tabaco de mascar contido no bolso de suas calças. — Lugar de cão que morde o dono é debaixo da terra.

— Papai, não mate o Toddy... Papai, não atire!

Fiquei desesperada. Queria ter a força de um adulto para proteger o meu Toddy.

Papai cuspiu o tabaco fora e trovejou, puxando o gatilho sem hesitação.

— Morra, cão dos infernos!

Da minha garganta saiu um grito tão agudo quanto um apito de juiz de futebol. Minha mãe reclamou da dor que sentiu em seus ouvidos. Ela tampou minha boca e me fez engolir o choro.

O Toddy estava agonizando com uma ferida profunda em seu estômago. De sua boca escorria uma espuma branca, e seus olhos estavam saltados.

Meu cão adotivo estava morrendo. Mamãe me soltou, e eu corri para chorar sobre o meu Toddy. Seu corpo tremia, dando os últimos espasmos de vida.

Papai baixou a espingarda. Ele ainda parecia insatisfeito com o tiro que havia dado. Talvez porque o Toddy não morreu imediatamente, dando tempo para as despedidas.

O Toddy foi enrolado em panos brancos e enterrado no quintal de casa, sob a sombra da árvore do meu balanço de madeira. Papai jogou a pá longe depois de enterrá-lo, e minha mãe me puxou pelo braço para dentro de casa.

O almoço foi servido à mesa, mas eu sequer toquei na comida que mamãe me serviu. Ali não havia cheiro algum no ar, além da tristeza.

— Filha, coma um pouco, vai...

— Não quero, mamãe.

— Mas você tem que comer, mesmo que seja só um pouquinho.

Mamãe estava sentada ao meu lado. Ela alisou meus cabelos enquanto levava uma colher de arroz até minha boca. Papai observava isso com a testa franzida.

— Eu não quero! — baixei a colher, fazendo a comida cair do prato.

— Olha o que você fez, Mary.

— Se não mimasse tanto essa menina, nada disso teria acontecido — resmungou papai.

Levantei-me da cadeira e corri para meu quarto, de onde ainda era possível ouvir a discussão que eles começaram. Suas vozes ressoavam como trovões cortando os céus em tempos de tempestades.

Usei travesseiros para cobrir meus ouvidos. Suas vozes ficaram abafadas, mas ainda eram audíveis. Eu queria pular pela janela, mas havia grades, e mesmo que não as tivesse, o chão ficava a quase três metros de distância. Uma altura muito alta para uma criança de nove anos de idade, que sempre teve medo de altura.

No final do dia, papai saiu de casa em seu carro velho, que mais poluía o ar do que rodava na estrada. Minha mãe caminhava aflita pela casa. A preocupação preenchia sua expressão, e seu silêncio transmitia incerteza.

— Venha jantar, Mary.

Ela me chamou da sala de jantar, mas eu não desci. Ainda não tinha fome. Fiquei observando pela janela o pôr do sol desaparecer e a noite envolver nossa pequena cidade de vinte mil habitantes.

Daquela janela, eu observava o túmulo do meu Toddy. Sob aquele monte de areia estava o corpo do animal que me trouxe alegria por algumas semanas. Meu coração ficou igual ao balanço imóvel, solitário e sem vida. Palavras melancólicas saíram de meus lábios secos, formulando uma pergunta que até hoje carrego comigo.

— Por que papai matou o Toddy?

2. ESPERANÇA

Dez anos mais tarde, meu pai se separou da minha mãe. Ele foi embora, e eu permaneci com ela em nossa casa de um andar.

Ele sempre foi um homem autoritário e controlador. Depois que cresci, ele me deixou ainda mais reclusa. Eu queria sair com a minha melhor amiga Selene, mas não podia.

A autorização da minha mãe sempre era inválida diante dele. Mas com a separação, tudo começou a mudar. Não obstante, admito que não desejava isso. Apesar dos seus defeitos, ele nunca deixou de cuidar bem de nós duas.

Ver a minha mãe triste pela casa me fazia desejar que ele voltasse, mas toda vez que eu ia até o quintal para passar o tempo no meu balanço, lembrava com nitidez do que ele fez no passado.

"Melhor que nunca volte mais", eu desejava no fim, acariciando as flores que nasciam sobre o túmulo do meu Toddy. As rosas tinham o mesmo cheiro do meu cão de estimação.

Anos se passaram, mas os meus sentimentos não se apagaram. No meu peito pulsava o desejo de rever o meu Toddy. Antes de dormir eu pedia a Deus que o trouxesse de volta.

Eu sabia que era um pedido impossível para um imortal realizar, mas Deus é um ser imortal, dotado de poderes inimagináveis. A minha fé sempre foi a minha última esperança.

Passei a tarde toda no meu balanço, refletindo sobre a vida. Muitas coisas mudaram, e o meu corpo foi só uma delas. Tornei-me uma mulher de cabelos longos escuros como a pelagem do meu Toddy e olhos tão verdes quanto os dele.

Antes, o galho que sustentava as cordas do meu balanço não se curvava tanto com o meu peso. Desenvolvi mais massa corporal e altura. Meus seios ficaram maiores que os da minha mãe, e suspeito que um dos motivos da separação dos meus pais tenha sido isso.

Nos últimos meses antes de ir embora, ele me olhava de um jeito estranho, igualmente aos garotos da universidade em que ingressei com a Selene, minha melhor amiga desde o colegial.

Ela é mais rechonchuda que uma maçã e tem uma personalidade muito mais doce. Seu jeito carismático e respeitoso foi o que nos aproximou. As pessoas criticavam a nossa amizade. Parecia que eu estava cometendo um erro sendo amiga dela.

Mas tanto ela quanto eu não tínhamos amigas no colegial. O grupo das alunas mais vaidosas do colegial chegou a me fazer o convite para eu fazer parte de sua bolha, mas eu simplesmente recusei. Não eram pessoas que me agradavam. Elas me lembravam muito a arrogância do meu pai.

Então, eu e Selene tivemos a nossa amizade formada pelas circunstâncias do destino e, sobretudo, por fatores em comum. Eu queria convidá-la para visitar a minha casa e passar a noite juntas como fazem as amigas em filmes e novelas, mas desde a morte do Toddy passei a temer o meu pai.

Eu pedia autorização para minha mãe. Ela permitia sem hesitação e ainda com um sorriso no rosto, mas acrescentava que eu tinha que pedir também ao meu pai. Isso era o mesmo que dizer não no fim das contas.

Mas agora ele foi embora, o homem que matou o meu Toddy, e eu já podia fazer e usar coisas das quais era proibida.

A tarde passou, e eu estava ali no meu balanço de madeira, observando a lua suspensa no céu, muito linda e brilhante. Suspirei como uma criança cansada após um dia gastando toda sua energia.

De repente, uma estrela cadente riscou o céu noturno. Levantei do balanço quase caindo, meio sem jeito. Pisei descalça em uma das rosas com espinho, mas mantive meu olhar para cima. Pressionei meus lábios entre si para conter o palavreado de dor, e em pensamentos mesmo fiz o meu pedido.

Não que eu duvidasse do poder de Deus e acreditasse mais em coisas esotéricas, mas pensei que isso reforçaria o meu pedido e talvez até diminuísse o meu tempo de espera.

Seja como e quando for, a minha fé em rever o meu Toddy continuará brilhando em meu ser.

— Mary, sua amiga Selene chegou — avisou minha mãe da porta da cozinha.

A estrela cadente passou muito rápido, mas senti que houve tempo de juntar as mãos diante do meu peito, baixar a cabeça, fechar os olhos e pedir veementemente o que eu desejava do fundo do meu coração.

— Já estou indo, mãe.

Quando dei o primeiro passo, senti meu pé doer. O mesmo com o qual pisei no espinho da rosa sobre o túmulo do meu Toddy. Gotas de sangue caíram no chão, e a região ardia.

Fui saltando como um saci até o banheiro de casa para limpar o meu pé machucado. Minha mãe brigou comigo ao me ver mais uma vez andando descalça, enquanto Selene riu da situação, porém, compartilhando que também gostava de andar sem calçados, mas não fora de casa.

Selene veio à minha casa para passarmos a noite juntas. Meu pai mal tinha ido embora de casa, e eu já estava fazendo o que desejava. Talvez fosse o sinal de que as minhas orações já estavam sendo atendidas.

3. AMIZADE

Enquanto Selene se acomodava em meu quarto, colocando algumas peças de suas roupas nos cabides vazios do meu guarda-roupa, eu colocava um esparadrapo no meu pé machucado, mas como nunca tinha feito isso antes, desisti após várias tentativas de abri-lo e o larguei sobre a cama.

— Deixa eu te mostrar como se faz — disse Selene, apanhando o curativo.

Ela tinha uma habilidade incrível. Pôs com facilidade o esparadrapo no meu pé, e isso fez cocegas, além das que ela fez propositalmente.

— Para, Selene.

Atirei um travesseiro nela.

— É assim que agradece uma pessoa que te ajuda?

Ela lançou a almofada de volta, e eu a agarrei como um goleiro de futebol.

— Você é muito ruim de mira, sabia?

— Não tente mudar a conversa.

— Está bem, enfermeira Selene, muito obrigada! Satisfeita?

— Bem melhor do que ficar atirando travesseiro nos outros.

— Desculpa por isso, mas foi você quem começou.

Ela me encarou, mostrando sua língua. Selene estava mais à vontade do que imaginei. Fingimos uma briga e rolamos sobre a cama. Paramos lado a lado e, olhando para o teto forrado de cor branca, recuperamos o ar e sorrimos com a nossa brincadeira.

— Você é tão infantil, Mary.

— Olha quem fala. A garota dos videogames.

— Não tem nada de infantil em gostar de jogos eletrônicos.

— Mas os que você gosta são bem infantis.

— Só porque não têm violência, não significa que sejam infantis. Sabe muito bem que não gosto de sangue ou coisas que contenham violência e terror.

— Ah! — suspirei em tom de desapontamento. — Pensei que íamos assistir “O cão zumbir” esta noite...

— Deus me livre, Mary! Você não vai ver isso, não é?

— Não seja medrosa, Selene. É só um filme inofensivo. Ninguém vai comer sua perna se assisti-lo.

— Não, e não quero. Se insistir, eu vou embora.

— Calma, foi só uma brincadeira. Você nem parece uma mulher de dezoito anos.

— E o que a idade tem a ver com o medo? Não é verdade que até hoje você tem medo do seu pai?

Essa pergunta me pegou desprevenida. Senti uma repentina explosão de emoções no peito. Meus olhos se encheram de lágrimas e por muito pouco não escorreram pelo meu rosto pálido.

— Meninas, o jantar está servido.

A voz da minha mãe rompeu o silêncio pairando sobre mim e Selene. Descemos para jantar. Eu mancava um pouco devido à dor em meu pé.

Minha mãe reclamou novamente a ausência dos meus calçados, e eu justifiquei dizendo que tinha esquecido no quarto, mas que dá próxima vez lembraria de calçá-los. Após o delicioso jantar, voltamos para o quarto.

Selene vestiu seu pijama de dormir. Parecia muito infantil para mim. Cheio de florezinhas e arco-íris. Mostrei a ela o meu pijama escuro de alças finas e com bordas de renda transparente.

— Quando comprou esse vestido, Mary?

— Lembra do nosso último passeio do colegial?

— Sim, mas você não foi, justificando que seus pais não te deram dinheiro para ir.

— Pois é, eu menti para você também.

— Mary, fizemos o juramento da verdade, de nunca mentir uma para a outra — seu tom de voz expressou indignação. — Esqueceu-se disso?

— Desculpa, Selene. Foi só daquela vez, juro que nunca mais menti para você após aquele dia.

— Hum? Vou acreditar em você desta vez, mas só vou te perdoar se me deixar dormir na sua cama.

— Claro. Ela é toda sua esta noite.

— Oba!

Selene ficou tão animada em dormir na minha cama do que no colchão ao lado que saltou sobre o móvel, quebrando as pernas de madeira.

O barulho ecoou pela casa, e minha mãe gritou de susto. Agora tanto eu quanto ela íamos dormir praticamente na mesma altura. Fiquei muito irritada com ela. Começamos a discutir.

— Olha o que fez.

— Desculpa, Mary.

— Selene, você me deve uma cama nova.

— Não te devo nada.

— Me deve sim!

— Não devo!

— Deve sim!

— Para, Mary, ou vou contar a verdade desse seu vestido para sua mãe.

— Que verdade, Selene?

Minha mãe chegou no exato momento em que Selene ameaçou revelar a verdade sobre eu faltar no último passeio do colegial para usar o dinheiro a favor dos meus desejos.

— Posso saber o que está acontecendo aqui? — insistiu minha mãe.

— Selene quebrou minha cama — apontei o móvel quebrado.

— Foi sem querer, senhora.

Selene quase chorou, e isso me fez pensar se não fui grosseira demais com ela.

— Não se preocupe, querida, foi só uma cama.

— Foi a minha cama — murmurei.

— Mary, não seja insensível com a sua amiga — repreendeu minha mãe. — Acidentes acontecem, e o importante é que vocês duas estão bem. Nossa, levei um baita susto na cozinha quando ouvi aquele barulho vindo daqui.

— Obrigada, senhora!

Minha mãe abraçou Selene e a confortou. Além de quebrar a minha cama, ela recebeu carinhos como se nada tivesse acontecido. Talvez eu estivesse sim com ciúmes, além de muito brava, mas e agora quem ia consertar o prejuízo? Meu pai não estava em casa para fazer isso.

Fiquei ainda mais revoltada por esse episódio ter me feito lembrar dele. Ele sempre foi um bom marceneiro, eletricista, pedreiro e diversas outras funções. Ele era bom em um pouco de tudo, exceto no amor, na empatia, na bondade.

Meu pai ficou marcado em minha mente como um monstro, e eu nunca esquecerei que foi ele quem matou o meu Toddy, meu querido Toddy.

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