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A Venus Das Águas

Capítulo 1. Verdades

Em uma praia paradisíaca, com águas cristalinas e pequenas ondas deslizando pelas areias brancas, uma ninfa saiu das águas, com seu biquíni feito de algas e pérolas, parecendo uma deusa do Olimpo. Seus cabelos, mesmo molhados, são tão louros que chegam a ser quase brancos e uma tiara de pérolas, prende-os no topo da cabeça.

Osmar está fascinado, gostava de ir à praia correr todos os dias neste mesmo horário, pela manhã bem cedo e essa surpresa linda, o acertou em cheio no coração. Sem receio, se aproximou da beldade, sorrindo lindamente e mostrando todo seu interesse.

— Olá, quem é você, Vênus das águas? — perguntou ele, sem medo de ser feliz.

— Olá, eu sou Marina — falou a vênus, com um lindo sorriso, já apaixonada prlo humano.

— Eu sou Osmar e estou encantado com você. — falou Osmar, se insinuando.

— Você é bonito e gentil, humano. — elogiou Marina.

— Humano? Acaso você não é humana? — Perguntou curioso.

— Sou um ser das águas, vim conhecer os humanos, posso conhecer você?

— Sim, com todo prazer. — Osmar achou que estava vivendo um sonho. Sempre procurou a mulher perfeita e agora ela estava ali, se doando, todinha para ele.

— Então, por onde começamos? — perguntou ela curiosa.

— Por você. Identidade, roupas e amor, muito amor…

Aproximou-se e segurando seu rosto com as duas mãos, beijou, suavemente seus lábios, tomando cuidado, pois percebeu que ela era, não somente pura, mas inocente.

Ele levou-a para casa, cuidou, registrou ( deu-lhe o nome de sua avó, Ermelinda) e até casou-se com ela e a noite de núpcias mostrou a ele um amor sobrenatural, não só paixão fisica, mas amor de verdade. Para Osmar, beijar sua boca, era como beber um néctar doce e muito saboroso, melhor ainda, era lamber sua intimidade, ouvindo os gemidos sonoramente perfeitos, que o excitava, sobremaneira. 

Sugou seus mamilos durinhos, segurando-os com as mãos e se colocando entre suas pernas, para adentrar o corpo virgem e puro. Ao se unirem, seus corpos se entenderam muito bem e ao se mover dentro dela, o prazer provocava uma resposta mágica que os levaram ao ápice,  raios de luz os envolveram e a união foi tão perfeita, que Osmar teve uma vida longa e feliz.

Deitada em uma cama de casal alta, com um colchão macio, vários travesseiros me apoiam e tanto os lençóis, como as fronhas, são brancos. Olho ao redor do quarto espaçoso, com duas janelas grandes à minha frente. As cortinas abertas me deixam ver a claridade do dia, mas o odor de coisa velha inunda o quarto.

Claro que parte desse odor é proveniente de mim mesma. Estou velha e decrépita. Meus braços estendidos nas laterais de meu corpo esquálido, têm a pele fina e craquelada, deixando ver a marca dos ossos. Estou como a frase: só pele e ossos. Pelo menos estou confortável e vestida com roupas limpas. Camisolas brancas de voal.

A família consiste em dois sobrinhos e um neto, que nunca me visitam e nem faço ideia por onde andam. Então só restam meus velhos e fiéis empregados, o mordomo Jairo e sua esposa, a governanta Valéria. Eles cuidam de tudo aqui em casa e meu advogado cuida das finanças. Estou esperando ele chegar com um novo testamento.

A campainha toca e sei que é ele chegando. Ouço o barulho dos degraus rangendo à medida que ele sobe as escadas. Bate três vezes, com a junta dos dedos, na porta e mando entrar.

— Boa tarde, dona Ermelinda!

— Boa tarde...cof cof… doutor Júlio. Vamos logo com isso, sim?

— Ok dona Ermelinda — pegou um envelope de dentro de sua pasta preta, de couro e deixando a pasta no chão, tirou os papéis do envelope e me levou as mãos. Peguei com a mão trêmulas e segurando um óculos de mão a frente dos olhos, passei a vista nos papéis para confirmar se estava tudo certo.

— Traga...cof… o apoiador de madeira e a caneta para eu poder assinar.

Ele trouxe tudo e eu assinei. Não precisei falar mais nada, ele guardou os papéis e saiu, fechando a porta. Puxei a campainha e logo Jairo estava ao meu lado.

— As vezes acho que você é um sobrenatural e tem poder de se teletransportar, aparece do nada ao meu lado, sempre que chamo — tento rir de minha piada, acompanhando a risada dele, mas metralho uma saraivada de coffs e ele precisa me socorrer.

— Se aquiete dona Ermelinda — e lá quase vou novamente com os coffs, quando tento rir mais uma vez.

— É melhor a senhora dizer logo o que quer, antes que morra de tossir.

— Com você fazendo essas piadas, fica difícil. 

— Ficarei quieto.

— Prepare tudo para essa noite, assim que o advogado deixar os papéis, eu morrerei.

— Sim senhora, sua morte é um prazer. Avisarei Valéria.

— Obrigada Jairo, até amanhã.

— Sim senhora, até amanhã.

***

Narrador

Quando anoiteceu, Ermelinda morreu!

Marina simplesmente deixou aquela carcaça velha e pairou no ar como uma névoa invisível. Seus fiéis servos prepararam o enterro, comunicaram o advogado, que chamou os parentes e amigos, que compareceram ao velório no dia seguinte, mas não foram a cremação. Só o neto assistiu ao caixão entrar na fornalha e depois recebeu a urna com o pó do que um dia foi sua avó.

O último pedido dela, foi para que suas cinzas fossem jogadas na espuma do mar. E assim foi feito. Os três, neto e servos, seguiram direto do crematório para a beira do mar e quando a onda veio se desfazer na areia, as cinzas foram jogadas ao vento e pousaram na espuma branca da marola, que logo a seguir, voltaram ao mar.

Eles se retiraram dali, o jovem de cabeça baixa, havia perdido sua única parente na vida, já que seus pais e seu avô já haviam morrido. Se despediu dos servos e seguiu seu caminho, se veriam no dia seguinte, na leitura do testamento.

Os servos andaram até o carro em que vieram e pegaram um roupão florido, de seda pura e voltaram para a praia.

Capítulo 2. Renascimento

Narrador

— Marinaaaaa, Marinaaaaaa…

— Papai…

— Você me desobedeceu, Marina! E agora, o que pretende fazer?

— Perdoe-me papai, foi mais forte que eu.

— Eu te criei com um propósito Marina e você nem chegou perto de onde te mandei ir.

— Os ventos me trouxeram para o amor, papai.

— Não culpe o vento pelo seu desatino, Marina, você controla ele e não ele a você.

— Desculpe, papai. 

— Para que você compreenda o resultado de sua desobediência, vou lhe mostrar o que fez, mas primeiro pegue seu corpo das brumas e dispense seus servos. Vá, pequena rebelde.

Ela foi até a espuma, onde haviam depositado suas cinzas e as atraiu, fazendo com que se reunissem e formassem seu novo corpo que mergulhou, aproveitando a liberdade do fundo do mar e depois voltou, saindo em meio as ondas, caminhando lentamente para a praia.

Seu corpo estava coberto por algas e pérolas, que formavam uma veste parecida com os biquínis humanos. Chegou a areia, onde seus servos a encontraram com um lindo roupão, comprado por ela mesma, para essa ocasião.

— Meus queridos, agradeço pela vossa dedicação, agora vão, pois preciso encontrar com meu pai.

— Sim, senhora! — responderam os dois, se viraram e foram embora.

Marina ficou um tempo olhando eles irem, mas logo foi transladada para outro lugar, completamente diferente e distante de onde estava. Olhou ao redor e tudo que viu foi terra seca e esturricada. Não havia vegetação por um longo espaço e carcaças de animais jaziam ao sol.

Estava flutuando no ar e seus olhos produziram lágrimas, que rolaram como gotas de cristal por seu rosto e cairam no chão seco. Onde cairam, brotou uma pequena plantinha, que a fez lembrar que ainda havia esperança.

— Então, Marina, compreende agora o que tu causaste a esse povo?

— Me perdoe, papai?

— Foram cem anos humanos que você negligenciou seus deveres a troco de que, Marina? Quantas vidas se perderam para que você desfrutasse da satisfação de seus desejos?

Marina chorava e chorava e suas lágrimas eram absorvidas pela terra seca e brotavam mudas, que logo secavam pelo sol escaldante. Até a própria Marina sentia sua pele ressecar com o calor. Foi transladada mais uma vez e pairou sobre um imenso lago, que de tão grande, parecia um mar.

Observou aquelas águas claras e franziu a testa ao perceber que não havia vida naquela imensidão de água. Como estava pairando sobre as águas, desceu para tocar os pés nela e se assustou ao perceber que eram densas. Abaixou-se tocando os dedos nelas e levou-os à boca, sorvendo o líquido e percebeu que eram salgadas.

— Chamam-no Mar Morto. — Disse seu pai.

— Como pôde ficar desse jeito?

— Você não sabe? Venha!

Mais uma vez foi levada a outro lugar, dessa vez estava nas rochas que beiram o mar.

— Está vendo todas essas oferendas?

Ela observou restos e mais restos de potes com frutas e até restos de animais, todos ressecados, de muito tempo.

— São as oferendas que os moradores faziam a você, pedindo ajuda, para que chovesse, amenizasse o calor e salvasse as plantações e os animais.

— Eu não sabia…

— Claro que não sabia, estava desfrutando de seu mundinho egoísta de prazer carnal.

— Eu não sabia…

— Acaso não foi alertada a não se envolver com humanos? Não sabia que ao fazer tal coisa, perderia sua ligação com o sobrenatural? Foi por isso que seu corpo envelheceu e morreu e só agora, consegui te fazer me escutar.

— Você podia ter enviado mensageiros.

— Enviei e você fez eles de servos. Põe a mão na consciência, minha filha. Eu te criei para cuidar deste povo.

— Sim papai, estou aqui agora, o que quer que eu faça?

— Darlhe-ei outra oportunidade e você também receberá um castigo por sua desobediência.

— Que castigo? — perguntou exaltada.

— Você saberá com o tempo. Na verdade, não sou eu que te castigarei, é o retorno merecido por suas ações. Você tem dois dias para encerrar suas coisas no mundo dos humanos e vir para cá.

Depois de falar fechou a comunicação.

A criação

Polion não era de muito falar, mas aquela filha, criada com tanto aprumo, foi sua grande decepção. O problema foi causado no momento da criação, quando ainda estava formando seu corpo com a areia do fundo do mar e sua mulher com a fada das águas, a  distribuidora de fluido do amor, entraram discutindo e uma atacou a outra com poder, antes que ele pudesse impedir.

Os poderes se chocaram sobre o corpo inacabado e o contaminou. Poseidon as fez pararem e perguntou porque discutiam? Elas se olharam e baixaram os olhos, envergonhadas.

— Anida, a fada, disse que eu preciso de uma dose de amor, pois não o trato com carinho suficiente e eu disse que ela está com ciúmes porque não pode ter você. — explicou a rainha, Cristal.

— Duas mulheres loucas, contaminaram minha criação e agora não sei qual será o efeito.

— Provavelmente será um ser mais emotivo que o normal, só isso. — Sugeriu Cristal.

— E também muito ciumenta — Polion olhou para Cristal, irritado — porque tenho uma mulher muito descontrolada, sem eu dar motivos.

Cristal fechou a cara, cruzou os braços, se virou e saiu. Poseidon olhou para Anida, sério e pediu:

— Não se meta no meu casamento, já tenho problemas demais sem você me trazer mais. Volte para suas flores  e nos deixe em paz.

— Eu só queria ajudar. Fui!

Antes de sumir, porém, sem que ele percebesse, ela jogou uma porção de amor sobre o corpo. Assim surgiu Marina, muito mais emotiva e carente do que queria Polion.

***

O Dr. Júlio, testamenteiro, leu o testamento e todos aceitaram e assinaram os documentos. 

— Ainda estou em choque, minha avó deixou minha vida toda organizada. Infelizmente não tive mais contato com ela. Agora ela se foi.

— Qual o curso que você está fazendo? — perguntou Marina.

— Agronomia. — respondeu Abdiel.

— Então vou pegar seu e-mail e manterei contato, pois a ONG precisará de um agrônomo daqui a algum tempo.

— Obrigada, dona Marina. — Assim eles trocaram contatos e a reunião terminou.

Capítulo 3. Herança

No dia seguinte, os preparativos da mudança começaram e em uma semana, estariam na casa nova. Porém, Marina tinha um trabalho a fazer e desta vez não poderia falhar e por isso, foi até lá para ver o lugar.

***

A praia estava cálida e as águas potencialmente douradas pela luz solar. As marolas com sua espuma branca se dissolviam, absorvidas pela areia. O céu estava limpo e azul claro, tornando aquele horário do meio da tarde muito gostoso para descansar.

Kailow observava todo esse esplendor, escorado em uma grande pedra limítrofe da praia. Estava em uma pequena enseada, onde, de um lado havia uma montanha, por trás da pedra onde estava e do outro, um pequeno jardim de coqueiros altos.

Estaria tudo maravilhoso, se não fossem os problemas que as vilas daquela ilha estavam  passando. Tantas dificuldades por conta da escassez de chuva. Nenhuma plantação vingou. Estava tudo esturricado pelo sol e dava pena olhas as plantas secas e sem chances de reviver. Os poços quase secos, com água suficiente só para beberem, não supriam todas as necessidades da ilha.

As mulheres eram as que mais sofriam e ele não sabia mais o que fazer. Saía todo dia para pescar, pois era o único alimento que ainda tinham, mas até isso estava escasso, ultimamente. Nem oferendas para sua deusa, tinham mais, para oferecer aquela deusa, que nunca os respondia e por isso desanimaram de colocar o melhor que tinham.

Algo caiu ao seu lado espalhando areia.

— Oi, Kai! O que faz aqui sozinho? — perguntou uma garota com jeito de menino, mas com um sorriso radiante.

— O que pensa que está fazendo, Karina? Para de ficar me seguindo! — Ele falou, com rispidez.

— Por quê você me trata assim, quando gosto tanto de você? — falou a jovem, sentida.

— Porque você é uma chata, feiosa e que me enche o saco! Cai fora daqui e me deixe em paz. — falou o grosso.

— Tá bom, tá bom, não precisa ser grosso, já tô indo.

Não parecia, mas Karina já estava com vinte anos. Seu jeito moleca de ser e seu corpo magro pelas dificuldades que passavam, faziam com que pensassem que continuava uma adolescente.

Devido a pobreza, optou por não se vestir com muito esmero. Seus cabelos poderiam ter lindos cachos caindo por suas costas, mas apenas cobriam sua cabeça, meio arrepiados.

Não tinha muitas oportunidades de crescimento em sua vila, por isso só ajudava nas tarefas, cuidando das crianças e ajudando a limpar e preparar os peixes que os pescadores traziam do mar. 

Era apaixonada por Kailow.

Mas ele nem olhava para ela, era como se ela fosse um cachorro sarnento se enroscando em suas pernas. Os dois nunca chegaram a ter uma conversa decente e ele só a via suja de peixe e ou pulando em seu caminho, antes dele expulsá-la de sua presença.

Nesta tarde em especial, logo depois que Karina saiu, foi como se ela nem tivesse estado ali, pois toda sua concentração estava no mar, como se pressentisse que algo aconteceria. Mas tudo estava tranquilo, não havia ondas, o mar estava claro e a brisa suave.

Foi quando avistou uma sombra, vindo por baixo d'água e surgiu uma mulher linda, loira, seus cabelos tão claros que pareciam brancos. Sua roupa, que parecia tecida de algas e pérolas, cobria só as partes principais do corpo. 

— Era por uma vênus assim, que eu esperava. — murmurou.

Ele se escondeu atrás da pedra e ficou observando a vênus que parecia ter saído de sua imaginação. Viu quando ela fez um movimento e uma briza mais forte a elevou pelos ares até o topo da pequena montanha, por trás dele.

Ele se afastou um pouco para poder continuar contemplando-a e viu quando ela ergueu as mãos para o céu, em direção ao mar e com os braços esticados, levantou o rosto com os olhos fechados e inspirou fundo enchendo os pulmões de ar e depois soprou.

Conforme foi soprando, nuvens foram se formando no horizonte e se agrupando. Inspirou novamente, virou-se para onde ficava a vila dos pescadores e profetizou:

— Levante-se mulher guerreira,

A terra à espera para dar frutos,

suas mãos abençoarão e seu amor prosperará a vida de seu povo.

Quando terminou de falar, Kailow sentiu uma onda de poder sair das mãos da mulher e ouviu um grito agudo ecoar, vindo da Vila. Ele reconheceu, por mais que não quisesse: 

— Karina!

Nos dias que se seguiram, o povo dos vilarejos de Crito, viu uma grande mudança acontecer em toda a ilha. A chuva caiu por três dias sem parar, até encharcar a terra, quando diminuiu, já se viam mudas brotando e árvores florescendo no pomar.

Kailow havia contado para todos o que vira na praia e todos creram que era a deusa os socorrendo. Karina havia se escondido em algum canto e ninguém sabia onde estava. Seu grito espantou a todos, mas não souberam o que lhe aconteceu.

Em uma ponta da ilha, no local mais escarpado, havia um casarão de pedra, imitando um castelo, mas de proporções menores. Aquele lugar estava desocupado a muitos anos, se dizia que Polion se escondeu ali, fugindo de seu pai, o rei, por ter criado algo sem seu conhecimento.

Mas depois que a deusa apareceu, aquele lugar estava diferente. Primeiro uma ventania o varreu e depois a chuva o lavou e agora, do dia para a noite, havia iluminação em meio às pedras que brilhavam, como se fossem cravejadas de brilhantes.

Uma semana depois, a vila de Kailow estava em polvorosa com a quantidade de peixes para limpar. O mar tinha sido generoso e as mulheres se reuniram para limpar e preparar todo aquele alimento. Foi quando Karina apareceu.

Todos ficaram espantados em vê-la, primeiro pela aparência, completamente diferente, além da autoridade em sua postura, mas ela afastou a todos, não lhes respondendo pergunta alguma e os incitando ao trabalho. Antes que iniciassem, porém, pediu que despejassem, balde a balde, os peixes sobre a enorme mesa de madeira e foi separando-os.

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